Silver escrita por Isabelle


Capítulo 3
Capítulo 2 - Charlie


Notas iniciais do capítulo

"E isso é triste ao extremo, extremo, extremo
Tudo é um fardo, fardo, fardo
Quando você dá eu quero mais, mais, mais
Eu quero ser adorada"
— Marina and the diamonds



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— Eu disse para você. — A voz soou dura e crítica do outro lado da linha. Eu esperava palavras de consolo antes daquele julgamento, mas a única coisa que saiu da linha fora a dureza da voz de minha mãe. — André era um bom rapaz, mas, você se entregou muito rápido para ele. Agora está ai, em uma cidade desconhecida com três amigos da faculdade, e nenhuma família. — Meu pai parecia estar reclamando ao fundo da linha também. — Podemos te trazer de volta para casa.

— O que? — Eu disse enquanto eu procurava alguma coisa na geladeira. — Mãe, eu terminei um relacionamento, eu não fui baleada no meio da rua. — Revirei os olhos. — É só um garoto, eu posso muito bem viver minha vida sem ele, tenho meu apartamento e a faculdade para terminar. — Ela bufou do outro lado. — Alias, eu conheço a cidade sim, moro aqui há dois anos, e sei para onde tenho q ir.

— Mas filha, ficamos preocupados.

— Mãe, eu estou bem. — Eu tentei parecer mais convincente. — Sério. — Sua mãe suspirou exasperada e preocupada do outro lado do telefone. — Escute, eu tenho que ir para o trabalho daqui a pouco, então eu vou desligar agora, tudo bem?

— Você está bem mesmo? — Sua mãe finalmente assumiu a postura para te consolar.

— Sim, mãe, eu estou ótima. — Eu não estava ótima, meu coração parecia que a qualquer momento explodiria em meu peito e mancharia tudo de vermelho, mas minha mãe não precisava saber disso.

— Tudo bem então, filha. — Minha mãe não tinha engolido minha fala de quem estava bem. — Beijos, mamãe te ama, xodó.

Os meus olhos percorreram o meu apartamento e eu respirei várias vezes antes de desabar no chão, encostando a cabeça no sofá lentamente. Mu corpo todo estava exausto e saber que em poucos minutos teria que ir para o trabalho apenas tirava toda a pouca esperança que eu ainda nutria no meu coração.

O primeiro ano de faculdade havia sido totalmente tumultuado, minha aula era integral o que me tirava qualquer momento extra para ganhar um dinheiro de sobra, sem ser o que meus pais me mandavam. Achava aquilo um saco, eu havia resolvido mudar para o outro lado do país, e não achava nada justo eles ainda ficarem me sustentando. Contudo, logo no segundo ano, alguns horários vagos foram possibilitando alguns cargos curtos, e esperava que esse ano me desse uma brecha maior para trabalhar do que somente nas férias.

Faltava um eterno mês para a volta as aulas. Tempo o bastante para me acostumar a ter que encontrar com André todos os dias na faculdade. Seu curso era totalmente o oposto do meu, mas, mesmo assim, ainda teria as ótimas oportunidades do universo de esfregar na minha cara o quão feliz ele estava sem mim. Senti a vontade súbita de chorar novamente. Fazia aproximadamente uma semana que eu havia terminado a droga daquele namoro, e mesmo assim, algo dentro de mim parecia estar se rompendo ao invés de se reconstituir. Simplesmente não conseguia acreditar que depois de anos de relacionamento ele apenas tinha terminado de uma maneira tão fútil. André nunca havia sido daquela forma, contudo, nos últimos meses, ele tinha realmente ficado mais estranho.

Tudo havia começado com o fato dele ter entrado em uma das republicas, após ele decidir vender seu apartamento para poder comprar um carro. Então, a melhor alternativa fora se mudar para a republica dos seus amigos mais próximos, e desde do dia em que ele tinha o feito, algo realmente tinha se desfeito no nosso relacionamento. As festas o requisitavam mais do que nossas quintas-feiras assistindo filme. Parecia que estar em um relacionamento, não era mais a vida que ele queria levar.

Eu deitei a cabeça na porta e a abri forçando meu corpo a sair dali. Wade estava trancando a porta de seu apartamento, de uma forma que nem ao menos parecia ser a pessoa que eu havia encontrado em minha porta bêbado dias atrás. A sua barba estava bem maior, dando uma seriedade maior para seu rosto, além de uma aparência mais velha e um ar mais responsável. Sua roupa era um estilo de terno, mas um pouco mais informal, parecia mais como um adulto.

Ele se virou e encontrou o meu olhar analisando-o, isso fez com que suas bochechas ficassem vermelhas, o que me assustou. Aquele realmente não se parecia nada com o Wade que eu havia conhecido.

— Ei. — disse, tentando quebrar o clima estranho que havia acabado de surgir.

