Era da Opressão escrita por P B Souza


Capítulo 4
03; Consequências




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03; consequências

Hospital de San Vidal. 16/02/0165

— O ferimento no joelho esquerdo trincou a patela, e quebrou parte da tíbia, a inserção de células-tronco controladas garantiu a reconstrução completa dos tecidos afetados e recuperação óssea acelerada. — O Doutor Madallon pontuou ao lado de Henlook. — A recuperação acelerada foi acentuada devido aos medicamentos intravenosos e a nanotecnologia, o paciente está apto para andar, porém sua recuperação total só acontecera em uma semana, caso queira voltar ao campo.

Henlook estava recobrando sua consciência aos poucos, ouviu o diálogo, mas não compreendeu o porquê de o doutor não falar com ele. Virou a cabeça lentamente para o lado, e o rosto mais familiar do estado o encarava em resposta, quase como se estivesse o assistindo, esperando por aquilo, esperando ele abrir os olhos.

— Minha senhora. — Henlook disse desviando o olhar para sua perna engessada e pendurada por tipoias em uma garra metálica que pendia do teto. — Me levantaria…

— Não vai precisar. — Dama Diamante respondeu quase sem movimentar os lábios. — Ontem o trem que chegou, preciso saber o que aconteceu, exatamente o que aconteceu.

Madallon viu que seu trabalho ali estava feito. Fez uma reverência com o pescoço para Dama Diamante, deu um passo para trás abrindo a porta e se retirando. No corredor assinou a última folha com a alta do paciente, leu suas poucas anotações no rodapé “implantação de CCC em 18%”. Madallon não queria sequer saber o motivo que Dama Diamante tinha para aquilo; o controle estava com ela, e ele não fez pergunta alguma, não tinha interesse e não queria saber, apenas obedeceu, bem sabia ele o que o CCC fazia com as pessoas.

Então foi até a enfermeira no balcão.

— Senhor…

— Feche o paciente Tanoos Henlook, código W03. A Dama pediu a retirada dele. — Ele disse entregando as folhas grudadas com um clipe no topo.

— Sim senhor! — Ela respondeu já soltando o clipe e colocando a primeira folha na digitalizadora.

Madallon deu um sorrisinho de agradecimento, se virou e retornou para o quarto.

—… e então eu apaguei. — Pegou o final da conversa ainda por fora da porta, bateu duas vezes abrindo a porta em seguida, entrando.

Dama Diamante provavelmente não percebeu que o médico tinha voltado, ou provavelmente não se importou, pois fingiu que ele continuava fora e falou livremente sem tirar os olhos do paciente que tinha olhos de ressaca, provavelmente ainda afetado pelas anestesias.

— Obrigado pelo seu relato senhor Henlook, já sei o que aconteceu agora! — Dama Diamante disse olhando para Tanoos de forma peculiar e incerta. — Um dos sete melhores foi imobilizado e pendurado, pelo pé, o melhor atirador deste Estado, mas você não sabe o quê, ou como, aconteceu?

— Senhora, a fumaça não me deixou…

— O trem estava carregado com rebeldes anarquistas, eles vieram de algum lugar, de alguma porta, sua equipe matou inocentes, Capitão. O atirador de elite usou a mira térmica para rastrear alvos, ao que me consta ele mandou todos da Strike sete levantarem as mãos e os rebeldes tinham acesso ao rádio de vocês, levantaram as mãos também, então eliminou erroneamente todos que estavam com as mãos abaixadas sem sequer considerar que eram muitos com a mão erguida para serem do Strike sete. Seu homem eliminou os operários e agora o Estado terá que reembolsar suas famílias. Então um dos rebeldes nocauteou este atirador, amarrou uma corda no seu pé, e jogou ele de lá de cima, ironicamente eles esperaram seu homem tomar essa ação. Enquanto isso outros rebeldes nocautearam a maior parte da sua equipe, enquanto você não fez nada, e então um homem quebrou seu joelho e te disse: meu nome é Rider. Essa é a história completa!?

— Minha senhora…

Dama diamante levantou o dedo indicador como quem pede para que Tanoos se cale e ele o fez. Ela olhou para o lado vendo o próprio reflexo na janela, ajeitou uma mecha do cabelo castanho atrás da orelha, os olhos de um caramelo vibrante encaravam o próprio reflexo com uma frieza forte e rígida enquanto ela respirava controladamente para manter a calma

— Chamei o senhor Pudllyn, ele está na portaria. — Voltou a encarar Tanoos — retorno logo, senhor Henlook. — Ajeitou seu colete de lã branca e com a cabeça erguida se retirou do quarto passando calada por Madallon.

Tanoos levou a mão até a cabeça, confuso, sem saber o que estava acontecendo, Madallon ficou sem jeito com aquela situação, sem saber se podia ou não falar sobre aquilo com Tanoos, se retirou também. Vinte minutos depois Dama Diamante voltou acompanhada de Stan Pudllyn e Clark Mill, trazia nas duas mãos uma pasta, que abria pegando três folhas de dentro.

— Senhor Tanoos Henlook, agora que a equipe está reunida podemos começar.

