Era da Opressão escrita por P B Souza


Capítulo 5
04; sem mais Castigos


Notas iniciais do capítulo

Capítulo novo depois de sumir!
E agora sim, agora vai!
Vamos engatar na revolução e só parar quando o golpe acabar :v ~indireta dada Mr. President~



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04; sem mais castigos

Escola para moças Licenas. 17/02/0165

Estado Cinque é dividido em vários distritos, alguns nobres, outros pobres, outros nem uma coisa nem outra. Um destes distritos é I Cinque Quartieri, do italiano “distrito dos cinco”, é um bom distrito, tradicional e antigo com casas valorosas e famílias de boas linhagens que remetem aos braços que ergueram Estado Cinque.

A escola para moças Licenas ficava no quarteirão formado pelas vias Di Santa Caterina, Ca’ Dolce, Del Gozzi e Del Gesulti. Diferente de boa parte das construções que ainda mantinham a arquitetura veneziana do renascimento, aquele quarteirão havia sido demolido e reerguido do zero seguindo os novos desenhos.

A escola para moças Licenas havia, no ano 37 da segunda Era, sido um dos primeiros projetos a incorporar a nova arquitetura em sua construção, abordando as tendências geométricas exatas. O retângulo formado pelas vias possuía uma parte de seu terreno sem construção, usado como jardim que ocupava metade da extensão total do mesmo, a outra metade estava uma construção em forma de cubo, de concreto branco e liso, cinco andares, a divisão dos andares puxadas para dentro como se um cordão apertasse naquele lugar, e invés do cordão um detalhe em granito de cor salmão que brilhava com o sol. O prédio todo remetia a cuidado e fragilidade, impondo aquilo a todas que entravam nele. Dali não saiam mulheres, saiam damas!

O terreno da construção era do mesmo nível em toda sua extensão, tal como todo Estado Cinque. As vias possuíam um sistema de drenagem de água e haviam sido elevadas, assim como em toda a cidade, dessa forma na maré cheia as vias continuavam secas. Veneza, outrora uma cidade inundada, era agora uma cidade seca.

O problema de Veneza na primeira Era, era o fato de todos dizerem que a cidade estava afundando, e que em poucos anos seria engolida pelo mar e desapareceria, virando casa de peixe, porém terremotos sempre foram imprevisíveis, e foi esse evento que salvou toda a Itália de um fim certo. Durante a guerra que deu fim a primeira Era, um bombardeio com mísseis de alto poder de destruição seria feito contra a Itália, os mísseis viriam da Croácia do outro lado do mar Adriático, porém minutos antes do bombardeio que teria, supostamente, terminado a guerra, o terremoto aconteceu, o mar mudou alguns centímetros a favor de Veneza que teve suas vias desafogados. O terremoto jogou milhões de litros de água salgada em cima da enorme costa da Croácia, e todos os mísseis explodiram no terremoto destruindo o que o horrível terremoto não destruiu. Por esse evento a Itália inteira subiu alguns centímetros no nível do mar, enquanto os vizinhos do mar Adriático afundaram alguns. Acasos do destino criaram as condições perfeitas para o surgimento de Estado Cinque.

Por essa razão todas as vias antes aquáticas estavam, agora, secas e livres da água que antes ameaçava a cidade e que agora só aparecia durante o período da maré cheia, mas não subia além de três centímetros sob os pés graças ao sistema de drenagem da cidade, que era muito eficiente.

A escola para moças ficava localizada no segundo mais eminente distrito de Estado Cinque, e com uma localização excelente, entre vias amplas onde o transporte era fácil e rápido. A Escola ali significava o valor que o Governo dava à boa educação, sendo que apenas as filhas de pessoas importantes estudavam ali, não adiantava o dinheiro, o que comprava sua vaga era seu prestígio e o quanto você era reconhecido no Estado e sua família era influente. Em suma, o que comprava sua vaga era o seu sobrenome.

