Ecos do Passado escrita por anaslostwings


Capítulo 1
Ecos do Passado




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Roy sempre escondia seu rosto, tentando se misturar com as sombras que o rodeavam, nas raras vezes em que havia chorado. Não conseguia suportar a ideia de um dia deixar que ela visse fraqueza estampada em seus olhos. Riza não merecia isso, merecia alguém forte, assim como ela, alguém que nunca fraquejaria em nenhuma ocasião, isso era o que pensava. Mas a verdade era que, muitas vezes, Roy não se sentia tão forte quanto ela, como se a Tenente, diferente dele, fosse uma fortaleza inquebrável - seus olhos capazes de mover montanhas e seus dedos hábeis com o gatilho que disparava em qualquer momento que a vida de Roy corresse perigo.

Ele sabia que Riza não era uma mulher que precisasse de proteção, mas, quando alguém se empenha tanto para proteger outra pessoa, acaba se esquecendo de si mesmo, negligenciando o seu próprio bem. E Roy sabia o quanto Riza pensava que sua vida não teria mais o mesmo valor se algum dia ela não conseguisse manter a promessa sem palavras que mantinham um com o outro. Doía nele em pensar na garota que conhecera um dia e que poderia ter tido um futuro totalmente diferente caso seus caminhos não houvessem se cruzado. Ou até mesmo se seu pai, Berthold Hawkeye, não tivesse forçado a filha a carregar um fardo tão grande quanto os segredos da alquimia de fogo.

Ele estava acostumando com Ishval, com as chamas fazendo seus olhos lacrimejarem pelo calor. Havia perdido as contas de quantas vidas arrancara de inocentes apenas pelo estalo incessante e habilidoso de seus dedos. Mesmo através de suas luvas, era como se sua pele também pudesse se transformar em apenas fumaça, assim como os inimigos a sua frente. Roy muitas vezes se sentia covarde por não encarar as pessoas ao agir, às vezes nem lembrava muito dos rostos de suas vítimas, mas, quando a dor que suas chamas causavam teve de ser usada nela, tudo parecia estar mudado.

.

“Suppose the body did this to us,
made us afraid of love–“
¹

(Crater Lake – Louise Gluck)

.

Não poderia simplesmente olhar para longe e fingir que não estava acontecendo, que não estava infligindo àquela dor na pessoa que menos a merecia no mundo - a pessoa, uma das únicas, que havia confiado nele durante todo esse tempo. Riza, com toda a sinceridade em seus olhos castanhos, os mesmos olhos que um dia haviam o encarado com certa inocência, que não conheciam ainda os horrores de uma guerra e as imagens que futuramente nunca sairiam da mente dos dois. Ela havia confiado nele, e Roy quebrara todas as suas esperanças em um piscar de olhos, assim como sentia que a traíra no momento em que a chama quente arrancou a pele clara das costas marcadas de Riza, tirando dela o fardo escrito que tinha de carregar à força.

Parte de Roy pensava que, encontra-lo de novo e ver tudo o que haviam causado a Ishval e a todas aquelas pessoas, teria sido a gota d’água para que ela quisesse se livrar dos segredos que mantinha impregnado em seu ser. Ao mesmo tempo, ele sentia como se Riza estivesse tentando arrancá-lo de dentro de sua pele também. Apagar o que poderiam ser, o que um dia poderiam ter sido, mas que foi se quebrando com o tempo e as sombras que os engoliam. Ela queria esquecer e ele também, mas não podiam, era tarde demais para voltar atrás.

Ele não conseguia tirar o odor de suas narinas. O cheiro de pele morta e do sangue dela. Não importava o quanto esfregasse as mãos cobertas por luvas, a cor vermelha não se apagaria do branco delas, agora quase completamente cobertas. Não podia cobrir os ouvidos para não ter que escutar os gritos de Riza, e talvez esta fosse a punição por seus atos de atrocidade, ter que ouvi-la chorar pela primeira vez em sua vida e por causa dele. Era sua culpa por feri-la, assim como provavelmente já havia a machucado muitas vezes antes sem nem ao menos perceber.

