O cara do apartamento ao lado escrita por choosefeelpeace


Capítulo 3
Capítulo 3




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Estou escovando os dentes quando a campainha toca. A campainha pode esperar, penso, mas ela toca de novo e eu vou atendê-la. Quem estaria desesperado para me ver às oito e pouco da manhã? Bruce. Estava com um sorriso enorme e pulando,  entrando no apartamento se esbarrando no meu ombro. Louco! Acho que ele deveria estar na escola, no entanto ele está aqui, pulando na minha frente.

— Eu te arranjei o emprego perfeito!

— Hum? — Franzi o cenho, tentando dizer algo com a escova no canto da boca.

— Sim! No Starbucks! — Voltou a pular e eu abracei, pulando também.

— Hum!

— Mas corre, você precisa estar lá antes das nove.

Ri e corri para o banheiro, enxaguando a boca. Eu tinha me esquecido, mas na noite anterior, Bob e ele compraram uma pizza, me enviaram dois pedaços, através do garoto, já que Bob alegou que eu não cozinharia no dia em que cheguei e estava coberto de razão. Eu estava preguiçosa e sonolenta demais para ir ao mercado e estou guardando cada moeda para não gastar em sanduíches caros — que eu adoro. 
Em uma mini conversa, eu disse que retribuiria a pizza em breve, assim que eu arrumasse um emprego e ele me prometeu que ia me ajudar com isso. Eu só não esperava que fosse tão rápido. Senti um pouco de preguiça, mas sei que isso é o destino sorrindo para mim, então tento me trocar e escolher uma roupa na mala que começou a ficar bagunçada. 
Sabe, eu já trabalhei algumas vezes, mas nada tão sério assim. Já fiz algumas coisas em curto espaço de meses. Então, assumo, eu era meio bancada pelos meus pais, mas agora a coisa é séria, sou eu contra o mundo. Só espero que eu não termine ligando para o meu pai, pedindo uma ajuda financeira para terminar a batalha. Olho séria para o espelho e me repreendo: sem pensar na ajuda do pai, mocinha. Eu vou conseguir, é apenas uma coisa nova e vai ficando mais fácil com o tempo. Tomara.
Saio do quarto vestindo um sapato de camurça marrom, calça jeans e uma camisa social branca. Eu não sei se deveria ir assim, mas é uma proposta de emprego e eu tenho que parecer séria. Sorri para Bruce e saímos do apartamento.
Finalmente o elevador está funcionando e é a primeira vez que eu e ele nos vemos. Há um espelho enorme, que me facilita à passar um gloss labial, enquanto Bruce ri e me olha fazendo uma careta. Homens odeiam gloss, isso é um fato, mas eu não vou beijar alguém então posso me dar ao luxo. Saímos do elevador correndo e acenamos para Bob rapidamente, enquanto ele me desejava sorte e eu ia mesmo precisar...
Ontem, sete lances de escada e hoje, três quarteirões correndo. É oficial, essa cidade quer me matar, mas eu ainda estou meio viva, meu coração bate tão forte e descompassado que me dizia isso.
Chegamos e ele me disse que estava muito atrasado para a escola e precisava ir, então era a minha hora de lutar sozinha. É um shopping, não muito grande, mas movimentado. Olho para a fachada do Starbucks e respiro fundo. Tem que dar certo...
E deu.

•••

O dia foi corrido, mas foi tudo bem. Seria pior, se eu já não conhecesse muito bem cada um dos sabores daquele lugar. Até que foi legal, atender pessoas e escrever o nome de desconhecidos, colocar ":)" e animar o dia delas. Elas sorriem quando vêem e eu fico contente por elas. Pequenos detalhes, sabe? Eu gosto deles.

O expediente acabou e eu passei pela vitrine de algumas lojas daquele andar, pensando em roupas novas. Eu vou ter uma festa no Sábado e um trabalho cinco vezes na semana, então acho que posso me dar ao luxo, agora e preciso de coisas que me façam mais adulta e ao mesmo tempo, manter minha idade. Quer dizer, eu preciso de roupas que possa sair depois do trabalho e ir para um bar, ou sair de um bar e vir trabalhar...