Por dentro a escola possuía um pátio interno. Seu centro era vazio e sacadas internas rodeavam o prédio, fazendo vários níveis como uma colmeia, as salas de aula eram em formatos curvos e ficavam em volta deste pátio interno, subindo andar por andar. Existia no meio deste pátio um círculo de quatro metros de diâmetro com o elevador, parando de andar em andar, e, ao se olhar para cima, pode-se ver as passarelas e colunas segurando o tubo do elevador e ligando-o aos vários pontos do prédio. Entre as passarelas os galhos das árvores que cresciam do chão ao topo, passavam frondosas com suas folhas verdes iluminadas pelo sol filtrado entrando pela claraboia no telhado.

No pátio interno as meninas estavam reunidas em volta de Elizabeth Allen, que estava com o nariz torto e cheio de sangue pelo rosto que cobria com um paninho de seda branca, agora vermelho. Ela estava sentada no sofá branco e bege que já possuía algumas pintinhas de sangue. As outras meninas falavam uma entre as outras de como Elizabeth havia sido corajosa e justa. Fora do círculo de meninas duas empregadas trabalhavam na limpeza, uma delas com um pano esfregava o chão enquanto a outra torcia um segundo pano que soltava o vermelho do sangue no balde de água atrelado ao carrinho da limpeza.

O elevador não estava ali, uma segunda menina tinha subido nele para o quinto andar, o único andar da escola que não possuía salas de aula. Era apenas contabilidade, sala de reuniões, estoque, livraria reservada, conselheira e etc. E tinha também a diretoria.

O elevador parou, com seu típico solavanco e ela sentiu o frio na barriga enquanto esperava a porta se abrir. Dentro da caixa de ferro, Alayza Rothschild respirava como um toro ignorando todos os costumes de boa educação que recebeu ali. Ouviu o som das portas deslizando, olhou para o teclado na parede do elevador e o número cinco tinha uma digital em vermelho de sangue.

Não é o meu sangue pelo menos… estou bem ferrada. Ela pensou então, saindo do elevador com as mãos fechadas, os dedos estavam doloridos, os nós de seus dedos ralados tinham sangue da menina que quebrará o nariz na porrada, o sangue de Elizabeth, e ela estava decidida a não baixar a cabeça. Ela nem mesmo estava errada.

De onde viera Elizabeth já teria apanhado bem antes. Eu suportei até demais. Tentava justificar para si mesma.

— Eu vim…

— Falar com a diretora, para o que mais você sobe aqui, menina? — A secretária disse sem nem mesmo olhar para Alayza, simplesmente destravou a porta da diretoria como se quisesse que a menina sumisse logo dali. “Você suja o ambiente” Uma das faxineiras tinha lhe dito certa vez.

Alayza também não se incomodou, seguiu em frente. Quando pegou na maçaneta da porta sentiu os dedos escorregarem no metal quando o girou e o sangue de sua vítima sujou mais coisas, abriu a porta e quando soltou a maçaneta encarou a própria mão, estava inteira suja de sangue, como se tivesse enfiado a mão na carcaça de um boi, agora a maçaneta também estava.

— Elizabeth Allen, filha do banqueiro Richard Allen. Não apenas um banqueiro, o mais importante banqueiro desse Estado, provavelmente um dos mais ricos cidadãos. — Era a diretora, Mônica Sanches, uma odiável mulher de voz irritadiça, aguda e metálica, cabelos castanhos claros, olhos castanho escuro, pele branca e lisa como um mármore, provavelmente tão fria quanto. Hoje ela usava um chapéu de veludo turquesa com desenho em renda que cobria metade do veludo, um colete fino com um broche de ouro com o semblante de Licenas.

Alayza levantou a cabeça com todas suas forças para a diretora, percebeu que tinha começado a tremer quando deu um passo e quase caiu, mas continuou mesmo assim, foi até a mesa da diretora e se sentou rapidamente.

— Educação nunca foi o forte do seu povo. — A diretora disse em um tom de decepção.

— Pois é! — Alayza grunhiu baixinho feito um corvo esfregando as mãos na parte interna de seu colete na esperança de que saíssem limpas, mas isso não aconteceu.