Um último lampejo de dor atingira Riza e isso o fez piscar várias vezes, assustado, sentindo em seus olhos o mesmo lacrimejar que sentira no passado. Sabia que não seria possível segurar por muito mais tempo as lágrimas que teimavam em tentar escorrer por seu rosto aquecido pelas chamas. O corpo de Riza estremecia incessantemente, e ela se segurava contra os lençóis da cama desfeita até que o silencio pairou sobre os dois. Roy sentiu que não iria mais adiante com aquilo, teria que parar naquele momento ou não suportaria mais viver com isso, se é que um dia conseguiria. Ele olhou mais uma vez para as marcas que conhecia tão bem e percebeu que boa parte já estava arruinada, não precisariam se livrar mais do que as informações já queimadas das costas de Riza.

Roy então tirou as luvas rapidamente e jogou-as longe no chão, querendo livrar-se delas o quanto antes possível. Pelo menos até a manhã seguinte quando teria que encarar o mundo a sua frente e manter em suas próprias costas o fardo que ele mesmo escolhera carregar ao aprender a alquimia das chamas. Ele também não pode deixar de pensar em o quanto odiava Berthold por ter tentado arruinar algo tão belo quanto a própria filha com suas próprias obsessões, tanto quanto ele, Roy Mustang, odiava a si próprio por não ter conseguido ser melhor do que o primeiro homem que decepcionara Riza. Não eram tão diferentes assim, Roy pensou amargamente, ocupando-se com limpar as feridas que causara na mulher a sua frente. De certa forma, sentia-se aliviado por Riza não poder vê-lo, pois sentiu que as lágrimas haviam o vencido afinal. Não queria que ela tivesse a decepção de ver nos olhos dele tamanho desespero que sentia por dentro.

E cada vez mais tudo se parecia terrivelmente com as mortes que causara na guerra. Impessoais. Distantes. Assim como Riza e ele haviam se tornado.

As mãos de Roy tremiam como nunca havia acontecido antes, pois seus movimentos eram sempre absurdamente ágeis e bem calculados. Mas agora, ele sentia como se não conseguisse mais controlar as reações de seu corpo. Nunca havia se sentido tão cansado na vida. Cansado da vida.

Ao terminar as bandagens para proteger a pele de Riza, ele notou que a respiração dela continuava pesada e pensou que talvez ela ainda estivesse chorando, pois era impossível que a dor que sentira tivesse passado completamente. Conseguia imaginar o peito dela subindo e descendo em um ritmo acelerado enquanto ela tentava respirar, lágrimas e dor estampadas em seu rosto. Com raiva, Roy desejou que pudesse fazer alguma coisa para que sentisse toda aquela dor no lugar de Riza, para que a pele tomada pelas chamas fosse a dele, já que um dia, talvez, ele mesmo fosse consumido pela loucura que Riza tanto falava que havia destruído seu pai. Mas não seria justo com Riza se ele deixasse que isso acontecesse.

As mãos cansadas de Roy repousaram em seu colo e ele permaneceu ajoelhado no chão ao lado da cama, em silêncio. Não conseguia proferir uma palavra sequer, a culpa mantendo-o estagnado no mesmo lugar, e ele pensou que se Riza viesse a falar alguma coisa, ele não saberia como reagir ao ouvir a voz dela novamente, além dos gritos, depois de tanto tempo.

— Já está feito? — Ela perguntou então, após alguns minutos, enquanto a respiração dela se tornava mais calma.

Mas Roy não respondera, apenas encarava as próprias mãos em estado de choque. Olhe aonde fomos parar, ele pensava sem parar, e não importa se me odiar ou se quiser colocar uma bala entre meus olhos, provavelmente eu mereço.

— Roy. — Ela chamou-o pelo nome, pronunciando cada letra lentamente, como uma súplica, talvez por sua voz rouca e cansada. E o coração de Roy se partiu em pedaços naquele momento, ao ouvi-la dizer seu nome assim. Ele piscou e mais lágrimas escorreram de seus cílios pretos.

