A partida escrita por slytherina


Capítulo 4
Missouri




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A cozinha era apertada, mas aconchegante. Pintada em cores pastéis e com pequenas janelas envidraçadas, enfeitadas com cortinas estampadas com patinhos. Próximo às janelas estava o fogão antigo, mas bem conservado, de onde o calor emanava há meia hora, mais ou menos.

Uma mulher negra usando óculos de grau, já nos seus sessenta anos, com os cabelos encarapinhados presos com grampos em um distinto coque, aproximou-se do fogão, abriu o forno e observou uma forma de bolinhos que estava assando. Estavam douradinhos.

A velha senhora negra retirou a forma quente do forno. A leva de biscoitos de mirtilo recém-assada estava cheirando bem. Ela a depositou na mesinha da cozinha, onde um pequeno jarro de bem-me-quer estava enfeitando a toalha de mesa branquinha, com bordas tecidas em intricado artesanato. Era tudo muito feminino e caprichoso, para dizer o óbvio.

Dean Winchester sentiu uma nostalgia incômoda naquele ambiente, como se se sentisse saudoso da avó que nunca teve. Ele estava ali para resolver pendências familiares, não para chorar por uma avó desconhecida e morta. O jovem Winchester limpou a garganta e procurou ajeitar-se na cadeira de madeira da cozinha. Fitou compenetrado a velha mulher, Missouri Moseley, que lhe fora recomendada por seu pai, como uma sensitiva autêntica, por intermédio de quem poderia entrar em contato com o irmão morto.

A negra de óculos de grau, presos em corrente em volta de seu pescoço, retribuiu o olhar e limitou-se a retirar um a um, os bolinhos de mirtilo da forma. Acondicionou-os em uma tigela de porcelana e a empurrou para Dean, para que se servisse. A seguir lhe deu as costas e voltou para o fogão. Trouxe uma bela e antiga chaleira fumegante.

“As xícaras estão no armário. Encima à esquerda. E não quebre os pires. É herança de família.”

“Eu não estou com fome, obrigado.” Grunhiu Dean.

“Seja educado como seu pai lhe ensinou, meu jovem. Sirva as xícaras na mesa, eu também tomarei chá.”

Dean levantou-se a contragosto e buscou as xícaras. Um dos pires se desequilibrou e por pouco não se espatifou no chão. Dean e Missouri trocaram um olhar significativo. Tomaram chá de folha de limoeiro com mel, e Dean muito irritado teve que reconhecer que o chá e os bolinhos estavam deliciosos.

“Você procura por Sam. Por respostas a perguntas que nunca fez. Talvez ele não tenha nada a lhe dizer. Ou talvez não seja o que quer ouvir.” Missouri resolveu abordar o assunto que trouxera o Winchester mais novo a sua casa.

“Eu sei onde Sam está. Seus restos foram enterrados no túmulo de minha mãe. Se tiver uma chance, quero apenas dizer adeus apropriadamente.” Dean respondeu o mais educadamente que conseguiu, mas suas palavras ainda soaram ácidas.

“Ele lhe deixou seguir sua própria vida. Deixou-lhe um mar de oportunidades, que ele e o pai abdicaram em troca da sina de caçador.”

“Se me desculpa a franqueza, senhora, prefiro ouvir isso da boca de meu irmão. Se for possível, é claro.”

“Você é teimoso como um Winchester. Seu pai também é um turrão. Ele não sossegou enquanto não viu e ouviu seu irmão. Tudo bem, vou lhe ensinar o procedimento para que se comunique com Sam.”

Missouri levantou-se e retirou as xícaras e objetos da mesinha, então se dirigiu a um canto da próxima sala de estar. Havia uma cristaleira velha, de mogno ainda bonito, com alguns vasos e tigelas de porcelana. Ela retirou de lá vários ingredientes secos e de mau aspecto, como também objetos antigos e empoeirados. Voltou para onde Dean a esperava e sentou-se à mesa para escrever. Dean a fitava ainda incrédulo e desconfiado. Imaginava que a velha senhora certamente era uma acumuladora de objetos sem uso.

A idosa vidente lhe deu uma lista de ingredientes, um manuscrito com uma ladainha em latim, e mais algumas ervas e beberagens, que Dean aceitou de má vontade. Pensava que se ela fosse realmente uma médium que prestasse, poderia ver Sam no outro lado da morte, e servir de intermediária entre eles.

“Posso ser uma anciã, mas você pensa alto demais, meu jovem. Não basta apenas olhar o nada e esperar que seu irmão se materialize num passe de mágica. Sam está em outra dimensão. Bem longe daqui. Vocês têm uma forte ligação, mas nem isso é suficiente para atraí-lo para cá. Você precisa de magia antiga para invoca-lo.”

“Não gosto que leiam meus pensamentos.” Dean reclamou com um muxoxo, ao que Missouri reagiu olhando por sobre os óculos que escorregavam por seu nariz.

Na saída de sua casa, ela abraçou Dean e disse-lhe séria:

“Não tenha grandes expectativas desse encontro com Sam. A morte muda as pessoas, e ele estará mais sintonizado com o mundo dos mortos do que com coisas terrenas. Ele ainda tem muita afeição por você, mas não pode mais interagir com os vivos.”

Dean escutou tudo calado. Balançou a cabeça afirmativamente e tratou de levar seu pequeno mantimento para o Impala. Sentou atrás do volante e observou pela última vez a antiga casa de madeira. Ao olhar para a velha senhora na varanda de sua casa, pensou ter visto Sam de pé ao lado dela, mas a imagem desvaneceu como fumaça. Missouri deu um pequeno sorriso como se lesse seus pensamentos.

Dean irritou-se mais uma vez e saiu rapidamente dali. Ele seguiu a rodovia interestadual e parou em um motel de beira de estrada, para passar a noite. Sua intenção era ir para Sioux Falls, para pedir ajuda a Bobby na invocação do espírito de Sam. Afinal ele estava longe daquela vida há muito tempo. Tinha medo de estragar tudo, e perder a única chance de encontrar novamente com seu irmão.


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