Silver escrita por Isabelle


Capítulo 15
Capítulo 14 - Charlie


Notas iniciais do capítulo

"Se alguém acreditasse em mim
Eles estariam tão apaixonados por você como eu estou
E todos os dias
Eu estou aprendendo sobre você
As coisas que mais ninguém vê"
— The XX



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Deslizei lentamente a porta do meu quarto, e observei Gabi dormindo no colchão com a cara toda amassada. Minha mãe fazia companhia a ela no colchão ao lado, também deitada com a cara amassada, mas diferentemente de Gabi, ela roncava, e eu não fazia ideia de como Gabi não tinha acordado com aqueles barulhos.

Eu tinha ficado horas no quarto com o fone de ouvido fingindo dormir quando na verdade só estava esperando dar duas horas. Não tinha visto Wade aquele dia. Eu, Gabi e minha mãe saímos cedo aquele dia para que eu mostrasse a cidade para elas. Não que tivesse muito o que ver, mostrei apenas as coisas comuns, como o shopping e a avenida principal. Almoçamos no shopping mesmo, e depois fomos ao cinema. Wade havia me mandando apenas uma mensagem perguntando se eu iria essa noite, eu apenas respondi com um s, e voltei a me focar na minha companhia aquela tarde.

Tive que ter o maior cuidado possível ao deslizar por entre o corpo delas, eu estava de coturno, um dos meus sapatos mais quentes, pois estava muito frio, além de silencioso quando eu pisava no chão, bom para não acordar nenhuma das duas que poderia me encher de perguntas. A porta da frente fora a parte mais difícil pois ela sempre fazia um barulho estrondoso ao ser aberta. Esse era o jeito que Wade e eu sempre sabíamos quando estávamos chegando um no apartamento do outro. A porta era o nosso sinalizador.

Girei lentamente a chave, e forcei-a para dentro, depois a puxando para fora lentamente, o que foi um erro, pois o barulho estrondoso, se dividiu em partes e foi saindo em sons arrastados até eu a abrir por inteiro. Olhei por cima do ombro para ver se uma das duas havia acordado, mas mamãe dormia como a Aurora, e Gabi parecia da mesma forma. Bem, se ela não tinha acordado com os roncos de minha mãe, provavelmente nada a acordaria.

Fechei a porta atrás de mim, e fui até o elevador. Me dei por aliviada por não ter ninguém acordado aquela hora, mas me dei por errada quando a porta do elevador se abriu em meu andar, e Noah estava parado lá com seu uniforme de policial. Bati a mão na minha testa quando ele abriu um sorri largo e maldoso enquanto apertava o botão de espera do elevador.

— Doce? — O sarcasmo brilhava em sua voz. — Hoje é a noite internacional da madrugada das garotas? — Perguntou e eu não entendi.

— O que? — Eu perguntei realmente sem entender nada.

— Nada, mas entra aqui, já que encontrei com você quero falar sobre um assunto sério. — O maxilar que antes estava relaxado em um sorriso se tornou firme.

Entre no elevador, evitando a porta de se fechar e Noah olhou firmemente para meus olhos. Havia uma coisa diferente nos olhos dele aquela noite, como se uma coisa muito boa e ruim tivesse acontecido. Senti um frio no estômago ao pensar que Wade já deveria estar la embaixo me esperando.

— Li uma ficha na delegacia hoje, sobre você, e um cara que tentou…

— Não foi nada, Noah, de verdade. — Menti.

— Não minta para mim, doce, nós dois sabemos muito bem que isso é muito grave. Podia ter me chamado na hora, você sabe que eu ajudaria.

— Sim, eu sei, mas, tudo aconteceu tão rápido que eu nem pensei em te envolver, Noah. — Desabafei. — Sinceramente, eu estou bem, não tão bem como poderia estar se isso não tivesse acontecido, mas estou bem e estou aprendendo a lidar.

— Tem certeza?