Ele apenas a ouviu se remexer na cama, sentando-se com dificuldade e então depois Riza se virou para encará-lo, e ele notou que agora ela vestia uma camiseta preta para cobrir suas costas antes desnudas, ao alcance das chamas dele. Roy rapidamente passou as mãos em seus olhos, secando as lágrimas, não deixando que Riza as visse, mesmo que talvez já tivesse sido tarde demais.

— Não é culpa sua. — Ele a ouviu dizer, mas era difícil de aceitar suas palavras, pois ela não era mais a mesma garota inocente de anos atrás. Ela sabia que ele a havia machucado. Ela sabia, não poderia negar esse fato por mais que doesse estar consciente dele. – Foi minha escolha. – Ela completou.

Não, eu escolhi machucar você, pensou Roy, sem dizer.

— Eu não me arrependo, pelo menos não disso. – Riza acrescentou enquanto Roy ainda não a olhava nos olhos. Riza arrumou o travesseiro contra seu rosto e continuou encarando Roy, esperando. E era como se ele conseguisse sentir o calor do olhar dela, mais vivo do que qualquer sentimento dentro de seu próprio corpo, mais forte que a razão e a culpa.

— Mas eu, sim. – Roy disse finalmente, olhando-a. – Eu a traí da pior maneira possível.

Riza se manteve calada, olhando-o nos olhos pela primeira vez desde que ele chegara a sua casa. Não havia o que dizer, os dois sabiam muito bem dos erros e arrependimentos que teriam de carregar de agora em diante. Riza não saberia mentir negando a afirmação de Roy, mas, de alguma forma, ela sabia ser verdade aquele sentimento dentro dela de que poderia ainda existir alguma esperança, que ainda poderiam escrever uma história diferente, dessa vez. Como se Roy ainda fosse como uma luz em meio às sombras do passado, ou a pessoa que poderia continuar de pé, mantendo-se firme ao seu lado enquanto andariam pelo mesmo caminho a ser percorrido, compartilhando dos mesmos ideais.

Fechando os olhos lentamente e tornado a abri-los, mantendo-se alerta, Riza esticou o braço para o lado em direção a Roy e sua mão permaneceu ali, esperando-o. Mas Roy sentiu-se paralisado novamente como se toca-la fosse proibido e, de alguma forma, ele proibia-se disso. Não era merecedor de tocá-la outra vez, não quando havia a machucado da pior maneira possível, com a técnica de seu pai.

— Eu não sei mais no que devo me apoiar. – Riza falou. – Mas sinto como se finalmente um peso fora tirado de mim. –E o olhar de Riza tornou-se triste mais uma vez, provavelmente pensando em seus próprios erros, aqueles os quais teria de tentar corrigir provavelmente até o resto de sua vida.

Finalmente, após ouvir as palavras de Riza, Roy segurou a mão dela firmemente com a sua, sentindo os dedos gelados de Riza contra os seus. Por mais que doesse em Roy e fosse difícil para ele se perdoar, sentia-se melhor assim e parecia mais correto do que qualquer coisa que havia feito nos últimos anos.  Riza era como uma constante, a única coisa que fazia algum sentido. Sentir a pele dela em sua mão, a mesma que havia a machucado minutos antes, era como receber uma nova chance, como se ela também quisesse tirar de suas costas o peso que ele próprio também sentia.

— Eu não vou machuca-la outra vez. – Roy disse como uma promessa, olhando-a firmemente nos olhos castanhos, levemente vermelhos, pelas lágrimas que havia chorado durante todo o tempo em que haviam ficado ali.

— Você não fez minhas escolhas por mim. – Riza simplesmente afirmou com convicção, apertando sua mão contra a dele, franzindo o cenho por causa da dor. — Assim como eu não fiz as suas por você.

Roy olhou para longe dela e encarou suas mãos unidas, agradecendo pelo fato dela não ter mencionado ou talvez nem notado os rastros de lágrimas que ainda podiam estar marcando seu rosto.

— Ainda assim eu sinto muito... – Roy disse e, depois de um momento, voltou a olha-la nos olhos. Riza parecia distante, como se a exaustão estivesse terminando de drenar suas energias, seus olhos se fechando aos poucos, mas sua atenção se mantinha em Roy e em suas mãos unidas. Quando Roy inclinou-se para deitar com a cabeça sob o colchão ao lado do corpo de Riza, ele sabia que ela já havia adormecido quando completou. –... Riza.

