O cara do apartamento ao lado escrita por choosefeelpeace


Capítulo 15
Capítulo 15




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Minhas lágrimas já não caem mais. É um sentimento vazio e não de aceitação, mas pelo menos meu rosto está seco e provavelmente inchado, embora isso não seja importante. A rua está escura e caminho em passos grandes, tentando controlar, inclusive, a respiração, para que um suspiro grande não faça eco nesse lugar. Eu não quero que alguém se foque em mim, aqui. Tenho medo e estou perdida.

Sinto que minhas botas arranham a calçada com um pouco de força e atraio alguns olhares de garotos sentados na escada do outro lado da rua, são cerca de cinco e um assobia para mim. Meu corpo gela, mas não penso em parar. Eu não posso. Vejo que a próxima rua tem um grande foco de iluminação e tudo que eu preciso fazer é me focar para chegar até ela. Os assobios param, mas eu sinto que há alguém atrás de mim. Não posso olhar, só correr e o faço, mas ouço uma voz nas minhas costas.

 

  — Rach?

 

Eu dei um grito e tropecei no conjunto de pedras que envolviam uma árvore quase à minha frente. Fui ao chão e senti o impacto das pedras no meu ombro esquerdo, quando duas mãos agarraram minha cintura e me puxou para trás. Eu tentei me livrar, enquanto levantava, mas outra vez a voz falou comigo e eu consegui identificar. Era Peter. Tento respirar aliviada, mas meu ombro começa a queimar de dor.

 

— Rach, sou eu! Eles não vão te perturbar! — Repousou uma mão no meu braço direito e eu me virei, vendo sua expressão preocupada. 

— Graças à Deus é você. Eu pensei que... Eles... — Coloquei a mão no meu ombro e gemi de dor. — O que faz aqui?

— Eu sei o que pensou, mas está tudo bem, agora... Ou não. Me deixe ver seu ombro. — Ele me ajudou a tirar a jaqueta e caminhamos até o fim da calçada, aproveitando a luz da travessia. — Eu vinha de uma festa, com Jessie, brigamos e ela quis ficar.

— O que houve? — Perguntei, confusa, enquanto permitia que ele analisasse meu ombro.

— Ela quis ficar perto de pessoas que eu não gosto. — Tocou-o com o polegar e me contorci, desviando. — Tem um corte, aí. Talvez você tenha deslocado, precisamos ir ao hospital.

— Eu só quero ir pra casa, Peter. É só. Por favor! — Meus olhos se encheram outra vez e minha voz saiu cansada.

— Depois do hospital. — Afirmou, com força enquanto tinha os olhos fixos em mim. — Você andou chorando?

— Talvez... Eu não quero falar disso, agora. Estou com dor e cansada. E com medo daqueles garotos. Vamos sair daqui, por favor, Pete. Por favor!

 

•••

 

Estamos no Pronto Socorro, após um raio-x que não constou nada deslocado, mas tenho um corte que vai levar alguns pontos. Sento em uma cama vazia e aguardo a enfermeira, enquanto Peter se senta em uma cadeira logo ao lado. A larga alça da minha blusa regata branca está abaixada e ele varia seu olhar entre meus olhos e meu ombro cortado e nu.

 

— Dói muito?

— O tempo todo. — Confirmei e fechei os olhos.

— Desculpa, Rach, eu não quis te assustar mais do que já estava. Só quis ter certeza de que era você.

— Eu sei e entendo. Não foi sua culpa. Eu estava meio aérea, também. 

— Agora você pode me contar o que aconteceu. — Falou baixo e apontou. — Enquanto a enfermeira disponível resolve aquela queimadura que acabou de chegar!

— Oh! Isso foi grave. — Olho para trás e vejo como uma equipe está em volta da perna de um rapaz. Suspiro e volto à olhar para frente. — Josh e eu terminamos.

— Como assim? — Sua cara era de espanto.

— Terminamos. Simples.

  — E você está chorando por causa desse cara. Meu Deus! Eu vou quebrar a cara dele! — Se levantou e eu o segurei.

— Peter. Não! Você quer saber e eu estou te contando, mas nem por isso eu quero que você bata nele. Não vale mesmo a pena. — Suspirei e ele fez o mesmo.  

— Pelo beijo?— Sua expressão seguia irritada.

— Sim, eu contei à ele, mas não se preocupa, não precisa repetir tudo aquilo. — Virei os olhos. — Eu fiz por mim, porque gosto de ser verdadeira.