Alayza, por sua vez, usava sua roupa de escola; camisa branca, porém, como as suas eram velhas, já estavam amareladas, uma gravata padrão azul marinho, porém, a sua estava com uma mancha de produto de limpeza, colete azul marinho com o símbolo de Licenas no peito, porém, assim como a gravata o colete estava manchado, e saia até os joelhos cheias de riscas em relevo, e nisto Alayza estava de acordo, pois sua saia estava apenas gasta, e por fim os sapatos de couro brilhante, porém os de Alayza não brilhavam, pois ela não tinha dinheiro para engraxar. Ela era uma adorável menina de dezessete anos, com expressivos olhos azuis-escuros quase castanhos que ela detestava, pois sofria com sensibilidade a luz, cabelos negros e tão raivosos quanto ela, pele branca e o rosto com sardas de um bronzeamento incompleto e constante de dias de trabalho ao sol mesclados com dias de falta de trabalho. Seus lábios eram finos e seu nariz pequeno. Se fosse rica ela poderia ser mais bonita, mas não era, nem nunca seria, então sua beleza era engolida pela sujeira de unhas malfeitas, cabelos ressecados e quebradiços, pele oleosa, falta de modos, e a lista continua.

— Como disse?

— Me dá logo a suspensão…

— Você me ouviu falar de quem ela é filha?

— Um idiota rico, como todos aqui…

— Todos não! — Mônica disse com seu nariz em pé. Alayza também não facilitava, mantinha sua voz rebelde e irônica, o tom ácido de quem não se importa, mas, na verdade, se importava, não por si mesma, estava pouco se lixando para seu futuro, mas tinha outra pessoa com quem se importava; Sua mãe.

— A me desculpe, esqueci que tem mais umas trouxas como eu para serem humilhadas e terem que…

— Chega! — Mônica pontuou. — Não quero saber de quem mais está aqui, sinceramente não sei o que você faz aqui. — Mônica disse com desdém.

Eu passei. Ela pensou. Vocês me escolheram, não fui eu. A culpa é de vocês e do maldito processo!

— E então o que vai fazer? — Tinha aprendido a nunca falar o que pensava de verdade, normalmente seu pensamento era de gente de baixo, nunca condizendo com os pensamentos da gente que estudava e morava por ali.

— Alayza essa é a terceira vez esse bimestre. Ano passado e retrasado você veio aqui mais que todas as outras meninas juntas. Agressão, ofensa verbal, péssimo comportamento, falta de decoro, desobediência, ofensa a professoras…

— E sempre fui eu a culpada né? — Alayza perguntou nervosa, mas sua pergunta não exigia resposta.

— Não levante sua voz, menina! — A diretora lhe respondeu como uma dama responderia, voz baixa e controlada, nenhum sinal de hostilidade além de um olhar fustigante que feria mais do que os gritos.

— A claro, porque quando elas estão me xingando tudo bem, mas quando eu revido então…

— Você é culpada! — Mônica concluiu. — Quer que eu admita que a filha de uma costureira de Cravo e Rosa tem razão sobre a filha de um banqueiro de Cinque Quartieri?

Alayza não respondeu, não falou nada, não tinha o que falar, nem mesmo corrigiu a diretora sobre o nome de seu distrito.

— Exatamente. Você sabe como isso seria errado. E como prejudicaria a todos…

— Menos a mim, que sou inocente. Você fica defendendo uma mentira por causa da profissão do pai daquela nojenta…

— Você veio de Rosa e Cravo…

— Eu sei de onde eu vim, volto para lá todo dia. — Alayza disse nervosa, toda vez Mônica errava o nome do distrito e concertava depois. — Eu sou a nojenta, sou a porca, sou a suja… o que mais?

Disse com o mesmo desdém que Mônica usava, mas isso não agradou.

— Desta vez, porém, eu não posso limpar sua sujeira, você atacou a filha de um influente banqueiro e não importa se eu queira ou não, — Mônica desviou o olhar, Alayza podia não admitir, mas Mônica vinha fazendo o possível para mantê-la ali, mesmo sem Alayza cooperar. — Dessa vez você está expulsa.

Alayza levantou o rosto para encarar o de Mônica, que por sua vez encarava a parede, como se o quadro nela fosse mais interessante que Alayza, que não encontrou palavras.

— Arrume suas coisas, avise sua mãe, ela tem que vir cuidar da transferência para as escolas do seu distrito, e você vai perder seu passaporte para este distrito, isso sou eu, fazendo o bem para você, porque se você voltar aqui o pai dela vai querer acertar as coisas.