— Absoluta. — Sorri fracamente para ele.

— Então agora vai me explicar, o que está acontecendo? — Seus olhos desceram pelo meu corpo e eu me senti levemente desconfortável.

— Sabe, você é um policial, mas eu não exitaria se precisasse dar um soco na sua cara.

Ele soltou um sorriso de canto de lábio que me lembrava muito a Wade.

— Não vai subir num prédio e tentar se jogar também? — Deixou os ombros relaxarem.

— Como assim? — Eu disse, e apertei o botão para o térreo. — Teve que salvar alguma suicida hoje a noite?

— Meio que sim, mas ela afirma que não era uma suicida. — Ele passou a mão nos cabelos e sorriu tão abertamente que meu coração pesou.

— Noah, você se apaixonou pela suicida? — Perguntei, e o sorriso desapareceu de seu rosto.

— Você é maluca? — Ele revirou os olhos. — Mas para de mudar de assunto, você ainda não me disse, o que está fazendo aqui.

— Bem, eu acho que… — mordi meu lábio sem entender. — Acho que estou indo para um encontro.

— As duas da manhã? — soltou um riso leve. — Acho que sabemos o que vai acontecer nesse encontro.

Dei um tapa no seu peito, mas tenho quase certeza que minha mão doeu mais do que o tapa, notei isso principalmente após ele fazer uma careta tentando não romper o silencio que havia ficado com uma risada alta.

A porta do elevador se abriu, revelando o térreo, não tinha entendido porque não havíamos ido para a cobertura, que era onde Noah morava, antes de irmos para o meu andar, mas não liguei, apenas escutei Noah me dizendo para me cuidar, e saí do elevador, já eram duas e quinze da manhã, e a noite jogava rajadas frias de vento em mim.

Wade estava me esperando ao lado de seu carro. Estava usando uma jaqueta jeans, e calças moletom, e quando me viu, deixou um sorrio estampar seus lábios. Meu coração começou com aquilo novamente. As batidas estavam rápidas e descompassadas. Meu peito se encheu de ar e por algum motivo eu não soube como soltá-lo. Não conseguia nem ao menos fitá-lo nos olhos, e agradeci pelo escuro da noite, tendo certeza de que ele não poderia me ver direito, nem ao rubor rosado que se espalhou pelo meu rosto, quando ele pegou minha mão levemente dando um aperto, e abriu a porta do carro para eu me sentar.

— Onde vamos? — Perguntei quando ele se sentou ao meu lado, mas ele apenas deu de ombros, e dirigiu noite a fora.

O sorriso no olhar de Wade me deixava ao mesmo tempo que empolgada, com um peso no coração. Tentei supirar firme e manter o olhar virado na cidade e não nele, enquanto deslizávamos pelas ruas. Não reconhecia o lugar que ele estava me levando, até pensei em perguntar novamente, mas sabia muito bem que ele não iria me responder. Continuaria mantendo seu mistério de sempre.

— Você viaja que horas hoje? — Perguntei, ainda mantendo os olhos fora do carro.

— Daqui três horas por quê?

— O que?

— Minhas malas estão todas colocadas no porta-malas, saio 5 e meia da manhã, esse é a nossa despedida.

— Vai ficar fora uma semana, e não o resto do ano.

Ele sorriu de lado e deu de ombros.

— O que seus pais foram fazer morando em Nova Iorque? — Eu perguntei.

Ele apenas fez uma careta e continuou dirigindo.

— Desculpa, é só que — disse — A gente se conhece há um tempo já, e eu não sei muita coisa sobre você.

Sorriu de lado.

— Tudo bem, amor, só estou pensando em um jeito de te falar. — Deu meio de ombros, os olhos focados na pista. — Bem, meus pais não moram em Nova Iorque, ele moram no Canadá, sempre moraram, mas minha mãe veio para cá numa viagem totalmente mal organizada, e acabou tendo que me ter aqui, e de repente foi levando a vida até, sabe? Se cansar e querer voltar.

