Silver escrita por Isabelle


Capítulo 10
Capítulo 9 - Charlie


Notas iniciais do capítulo

"Eu tenho tentado ficar de fora
Mas há algo em você
Eu não posso ficar sem
Eu só preciso disso aqui"
— Daughter



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Sentei no sofá ao lado dele, e senti o cheiro de sabonete e algo mais, acho que de menta. Meus olhos deslizaram por seu corpo bem lentamente, e eu podia ver pelo canto dos olhos que ele me observava enquanto eu o fazia, então apenas revirei os olhos e coloquei a pipoca no espaço que havia entre nós. Não era muito grande, mas longo o bastante para mim, eu estava tentando me manter confortável e eu realmente estava, era tão estranho como era fácil passar o tempo com o Wade sem nem ao menos precisar conversar com ele. Sentada naquele sofá enquanto O Cuble dos Cindo passava na TV, eu poderia ver isso tão claramente quanto vidro. Ele havia se tornado meu melhor amigo em tão pouco tempo, e eu realmente agradecia sua presença naqueles dias nublados, mal podia esperar pelo sol novamente. Odiava me sentir daquela forma por apenas um garoto.

Minha mão desceu até a pipoca e levemente encontrou a de Wade. Dei uma risada para aliviar a tensão que brotou no ar, e ele me acompanhou. Eu não sabia o que estava acontecendo ali, e nem mesmo queria pensar, simplesmente não poderia lidar com uma coisa dessas num momento como aquele. Era como em um vídeo que eu havia visto e continha a frase “antes de entrar deixe sair”, eu não estava pronta para colocar Wade na minha vida daquela forma, e parecia bem claro que ele também não queria entrar, o que me deixava um pouco mais relaxada.

Ficamos em silêncio em quase todo o filme, tirando algumas vezes que riamos juntos, ou parávamos para comentar sobre algum personagem ou alguma cena. Wade estava um pouco tenso comparado a todos os outros dias, e eu realmente queria me ousar a perguntar o porquê, contudo, não achava seguro. Parecia que se por algum momento eu fosse tocar no assunto, ele explodiria, então achei melhor deixar para outro momento. Talvez quando ele estivesse mais calmo.

Naquela manhã eu só sabia me lembrar dele, o que foi bem estranho já que havíamos nos visto muito pouco aquela semana, somente algumas vezes quando eu ia a seu apartamento porque Alex me chamava. Contudo, senti uma falta enorme deles, até mesmo de Alex, por incrível por pareça. Era estranho como depois de todos aqueles anos na cidade meus amigos verdadeiros serem duas pessoas que eu conhecia há duas semanas.

Na quarta-feira a noite, eu estava pronta para ir dormir. Tinha colocado meu pijama do star wars, enchido uma leiteira de água para fazer um chá, quando ouvi batidas fortes na porta. Me assustei e escorreguei lentamente para olhar no olho mágico. Alex estava parado lá, com um olhar que me assustou um pouco, mas, mesmo assim, eu abri a porta. Ele sorriu e disse que estava indo conversar com o Wade, e que queria que eu estivesse lá. Pensei que seria algo sério, mas no final ele apenas havia me chamado para ficar deitada no sofá falando sobre nada com os dois. Fora o meu melhor dia com eles. Nunca me senti tão acolhida.

Então aquele dia me senti muito segura quando o trabalho acabou e eu pensei em comprar pipoca e uma guaraná para efetivar meus planos era passar toda aquela sexta- feira no sofá assistindo a minha série. A semana tinha passado tão rápido que eu nem mesmo havia visto sexta feira chegar, e como eu mal havia visto Wade, pensei em chamá-lo para ver um filme, que ele optou por ser em seu apartamento. Haviamos chamado Alex também, mas ele não havia aparecido, então começamos assistir sem ele, um filme que ambos já havíamos visto, contudo, dessa vez com a leve diferença de estarmos juntos.

Estava impressionada comigo mesma, e me sentia mais forte do que tudo. André tinha me ligado diversas vezes por toda a semana, e o que eu fiz fora ignorar, até eu cansar e trocar de número, para que nem ele e Dani pudessem ficar me ligando ou mandando mensagens. Uma parte de mim já tinha superado, mas é claro que ainda havia aquela que o amava, bem lá no fundo, mas faltava muito pouco para vomitar todas as borboletas restantes no meu estômago, e poder finalmente respirar um ar totalmente novo.

