Silver escrita por Isabelle


Capítulo 33
Capítulo 32 - Charlie


Notas iniciais do capítulo

"Cansei dos meus retratos
Da falsa sensação
De ter você por perto
E não seu coração
Não me olhe desse jeito
Retoque seu batom
A sua vaidade
Faz parecer tão bom"
— Silva



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/679926/chapter/33

— Mãe, você lembra aquela vez que conversamos sobre eu sair do país?

Virei meu corpo para ela que estava ao meu lado enxugando a louça, mas parou no movimento quando escutou minha sugestão de ideia. Eu sabia que ela sempre odiara a ideia de me ver saindo do país e ir para mais longe ainda dela, contudo, nos seus olhos eu sentia a compreensão de que agora eu tinha minha própria vida e podia me virar muito bem com ela.

— Lembro, mas você nunca mais trouxe a ideia a tona.

— Bem, eu estava pensando, já que Gabi está no agora mexendo com a sua coleção nova, na França, e tudo mais, meu curso de letras é em francês, e eu estou prestes a entrar de férias, seria ótimo para eu ter uma passagem no país para colocar no meu currículo.

Olhei pelo canto dos olhos, tentando desvendar sua expressão, mas ela não parecia querer demonstrar nenhuma. Seus olhos estavam impassivos, sua coluna relaxada, e ela nem ao menos tentou fazer qualquer barulho de insatisfação. Guardou a louça no armário de cima, e voltou seus olhos para mim, mas os desviei rapidamente continuando a esfregar a panela, enquanto pensava na ideia um pouco mais, contudo, depois que Gabi e eu tínhamos conversado uns dias antes sobre isso, cada vez me sentia mais firme para concluir esses planos.

Não tinha mais nada a que realmente tratar naquela cidade. Meu relacionamento com André havia sido um dos grandes empecilhos por anos de qualquer tentativa minha de escapar, e depois que comecei a me envolver com Wade não sabia muito como ele levaria a ideia de eu passar dois meses em um país Europeu muito distantes de onde estávamos, mesmo que eu não fosse deixar que nossa relação estragasse meus grandes planos para minha carreira, porém, agora que ele já havia deixado bem e totalmente claro que o que ele desejava era somente minha amizade, não via realmente nenhum ou qualquer impedimento que não me deixasse ir para a França aproveitar um bom croissant e café na cidade-luz.

Olhei para minha mãe que mantinha uma calma extraordinária e mordi meu lábio, correndo as mãos até a torneira para enxaguar a panela. A água encontrou minhas mãos, e eu deixei com que ela as inundasse enquanto prestava atenção naquele movimento. Era quase totalmente mecânico, como aquele falso sentimento. Sempre tive uma vontade enorme de ir para Europa, mais do que tudo, contudo, esperava ir assim que terminasse a faculdade para me focar mais em oportunidades de emprego em outros países, e não voltar para a escola sem ao menos me concentrar em alguns estudos de verão, contudo, naquele momento queria usar a primeira oportunidade que pudesse para ficar o mais longe possível de Wade.

Não estava mais brava com ele, mas mesmo que tudo parecesse bem quando eu estava perto dele, meu coração batia mais fraco ao vê-lo manter aquele bloco de gelo envolta de si mesmo. Não queria que minhas pretensões de o esquecer estivessem totalmente claras para ninguém, de forma alguma, então preferia que elas ficassem bem subentendidas, principalmente por Wade. Precisava de ele entendesse que precisava de férias dele.

— Quando ia me contar sobre seu acidente de carro? — A voz dura entrou nos meus ouvidos e os fez tremer.

Congelei da mesma forma, e apenas movi os olhos para ela. Meu coração tinha começado a rir de mim, e eu não sabia como responder aquela pergunta, pois as risadas estavam tão altas que minha voz havia se assustado e fugido. Então este era o motivo do porquê ela estava ali. Um mês e uma semana depois de tudo aquilo. Este era o motivo dela ter me ligado apavorada enquanto estava pintando a parede me avisando que a qualquer momento chegaria, era exatamente por isso que eu conseguia sentir ela suar frio do outro lado da linha. Por causa do meu silencio.