.

“My body persisted.
Not thrived, but persisted.
Why I do not know.”
²

(Echoes – Louise Gluck)

.

Quando a morte de Hughes aconteceu, foi como se tivessem arrancado um braço de seu corpo. Foi como perder um irmão, alguém que o havia impedido de fazer tantas besteiras, de ter mais arrependimentos do que normalmente Roy já tinha. Era como ter perdido parte da razão em sua mente.

Ele sabia que estava próximo da hora de partir quando sentiu que Riza se aproximava lentamente dele, parando quase ao seu lado, um pouco atrás dele, como sempre fazia, sempre alerta se alguma coisa ou alguém se aproximassem deles. Admirou o fato de ela manter a compostura, permanecendo de pé, tão forte enquanto ele sentia que seus joelhos fraquejariam a qualquer momento e ele cairia no chão, em frente à lápide de Hughes. A lápide de Hughes, Roy pensou outra vez, sentindo a garganta cortar enquanto engolia em seco.

— Senhor. – Riza chamou-o, e ele sentiu em sua voz que ela não queria ter de interrompê-lo naquele momento.

De repente, imaginou-se morrendo aos poucos, como se sua alma já tivesse ido embora de seu corpo e este fosse simplesmente uma carcaça que vestia toda manhã para sair de casa. Sentia-se exposto como um nervo, prestes a se romper. Mas sabia o que Hughes ou Riza lhe diriam, que precisavam continuar sobrevivendo, não era possível nem viável parar agora. Havia muito que ser feito ainda.

Precisava seguir em frete e pensou outra vez, assim como tantas vezes, que se Riza era como uma fortaleza que se mantinha em pé depois de todo esse tempo, ele poderia ser forte também, e só o fato de tê-la ali, ao seu lado, era o bastante e só o que ele precisava para manter-se inteiro.

Pois é claro, não poderia abraça-la, por mais que sua mãos formigassem com a vontade de enlaçar seus braços pela cintura da Tenente e descansar o rosto em seu ombro. Não, não deveria, repreendeu-se, erguendo a cabeça, ainda sem olhar para Riza que ainda o esperava pacientemente.

Quando as lágrimas escorreram, Roy agradeceu pelas sombras que escondiam seus olhos atrás da aba do chapéu que usava. Disse iria chover, sem saber muito bem como as palavras saíram, e era como se estivesse mesmo chovendo de verdade, dentro de sua alma.

Depois de alguns minutos, ele sentiu a mão de Riza em seu ombro e ela parecia ter o peso do mundo, como se com aquele simples toque, fosse possível enterra-lo vivo debaixo da terra. Por um momento, foi o que ele desejou que acontecesse.

.

“This silence is my companion now.
I ask: of what did my soul die?
and the silence answers

if your soul died, whose life
are you living and
when did you become that person?”
³

(Echoes – Louise Gluck)

.

Riza o encarava da porta de sua casa. Ainda mantinha os mesmos curativos em seu ombro, mas estava usando roupas comuns de civil. Seus olhos estavam mais vivos do que nunca, com seu olhar penetrante capaz de ter longas conversas com Roy sem dizer uma única palavra. Era isso o que ele quis comunicar também quando caminhou em sua direção e olhara-a de volta, tentando dizer tudo que um dia quis, sentindo-se aliviado por poder ver o rosto dela mais uma vez. Pensou que a havia perdido para sempre e depois, quando percebera que não, ele não pode ter a certeza que queria, mas apenas guiar-se por sua voz, assim como sempre havia focado em sua presença, viva e quente, ao seu lado. Roy desejou que pudesse tocá-la e sabia que o silêncio não duraria por muito tempo. Riza o encarava com preocupação.

— Coronel, você está bem? – Ela perguntou, caminhando mais para perto e fechando a porta da casa dele às suas costas. O corredor onde Roy se encontrava estava escuro e era um pouco difícil ver seu rosto.