— Você acha que eu deveria ter um gato? — Wade disse, prestando atenção nos créditos que corriam pela tela da TV.

— O que? — Perguntei, me apossando da vasilha de pipoca com as últimas pipocas. — Um gato, por que quer ter um gato?

— Eu não sei, parece aconchegante, não acha? — Ele ainda fitava a TV.

— Ah, sim, ter um bichinho é aconchegante, eu só não acho que você sei lá… — Cogitei bem antes de dizer. — Teria tempo para cuidar dele?

— Está dizendo que não me acha responsável o bastante para cuidar de um bichinho? — Os olhos dele foram em mim, e eu apenas sorri.

— Basicamente isso. — Dei de ombros.

— Eu posso cuidar de um bichinho. — Disse insultado. — Veja só, eu cuido de você. — Abriu um sorriso gigante, e começou a rir.

Peguei a pipoca restante na vasilha que era somente os milhos e joguei nele, me arrependendo minutos depois ao ver a bagunça que havia causado. Sorri de lado, e deslizei do sofá até o chão, agachando para recolhê-los. Wade também fez a mesma coisa, e aquilo me lembrou a noite em que eu havia ficado bêbada ali. Eu não me recordava de muita coisa, mas podia afirmar com certeza que quase havia beijado Wade, e eu realmente não poderia questionar. Wade não era o tipo de homem que se despreze. Ele era extremamente gentil (na maioria das vezes), lia livros ótimos, e muitas vezes os emprestava para mim, além de ter uma aparência que uau.

— Você gosta do seu emprego? — Ele perguntou para mim.

Eu tive que refletir um pouco sobre aquela pergunta. É claro que era ótimo, e o salário não era tão ruim, e eu podia ler nas horas vagas, mas na maior parte era monótono. Não eram muitas as pessoas que realmente iam na biblioteca municipal por interesse próprio. A maior parte ia por trabalhos da faculdade, então sempre tornava um lugar mais calmo, o que na maior parte era ótimo.

— Sim, e não. — Sentei no chão com as pernas cruzadas a sua frente. — Sabe, é ótimo, mas muito monótono.

— O que você quer ser? — Ele perguntou encarando meus olhos.

Novamente outra pergunta totalmente abrangente.

— Escritora? — Disse, com duvida, e ele ergueu uma sobrancelha. — Eu não sei, acho que sempre quis ser escritora, mas nunca escrevi nada concreto, alguns poemas velhos, uns textos vazios, mas não sei, a monotonia não me deixa ir muito longe. Eu estava pensando que a faculdade me levaria para alguma área.

— Você percebe que você acabou de fazer poesia? — Ele disse e riu.

— O que? — Perguntei.

Ele abriu um sorriso e disse:

Nunca escrevi nada concreto

Alguns poemas velhos

Uns textos vazios,

Declarações de amor clichês,

Mas não sei,

A monotonia não me deixa ir muito longe.



Eu sorri nem ao menos tendo consciência do que eu havia acabado de fazer.

— Percebe?

— Falando assim até parece que foi algo grande, mas foram só…

— Palavras que saíram de você. — Ele realmente fazia meus ouvidos vibrarem pelas suas palavras. — Você é uma poesia ambulante, Charlie, percebi isso no primeiro dia que coloquei meus olhos em você. — Os olhos dele desceram por todo meu corpo, focalizando bem nos meus olhos ao dizer as próximas palavras. — É uma pena que André não soube te ler.

Senti todo meu corpo estremecer após escutar aquilo, e quase o beijei. Não queria estar sentindo aquelas batidas fortes, mas elas estavam disparando, fazendo com que minha mão suasse de uma forma que me deu medo. Eu precisava parar aquilo antes que se tornasse algo perigoso.

— Mas você não sabe o que quer de verdade? — Ele percebeu o quão desconfortável eu fiquei, e mudou de assunto.

— Não, eu quero trilhar o caminho, sabe? Aquele ditado de não poder perder o caminho, ter que aproveitar, porque a gente nunca sabe como vai ser o destino, é mais ou menos isso.