— E eu fui verdadeiro com você quando disse que o melhor era terminar com ele. — Respirou fundo, encarando o chão, me olhando logo depois. — Eu fui um babaca te colocando regras depois do primeiro beijo.

— Não. É o seu jeito. — Dei de ombros. — Você pensou que eu ia querer uma relação ou ficar atrás de você. É natural, é como os homens pensam.

— Não, Rach. Não! Eu quis te deixar claro que nada mudaria e que eu não fugiria de você, mas acabei falando de um jeito que eu falo para todas.

 

Encarei-o, com estranheza. Não soube como reagir àquelas palavras. Ele quer dizer que ele gostaria de mais beijos ou que teve medo por eu me mudar de apartamento depois disso? Eu não sei... Sigo olhando para ele, sem conseguir formular uma pergunta e a enfermeira vem até nós. 

Ela começa a suturar e eu fecho os olhos para não ver aquela cena, no mínimo, estranha, mas uma mão pousa sobre a minha, acariciando meu polegar. É a mão dele. Quente e suave, com toques preocupados e gentis. Abro os olhos e vejo um mini sorriso aparecer em seus lábios. Ele não consegue se soltar totalmente. Não se parece ao Peter extrovertido de sempre. A enfermeira puxa um pouco o último ponto e eu faço uma careta, mas a mão aperta forte a minha, em sinal de proteção.

 

— Seu namorado se preocupou mais do que você! Você foi corajosa, mocinha. Dez pontos não são para qualquer uma. — A morena robusta, aparentando ter um pouco mais de idade que eu, sorriu para nós.

— Obrigada, mas... Ele não é meu namorado. — Sorri, balançando a mão.

— Bem. — Fez uma pausa. — Talvez ele queira ser. Casos de uma noite só não seguram mãozinhas por aí. 

 

Peter riu alto enquanto eu arregalava os olhos e sorria. Ele estava de volta, agora que o pior havia passado. Sua mão tocou minha coxa e a outra fez um sinal de OK para ela, assentindo com a cabeça. Não disse nada, mas parecia concordar totalmente. 

Ele está diferente, hoje.

 

•••

 

O teimoso fez questão de pagar um táxi e não só me acompanhar até a porta de casa, mas entrar e me ajudar com qualquer coisa que ele tinha em mente. São apenas alguns pontos e uma dor chata, confesso, mas eu realmente poderia lidar com os "desafios" pela frente.

Peter ainda esperou que eu tomasse um banho — para me livrar de algumas gotas de sangue secas e do meu rosto feio e choroso —, enquanto fazia um chá, para mim. Eu corei imaginando que ele estava mexendo na minha cozinha. Ninguém fez isso antes, nem mesmo Josh... Certo, eu não devia tocar nesse nome, agora. Preciso retornar ao que eu ia dizendo... Bem, Peter está mexendo nas minhas coisas, como eu fiz dias atrás na casa dele. Direitos iguais!

Visto um pijama onde as alças da blusa são bem finas para não me machucar e a calça é a mais larga possível. Eu acabei de terminar um namoro. Roupas largas estão no contrato sobre términos tristes, então posso fazer isso. Minha calça me cobre por inteira, mas eu coloco pantufas mesmo assim. Dragões azuis de pelúcia estão nos meus pés, agora. Realmente estou desistindo de ser uma mulher sexy pelos próximos dias.

Estou cada vez mais exausta de hoje, mas me arrasto para a cozinha, sentindo o cheiro do chá. Noto que há cookies em um prato e um sorriso orgulhoso assiste eu me sentar. Ele roubou um chocolate de uma caixa já aberta e parece pouco incomodado pelo feito.

 

— Obrigada, Pete, não precisava mesmo. — Dei um gole e uma sensação aconchegante tomou conta. Memórias da minha mãe fazendo o mesmo por mim cruzaram meus pensamentos.

— Sua noite foi péssima. Um chá vai acalmar seu coração. — Piscou.

— Minha mãe diz isso! — Ri, surpresa.

— A minha também. — Retribuiu o riso. — É sempre bom ter essas tradições que nos fazem lembrar de casa. Isso é um conselho.

— Vou lembrar disso. — Dei mais alguns goles e suspirei. — Às vezes é tão solitário estar aqui. Se eu tivesse em casa, ela me abraçaria, até eu me recompor. Ou minhas amigas estariam ao redor, fazendo isso ser a noite do esquecimento.