— Quem te contou?

— Cameron. — Olhos de magoa.

Claro.

Cameron, mais conhecido como ex namorado da minha irmã que havia morrido em um belo acidente de carro como uma piada sarcástica de como a vida pode ser sacana com todos nós. Ele morava na mesma cidade que eu. Deveria ter descoberto sobre o acidente. Deveria ter ligado para minha mãe que ficou aguardando uma ligação minha sobre o assunto. Um assunto que em todas as nossas ligações eu nunca de maneira alguma havia mencionado para ela.

— Eu só queria saber o porquê não me contou, Charlie, principalmente algo sobre isso. Sobre sua imprudência. Sobre… Ainda mais depois de…

— Exatamente por isso não te contei. — Cortei-a.

Seus olhos se encheram de uma mágoa que eu não soube o que fazer, a não ser envolvê-la em meus braços e deitar minha cabeça em seu ombro. Meus olhos se encheram de lágrimas e eu tentei não chorar bem ali, junto a ela, que já estava chorando. Precisava ser forte por nós duas, principalmente após Mallu.

Tinha passado anos da minha vida me culpando por aquilo. Me culpando por ser egoísta o bastante, por ter sobrevivido sem nenhum dano enquanto Mallu no primeiro movimento cruel não conseguiu resistir as cirurgias. Não teve força o bastante depois de muita quimioterapia e tudo mais para continuar firme. E agora que finalmente tinha visto que a culpa não era minha, nem de Mallu, e sim daquele cara estúpido. Do ser humano estúpido que não tem a menor pretensão de fazer algo como tirar uma vida, mas sem nem perceber, em um momento ele um corpo e vários corações. Eu havia sobrevivido a dois acidentes. Dois acidentes causados por pessoas bêbadas que não veem a limitação do quão frágil é a vida humana. Por pessoas que não percebem que a vida é feito de instantes, e quando você menos espera, você acaba se tornando um.

— Sabe qual a minha memória mais clara daquela noite? — Seus olhos brilhavam.

Soltei-a levemente enquanto íamos juntas para o sofá da sala.

— A sua devoção. — As lágrimas brilharam em seus olhos.

— O que?

— Você estava toda machucada. Havia um corte gigante na sua testa, seu braço estava todo cheio de cortes e vidros. Você estava coberta por hematomas, e mesmo assim, você fugiu do quarto em que estava internada, e saiu correndo atrás de Mallu. As enfermeiras desesperadas, e quando você chegou lá, e viu que ela estava na sala de cirurgia, o seu olhar… Consigo ver ele bem agora em minha mente, Charlie, os seus olhos marcados pelas lágrimas, você desabada naquele chão gritando que você queria sua irmã…

Ela mal conseguia falar.

— Perde ela foi a pior coisa da minha vida, não consigo nem te explicar o quão dói a noite quando lembro que...

Seu peito estava inchado de uma dor que eu sentia muito bem, e nem ao menos conseguia manter as lágrimas, elas já estavam escorrendo, pesadas e silenciosas como sempre. Perder Mallu fora como ser preso em uma sala de tortura e ter que aguentar os piores tipos de tortura do mundo, e por mais que você gritasse para toda a dor para e ir embora, ela nunca iria.

Principalmente após ver Cameron, destroçado pelos vestígios do amor.

Ver Cameron era ter esperança sobre o real significado de amor verdadeiro. Ambos estavam ali. Um para o outro. Sempre. Dois anos já haviam se passado desde que Mallu havia ido embora, mas Cameron ainda estava tendo uma grande dificuldade para abrir seu coração para um novo amor. Mallu e ele tinham uma harmonia tão perfeita, que mal conseguia imaginar como deveria estar sendo para ele lidar com a falta dela todo dia ao seu lado. Como deveria ser acordar todos os dias de manhã, olhar para o lado e não ver ela jogada na cama da forma que eu tinha certeza que ela sempre estivera. Ficava imaginando em minha mente como seria ter outra pessoa em sua cama, que não fosse a pessoa pela qual você planejou passar a vida toda com.

