Manual do Clichê escrita por Shelley


Capítulo 1
Capítulo 1 — a introdução clichê


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem ♥



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Capítulo 1 – Introdução

Tudo começou há pouco tempo, alguns dias depois do meu aniversário de dezesseis anos: meus pais decidiram viajar pela galáxia com alguns amigos extraterrestres, me deixando sozinha com meus dois irmãos, um mais velho e o outro mais novo do que eu, e a nossa gata, que é a responsável por cuidar de nós três e de vender velas aromáticas caseiras para conseguir pagar as contas da casa. Dizer que eu completei a idade mais clichê que se pode ter e estou sem a supervisão dos meus progenitores é a melhor forma de resumir o porquê de eu ter decidido me tornar a pessoa mais clichê que existe, até porque essas coisas são, claramente, sinais; não podem ser simples coincidências.

Acontece que, como alegria de pobre dura pouco, eu inventei de escrever uma lista de fatores que tornam uma pessoa digna de ser uma protagonista de fanfics colegiais e originais – que de originais não têm nada, diga-se de passagem –, e, infelizmente, constatei que, com o dinheiro que a nossa gata gasta para colocar comida na nossa mesa sendo subtraído da quantidade que ela ganha vendendo as velas, não nos resta muita coisa, ou seja, não tenho condições de viajar para a Inglaterra e conhecer um membro da One Direction enquanto tomo alguma bebida de nome complicado e cara para um caralho em uma Starbucks e, muito menos, de me apaixonar pelo traficante mais temido e procurado de Atlanta. Mesmo sabendo que um relacionamento saudável não poderia ser construído com um traficante, pense comigo, você não vai ao Morro da Rocinha e se apaixona subitamente pelo Wélerson.

Também não consegui grande coisa no quesito de aparência: eu uso aparelho fixo nos dentes e nunca encontrei uma personagem clichê assim; não sou ruiva como manda o figurino, tenho cabelos naturalmente verdes e, pior ainda, não são verdes como os das garotas bonitas do Tumblr, são de um tom semelhante ao daqueles cremes de abacate que algumas pessoas usam na cara; não possuo olhos claros ou heterocromáticos, meus dois olhos são negros; por essas características, podemos concluir que também não sou albina. Quanto às relações familiares, eu ainda não estou satisfeita com meus resultados, mas até que dão para o gasto: não sou órfã, meus pais não morreram em um trágico acidente de carro no passado, mas, em compensação, eles estão viajando e isso é clichê! Agora a parte complicada: meus irmãos. Não nos odiamos como em qualquer família clichê, na verdade, meus irmãos são as pessoas mais gentis que já conheci. O mais velho até pintou os cabelos de verde para dividir esse fardo comigo, a cor ficou diferente, mais parecida com um verde-musgo, já que ele era originalmente moreno.

Mas o clichê não se resume apenas à sua aparência ou ao número de vezes que você já foi à Starbucks, você também pode fazer algumas coisas que a tornam, no mínimo, umas três vezes mais clichê. Eu, por exemplo, sempre soube que as garotas gamers são clichês, então criei um canal no YouTube chamado “PoliPlays”, onde coloquei meu primeiro vídeo ontem e, por sorte, consegui me gravar jogando “A Vida é Estranha”, um dos jogos mais clichês que já tive a honra de conhecer. Já consegui dois inscritos: um deles é o meu irmão mais novo, que adora assistir vídeos de Minecraft; e o outro, uma conta falsa que eu criei.

E você já deve saber que uma boa personagem principal deve ser rockeira. Eu também não consegui me sair muito bem nessa categoria, já que meu estilo de música é mais calmo, gosto de passar meu tempo ouvindo um reggae mais inspirador, sabe? Mas agora sou rockeira, emo e diferente, então passei a tarde ouvindo músicas pesadas. Está vendo como ser clichê não é tão fácil quanto parece? Você precisa ser contra o sistema, depressiva e mais um monte de baboseiras que você não é.

É claro que não podemos deixar de lado um dos tópicos mais importantes desse manual: a escola. É lá que você vai conhecer a loira popular que é uma líder de torcida, namora o cara mais gato de lá, trata todos os outros alunos como se fossem inferiores mas encrencou especialmente com você e que, provavelmente, se chama Ashley ou tem algum nome estrangeiro e suas duas companheiras bonitas, mas não tanto quanto ela, um pouco burras e que concordam com tudo aquilo que ela diz; o valentão que trata todos mal, menos você, já que ele se apaixonou por você, já que não “é como as outras garotas”; o garoto gentil e popular que esbarrará em você, fazendo-a derrubar todos os livros que deveriam estar na sua mochila, se apaixonando por você com apenas uma troca de olhares; sua melhor amiga que, assim como você, é linda e excluída da sociedade; seu amigo nerd que, secretamente, tem uma quedinha por você. Enfim, milhões de pessoas diferentes te esperam na escola.

Mas você precisa ter em mente que a última coisa que você deve fazer em uma escola é estudar. Você só vai até lá para conhecer esse bando de gente, vadiar pelos corredores, se sentir excluída e reclamar da cantina, já que eles não vendem lanches vegetarianos ou baratos. Exatamente por esse motivo, eu me matriculei em uma escola especial. Mas falarei sobre isso no próximo capítulo, já que as minhas aulas começarão amanhã – clichê, não é mesmo? – e eu poderei dar mais detalhes sobre o assunto.

Agora, falemos da parte técnica do processo de ser clichê, ou seja, a fanfic que você habita. O primeiro passo é ter uma narrativa em primeira pessoa, coisa que eu já tenho; o segundo é se apresentar, bom meu nome é Poliana, tenho dezesseis anos e o resto vocês já sabem; o terceiro é falar de como a sua vida é um lixo, como não sou órfã, não tenho uma tia que me convidou para morar em Londres e me odeie e não fui diagnosticada com nenhum distúrbio que é romantizado por gente que não conhece os limites, suponho que não posso falar disso.

É aqui que começa a nossa aventura em busca do clichê perfeito, leitor ou leitora, e espero que tenha se preparado bem, pois o clichê nem sempre é bonito, ele pode ser sombrio, assustador, raro e diferente.


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Notas finais do capítulo

Me digam o que acharam nos comentários, a opinião de vocês é muito importante :)