Claro, eu também não sou essa certinha. Eu quero ter lugares favoritos para beber e fazer bagunça, celebrar, enlouquecer e desestressar. Olho as roupas e apesar de querer levar algumas, não trouxe dinheiro comigo. Bruce me fez correr tanto, que apenas me lembrei dos documentos necessários para entrar no trabalho. E acho que também esqueci o dinheiro porque tive que pensar que ele não existia. Enfim, amanhã eu trago.
Eu me lembro que poderia passar em um mercadinho próximo de casa, já que minha geladeira não tem nada e eu fiz uma bela refeição de água no café da manhã e almocei um muffin no trabalho. Não estou orgulhosa disso e minha barriga menos ainda, então sei que vou precisar descer e comprar pelo menos meu jantar. 
Amanhã, depois do expediente vou mesmo às compras, eu preciso de mais comidas que um simples jantar e necessidades básicas. Você sabe, pasta de dente, sabonete, velas... Sim, velas! Ou pelo menos uma lanterna legal. Eu não quero correr o risco de acabar a luz e eu ficar na escuridão total. Confesso que esse é um dos meus maiores medos: o escuro. Sei que estou grande demais, mas não podemos nos curar de certas fobias só porque viramos adultos. 

Saio do shopping, finalmente e observo o céu. Não irá chover hoje, então tudo bem, posso deixar meus planos para amanhã. Coloco meus fones e vou caminhando para casa, torcendo para que eu não me perca ou entre na rua errada. Eu deveria ter pedido para Bruce me buscar pelo menos hoje, mas não posso ficar pedindo favores o tempo todo. Seu avô e ele já fizeram muito por mim e não faz nem 30 horas que eu estou na cidade.

Dei sorte. Errei apenas uma vez e consegui voltar para a casa. Cheguei rindo, de como sou desastrada. Já está escuro e Bob não está em sua mesa, mas uma voz ecoa do fim do corredor.

— Corre, Rach! — Dizia Peter, segurando a porta para mim.

— Você não pode esperar eu andar normalmente no meu próprio corredor? — Fiz uma careta e sorri. Ele é estranho.

— Não temos tempo. Vamos! — Ele mexia a mão e andei rápido, sem entender, mas entro no elevador quando um casal entrou no prédio, se beijando com luxúria e rindo alto.

— Não temos? Por quê? — Apertei o botão do nosso andar, enquanto observo os dois. Não posso evitar, meus olhos são curiosos!

— Aquele é o Paul, do 401 e ele trouxe uma mulher. Sabe o que isso significa?

— Ah, não... — Viro os olhos. Vamos ficar sem elevador.

— Se Bob estiver certo... E provavelmente está...  — Me olhou, sorrindo de lado. 

— Se isso acontecer, Paul vai me levar para o trabalho no colo, amanhã! — Revoltei.

— Preciso imaginar isso, agora. — Riu alto. — Espera, você conseguiu trabalho, já?

— É. Primeiro dia... — Dei um pequeno sorriso. Empolgação zero. — Chegando do seu, agora?

— Eu? Trabalho? Não... — Riu, dando de ombros. — Não somos compatíveis.

— Sei... 

O elevador abriu e eu o olhei por um tempo, antes de sair. O playboy vive em boates, mas não trabalha. Ele parece mais velho que eu. Uau! Ele bateu meu recorde. Será que ele pelo menos tem uma profissão ou gosta de fazer alguma coisa além de sexo? Bom, pelo menos ele deve ser bom nisso...

Mordo o lábio e tiro a chave do bolso, abrindo a porta, praticamente junto com ele. É bom estar em casa, de novo. Estou louca para me jogar no sofá e colocar os pés para cima e deixar o sofá me consumir, pelo menos até metade da noite ou pelo menos, até eu criar coragem de descer e comprar o jantar. Antes que eu entre, Peter fala comigo.

— Vou ficar em casa, hoje. Se você precisar de mim...

— É, você deve ter que ficar, mesmo. Você acordou antes das 11 da noite. — Dei de ombros. 

— Isso. É isso mesmo! — Passou a mão no rosto e riu. — E amanhã é sexta, vou guardar minhas energias. 