— Um riquinho? Você acha que eu tenho medo de riquinhos? Que eu tenho medo de você? E dessa escolinha cebola? Acha que eu queria estar aqui?

— Pode se retirar, mocinha! — Mônica disse pondo o ponto final na conversa, não queria discutir, nunca queria, não era dever da dama discutir.

— Posso te fazer uma pergunta? — Alayza se levantou, então antes de sair parou com as mãos em cima da mesa, deixando uma marca vermelha.

— Considere a última! — Concedeu.

— Você disse que dessa vez não pode limpar minha sujeira, mas se pudesse… limparia?

— Não! — Mônica respondeu severa, no mesmo instante, não precisou sequer pensar a respeito.

— Obrigado! — Alayza abaixou a cabeça.

Obrigada! — Mônica corrigiu-a, mas Alayza pareceu não se importar e continuou seu caminho à saída.

Mônica olhou para seu reflexo turvo na janela, voltou para sua mesa pensando se tinha sido dura demais com a menina, mas ela tinha que fazer isso, Alayza não poderia mais voltar para aquele distrito em segurança, Richard era um homem extremamente vingativo. E, mesmo sendo cruel com Alayza, Mônica mais uma vez tinha limpado sua sujeira impedindo que ela voltasse para aquele distrito. Não era maldade como as outras pessoas e a própria Alayza pensavam ser, era compreensão. Mônica sabia muito bem como Alayza se sentia, já tinha passado por tudo aquilo. Ela mesmo havia sido uma das aceitas no processo um dia.

Duas horas depois Alayza tinha terminado de esvaziar seu armário e arrumar suas coisas, já estava do lado de fora da escola olhando para o prédio que chamava de Cebola Feia. Encarou o último andar como se Mônica estivesse na janela olhando para ela. Achou-se uma idiota e então voltou a andar.

Desceu a escada da calçada até a via Di Santa Caterina onde a mureta sempre trazia as placas para manter distâncias dos trilhos.

A maioria das vias possuíam trilhos para os trens leves. Comboios de não mais que dois vagões com no máximo 15 metros cada vagão, podiam levar até 48 pessoas sentadas nos seus confortáveis bancos, não era permitido viajar em pé, as janelas não podiam ser abertas e o ar-condicionado mantinha a temperatura sempre agradável. Cada vagão possuía quatro portas, uma mesa pequena no centro e um lavabo.

Suas estações eram localizadas em muitos lugares, praticamente em todo quarteirão, e para descer era só marcar no mapa online dos seus dispositivos eletrônicos o lugar onde desejava parar e sincronizar com o número do trem leve. Esses trens, porém, só estavam disponíveis para os distritos I Cinque Quartieri, Distrito de Noblitá e Dito Grasso. Os três distritos nobres de Estado Cinque. Os outros distritos possuíam trens também, velhos e enferrujados, movidos à força mecânica, sem acentos e sem limites de lotação, com paradas programas nos locais onde mais tinha movimento, se é que se podia chamar de paradas, pois a velocidade era reduzida e todos desciam enquanto o trem ainda andava.

Alayza, porém não se importava com aqueles trens, seu passaporte para I Cinque Quartieri não permitia que ela usasse o transporte público metropolitano dos nobres. Ainda assim, vez ou outra, podia-se ver um carro passando. Carros sim eram o ápice do luxo, custavam reais fortunas, mais caros do que casas.

Ela continuou pela via para pedestres rumo ao ponto de troca entre distritos. A via Di Santa Caterina terminava na ponta de mais uma pequena repartição de terra irregular que parecia um cone de trânsito com a ponta espremida.

— Ei menina, o que você está fazendo aqui?

Um guarda de trânsito da guarda protetora da ordem do Estado Cinque disse mostrando o distintivo para ela e se aproximando rapidamente como se quisesse evitar que as outras pessoas respirassem o mesmo ar que ela.

Alayza abriu a mochila, quando olhou para ela viu de relance o guarda já segurando a arma pelo coldre. Ela sabia os riscos, puxou lentamente o seu cartão de identificação.