— Olá. — O olhar dele passou por mim como se tentasse recordar de algo. — Charlote, certo?

— Sim.

— Me desculpe. — A voz dele soou meio falha. — No dia em que nós conhecemos eu não estava muito bem.

— Sim. — eu disse, seguindo-o para o elevador. — Eu me recordo.

Ele afirmou com a cabeça e trocou algumas palavras com outra pessoa que também estava esperando o elevador. Eu não estava certa sobre qual era a pior coisa de toda aquela situação, o fato de ter surgido um silêncio enorme e embaraçante entre nós dois, ou o fato de saber que daqui alguns segundos eu ficaria dentro de um elevador em um silencio ainda pior. Pelo menos teria o desconhecido os acompanhando.

— Oh, meu Deus. — O desconhecido disse. — Estou esquecendo os papéis do Emerson, ele vai me matar. — Ele se virou e começou a voltar para seu apartamento.

— Quer que esperemos o elevador? — Eu perguntei, não por educação, mas sim, por o desespero em ficar sozinha em mais um silencio excruciante com Wade.

— Não precisa. — gritou de longe.

Eu engoli seco, e sorri para Wade sem graça entrando no elevador que havia acabado de chegar. Nós dois ficamos em silêncio por alguns segundos, até que Wade conseguiu esboçar um sorriso que fez com que eu o reconhecesse um pouco mais.

— Não é estranho? — perguntou para mim. — Como a gente as vezes não consegue se comunicar com as pessoas.

— Sim. — Eu afirmei, entendendo exatamente o que ele estava dizendo. — Sabe, essa situação é como encontrar um conhecido que você não tem tanta proximidade na rua, e você não sabe se o cumprimenta, ou só abaixa a cabeça e continua andando.

— Exato! — Ele passou a mão na barba, como se estivesse a coçando.

— Então, pra onde está indo usando esse terno? — encostei a cabeça numa das paredes do elevador.

— Bem, acabei de ser reprovado em um processo seletivo, então, eu vou para uma série de entrevistas de emprego. — Tentou esboçar um sorriso, mas não parecia tão confiante.

— O que você faz? — Estava com medo de perguntar após ver a falta de confiança que ele tinha no olhar.

— Eu sou escritor. — O sorriso dele novamente vacilou. — Fiz letras na faculdade, trabalhei 4 anos em uma editora, fiz minha pós, e estou terminando meu mestrado agora, mas aparentemente, agora eu teria que ser garçom para não atrasar com aluguel.

— Oh meu Deus, eu faço letras. — Olhei esperançosa para ele, mas acabei sentindo um medo súbito ao ver que ele estava tão desesperado por emprego — Mas a sua preocupação para encontrar emprego acabou de me desanimar.

— Não se preocupe, sempre existem mesas para limpar nesse mundo.

O elevador parou no térreo, e eu saí sendo acompanhada por ele com uma preocupação gigante em meu peito..

— Estou brincando, na verdade é uma área ótima. — O olhar sonhador no seu rosto realmente revelava que ele realmente achava aquilo. — Eu só não achei que editora era a área que eu queria realmente, eu sempre pensei em escrever, e não em ser editor, mas não me dei muito bem na primeira parte.

— Você escrevendo é algo realmente algo de visualizar. — Eu ri.

— Claro, a primeira impressão que deixei para você é que eu sou um bêbado que não leva a vida a sério. — Nós dois pararamos na porta. — Que ainda passou a mão na sua bunda.

— Para falar você só tentou, e aí eu dei um tapa na sua cara.

— Você me deu um tapa na cara? — O olhar dele deslizou sobre todo meu corpo analisando o quão pequena eu era perto dele para isso.

— Sim, e se fizer esse olhar para mim de novo, eu não vou vacilar em te dar outro. — Olhei convincente. — Além de que se lembre que fui eu que te coloquei dentro do meu apartamento, aquela noite. Não pense em mim como uma garota frágil.

— Eu realmente não penso. — Ele rebateu subitamente. — Muito pelo contrário.

— Muito bom.

— Preciso muito encontrar um emprego para não precisar pedir aos meus pais, e ouvir: Podia ter se tornado médico, como seu irmão, mas é isso aí, preciso pegar meu ônibus já que meu carro resolveu estragar justo nessa bela manhã de sexta feira.

Eu senti um súbito conforto naquele momento por Wade. Aquela tinha sido a exata reação dos meus pais ao descobrir que eu queria fazer letras, e eu quase desisti, se não tivesse sido por André a me ajudar e me motivar.

— Eu trabalho na biblioteca, perto da loja Americanas, se for ali perto posso te dar uma carona. — Eu disse, sentindo um rubor nas bochechas.

— Isso seria realmente ótimo, Charlie. — Ele disse, e eu sorri.

Aqueles olhares que trocávamos eram realmente um perigo.