— Reunida? Somos…

— Silêncio. — Dama pontuou encerrando a conversa antes que começasse. — Tanoos Henlook, capitão da guarda da cidade de número 11, conhecida como Strike sete. Você está sendo acusado de incapacidade de liderança devido há todos os fatos aos quais temos conhecimento e aos quais você mesmo afirmou terem ocorrido, seu julgamento já foi feito e o senhor só precisa assinar a primeira página, rubricar as outras. Sua incompetência constitui um nível baixo na escala criminal do estado, sendo que sua sentença permite fiança e prisão domiciliar.

Tanoos olhou assombrado para todos ali. Stan e Clark não esboçavam nenhuma expressão, sequer trocavam olhares. Os dois mantinham as cabeças baixas e faziam silêncio.

— O que isso… eu tenho direito de…

— O senhor pode pagar pelo crime com seis mil Florins de ouro por rebelde infiltrado nesse estado, até sabermos o número total de infiltrados você permanecera em prisão domiciliar. Ou pode trabalhar nas catacumbas de São Lucas como para quitar a dívida.

— Sabem que eu não tenho Florins de ouro… não sou nobre…

— Uma pena! — Dama Diamante disse sem resquício de sentimento, como se aquilo não passasse de uma rotina chata para ela. — Quanto ao grupo Strike sete, o seu comandante sendo preso um sucessor se torna necessário, ainda é seu direito indicar um sucessor ao seu cargo, e então os demais membros escolhem se aceitarão ou não sua indicação.

Tanoos olhou para Clark e Stan, os dois eram ótimos no que faziam, e estavam naquele ramo há muito tempo, mais Tanoos não escolheria Clark. Não podia fazer aquilo com Stan.

Então lançou um olhar para Dama Diamante, poderia ter gritado com ela, poderia ter acusado o governo de dezenas de coisas, mas sabia que aquilo não levaria há nada. Preferiu engolir o resto do orgulho e fazer sua escolha.

— Stan, se puder…

— Não ficaria mais honrado. — Stan respondeu de imediato em tom baixo e controlado, ainda amedrontado. Dama Diamante tinha esse efeito nas pessoas.

Clark era um bom amigo de Tanoos, mas Stan e Tanoos estavam juntos há muitos anos, eram como irmãos.

— Espero que seja um líder melhor que ele! — Dama Diamante disse para Stan recolhendo o contrato do crime de Tanoos após ele ter assinado e rubricado as páginas.

— Nós… — Stan olhou para Dama Diamante. — Poderíamos… nos despedir.

— Claro, jamais os privaria disto. — Dama Diamante respondeu, por um segundo, parecendo humana. — Não quero passar mais nem um minuto aqui, tenho que ir atrás de rebeldes infiltrados. — Deu as costas, mas parou na porta, então olhou novamente para os dois em pé ao lado de Tanoos — E Stan, novo capitão da guarda Strike sete, é sua responsabilidade, pela irresponsabilidade de seu anterior, capturar os rebeldes. Então perca menos tempo com despedidas e vá atrás desses… — Dama Diamante pareceu escolher as palavras, não queria usar rebelde de novo. — Anarquistas.

Tanoos estava aturdido, em seguida o médico e Dama Diamante saíram do quarto fechando a porta atrás deles. Tanoos olhou para o vidrinho da porta, Dama Diamante falou alguma coisa com o doutor, então cada um foi para um lado.

— Tanoos…

— Qual é a minha situação de verdade? — Henlook respondeu na hora. — Eu sei que teve aquele comunicado ontem…

— Você está em um círculo, não tem como fugir do sistema, vai dar voltas e voltas e cair sempre no mesmo lugar. — Clark disse olhando sério para Tanoos. — Sua única opção é a escravidão…

A Dama não havia usado a palavra escravidão com todas suas letras, mas o trabalho forçado dos prisioneiros era isso e nada além disto! Tanoos sabia, ele mesmo havia colocado boa parte daqueles prisioneiros lá, em São Lucas.

Tanoos desviou o olhar para o chão, esticou o braço e pegou o corpo de água no criado-mudo ao lado da cama, sua perna balançando suspensa na garra. Tomou um gole grande e olhou sério para os dois.

— Eu tenho uma vida, droga! Não vou virar um escravo, não fiz tudo que fiz para acabar em uma mina suja no subterrâneo do outro lado da Libertá.

— Tanoos você não tem dinheiro para pagar essa dívida, nem mesmo um nobre comum teria, — Os florins eram divididos em tipos diferentes, sua dívida com o a fiança era cobrada em florins de ouro, florins destinados apenas para a nobreza, coisa que Tanoos não era, por isso não tinha como pagar a dívida sem recorrer aos amigos nobres, os quais também não tinha. — Se escolher essa opção vai para cadeia, você ainda não sabe por que estava inconsciente… — Clark disse então Stan tomou a palavra.

— Enquanto estávamos entrando em operação uma mensagem ia a público, do tipo geral, todos viram em rádios e televisões, agora jornais, e essa mensagem ainda vai ser amplamente divulgada.