— Sinto falta dela. — Murmurei, mas saiu como um grunhido.

— Todos sentimos, querida. — Limpou as lágrimas em meu rosto. — Mas ela sempre estará conosco, tenho certeza disso, toda e total certeza.

— Amanhã vou almoçar com Cameron, vai ser bom, fazia um longo tempo que eu não o via, desde que você o chamou para vir aqui.

— O garoto é uma graça, não quero que ele se afaste de nós só porque nossa ligação se foi..

— É como Downton Abbey, mas ele não é reprovado por ser de um padrão mais baixo que a moça pela qual ele estava apaixonado. — Disse. — Mas ambos tem o mesmo fim em relação ao amor.

— Você realmente tem que parar de ver essas séries, minha querida.

Um beijo foi depositado lentamente em minha cabeça, e ela se levantou seguindo para o banheiro. Observei-a andando, e pensei nas memórias minhas e de Mallu. Tinhamos passado tanto tempo juntas sendo rodeada pelo amor daquela mulher maravilhosa que não conseguia imaginar o quão má podia ser a vida, a ponto de levar embora de você uma das pessoas mais amadas. A pessoa que você deu a vida.

Essa era a vida.

Ela não esperava, ela apenas acontecia, enquanto estávamos ocupados demais com outras coisas.

Juntei minhas pernas dobradas perto de mim, e fiquei escutando o silêncio que me rodeava. Ele era excruciante. Eu nunca havia verdadeiramente gostado do silencio, mesmo que sempre afirmasse o contrário. Contudo, o silencio me apavorava. Fora como a vida de Mallu. Em um instante ela estava rindo para mim dentro de um carro, no outro silencio, com tudo acontecendo, médicos falando, portas sendo abertas e fechadas, carrinhos sendo empurrados, telefones tocando, pessoas falando, som da televisão ao fundo, tudo isso tinha sido silenciado pelo simples fato de Mallu ter sido silenciada, e não fora por alguns minutos por uma briguinha ridícula, fora para todo o sempre.

A porta do apartamento do Wade se abriu, e após isso se fechou. Meu coração não gritou para correr e o espiar. Ele ficou em total silencio batendo normalmente de uma maneira que pudesse ter certeza que estava tudo bem com ele. Contudo, se eu ficasse bem paradinha a ponto de conseguir escutar, eu conseguiria ouvir que na verdade ele gritou. Mas gritou rapidamente para que eu conseguisse me desapaixonar logo, e pela primeira vez em muito tempo, eu quis finalmente obedecê-lo.

☯☯☯

Mordi o pão e o coloquei de volta no prato, enquanto Cameron me mostrava suas fotografias. Ele tinha juntado uma série de fotos da Mallu antes da doença, e feito um álbum maravilhoso me mostrando sobre o seu dia a dia. Aquela era ela, totalmente alegre e ao mesmo tempo séria, com o seu olhar mortal. Tínhamos os mesmos olhos. Idênticos. Mortais. Doía olhar para eles e me lembrar tanto dela, contudo, naquele momento não era este álbum que Cam estava me mostrando, e sim, de algum batizado feito em um campo. Meus olhos deslizavam pelas cadeiras bem organizadas, e a decoração que se completava tão bem, e depois encontravam os olhos de Cameron que ficava me explicando quando e como cada evento havia acontecido. As fotos tinham uma resolução tão boa, que não havia como negar o quão bom fotografo que ele era.

— Eu adoro sabe? Como elas conseguem parar o momento e eternizá-lo.

— Um olhar para o paraíso.

— O que?

— “Eu adorava o jeito que a foto capturava um momento antes que ele acabasse.” — Peguei minha xícara. — Susie fala isso no filme.

— Oh, eu me lembro agora, aquele filme me dá calafrios.