Eu deslizei no banco colocando os pés no painel, mas Wade não pareceu se importar.

— Meu nome é Wade por conta disso, eu acho. — Ele olhou para mim rapidamente. — Eu nunca cheguei a perguntar qual o motivo do meu nome ser Wade, nem acho que deva ter um significado.

Eu ri.

— Quando eu tinha 12 anos minhas amigas fizeram isso entraram nessa de procurar significado de nomes, e aí eu descobri o significado.

— Qual é?

— Eu não vou te dizer. — Virei o rosto.

— Tudo bem, eu procuro depois, é para isso que existe a internet.

Revirei meus olhos e bufei.

— Mas pera, Alex não disse que você ia para Nova Iorque? Como ele…

— Alex não sabe muito bem da minha vida, a não ser onde eu moro e talvez o meu tipo favorito de cerveja.

— E você nunca pensou em falar alguma coisa para ele?

— Eu não conheço Alex há muito tempo sabe? — Os olhos castanhos estavam parecendo se lembrar do dia em que eles haviam se conhecido. — Deve fazer, uns 6 meses. Nós nos conhecemos em uma noite que eu fui pro bar, fiquei bêbado da mesma forma que eu estava quando você me conheceu, e ele me levou para casa. — Tem um tipo de brilho diferente nos olhos dele. — Sabe? Ele podia ter me deixado numa vala qualquer pra morrer engasgado com meu próprio vomito, mas ao invés disso ele foi até o outro lado da cidade me levar para casa.

— Isso sim é uma pessoa de bom coração.

— Sim, boas como as que deixam você bater a cabeça com tudo no chão quando vai ter colocar para dentro do apartamento. — disse.

— Ei, em minha total e plena defesa, você tentou abusar de mim aquela noite. — Respondi.

— O tapa não foi o bastante? — Seus olhos vieram até o meu.

— Não. — Eu disse corando lentamente, enquanto ele estacionava o carro.

Passei minhas mãos nos meus braços cobertos por uma fina blusa e aproximei minha cabeça do vidro do carro, tentando enxergar onde estávamos, mas não tinha a menor ideia, a única coisa que sabia é que minha respiração se condensava no vidro quando eu respirava muito próximo a ele, sabia também que meu coração estava batendo tão rápido que conseguia escutá-lo claramente, e tinha tanto medo que Wade possa escutá-lo também. Esperava que não. Meu Deus, como tinha medo de virar a cabeça e ter os olhos de Wade me analisando. Sabia que não poderia me conter a isso, meu coração ia explodir se sim.

Respirei profundamente e virei o rosto. Wade tinha a cabeça tombada como se estivesse tentando ler meus pensamentos enquanto achava graça de eu estar tão preocupada, eu tinha tanto medo de como ele me lia com tanta facilidade. O cheiro dele inundava o carro todo, e eu queria poder ser capaz de guardar aquele cheiro comigo para toda a eternidade. Queria poder guardar Wade por toda a eternidade, queria deixá-lo em um lugar escondido do meu corpo em que ninguém pudesse desconfiar dos meus sentimentos culposos. Sentimentos que estavam fermentando tão rapidamente.

— Em que está pensando, amor? — Disse com um sorriso maldoso no rosto, como se gostasse de brincar com aquela palavra.

A palavra amor entrou em meus tímpanos, e foi sendo transmitida por todo meu corpo, até chegar em meu estômago e virar uma pedra de gelo, congelando tudo, até mesmo as borboletas agitadas. Todas elas estavam paradas, sem saber como reagir a tudo que estava acontecendo ali, e eu nem mesmo sabia o que estava acontecendo.