O guarda já estava a um metro dela, então arrancou de sua mão o crachá, olhou para o número por uns segundos. Enfiou a mão no bolso da sua calça e tirou um celular, nele começou a digitar alguns números, os mesmos do CI de Alayza, os números foram computados e seu celular devolveu o resultado; Alayza Rothschild. A foto era a mesma que a do CI que era o mesmo rosto da menina na sua frente.

— O que está fazendo aqui?

— Estudava aqui. — Respondeu já no passado.

— Sai logo daqui. — O guarda disse devolvendo o CI de Alayza. — Tenha um bom dia! — Terminou cumprindo seu treinamento padrão.

— Muito Obrigado! — Alayza disse com seu cinismo, o guarda ignorou e saiu andando, não esperava menos daquela gente dos outros distritos.

Alayza foi para o posto de troca, entrou, as paredes brancas, alguns cartazes diziam “não invada, não transpasse” ou “punição para crime de invasão” e um desenho de caveira em baixo. Havia mesinhas com assistentes em fileiras e do lado uma fileira com cinco portas giratórias.

Alayza se sentou em uma das mesas, a assistente não levantou a cabeça, estava ocupada de mais usando o computador para lhe dar atenção.

— Nome e CI. — Requisitou após quase um minuto em silêncio.

— Alayza Rothschild, CI 439.330.07. — Alayza respondeu olhando para os óculos da assistente que nem mesmo olhava para ela, nem erguia os olhos, prestava atenção apenas no teclado enquanto os dedos batiam nas teclas.

— A base recebeu o cancelamento do seu CI para este distrito, de acordo? — A assistente respondeu alguns segundos depois assim que recebeu resposta no computador.

— Pois é. — Alayza se limitou a anuir.

— Seu CI vai deixar de ser aceito em I Cinque Quartieri dentro de 24 horas a partir de… agora. Depois, se tentar invadir as fronteiras sabe o que acontece…

— Gostaria que me lembrasse. — Disse em um tom ingênuo proposital.

— Morre. — A mulher levantou em fim a cabeça após ouvir o cinismo sarcástico de Alayza. — E fica pendurada em praça pública. Aí é, no seu distrito não tem praça não é mesmo? Aquele buraco de rato.

— Mais limpo que a sua boca…

— Como?

— Nada! — Alayza se levantou na hora. Tinha passado dos limites, de novo. — Posso ir?

— Porta dois. — A mulher respondeu com uma carranca séria e desgostosa.

Alayza pegou a bolsa e jogou ela no ombro, saiu andando de cara feia até a porta giratória. Após atravessar o mundo mudava por completo.

O cenário era outro, as paredes eram notavelmente mais velhas e estava tudo mais fedido, sujo, tinha algumas mesas com assistentes, mas as assistentes não usavam roupas tão boas e não usavam computadores tão bons. Ela continuou e saiu no seu distrito, Quartieri Rosa e Garofano. Ou Rosa e Cravo, como era mais simples para todos.

Para Alayza o caminho para casa era um pouco comprido. Passava na via entre a escola e o orfanato dois irmãos, a via Trapolin, e atravessava para a via da misericórdia, onde em uma longa caminhada subia para sua casa que ficava na ponta do distrito.

Alayza pegou um dos trens leves, ou não tão leves assim. Naquele horário eles eram lotados, ela foi em pé, já que não dava para sentar de qualquer jeito, pois não existiam bancos, quase não conseguiu se segurar, estava prensada entre o corpo de uma mulher e o corpo de dois homens que não poupavam esforços para deixar de assediá-la.

Mas ela evitou pensar nisso.

Sua mãe sempre quis para ela o melhor, como toda mãe deseja para sua filha, Alayza nunca teve do que reclamar, quanto a sua educação, ou comida, ou brinquedos, ou tudo. Mas quando recebeu a carta que havia sido aceita para a escola de moças Licenas anos atrás… Alayza tinha ficado feliz, porém sua mãe tinha ficado muito mais feliz, Alayza nunca tinha visto sua mãe tão feliz, tão esperançosa, todo dia ela estava em pé de madrugada preparando o material de Alayza, limpava suas roupas com cuidado, infelizmente estava velha e suja, eram de segunda mão, compradas de alguém que já a tinha usado por três anos, mas a mãe de Alayza sempre esteve ali, e depois de Licenas as coisas se tornaram incríveis, e todo dia quando Alayza chegava em casa sua mãe lhe falava de como estava orgulhosa, de como aquilo lhe fazia bem, de como estava feliz, de como sua filha era tudo para ela, e de como sua filha teria um futuro diferente, que aquela era uma oportunidade única que todas as meninas queriam ter.

