Ainda lembro do dia em meu amigo imaginário, Magus, nasceu. Tinha acabado de anoitecer e eu voltara de um passeio no zoológico. E no auge dos meus quatro anos de idade, tive uma experiência bem marcante. E Magus acabou surgindo de extremos opostos. A mistura do animal que mais gostei de ver, o Macaco Cebuella pygmaea, com o que achei mais nojento, o Sapo Bufo americanus. Então, o Magus era um, digamos, Sapocaco? Ou seria Macasapo? Não sei!

O que me lembro é dele ser muito fofinho e sempre ser divertido. Vivemos muitas aventuras juntos!

Subimos em árvores, nos sujamos de lama, tomamos banho de chuva. Fizemos tudo o que crianças fazem, porque tenho certeza que ele era tão infante quanto eu.

Claro que, sempre nos divertíamos quando éramos apenas nós dois. Quando estava com outros amiguinhos, podia vê-lo apenas nos observando. Se os nossos olhares se cruzassem, ela apenas acenava e sorria. Ele deixava eu ter meus momentos com meus “amigo de verdade”, como todo bom amigo imaginário deveria fazer. Eu acho! Até porque não sei quais são os códigos deles. Se é que há algum.

Magus era meu amigo para todas as horas!

Conforme os anos foram passando e com meu amadurecimento e crescimento, fui me esquecendo cada vez mais dele. Até que foi completamente, ou eu achei que fosse. Não o via, não o ouvia e nem conversava com ele.

Minha vida passou a ser de como qualquer outra criança mais velha. Brincava com meus amigos, assistia desenhos e jogava videogame.

Cheguei a adolescência e depois alcancei a fase adulta mais rápido do que pude notar.

Eu me tornei desenhista profissional. Trabalho com animação, cartoons e quadrinhos.

Casei, tive um filho, porém, circunstâncias da vida fizeram com que me separasse de meu ex-marido. Tentamos ter a melhor divisão possível em relação ao nosso filho. Só que existem dias em que apenas não dá! Não dá para aguentar certas coisas que ele fala e faz com o pequeno. Imagino o quanto o pobre menino deve ficar confuso com os modos que cada um dos pais tem com ele. E olha que ele só tem 4 anos.

E sabe, eu não tinha esse problema na idade dele. Meus pais estão juntos há mais de 30 anos e são muito felizes.

Não que seja culpa do meu filho, mas não consigo me imaginar na posição dele. E eu tenho uma parcela de culpa pelo que ele passa.

Toda essa situação me traz um enorme bloqueio. Eu simplesmente não consigo fazer um traço e não apagá-lo depois. Saudades de quando os tempos eram mais simples e minha única preocupação era o que eu brincaria com o Magus.

***

Estou sentada na sala da minha casa, em mais um momento e um dia que nenhum dos meus traços ficavam no papel por mais de cinco segundos. E são nessas horas em que torno altamente nostálgica, porque acho que algo no passado e na nossa história nos faz lembrar os reais motivos e o que nos levou a ser quem somos.

Recordei a faculdade, meus desenhos do ensino médio, os da infância, até cheguei em alguns lapsos de memória com algo extremamente confuso e abstrato. Rabiscos de uma criança muito pequena, ou melhor, um eu muito pequeno. E veio uma mão semelhante à de um sapo que me guiou para um traço mais firme e com forma de alguma coisa. E ao olhar para o lado pude ver o Magus, que logo me disse que teria talento para ser desenhista se desenhasse daquele jeito e fosse me aperfeiçoando cada ve mais. E não foi que eu segui o conselho dele?

E uma inspiração muito forte me atingiu em cheio...

Corri até a minha mesa de desenho, no escritório da minha casa e comecei a tentar relembrar de mais detalhes do meu amigo imaginário e fiz um desenho dele. E o meu lado criança se acendeu em um enorme sorriso quando acabei.

Fui buscar meu filho na escola e assim que chegou correu para o meu local de trabalho, como sempre faz, para ver o que desenhei naquele dia. E a reação dele foi imediata:

—Mãe, que bichinho engraçado é esse?

—Este é o Magus. Era meu amigo imaginário. Digamos ele seja um Sapocaco.

—Sapocaco? - perguntou com os olhinhos brilhando - Que isso?

—Uma mistura de Sapo e Macaco.

E o encanto dele foi tão grande que passei vários dias e horas contando as aventuras que tive com Magus.

***

O desenho ficou pendurado na parede, perto da minha área de trabalho. Sempre usei o meu lado mais infantil para conseguir fazer este trabalho, contudo os problemas estavam se sobrepondo a isso. Tive que puxar uma memória bem mais forte para me manter inspirada e motivada.

E a motivação que Magus me deu foi tão grande, que acabei fazendo diversas páginas de uma história nova. Um mundo com criaturas fofinhas que são misturas de animais que conhecemos. E na história tem uma menininha, que ouso dizer ser um alter ego infante meu. Uma menina sonhadora e que adora bichinhos e coisas fofinhas. E claro, temos o fiel companheiro dela, o Sapocaco... Tá, eu coloquei o nome de Magus também.

***

Em mais uma das longas tardes de trabalho, com meu filho brincando por perto em seu quarto, pude ouvir ele conversando com alguém e rindo. Eu sei bem o que é um som de brincadeira e não era isso. Tinha realmente alguém conversando com ele.

Minha curiosidade foi enorme e levantei para ir vê-lo. Qual não foi a minha surpresa quando vi um monstrinho de olhos grandes, corpo de sapo, rabo e orelhas de macaco. Meu filho logo me notou:

—Ah, olá, mamãe! Eu e Magus estamos brincando juntos. Não é legal?

Apenas sorri para os dois, como que dizendo um sim. Magus estava exatamente do jeito que me lembrava. Ele olhou diretamente para mim, piscou os enormes olhos e sussurrou:

—Obrigado! Obrigado por nunca ter me esquecido. - pude ouvir com a vozinha aguda dele

Mais um sorriso e uma lágrima vieram de mim. Deixei os dois sozinhos novamente.

Não queria atrapalhar As Novas Aventuras de Magus, que, com certeza, meu filho contar-me-ia depois, já que estava muito ocupada contando As Aventuras de Magus. O pequeno monstrinho, a menina e suas grandes aventuras de criança.