Os olhos castanhos deles se mantiveram firmes em mim, e eu pensei na música da banda legião urbana. “A tempestade que chega/ é da cor dos seus olhos castanhos”. A tempestade que vinha bagunçando aquele cômodo que eu estava tentando organizar em meu corpo, Wade vinha bagunçá-lo lentamente com suas palavras e gestos.

— O que estamos fazendo aqui? — Ousei quebrar o silencio.

— Quero te mostrar uma coisa. — Ele abriu a porta do carro, e eu soltei a respiração que nem sabia que estava segurando, e o acompanhei.

A mão dele veio entrelaçar entre meus dedos enquanto ele me conduzia para dentro do pequeno beco. Por mais estranho que aquilo fosse, eu sabia que deveria estar com medo da situação, contudo, não estava, não estava nenhum pouco, pois eu confiava em Wade com uma força que parecia até mesmo ingênua, uma força que eu sabia que romperia meu coração de uma forma muito, muito dolorosa, contudo, naquele momento, eu não estava nem ai.

Entramos em um tipo de casa, bem afastada de onde ele havia deixado o carro. Um cheiro de suor e bebidas vinham em meu olfato tampando o cheiro tão doce de Wade. Ele continuou me levando dentro da casa, até chegarmos em uma porta nos fundos. Bateu duas vezes, e dois olhos escuros apareceram o fitando. Wade sorriu para o rosto, e a porta se abriu quase que imediatamente, a pessoa parecia totalmente feliz em vê-lo ali.

— Wade, meu rapaz, não aparece aqui faz muito tempo, muito tempo mesmo. — disse o abraçando. — Cristina, vem aqui ver quem veio

Era um homem, com um cabelo ralo e olhos que aparentavam ser bem carismáticos. A moça, Cristina, na verdade não era uma moça, mas uma senhora com olhos tão doces que eu queria a abraçar no momento em que a vi. Ela veio andando lentamente até Wade, e deixou um sorriso aberto repousar em seus lábios quando o viu.

Não entendi muito bem o que estávamos fazendo ali, nem como aquelas pessoas estavam acordadas numa hora daquelas, porém, eles pareciam estar bem acostumados com tudo aquilo.

— Não acredito rapaz, não vem aqui, desde? O que? Desde os 19 anos? — Ela deu uma risada.

— Acho que é mais ou menos isso. — Nunca vi Wade corar tanto em minha vida.

— Venha, venha, entre.. — Ela disse o puxando, quando moveu seus olhos até mim. — E essa moça bonita, quem é?

— Essa é a Charlie, Cristina, ela é uma amiga.

— Uma amiga? — Cristina riu. — Sei. Então venham, meus tesouros, vou levar vocês até lá.

— Se eu pudesse eu queria levar Charlie até a sala, mas só com a sua permissão. — Wade tinha soltado a minha mão para segurar a dela.

Ela olhou pensativa para Wade que a olhava com esperança nos olhos, e sorriu. Um sorriso tão calmo e doce, que eu poderia jurar que ela deveria ser vó dele, a doçura era uma coisa tão presente em sua personalidade que eu queria que ela estivesse olhando para mim daquela forma.

— Claro que você pode, mas vá rápido. — Uma risada fraca passou pelos seus lábios. — Eles vão pintar a parede do meio logo logo.

— Obrigada. — Ele disse e saiu andando.

Não entendia nada do que estava acontecendo ali, e Wade não parecia muito determinado em me contar. Para ele estava sendo extremamente engraçado me manter no escuro.

Entramos numa sala escura, e Wade pegou minha mão lentamente, deslizando aquela mão firme e um tanto áspera na minha, enquanto a porta atrás de nós se fechou. Algum tipo de música somente instrumental tocava lentamente, e meu peito pesou com meu coração sapateando. Pensei que era algum tipo de sala de susto, mas não via porque Wade me levaria para uma sala de susto três horas antes de viajar, não fazia o menor sentido, mas, de qualquer forma, estava com uma pitada de medo, mas tentei respirar profundamente. Wade nós puxou até o meio da sala de onde de alguma forma ele pegou uma lanterna para ele, e entregou outra para mim. Eu não entendi muito bem o que eu devia fazer, e fiquei esperando Wade me dar algum sinal para poder ligá-la, mas a respiração de seu peito estava pesada, e eu senti sua cabeça encontrando a minha, depositando um beijo bem em minha cabeça. Meu corpo todo estremeceu.