— Para de enrolar, vamos, fale o que tinha… — Tanoos sabia do comunicado, não sabia de seu conteúdo na íntegra, mas sabia que ele estava sendo gravado quando foi chamado para L’Armeria.

— Corte de gastos, por algum motivo os Cinque decidiram economizar energia e alimentos, o resultado disso, o povo não economiza se o governo não economizar então o governo decidiu economizar e para fazer parte do “programa” a pena de morte para todos os crimes foi instaurada, toda a prisão vai ser esvaziada, julgamentos estão sendo feitos às dezenas, todo dia.

— Então ou eu viro escravo, ou eu arranjo centenas de Florins de ouro, ou eu vou preso, pelo menos até a minha execução. — Toas as situações eram inaceitáveis para alguém que tinha uma vida como a de Tanoos. Ele não tinha esposa ou filhos, mas, ainda assim, possuía uma história de dedicação e trabalho, uma carreira louvável e uma reputação que não condizia com aquela reação da Dama. O que raios está acontecendo nesse lugar?

Agora ele parecia frustrado e nem um pouco doente ou sedado, estava renovado pela raiva, mas se deteriorando pela sua terrível situação física que o puxava de volta à realidade.

— Tome conta do Strike. — Disse bufando olhando para as próprias mãos. — Era a única coisa que eu… fazia, que sabia como fazer, que eu era bom. Cuide deles.

— Eu vou, mas você precisa saber o que vai fazer agora. Precisamos de um plano de ação.

Tanoos se sentou com dificuldade, soltou a perna do seu apoio, olhou para Clark e Stan.

Clark era mais baixo que eles, ruivo com uma barba rala e falha, magricelo e rápido com olhos verdes inquietos.

— Eu sei de algumas coisas sobre essa vida… — Tanoos olhou para Stan com seu olhar de pura confiança, Stan fez que sim com a cabeça. Aquilo significava que Tanoos podia confiar em Clark tanto quanto nele próprio. —… e uma delas é que eu não tenho como evitar que o governo me pegue se eu for preso, ou se eu for às catacumbas. Vou morrer nos dois lugares, um mais rápido que o outro, mas não vai mudar, nunca muda. Minhas três opções são ruins aqui, mas se olhar por fora, além do que me ofereceram… eu tenho uma quarta opção.

— Não pode! — Stan parecia já ter entendido.

— Mas vou! — Tanoos garantiu em resposta.

— Vai o quê? — Clark perguntou percebendo que Stan e Tanoos tinham uma relação mais profunda que a dele a ponto de conversarem sem sequer falarem verbalmente.

— Ele quer fugir, se esconder. — Stan disse baixo para Clark, um rosto de decepção para Tanoos.

— Loucura. — Clark respondeu encarando Tanoos também. — Sabe o que eles farão se você fugir…

— Me matar? — Tanoos soltou uma curta risada. — Não é como se já não fossem fazer isso agora, não é mesmo? Prestem atenção, não estou colocando isso em debate, sou um fora da lei prestes a ir para a execução ou para a escravidão. Não vou para nenhum dos dois… — Tossiu. — Além do que se for pego vou ser morto, o que aconteceria inevitavelmente. Não tenho nada a perder. Não mais.

— Talvez um empréstimo com agiotas… — Stan disse. — Os banqueiros… Eles sempre…

— E ser morto pelos agiotas de forma bem pior que um tiro na cabeça do governo. Prefiro viver por mim mesmo, assim sei que sobrevivo.

— E vai fazer o que, senhor? — Clark perguntou.

— Desculpa, mas vocês são da guarda, não posso contar isso para vocês, seria arriscado demais para minha própria segurança e para a de vocês.

Stan abriu um sorriso tentando não mostrar que estava rindo.

— Você é mais esperto do que isso. — Rebateu, ainda decepcionado com Tanoos.

— Pode ter certeza que eu sou. — Tanoos concordou ainda sorrindo.

— Não vou tentar te rastrear…

— Agradeço a consideração, mas você vai sim. — Tanoos disse se levantando, meio manco, pegou na cadeiras suas roupas que estavam ensacadas. — Agora eu tenho algo para pensar, bom ver vocês rapazes, podem ir. Até logo, quando estiverem me perseguindo!

E assim Stan e Clark viram Tanoos entrar no banheiro do quarto com a sacola de roupas, gemendo de dor a cada passo.

— E agora? — Clark olhou para Stan sem saber como agir, em dúvida se deveria contar a verdade ao governo, se deveria impedir Tanoos, ou se deveria se manter fiel ao seu amigo. Por um lado, porém, Tanoos estava certo; sem contar para onde iria, Stan e ele não teriam como mentir, pois, de fato, nada sabiam.

— Vamos! — Stan respondeu saindo do quarto, ele não tinha dúvidas de onde estava sua lealdade, jamais caçaria Tanoos. — Quando ele quiser falar com a gente ele vai falar. Ou não. Considere isso como um adeus.

 


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Notas finais do capítulo

É... as vezes a gente não dá sorte né? Pobre Tanoos!



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