— Bem, eu não sou sua mãe, mas segurei sua mão hoje, até o fim... — Deu a volta no balcão, sentando-se ao meu lado e colocando sua mão sobre a minha. — E posso fazer isso, de novo.

— Eu não vou me fazer de durona e recusar, porque não me sinto capaz disso, Peter. — Encostei em seu ombro, enquanto comia um cookie e seus dedos brincavam no meu cabelo.

— Apenas tire a máscara, Rach. — Sussurrou.

— Às vezes, você fala frases e metáforas tão lindas...

— Você achou que um canalha como eu não era capaz? — Riu.

— Só não conhecia esse seu lado. 

— Vai conhecer muitas coisas sobre mim, quando parar de achar que sou uma ameaça.

— Por exemplo? — Levantei o olhar para vê-lo.

— Não, hoje é o seu dia. Amanhã, quem sabe... — Beijou meu cabelo. 

— Meu dia... — Suspirei. — Foi doloroso, física e psicologicamente. Que divertido!

— Sempre existe um amanhã, Rach. Você pode duvidar, mas tecnicamente já é o dia seguinte e você já não está chorando. 

 

Ambos encaramos o relógio e já passa da meia-noite. São quase duas da manhã e ele está coberto de razão. Apesar da minha cara de perdedora e de um pouco de dor, as lágrimas foram embora. Tudo ainda dói, por dentro e por fora e não sei como lidar ou manejar isso, mas parece mais fácil do que há horas atrás. 

Acredito que vamos nos acostumando com a dor, de certa forma e ela é melhor suavizada quando você não passa por isso sozinha. Se Peter não estivesse aqui, talvez eu não tivesse força de vontade para dar alguns passos a mais e procurar por Stacey. Ele sempre está nas horas que eu preciso e eu agradeço, porque é com ele onde eu quase sempre quero estar. Peter me dá algum tipo de paz duradoura, que não se encontra fácil, por aí. E quando ele me entrega isso, com as suas palavras e metáforas sempre doces, eu me sinto forte e protegida. Como agora.

Disse à ele que eu deveria trabalhar em algumas horas— eu só levei um cortezinho, afinal, não se ganha um atestado por isso — e ele se propôs ou impôs, na verdade, que me acompanharia até o quarto para me ajudar à arrumar a cama e o edredom. Rolo os olhos, mas não posso dizer não para a espécie de mamãe urso que ele está sendo comigo, pois é exatamente o que eu preciso.

Eu me deito e ele me cobre, sentando de frente para mim, brincando com uma mexa do meu cabelo. Se fosse outro dia, se meu humor estivesse melhor, eu o convidaria para ficar e veríamos um filme ou jogaríamos conversa fora durante a noite toda, mas hoje, eu não posso. Não conseguiria dividir a cama com um homem essa noite, mesmo que seja o cara por quem de certa forma eu optei. Peter parece reconhecer isso, porque não se deita em nenhum momento, apenas me assiste.

 

— Posso ir agora ou prefere que eu te espere dormir? — Curvou-se um pouco para ler meus olhos.

— Estou bem, Pete. Eu posso dormir sozinha, obrigada.— Arrisquei um sorriso.

— É mesmo? Se precisar, me ligue ou faça o de sempre. — Apontou a parede e depois encontrou um papel e caneta, anotando seu número.

— Pode deixar, mas eu preciso me concentrar em dormir ou não vou render nada, amanhã. Mark foi legal me soltando mais cedo e eu não posso ser uma preguiçosa, mal agradecida.

— Mark? — Arqueou as sobrancelhas.

— Meu chefe. — Ri. — Só meu chefe, só isso, Pete.

— Certo... Diga à ele que se machucou porque ele precisa pegar leve com você.

— Eu farei isso.

 

Ele beijou minha testa e se despediu brevemente, deixando a casa e fechando a porta de maneira gentil. Sei que eu deveria trancar a porta, mas eu tenho um protetor ao lado da minha casa. Posso me poupar de pensar demais pelas próximas horas. 

Estou me ajeitando na cama quando eu escuto um soco na parede, do lado de lá e rio, devolvendo-o. Nosso código secreto está de volta e isso é a primeira coisa que me deixa feliz, hoje. Posso me lembrar da primeira vez que isso aconteceu e de sua voz meio abafada me desejando boa noite. Não houveram palavras, agora, mas para mim, significou muito mais que isso. 

Peter ainda está pensando em mim. Ainda está alerta para cuidar de mim. 


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