Tentei respirar fundo, mas minhas mãos tremiam tocando as dele, e eu não queria me manter afastada. Queria que o corpo dele estivesse perto do meu, depositando aquele calor tão confortável que ele emanava, aquele conforto. Wade era meu melhor amigo, o que era ridículo desde que eu o conhecia a tão pouco tempo, mas ele tinha se tornado tão importante para mim. Aproximei seu corpo ao meu, e depositei minha cabeça em seu ombro, seu corpo que antes estava tenso, relaxou, como eu, ele parecia estar prendendo o ar, e só agora ter descoberto como soltá-lo.

— Minha mãe costumava me trazer aqui quando eu era mais novo. — Ele sussurrou tão baixinho como se houvesse várias outras pessoas na sala conosco. — Depois simplesmente se tornou um hábito tão necessário que eu não consegui parar, e quando entrei na faculdade tudo simplesmente parou. Minhas visitas ficaram menos interessantes, e eu me sinto culpado por ter deixado esse lugar. — Soltou um suspiro. — Tem um café ali na frente, bem antes, onde as pessoas leem seus poemas ou coisas desse tipo.

— O que é esse lugar? — Eu disse enfim, e ele riu lentamente.

Deu alguns passos de onde estávamos, e iluminou com sua lanterna em cima da parede. Haviam milhares de frases escritas em toda a parede, mas a que estava mais iluminada dizia:

Hoje comi pão no almosso, foi o melhor almosso, mamãe promete traser mais quando puder” - LM, 12 anos.

Meu coração se apertou em mil pedaços. Não conseguia respirar. Era muito triste e profundo. A parede toda era linda e profunda, expondo diferentes sentimentos, e histórias, frases curtas que deixavam tudo mais calmo, ou aliviavam dor ou até mesmo queriam chocar.

Apertei a mão do Wade com tanta força e tentei não me romper em lágrimas, peguei a minha lanterna e apontei como Wade havia feito, absorvendo as palavras, desejando-as cada vez mais..

Te amei com a mesma intensidade que ontem. Você também. Também me desprezou com a mesma intensidade que ontem.” - JS, 23 anos.

Hoje o dia vai ser bom” - AM, 34 anos.

Quero o meu coração de volta. Meu coração que foi embora quando ele me fez perder a única coisa que seria boa na minha vida.” - para meu bebê que nunca nasceu.

Gosto de como seu sueter verde cabe em mim. Não gosto da forma que ele também cabe nela” - PA, 18 anos.

Era pura poesia na mais pura forma que eu já havia visto. Sabia que Wade estava me estudando, mas a presença dele havia parado de fazer tanto impacto quanto aquelas frases. Soltei a mão de Wade, pois minhas mão tremiam muito e eu não conseguia deixar de vasculhar cada pequeno canto daquela parede. Senti meu coração pulsar rápido.

Hoje ele bateu de novo em mim, eu o amo tanto, por que ele continua fazendo isso?”

Gosto dos lábios dela quando mesmo na penumbra, ela ainda sorri para mim” -JG

Dona Cristina me deu comida hoji, obrigada dona cristina”

Meu coração em pedaços,

Não conseguia respirar

Wade parou atrás de mim, eu respirei fundo.

Meu coração apenas parou.

— Você está bem? — Sua voz soou preocupada, como se ele não conseguisse ler minha expressão e perceber que eu não sabia nem dizer as coisas que passavam pela minha cabeça naquele momento.