— Ele é lindo de uma forma meio mórbida.

Dei um sorriso, ele me passou outro álbum.

Cameron era um cara normal se o analisasse normalmente, mas com uma simplicidade que o tornava belo. Os cabelos eram curtos da mesma coloração que os de Alex, e os olhos pretos eram quase tão escuros quanto os de Wade, mas tinham uma pitada de doce, que os deixavam caridoso e suaves.

Estávamos em uma cafeteria embaixo de seu prédio, pois houve um imprevisto em seu trabalho e ele não pode me encontrar para almoçar, então, ele havia me mandado uma mensagem de imediato para que eu pudesse encontrá-lo depois que me despedisse de minha mãe. Portanto, ali estávamos, em uma cafeteria pequena, com um mpb ótimo tocando ao fundo acompanhando a chuva que caia lá fora. Era confortável passar o tempo com Cameron, em todos os seus aspectos ele conseguia trazer Mallu de volta a minha mente.

— Essas não são tão recentes, devem ser de anos atrás, mas eu estava bem no começo sabe? E essas sempre foram as fotos favoritas de Mallu, achei que ia gostar de ver.

Minhas mãos encontraram o álbum, e assim que o abri minha garganta se fechou como se bolhas de algodão fossem colocadas lá, lentamente, uma a uma, sem que eu pudesse me debater ou fazer qualquer coisa para evitá-las de me sufocar.

Havia uma mulher.

Olhos azuis, lábios rosados, sobrancelhas bem-feitas, olhos focados, com uma pitada de sensualidade, corpo coberto apenas por um simples vestido rose que trazia em conjunto uma jaqueta preta que tirava totalmente seu contexto. O cabelo recém-feito em um coque frouxo que tentava lhe dar um ar mais jogado. Como se ela não se importasse o bastante com o seu cabelo. As primeiras fotos do álbum era somente dela, em vários aspectos diferentes, deslizando pelos vários ângulos da decoração da área, completamente maravilhosa. Um altar fora montado com tapetes em uma coloração meio bege, mas com desenhos que pareciam ser flores rosadas no centro de cada um deles. Ao lado dos mesmos, haviam cestos cobertos por flores, mas não sabia informar quais, já que nunca soube nome de flores. Luzes em formato de balões havia sido envoltas nas árvores que cobriam como um telhado aquele campo. Cadeiras em ambos os lados eram completamente enfileiradas, mas não era cadeiras simples, mas sim bancos acolchoados.

Eu consegui sentir a cor de meu rosto ir sumindo ao longo que passava as fotos, e ia me deparando com aquelas cenas. Não queria acreditar que aquilo poderia ser o que eu estava pensando. Não havia como Wade nunca em nosso tempo junto ter chegado a mencionar que Lorena não tinha só uma de suas namoradas, mas sim, sua mulher, da qual ele tivera um casamento que mesmo que já tivesse acabado, me fazia sentir pontadas de ciúmes bem fortes em meu estômago.

Até

que eu

o vi

e meu mundo todo parou.

— Você está bem? — Cameron disse.

Eu não conseguia responder.

Wade estava com os braços fortes envolvidos em seus ombros, enquanto ela parecia gargalhar de alguma coisa. Algo começou a fomentar em me estômago e eu precisava sair dali. Precisava olhar nos olhos de Wade e ouvir de seus próprios lábios . Eu precisava nesse instante saber se era por isso que ele estava me repelindo. Eu estava cansada de não ter mais respostas, mesmo que já tivesse dito que iria superá-lo. Por algum movito que eu não compreendia, eu estava me sentindo mais traida do que na noite em que o encontrei com uma mulher seminua por cima de seu corpo.

Peguei meu celular, olhei as horas e tentei fazer uma expressão de susto, como se eu tivesse passado do horário. Esfreguei as mãos uma na outra, retirei o álbum do meu colo, o entregando para Cameron em conjunto com um sorriso. Os seus olhos pareciam meio desnorteados e eu não sabia como explicar para ele tudo que se passava em minha mente naquele momento, porque eu mesma não sabia deduzir o que eu estava fazendo. Meu corpo apenas tinha começado a agir no automático, e estava sucumbindo a suas vontades.