— Sabe, Charlie, eu era muito parecido com você, primeiro eu pensei em fazer jornalismo porque achei que era uma área que me adaptaria melhor, e depois do nada eu me achei em letras. Fiquei lutando por tempos por essa vontade minha de fazer letras, e no fim acabei fazendo. Queria ser escritor no começo também, e de repente eu era editor. Numa sala com um computador, lendo coisas que outras pessoas estavam fazendo, vendo todo aquele potencial e me sentindo um tanto mal por aquilo. Então eu saí, achando que ia fazer algo maior, e na verdade, eu não fiz nada a não ser perder esses anos

— Eu sei como é isso. — Passei a mão nos braços. — Sabe, eu me senti perdida no ensino médio inteiro, e quando encontrei letras eu quis logo me refugiar ali, mas não sei se é o que eu quero fazer para todo o sempre, me entende?

— Sim, Charlie, mas do que qualquer um. — Ele pegou a palma da minha mão, e ficou brincando com ela. — Esse sentimento vem da sociedade que te impõe que você precisa se encaixar em algum lugar, e esse lugar provavelmente tem que ser em um apartamento legal, com amigos legais, com um emprego ótimo que você detesta, mas finge que gosta para agradar a sociedade, e fingir que te agrada também porque o salário é ótimo.

Eu adorava aquilo nele. Aquelas conversas profundas e ao mesmo tempo nada a ver que ele começava. Adorava o cheiro do seu apartamento, principalmente naquele momento que estava cheirando a pipoca, misturando com o cheiro de sabonete que ele tinha no corpo. Aquilo me trazia confiança total, como se estivesse em casa.

— Wade sábio você é. — Disse imitando o mestre Yoda, de star wars.

Ele riu e apertou de leve a minha mão. Eu não sabia que aquilo provocava os mesmos choques elétricos nele como provocavam em mim, eu só sabia que estava com medo, por isso, apenas ri, e puxei minha mão de leve disfarçando em ter que fazer outro rabo de cavalo.

— Você já escreveu alguma coisa? — Perguntei. — Algum poema cafona, letra de alguma música, textão no facebook?

— Já escrevi muitas coisas, mas hoje em dia prefiro pensar que não escrevi. — Os olhos dele olharam para o teto.

— Ei, eu quero ler essas coisas.

— Se me deixar ler algo seu. — Disse, com o maxilar cerrado.

— Combinado. — Disse, por fim, e sabia que aquilo nunca aconteceria. Seria mais facil o mundo explodir do que eu conseguir mostrar as coisas que escrevia para ele.

— Mas, você ainda escreve? — Me atrevi a perguntar.

— Eu perdi a vontade nos últimos meses. — Ele disse seco.

Queria muito perguntar sobre aquilo, e estava quase o fazendo, quando alguém bateu à porta. Meu coração fez um súbito aperto por não tê-lo mais só para mim, com suas frases elaboradas, e seu conhecimento. Ele sorriu para mim de leve, e se levantou, passando a mão no meu cabelo para bagunçá-lo enquanto seguia o caminho para a porta. Revirei os olhos e me levantei, levando a vasilha de pipoca até a cozinha enquanto Wade atendia a porta. A primeira batida veio da vizinha de cima. A que ele tinha comentado que gritava demais quando transava com o namorado, a vizinha que eu me recordava levemente de escutá-lo dizendo que já havia ficado. Os dois ficaram rindo e conversando na porta alguns minutos sobre alguma coisa que eu não consegui escutar, mas quando Wade voltou trazendo dois potes de musse de maracujá, acho que entendi. Me senti incomodada por aquele sentimento que eu havia ficado por ele rir com a moça que ele já havia ficado. Eu realmente precisava respirar, e para com tudo aquilo.

Sentamos no balcão e comemos juntos, sem ter a discussão de antes para debater. Ela tinha se perdido no ar, como o silencio que nos rodeava. Não era aquele silencio incomodo que você fica olhando para os lados tentando saber o que dizer. Era um silencio confortável, como se nos dois conseguíssemos ler os pensamentos um do outro, então, não havia necessidade nenhuma de trocar palavras.