— Certo. — Sorri. — Bom, obrigada por oferecer ajuda, mas eu acho que só vou comer e descansar.

— Faça isso sem se meter em problemas, então. — Sorriu, tocando o indicador em meu queixo.

— Pode deixar!

Entrei em casa e bati a porta mais forte do que precisava. Sem toques, vizinho! Nós vamos ser legais e gentis um com o outro, porque é assim que manda a regra da boa convivência, mas é só. Sem intimidades. Não quero que ele pense que quero e vou ser a namoradinha número 1000 ou nada do tipo. Pode imaginar como deve ser horrível ser ex do seu vizinho de corredor? Não. Não quero nem pensar nisso. 

Eu me viro e meus olhos vão até a mesa de centro, olhando minha carteira. Podia jurar que estava no quarto, mas se isso está aqui, deve ser uma mensagem para eu descer e comprar alguma coisa rápido, antes que Paul suba ou desça, quebrando o elevador. Alcanço minha carteira e quando tento retornar à porta, ouço um estouro e a luz vai embora rapidamente. Meu Deus, não! Não! Levo as mãos para o rosto e solto um grito, permanecendo imóvel no meio da sala.

— Rach! — Bateu diversas vezes na porta. — Rach, o que foi? Abre!

— Eu... — Engoli seco, sem abrir os olhos e falando alto. — Eu não consigo.

— O que aconteceu? Rachel, abre! — Sua mão foi até a maçaneta, tentando abrir. Dei outro grito, assustando com o barulho. —  Calma, sou eu! Está trancada.

— Eu não consigo ir aí.

— Por quê?

— Eu não vejo nada. Tenho medo!

— Usa a lanterna do celular e anda... Devagar.   

Tirei o celular do bolso e liguei a lanterna, fazendo o que ele disse. Consegui abrir a porta e ele levantou o celular, para iluminar o resto da sala, me abraçou com uma mão e caminhou até o sofá, comigo. A luz ainda não voltou, o que faz meus olhos se encherem por medo e ansiedade. A bateria do celular pode acabar à qualquer momento e o escuro voltar. Eu não quero nem pensar! Peter me abraça apertado, beija meu cabelo e desce a mão até a minha, me puxando para sentar de frente para ele.  

Tenho um estranho dentro da minha casa, no escuro total, no silêncio total e estou sozinha com ele. Espero que ele seja apenas entusiasmado demais em ajudar mocinhas em perigo e que não seja ele, propriamente, um perigo eminente. Ele coloca o celular na mesinha de centro e a luz se reflete pelo teto, aumentando a claridade da sala. Agora posso ver seu rosto e suas sobrancelhas arqueadas me mostram preocupação. Respiro, aliviada, mas soa mais como um suspiro daqueles que você solta quando está chorando ou pretende. 

— Tudo bem agora? — Sem soltar minha mão, acariciando as costas dela com o polegar.

— Até a bateria do celular acabar... — Droga! Minha voz saiu como se tivesse chorando.

— Eu dou um jeito quando isso acontecer. — Sorriu. — Foi aqui? Aconteceu alguma coisa?

— Não. Eu entrei e quando fui para a porta... 

— Paul... Paul deve ter dado curto no elevador. Merda! — Passou as mãos no rosto. — Entendeu agora por que disse que tínhamos que correr?

— Pois é. — Desviei o olhar, encarando a luz da lanterna.

— Eu não sabia que garotas tinham um medo tão forte de escuro. Tem certas horas que elas até mandam apagar a luz! Ok, essa foi péssima. Desculpa.

— Eu tenho fobia. — Falo baixo, com vergonha de mim mesma em aceitar isso.

— Sério? Nossa... — Apoiou o cotovelo no braço do sofá e levou a outra mão ao meu rosto. — Você devia ter me contado isso. Eu ficaria de olho em você.

— Você não tem obrigação disso, Peter. Eu sou sua vizinha e só. — Toquei a mão dele com a minha mão gelada e trêmula. A dele é macia e calma.

— Por isso, estamos perto, eu posso cuidar de você. — Piscou.