— É tão… — Eu coloco uma mão na boca, enquanto meus olhos ainda deslizam pela parede. — É poesia da mais simples forma, não é como um poema que é um gênero textual, todo metido que precisa de versos, estrofes, e tudo isso. É...

— Eu sabia que você ia gostar. — Ele disse me cutucando com alguma coisa. — Vamos lá, escreve alguma coisa na parede. — Me entregou um canetão.

Olhei para o canetão e não soube muito bem o que fazer.

— Eu não sei o que escrever. — Eu disse. — Simplesmente não tenho o que escrever depois de tanta devoção em tentar deixar um pedacinho de si nessa parede.

Wade deu de ombros e cruzou meu espaço escrevendo alguma coisa. Tentei ver o que era mas ele apenas ficava bloqueando a minha vista. Bufei lentamente, e fui até a parede. Tentei lembrar de algum verso de música e poema que eu pudesse me lembrar, mas nada me vinha a cabeça, por fim escrevi bem pequeno em um lugar

Você vai ficar por quanto tempo? Preparo um café ou preparo a minha vida?”

Não me lembrava se a frase era mesmo da Clarice Falcão, então preferi deixar sem assinatura para o caso de estar errada. Wade já tinha se afastado da parede onde ele havia escrito e estava olhando algumas pinturas do outro lado, havia uma parede somente para pinturas da mesma forma que havia para escrita.

Os retratos eram a maioria de crianças. Haviam crianças abraçando as mães, cachorros ou rindo, falando sobre a família, amigos, escola, mas também haviam imagens perturbadoras como uma em que a criança havia se representada agachada no chão, de uma forma bem simples, e atrás havia uma figura de um homem grande. A frase embaixo era bem simples “ Odeio quando papai chega em casa”. Não sabia lidar com aquilo.

— Quero te mostrar outra coisa. — Ele sorriu, e foi andando em direção ao meio da sala novamente, onde depositou sua lanterna. — Vamos?

— Claro. — Sorri, ainda passando a lanterna sobre algumas frases tentando absorver tudo.

Iluminei uma lentamente e vi uma letra borrada, mostrando que tinha acabado de ser feita. A cor ainda estava vibrante, e as letras meio tremidas. Não era uma letra feia, mas também não podia afirmar ser bonita. Levei um tempo até conseguir entender o que estava escrito, e foi como ter meu coração explodindo e manchando aquelas paredes tão bonitas com a tinta vermelha que eu carregava em minhas veias. Wade me chamou novamente, e eu o segui. Ele não parecia ter sabido o que eu havia lido, mas as palavras não iriam sair da minha cabeça.

Mordi meu lábio levemente para não abrir um sorriso quando cheguei ao seu lado.

Você é como a poesia mais linda que eu já li, para falar, você é exatamente como um sorvete de limão.” WJ

Fomos andando até outra parte em uma outra casa onde havia um pequeno show. Reconheci a música sendo tocada, era Nando Reis, e eu não pude deixar de abrir um sorriso gigante enquanto Wade me locomovia entre todas aquelas pessoas. Porque eram muitas pessoas. Eram quase três da manhã e muitas pessoas se colocavam em mesinhas e ficavam observando o show, algumas até mesmo cantavam juntas. Não tinha um lugar com tantas pessoas que eu me sentisse tão à vontade, como me senti naquele. Simplesmente não sabia como lidar.

— São tantas pessoas. — Eu tive que ficar na ponta dos pés para alcançar o ouvido de Wade.

— “A noite é dos poetas, das putas, e dos que morrem de amor.” —Ele deu um sorriso lateral, seu típico gesto. — Neilla Albertina.

— Quem? — Perguntei, não fazia ideia de quem era.

— Não faço ideia. — Murmurou novamente em meu ouvido.

Eu ri, mas parei assim que o braço de Wade deslizou pelos meus ombros e ele me puxou para mais perto.

— Seu cheiro é tão bom, por que você cheira tão bem? — Ele pergunta, solto outra risada.