— Oh meu Deus, Cameron, eu tenho muito que estar em um lugar nesse exato momento, então se puder me desculpar por sair assim.

— Com o seu olhar, nem precisa se desculpar, estou com medo. — Ele se levantou. — Você está bem?

— Sim, está tudo ótimo, eu só me lembrei que tenho que fazer esse negocio com a Jessie, e… — Me levantei, segurando a bolsa. — Muito obrigada por tudo isso, Cam, devíamos fazer mais vezes, podemos ir jantar no próximo sábado?

— Claro, por que não?

— Então, eu te ligo para combinarmos melhor, tudo bem?

Ele assentiu com a cabeça, não engolindo minha desculpa para fugir, mas sabia que ele não ficaria magoado, por algum motivo ele sabia que eu precisava fazer alguma coisa muito séria, e realmente, eu nem sabia explicar o quanto tremia naquele momento. Corri, tentando desviar das gotas pesadas de chuva e me joguei para dentro do carro, e com as mãos trêmulas segurei o voltante do carro, o guiando até em casa. Não sabia exatamente o que falaria para Wade, mas as palavras queimavam dentro de minha garganta, só esperava que no momento em que eu o visse, minha voz não resolvesse fazer como sempre e simplesmente desaparecer. Eu precisava dela mais do que tudo naquele momento. Ela era a minha única arma contra Wade.

Estacionei o carro na vaga, e vi o corpo de Wade entrando no prédio. Meu sangue ferveu, e apenas caminhei com passos pesados até ele que já estava entrando no elevador, sem me importar nenhum pouco com a chuva que me queimava antes de conseguir finalmente entrar no prédio. Bati a mão rapidamente no botão para a porta se abrir novamente, e ele me olhou assustado. Minha voz simplesmente parecia gritar para sair de mim, mas a recepção estava lotada de pessoas, e não queria fazer uma cena antes que o elevador começasse a se mover.

As portas se fecharam.

Meu corpo se virou para o dele.

Ele me olhou como se não estivesse entendendo o que estava acontecendo.

Eu queria gritar.

Não iria gritar.

Não mesmo.

— Você era casado?

Seu rosto ficou tão atordoado que era quase como se seus ouvidos tivessem parado de funcionar. Ficamos nos encarando por muito tempo, mas sua voz parecia ter se perdido. Suas mãos brincaram com seu cabelo, e o único som que nos rodeava era o barulho do elevador nos guiando para o andar de cima. Os olhos saíram de mim, e rodaram por todo o ambiente, antes de repousar por mim novamente. Meu peito subia e descia com enorme precisão, e eu precisava ouvir qualquer coisa sair de seus lábios, mas quanto mais ele demorava, mas eu via tudo desbotando. Tudo pelo qual eu ainda tinha a menor esperança, ele teve questão de matar naquele minuto.

— Você não tem nada a ver com meu passado, Charlote. — Não parecia ele mesmo.

— Charlote? — Uma risada escapou meus lábios. — Oh meu Deus, você era casado e nunca teve a remota vontade de querer me contar isso..

— Pra que eu iria te contar sobre isso? — Sua voz estava elevando o som. — Não tinha a menor necessidade de te contar, nós nunca nem ao menos começamos com o assunto de Lorena, eramos… mal namoramos por tempo suficiente, eramos como um casinho de… — Sua voz foi sumindo.

Me afastei dele.

Mesmo que aquele elevador fosse minúsculo, joguei meu corpo para longe do dele para evitar que ele ouvisse o som que meu coração estava fazendo agora que tinha se quebrado e o sangue estava vazando totalmente. Era só uma questão de tempo até que toda minha blusa fosse manchada do mais puro vermelho, e todo aquele elevador ficasse imerso no meu sangue, até que ele nos sufocasse.

— Não quis dizer isso, Charlie...