A segunda batida veio meia hora depois, quando Wade e eu resolvemos fazer um bolo. Tínhamos separado todos os itens, quando Wade teve que deixá-los esparramados, enquanto atendia a porta. No fim, era somente Alex usando o que parecia ser um terno do começo dos anos 80 colorido de azul. Larguei a vasilha na pia, e fiquei o encarando, tentando entender o que estava acontecendo.

— Abriu esse bar temático dos anos 80, a inauguração é amanhã, e você vai também. — Ele disse para Wade, e parou subitamente quando viu que eu estava ali.

— Bar temático? Inauguração amanhã? Por que está vestido assim então? — Wade perguntou.

— Assim como? — Perguntou, como se ele não tivesse percebido que tinha saído de casa com um terno colorido.

— Alex, seu terno é azul cor cobalto, voltou a moda isso? — Eu perguntei, colocando farinha em uma xicará.

— O que? — Disse com aquele ar insultado. — Esse é meu terno favorito para reuniões, fiquei até tarde no trabalho, ninguém me leva a sério e as vezes acabo tendo que ficar nessas reuniões idiotas até tarde.

— Nem imagino o porquê ninguém te leva a sério. — Wade deu de ombros, enchendo outra xícara de óleo.

— Afinal, o que vocês dois estão fazendo?

— Vamos fazer um bolo.

— Vocês estão bêbados? — Perguntou olhando sério para nós dois, Wade se virou para ele.

— Que pessoas que você conhece que precisam ficar bêbados para fazer um bolo?

— Vocês dois? — Ele parecia estar chutando, mas não tinha muita certeza pois não tinha visto sua expressão fácil porque estava colocando os ingredientes no liquidificador. — Estou falando sério, Wade, vamos?

— Se eu falar que sim, você simplesmente vai me deixar em paz? — Revirei os olhos, vendo Charlie rir baixinho.

— Eu ajudo terminando de fazer o bolo, que provavelmente deve estar horrivel com vocês fazendo.

— Então, claro, por que não?

— Então, com licença. — Alex veio para a cozinha.

A cozinha de Alex era bem maior do que a do meu apartamento, e completamente menos organizada. Os copos ficavam juntos com os pratos no armário que ficava na parede acima da pia. O forno estava em uma repartição desse armário, mas não parecia ser muito usado, para falar eu nem entendia porque Wade tinha todas aquelas coisas uteis na cozinha se nem mesmo ele usava.

Estava parada na pia perto do forno onde havia uma tomada esperando o liquidificador parar de bater todos os ingredientes, e Wade estava ao meu lado em frente ao forno, tomando o espaço. Alex tentou o empurrar quando veio, mas ele apenas apontou a palma da mão demonstrando para Alex esperar, e quando desviou, ele deslocou as mãos bambas no ar para minha cintura, indo até o outro lado, ainda ao meu lado, e me fitando. Meu sangue todo gelou, e escorregou lentamente para minhas bochechas. Sabia que ele estava me fitando, mas eu apenas sorri para ele fingindo que nada havia acontecido, não podia ter acontecido nada, tudo aquilo vinha da minha cabeça, uma manifestação estranha da minha superação de André, seria ter atração por outros caras, nada mais que isso, mas, na verdade, eu sabia que era bem mais que isso pois o meu coração parecia tão rápido que eu quase gritei para ele parar de fazer aquilo.

Após colocar o bolo no forno, esperamos algum tempo sentados no balcão de Wade jogando cartas. Ganhei três rodadas seguidas, e Alex falou que não havia graça em jogar comigo, então após isso, eu tive que ficar observando enquanto os dois jogavam. Quando o bolo ficou pronto, eu tive que colocar a mão na boca para não soltar uma risada alta. Ele tinha ficado seco e não havia crescido nem ao menos um pouco.

— Foi uma ótima ideia tirar Charlie e colocar você, Alex, realmente muito boa. — Wade encostou no armário e sorriu cinicamente.

— Oh, o bolo dele ao menos assou, acredite, se eu tivesse feito, esse bolo não seria nada. — Dei um sorriso para Wade e ele retribuiu.

Meu coração começou a solavancar de novo, então apenas peguei três colheres e comecei a comer o bolo murcho, que até estava com gosto bom, para esquecer aquilo. Não podia estar acontecendo comigo. Simplesmente não podia.


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