Trabalhar era ótimo pois livrava minha mente de coisas das quais eu realmente não queria me lembrar, mas que mesmo assim, insistiam em ficar me rondando. Todas as vezes que eu parava por algum tempo, por exemplo, para beber um copo de água, tudo vinha como um soco no meu rosto. Precisava muito voltar para casa. Ao menos para passar uns dias com minha mãe. Sentia falta dela, mesmo que o jeito que ela havia reagido com as coisas aquela manhã tinha sido meio duro, mesmo assim sentia muita falta. Principalmente de suas amigas. Ainda não havia contado sobre o término para nenhuma delas. Não achava que eu estava pronta. Precisava de coragem e ela ainda estava juntando-a.

Meu celular tocou desesperadamente em cima da mesa, fazendo com que todas as pessoas que estavam lendo na biblioteca a olhasse por cima de seus ombros nada satisfeitas. Sorri para todas sem graça, e o atendi indo para o deposito onde eu tinha quase certeza de que não incomodaria ninguém.

— Charlie? — Uma voz soou animada no fundo da linha, uma voz que eu acreditava ser de Dani, mas não tinha certeza já que não era seu número na tela. — Você vai na festa amanhã, certo?

— Festa? — Eu não me lembrava de festa alguma.

— Sim, a festa do inicio da calourada. — Agora eu tinha total certeza de que era Dani.

— Oh meu Deus, falta um mês para a volta as aulas, e vocês já estão fazendo festa de recepção aos bichos?

— Claro, muitos deles querem nos conhecer.. — Sua voz soava tão animada, que parecia que ela tinha dormido com um cabide na boca.

— E muitos de vocês querem conhecer eles.

— Exato, então, você pode passar aqui em casa para me buscar? — Ela perguntou. — André vai com a gente no carro ou vai direto da república?

Dani era uma das minhas amigas mais próximas naquela loucura de cidade. Estudava na minha sala e tinha sido a primeira pessoa a realmente conversar comigo, sobre alguma coisa que não era gramática, nem trabalhos. Nós duas não eramos coladas, nem fazíamos tudo juntas, como eu costumava fazer com Gabi, na minha cidade natal, mas da mesma forma, Dani me considerava sua melhor amiga. Uma das melhores amigas para quais eu não havia contado sobre o termino.

— Dani... — A sua voz vacilou.

— Charlie...

— Alex e eu terminamos final de semana passado, não acho que vou me sentir bem indo a essa festa. — Eu disse lentamente, e fiquei esperando uma resposta, mas ela parecia chocada demais para responder.

— Vocês terminaram? — Ela gritou, quando finalmente falou. — O.k é isso, eu nunca mais acredito em amor verdadeiro em toda minha vida. Eu simplesmente não acredito, como assim vocês terminaram? — Parecia um interrogatório de filmes de detetives, onde a pessoa coloca uma luz em seu rosto e te disparava uma metralhadora de perguntas.

— Ele me pediu um tempo, e eu falei que não queria um tempo.

— Você está certíssima. — Dani disse, não parecia muito como a menina que havia me jogado um monte de perguntas há pouco tempo. — Podia ter me ligado, sabe? Teria ido ai, colocado uns filmes, maratonado alguns seriados..

— Eu estou bem de verdade. — Eu tentei persuadi-la, como havia persuadido minha mãe.

— Eu sei que não está bem. — Dani parecia estar olhando para mim naquele momento. — Você e André… nossa, vocês eram extremamente unidos, e agora isso.. — Ela suspirou. — Você acha que ele estava te traindo?

— O que? — Eu perguntei. — Não, não, acho que não pelo menos. Acho que ele terminou comigo para não me trair.

— É, isso faz sentindo, mas do mesmo jeito, achei muito de repente esse termino, Charlie. Eu sempre achei que seria madrinha de vocês dois.

— Pelo visto não. — Dei uma risada sem graça.

— Mas você tem que ir, Charlie.. — Dani voltou ao assunto que eu queria tanto que ela esquecesse.

— Olha…

— Por favor, por mim… — Ela implorou. — Matt e o Fernando estarão lá com a gente, você não pode perder essa festa. Os professores vão nessa festa, Charlie, a gente nunca perde uma. — Ela tentava usar suas artimanhas. — Eu estou te implorando de joelhos. Por favor, por favor, por favor.

— Tudo bem. — Eu concordei, sem querer concordar.

— Sério? — Ela deu um gritinho eufórico, e eu me afastei um pouco do celular. — Tudo bem, então você passa aqui para me buscar?

— Com certeza.

— Você é a melhor, Charlie. — Ela disse, e desligou.

Eu realmente sentia que aquela festa seria a pior decisão que eu tinha tomado, e eu realmente devia ter começado a dar ouvido nas minhas intuições naquela época, porque os desastres que sucederam aquela festa foram piores do que qualquer um poderia imaginar.


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