Um passo em meu rumo, me encolhi para o canto sem ousar olhar para ele. Não queria mais ouvir nenhuma palavra vinda daqueles lábios, queria apenas que ele se calasse, e que o elevador se abrisse logo para que eu pudesse sair, e evitá-lo a todo custo.

— Eu estou… — Passou a mão no seu cabelo. — Eu não sei, Charlie.

— Agora é Charlie?

O elevador parou subitamente, e as luzes se apagaram, ascendendo automaticamente as luzes de emergência. Olhei envolta mas não conseguia respirar. Minha claustrofobia começou a fazer efeito e eu não conseguia respirar normalmente. Tampei meus lábios com as mãos, e escorreguei lentamente até o chão do elevador, trazendo minhas pernas para perto de mim. Deitei minha cabeça em meus joelhos, e contei os números calmamente para não me desesperar por estar em um lugar pequeno como aquele, sem ter a remota possibilidade de sair.

Wade olhou para mim, e trouxe suas pernas com seus passos pesados para perto, mas eu apenas o mandei se afastar com um olhar que foi obedecido quase no mesmo segundo. Desta vez, fora sua vez de deslizar até o chão do elevador, mas ao contrário de mim, ele esticou suas pernas, tomando uma grande parte do espaço.

O tempo passou e eu consegui respirar normalmente sem parecer haver um peso em meus pulmões. Encostei a cabeça na parede do elevador, e passei as mãos pelo meu braço, observando o silencio que nos rodeava. Ele era tão claro que se eu quisesse poderia pegá-lo com a mão. Wade estava mexendo em alguma coisa em seu celular, mas alguns segundos depois ele cansou, e o guardou de volta no bolso, traçando um olhar com o meu. Nossos olhos se encontraram por alguns segundos, e eu senti um frio tão grande na boca do meu estômago, que tive que me forçar a desviar o olhar para não cair na tentação que ele conseguia despertar em mim.

— Você… — Ele parecia inseguro. — Estava com um cara no seu apartamento dias atrás. — Começou dizendo, e eu movi meus olhos para ele discretamente. — E hoje estava com, não sei se era o mesmo, mas estavam naquele café, rindo com trilhões de fotos jogadas em vocês, e eu senti tanta inveja porque eu afastei você de mim, e eu não podia fazer nada, porque fora como André, você o superou comigo.

Meus olhos encontraram seu rosto que estava coberto de uma cor vermelha que eu nunca ao menos havia visto. Tentei processar o que ele estava falando, mas parecia surreal demais para acreditar.

— O que? — Meus olhos queimaram. — Você é insano?

— Estava com um cara de divertindo rindo como se fossem apaixonados um pelo outro, eu nem ao menos soube lidar com aquilo Charlie, passar em frente e ver os dois rindo, foi…

— E aí por causa de uma suposição que você fez, eu sou obrigada a ter que ouvir que nós fomos apenas um casinho? — Eu estava praticamente gritando. — Achou que seria legal, falar que eu era apenas um casinho para me ver magoada?

— Não, eu só queria que você entendesse que não foi legal te ver com outro cara. André deve ter se sentido da mesma forma, eu consigo entendê-lo.

— Sim, até porque você e André são super parecidos. — Havia veneno saindo de mim. — Vocês dois me enfiaram uma faca uma nas costas transando com outras mulheres.

Ele desviou os olhos.

Mágoa, um maxilar firme, uma volta de olhar cheia de raiva.

— Sabe, mesmo que eu tenha presenciado uma cena dramática por causa de uma camiseta, eu nunca te forcei a falar sobre ela, mas não me contar que era casado?

— Você não precisava saber.

— Oh, é claro que não, éramos somente um casinho, não foi isso que você me falou. — Eu ri. — Devo ser só uma na sua lista de vítimas, quem vai ser a próxima? Outra aluna?

— Não sou eu que saio tentando superar pessoas com outras pessoas.