— Eu costumo tomar banho regularmente.— Eu disse, não querendo revelar que adoro o cheiro dele.

— Não se afaste, me deixe usufruir dessa fragrância que você carrega em si.

Sua cabeça estava colada na minha, seu corpo estava colado no meu, não conseguia me mover, e não queria. Oh Meu Deus, o que eu estava fazendo comigo? Não podia fazer aquilo. Parecia anos desde que eu havia terminado com André quando Wade chegava perto de mim, eu simplesmente esquecia totalmente sobre ele, e sabia que isso era muito errado. Não podia colocar Wade naquele buraco machucado que meu coração estava.

Ficamos ali em pé, parados, até conseguirmos nos sentar, Wade buscou alguns cachorros-quentes para comermos, e deixamos a hora passar sem nem ao menos perceber que ele tem que ir para o aeroporto. Que o céu que estava extremamente escuro, não está tão escuro mais. É claro que ainda está uma escuridão extrema lá fora, mas não como antes. Não mesmo. Eu queria poder paralisar aquele momento por horas e horas. Queria ficar sentada naquela cadeira, enquanto a menina do cabelo rosa cantava alguma música de alguma banda indie que eu não conhecia, com Wade depositado ao meu lado, enquanto eu balançava a cabeça ao ritmo da musica. Queria ser capaz de ouvir, nem que ao menos fracamente, as batidas de seu coração, e saber se elas estavam quase tão descompassadas quanto as minhas naquele momento. Queria levantar meu rosto e ter coragem suficiente para olhar em seus olhos, mas isso era o que mais me faltava. Coragem.

— Oh meu Deus! — Ele exclamou com preocupação, se levantando. — Tenho trinta e cinco minutos para chegar no aeroporto.

— Está brincando com a minha cara, certo? — Eu me levantei.

— Vamos? — Riu, achando graça de toda a situação.

— Wade?

— Agora de preferência. — Ele saiu me puxando.

Eu tentei abafar uma risada, sem sucesso, enquanto ele puxava meu braço e fazia com que nós dois deslizássemos pelas pessoas. Não haviam tantas como quando havíamos chegado, mas elas ainda eram muitas. Fomos rindo até o carro, onde continuamos rindo quando Wade deslizava pelas ruas em uma velocidade que eu mesma sabia que se Noah estivesse no turno daquela noite, e o pegasse, alguém estaria realmente encrencado. Porém, ele parecia não ligar, e muito menos eu.

Estacionamos em frente ao aeroporto, e eu quis morrer, ele estava realmente muito atrasado. É recomendado que se chegue duas horas de antecedencia em voos internacionais, e estávamos ali vinte e cinco minutos antes. Wade ainda tinha que fazer check-in, despachar a bagagem, eu tinha certeza que ele não poderia mais viajar. E

Ele puxou as malas do carro, junto com uma bolsa e saiu em disparada correndo.

— Wade, o horário de check-in já acabou, você… — Eu disse ofegando, correndo em meio ao aeroporto.

— Eu fiz online. — Ele gritou, deslizando pelas poucas pessoas pingadas.

Chegamos no balcão, e uma moça com os dentes perfeitos e um cabelo ainda mais perfeito, totalmente alinhado sorriu para nós. Ela estava usando uma camiseta branca, e tinha um casaco azul por cima desta. Wade mostrou o check-in pelo celular, e ela bufou um tanto brava.

— O senhor está um pouco atrasado. — O sorriso com a fileira de dentes impecaveis continuava lá. — Você sabe que para voos que internacionais com mais de uma parada, além de conexão, você deve chegar dentre duas a uma hora.

— Todo mundo se atrasa, não é mesmo, moça? — Ele riu. — Já fiquei nove horas sentado numa daquelas cadeiras da área de espera por conta de vocês, então vocês não vão me culpar por conta disso, não é mesmo?