Futuro que agora jamais aconteceria.

Alayza enfim havia chegado na porta de casa, seus olhos vermelhos cheios de lágrimas. Abriu a porta devagar.

— Mãe.

Chamou, fechando a porta atrás de si, ouviu os passos de sua mãe. Não conseguiu imaginar como aquilo seria difícil. Preferiu não se virar, não olhar para ela, preferiu ser covarde e se esconder.

— Querida, como foi hoje?

— Elizabeth e eu brigamos…

— Já falei para a senhora deixar essa menina quieta…

— Eu quebrei o nariz dela… provavelmente. — Disse de uma vez, mas se arrependeu quando o fez. Será que consigo todo dia sumir por algumas horas, ela vai continuar pensando que eu estou na escola!

Silêncio. Alayza levou a mão na boca tampando-a, suspirou em soluços enquanto as lágrimas escorriam quentes pelas suas bochechas manchadas pelo sol em sardas, se virou e foi correndo abraçar sua mãe.

— DESCULPA… desculpa mãe, eu… mãe… eu não…

— Alayza, com calma. — Sua mãe lhe puxou pelos ombros encarando-a nos olhos, os profundos olhos castanho azulado. — O que aconteceu…

— Eles me expulsaram.

Alayza disse olhando para os pés, fechou os olhos quando ouviu o soluço de sua mãe, as lágrimas provavelmente escorriam agora no rosto das duas.

Um momento de quietude, ela nem mesmo ouvia a respiração de sua mãe agora.

— Mãe…

Alayza abriu os olhos levantando a cabeça quando ouviu sua mãe andando soltando seus ombros. O que viu a traumatizou de forma inimaginável, sua mãe estava com o rosto retorcido como se sofresse a maior dor imaginável, mas não emitia som algum, os músculos retesados de tal forma que parecia uma escultura de dor física. Em seguida começou a bater os pés no chão, como alguém procurando solo firme, andou até o sofá onde se sentou de costas com dificuldade, começava a respirar com dificuldade, arfava, o rosto contorcido, a pura agonia nos olhos.

Alayza colocou a mão sobre o peito de sua mãe com os olhos arregalados, não sabia o que fazer agora. Ela tremia descontroladamente enquanto o rosto de sua mãe se contorcia mais e mais. Espasmos faziam que seus braços tivessem movimentos involuntários, torcendo-se.

A menina assustada deu um passo para trás olhando sua mãe sofrer sem conseguir falar, os olhinhos abertos em fendas diziam algo que Alayza não entendeu, não conseguia entender.

Pegou o telefone, o único que tinha na casa, e discou o número de emergência sem olhar para o teclado, quando apertou o zero o botão se soltou com um estralo e caiu no chão, mas não tirou os olhos de sua mãe.

— Alô, eu, eu, eu preciso de um médico… minha mãe está com… — Ela sequer sabia do que chamar aquilo.

“Distrito, por favor”. Uma atendente perguntou cortando a menina.

Alayza sabia que essa pergunta significava que auxilio nenhum viria.

— Rosa e Cravo. — Disse com pesar. Em um último apelo, esperando que um pouco de humanidade tocasse o coração daquela mulher.

“No momento não existem unidades disponíveis, o governo aconselha a se distanciar para evitar contaminação e epidemia caso seja uma doença contagiosa, agradecemos…”.

Alayza desligou desacreditada. Olhou para sua mãe que agora quieta a encarava ainda contorcida e sem conseguir falar, ainda em dor, ela tinha a mão no coração.

Alayza foi até ela ajoelhada abraçou o corpo com músculos enrijecidos pela dor, a pobre garota se culpava.

— Desculpa, mãe… Desculpa!


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado.
Não deixem de comentar. Alayza é uma menininha ainda, mas vai crescer junto da história. Verão!!!
Até o próximo capítulo :)



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