— Você é um estúpido que nem sabe do que você está falando. — Me levantei submersa em uma raiva que queria sair de mim. — Contei coisas para você seu idiota, coisas que pouquíssimas pessoas sabiam, e ainda me chamou de um casinho.

— E quanto tempo vai levar até que conte todas essas coisas para o senhor fotografia?

— Você realmente não tem a menor noção do que você está falando, sabe disso não sabe?

— O que, Charlie? É tão difícil admitir que realmente é assim? Que consegue superar as pessoas com facilidade, acho que seria bem mais fácil se só falasse de uma vez.

— Apenas cala a sua boca.

— Fala. — Falou bem alto. — Fala para mim sobre sua nova paixãozinha.

Soltei um bufo em raiva, e apertei meu pulso, antes de olhar bem nos seus olhos.

— Era o ex namorado da minha irmã, seu idiota. Aquela que morreu em um acidente de carro, que seu casinho aqui contou com lágrimas nos olhos, pro idiota que não sabe do que fala.

Sua voz novamente foi embora, mas não sua determinação em me irritar.

— E como diabos eu iria saber que você não estava fazendo a mesma coisa que fez com André comigo.

A luz do elevador voltou, e eu me assustei, mas isso não foi capaz para me impedir de dizer as coisas que estavam presas em minha garganta tempo o suficiente para que eu pudesse me engasgar com elas.

— Porque eu amo você, seu ridículo, e idiota. Porque você não é como o André se você ainda não percebeu isso. Você significa muito mais pra mim do que ele significou em anos de namoro. — Abri a palma da mão que estava cerrada. — Você me decepcionou de uma forma que eu nem ao menos achava que seria possível, Wade.

Passos firmes

Determinados

Olhos famintos

Mãos firmes

Passos

Passos estão estralando no chão

Estou intacta

Não conseguia me mover

Mão no meu rosto

Lábios colados nos meus

Eu d

       e

         s

          m

            o

             n

              t

               o 

Meus olhos estavam cheios de lágrimas, mas não sabia explicar o porquê. Suas mãos estavam por cima de mim, em todo meu corpo, e meu coração já estava incendiando. Ele nem mesmo tinha a possibilidade de obedecer minhas ordens porque em alguns momentos tudo que restaria dele seriam cinzas que o vento levaria para bem longe de mim, para que eu não possa nunca mais em toda minha vida ter a ousadia de cair nas garras desse amor que me enche de uma calma e uma paz que eu nem ao menos consigo explicar, mas, ao mesmo tempo, me avassala e me deixa frágil e exposta para o mundo.

Sua boca tateava pela minha com uma paixão tão vivida, mas aquele ato parecia errado. Mesmo que meu coração estivesse submerso daquele amor todo, as ações de Wade não deixavam de desaparecer. Todas elas ainda estavam a nossa volta tão claras que ficavam dançando entre nós, quando na verdade o que eu mais queria era poder esquecê-las. Eu sabia que não podia e nem conseguiria.

Puxei meu corpo para longe do dele, e o fitei sem saber o que fazer. A porta do elevador se abriu em nosso andar, e meu coração batia tão alto que qualquer som que pudesse estar se passando a minha volta estava completamente e totalmente anulado. Coloquei a mão direita no lábio e deixei o elevador com Wade me seguindo como uma sombra até a porta de nossos apartamentos.

Encontrei a chave perdida dentro da minha bolsa rapidamente, e então Wade segurou meu braço, como na noite em que ele havia me beijado pela primeira vez. Meu corpo se virou, e seus olhos encontraram com os meus, mas não fora como antes. Não havia aquela atração magnífica gritando para que eu o beijasse. Havia um tipo de dor entre aquela proximidade que mais parecia como se houvesse um rio entre nós. Puxei meu braço com a maior calma de mim, e deixei nossos corpos irem ganhando a distancia verdadeira, quando abri a porta e fui me envolvendo pela familiaridade da minha casa.

— Só… não se aproxime de mim, tudo bem?

Fechei a porta deixando que meu coração simplesmente parasse de bater.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!