— Mas senhor…

— Por favor, o avião ainda não decolou, e tenho certeza que nem está fechado. — Ele sorriu para ela, e eu revirei os olhos. — Preciso muito decolar nesse voo, minha mãe, faz meses que eu não a vejo então..

— Também não vejo minha mãe a meses. — A moça soou ácida, olhando para mim, mas depois transferiu um olhar caridoso para Wade. — Vou ver o que posso fazer por você, mas pode se encaminhar para aquela área ali para despachar a sua bagagem, que eu vejo que não é muita. — Parecia um robô treinado para falar, mas preferi não comentar nada enquanto Wade pegava o cartão de embarque. — Você despache, vá parar...

— Eu sei, — ele olhou no crachá que ela tinha no peito. — Rebecca, muito obrigado de coração.

— Sem problemas. — Ela disse, e eu jurava tê-la visto piscar, mas podia estar imaginando.

Wade despachou sua mala em menos de 10 minutos, e logo após isso nós fomos achar sua sala de embarque. Não era um aeroporto muito organizado, para mim parecia um grande barracão, mas apenas segui Wade, até que ele parasse em frente a sala. Havia um homem que estava carimbando alguns cartões de embarque de outras pessoas, e Wade tirou um peso do peito.

— Então é aqui. — Ele sorriu para mim, e eu assenti com a cabeça. — Já ia me esquecendo. — Enfiou as mãos no bolso. — A chave do meu carro, volte em segurança para casa.

— Pretendo.

Ele olhou para mim, e eu fiquei fitando-o que nem uma idiota, tentei sorrir, mas mal consegui um meio sorriso. Os olhos deles estavam deslizando pelo meu corpo, e eu ruborizei como sempre. Levantei o braço para dar um soco no ombro dele, mas ele puxou-o e me trouxe para perto dele. Enrolei meus braços envolta de seu pescoço, enquanto os dele estavam firmes na minha cintura. Senti o cheiro dele com força, tentando memorizar como era exatamente. Deslizei os dedos pelo seu cabelo e tentei orar para que meu coração não parecesse muito desesperado, não tinha certeza que tinha tido êxito.

Afastei-me dele lentamente, e sua respiração estava beijando minha bochecha, tão leve, tão calma, meu estômago petrificou. As mãos de Wade que estavam na minha cintura deslizaram levemente até minhas mãos, nossos lábios estavam centímetros de distancia, e meu coração parecia que iria sair pela minha boca para impedir que ele me beijasse. Soltei o ar lentamente e trouxe uma das minhas mãos até seu rosto. Senti a linha fina que descia desde a maça do seu rosto até seus lábios. Tinha certeza que as pessoas nos observavam, mas eu não ligava. Só queria saber de seus lábios, a grossura deles, o quão bem desenhado eles eram, a fina linha que eles formavam quando ele estava bravo ou entediado. Queria que aqueles lábios tocassem logo os meus.

— Ultima chamada para o voo 878 com destino a São Paulo conexão com Otawa. — A voz no alto-falante disse, e foi como se recebêssemos um choque de realidade.

Minhas mãos se afastaram dele, e ele me deu uma risada sem graça.

— Você tem que ir. — Afirmei.

— Vou sentir sua falta, amor.

— Sei que sim. — Respondi com um toque de convicção.

Ele revirou os olhos, mas também abriu um largo sorriso.

— Também vou sentir sua falta. — Eu disse, e ele se virou, indo.

Fiquei parada como uma idiota esperando que ele entrasse no portão de embarque, seus olhos encontraram os meus uma última vez antes que ele desaparecesse, e eu senti meu coração pesar, e uma vontade súbita de bater minha cabeça em um daqueles pilastres. Eu tinha me apaixonado por Wade, sem dar espaço para respirar após André. Eu realmente queria gritar. 


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Notas finais do capítulo

O capítulo ficou gigante, mil desculpas ♥



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