— Obrigada. De verdade. Se eu estivesse sozinha, provavelmente eu ia sentar e chorar, até ter a ideia do celular...

— Você não tem que me agradecer. Você me lembra minha irmã. Acho que isso meio que trouxe meu lado protetor para o jogo.

— Irmã? Mais nova? — Não conseguia soltar sua mão.

— Sim. Jessica, eu chamo de Jessie. — É claro que ele chama, ele dá apelidos para todos! — E ela está na faculdade, então fico pensando... Quero que um cara esteja cuidando da minha irmã, com boas intenções como estou cuidando de você. 

Irmã. Eu não tinha entendido antes, mas ele estava duramente me comparando com a sua irmã e me dizendo que não tínhamos nada além de uma relação fraternal. Ele me olha como se eu fosse uma criancinha! E óbvio! Que mulher tem medo de escuro? Me sinto patética e solto sua mão, olhando para ele sem dar nenhuma resposta. Ele até espera, mas não tem. O que eu ia dizer? Ele mandou sinais confusos e mesmo que eu diga que não queria esse tipo de sinal, o que ele fez por mim mexeu comigo de alguma forma. Foi doce, mas doce demais para qualquer outra coisa.

Enxuguei meus olhos e desviei o contato visual quando a luz retornou. Obrigada, Bob ou quem quer que seja! O clima estava pesado demais aqui — ou pesado demais para mim. Desliguei a lanterna, para economizar para outro desastre, afinal, nunca se sabe com esse prédio. 

Peter se mexeu e eu achei que fosse levantar, mas apenas se arrumou no sofá, tomando minhas mãos. Eu quis recusar, mas seria pior se eu as puxasse de volta. Senti o olhar dele em mim e eu o olhei de volta. 

— Posso ir agora ou você precisa de alguma coisa?

— Não... Eu estou bem. Vou deitar, agora. 

— Você disse que ia comer e não deu tempo... — Sorriu e me apontou.

— Não tenho fome... Não mais.

— Eu comprei tacos, vou trazer para você.

— Peter, não. Está tudo bem comigo. 

— Já volto.

Ele levantou e foi para a sua casa, retornando com um prato de dois tacos enormes. Minha barriga agradeceu, mas não consegui sorrir tanto quanto gostaria. Na minha cabeça, eu só estava lembrando da fraternidade de Peter e da forma em que ele me queria perto. Me senti confusa e antes que isso piorasse, preferi ficar quieta, sem demonstrar muitas emoções. 

Agradeci pelo feito e comecei a comer antes dele se despedir. Irmãos ficam à vontade, não? Sua expressão era leve e divertida, me observando comer. Encostei no balcão e continuei, então ele finalmente se tocou que eu podia comer sozinha— e derrubar na minha própria mão, pouco desastrada, e disse que ia embora.

— Fica aí comendo, eu fecho lá e depois você tranca.

— Hum. — Acenei com a cabeça.

— Você vai ficar bem?

— Vou. — Joguei os farelos no prato e chupei dois dedos, um de cada vez e ele soltou uma risadinha.

— Perfeito, se precisar, já sabe...

— Obrigada...

— Fica bem, princesa.

Princesa. Enfiei um pedaço maior na boca e acenei com a mão. Agora voltou com isso? Meu coração sentiu uma ponta de dúvida e eu respirei fundo, assistindo-o sair. Eu acho que ele é apenas gentil, comigo e com esse meu medo, eu perdi a noção do certo e errado, mas eu vou me recuperar. Só queria que ele não fosse tão incrível como está sendo, com a sua "irmãzinha".

Termino de comer e vou trancar a porta. O perfume dele ainda grita ali e as cenas dessa noite me voltam à cabeça. Ele realmente se preocupou, mas não da forma que pareceu. Me sinto um pouco mal por isso. Meu ego levou um tiro no meio da testa, mas ainda bem que ele colocou as cartas na mesa logo de cara. Vai chegar o momento para eu encontrar alguém legal e curtir. É tudo muito novo e louco, ainda. Não era meu foco e nem vai ser agora.

O que importa é que o pior de hoje já passou. 

Obrigada, Peter.  


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