— Tenente. – Roy respondeu. – Você não precisava vir até aqui.

— Nós dois sabemos muito bem a lógica que sigo para agir. – Riza respondeu, e Roy podia jurar que vira um sorriso em seus lábios. Era incrível como seu rosto continuava iluminado mesmo depois de tudo que passaram juntos.

Ele sabia que era inútil falar que não precisava que ela se preocupasse, pois seria sempre assim: Ela pensaria nele antes de tudo, em qualquer situação que estivessem enfrentando. Talvez ainda fosse difícil para ela também em acreditar em seus próprios olhos, que ambos estavam ali agora, respirando, ainda juntos, mesmo depois de tantas batalhas lado a lado.

— Não há muito que falar. – Roy disse depois de algum tempo. E realmente não havia mesmo, pois seria impossível expressar tudo que realmente sentia.  — Minha visão já está completamente normalizada agora.

— Fico feliz em ouvir isso. — Riza logo falou. — E espero que saiba que se houver algo errado, eu irei perceber. — Ela ainda o encarava atentamente ao falar. Roy caminhou para mais perto dela até que ficaram frente a frente. Ele observou os braços cruzados de Riza e como seus cabelos loiros estavam soltos, caindo sobre seus ombros. Às vezes sentia falta de vê-la assim. Passava-lhe uma serenidade que ele não estava acostumado a ver em seu semblante mas que gostava muito.

— Eu sei. — Roy admitiu sinceramente. E de repente a pouca distancia que os separava parecia muito maior, e ele não pode evitar lembrar quando fora forçado a ver o sangue e a vida desvanecerem do corpo de Riza. Sentia-se amarrado por mãos invisíveis que o seguravam e tentou lutar contra elas. Ousou erguer um de seus braços, repousando levemente uma mão no ombro machucado de Riza. Primeiramente, ela parecia surpresa demais para reagir, mas logo depois seu olhar tornou-se ainda mais terno e ela havia descruzado os braços, deixando-os soltos ao lado do corpo. Roy simplesmente segurou-a com as duas mãos, segurando o rosto dela contra suas palmas quentes e aproximou-se ainda observando as reações dela através de seus olhos.

— Eu nunca esconderia nada de você. — Prometeu e a beijou.

.

Se quando a machucou no passado havia sido como uma punição para Roy, tê-la em seus braços naquele momento era como a maior das dádivas do mundo. Algo que nunca, durante todos esses anos, pensou que um dia poderia realmente acontecer. Nunca tinha se perdoado por feri-la tantas vezes, mesmo que involuntariamente, quando as situações exigiam que ela o protegesse. Era sempre como se Roy a houvesse colocado naquela situação, mas ele sabia que Riza odiaria ouvir isso, pois havia sido ela mesma que, no final de tudo, havia tomado suas próprias decisões. E esse era um dos motivos pelos quais a amava tanto. Determinação.

Ele traçava o corpo dela lentamente com seus dedos como se ainda algo o segurasse, com certo receio de que algo de errado acontecesse, como o que se passou anos antes quando machucara suas costas. Aquela era uma lembrança ainda vívida, como uma ferida que ardia mesmo depois de curada, mas era diferente dessa vez. A pele de Riza que se arrepiava em resposta ao seu toque o que o deu coragem para continuar. Lembrou-se até do exato momento em que havia segurado-a nos braços logo depois de May Chan ter curado seus ferimentos, mantendo-a viva, ainda que terrivelmente gelada contra o calor do corpo de Roy. Havia abraçado Riza fortemente, como se aquele fosse o último momento que teria com ela, e ele soube que ela também entendia o sentimento por trás daquele gesto.

Segurava-a contra seu corpo com a mesma intensidade e seus corpos uniam-se naturalmente, moldando-se um ao outro, como se fossem duas peças que sempre estiveram destinadas a finalizar suas jornadas no mesmo lugar. Juntos. Beijava-a como sempre pensou em fazê-lo durante todos esses anos, porque por mais que saísse com outras mulheres, nunca deixaria de desejar que a pessoa à sua frente fosse Riza, sempre Riza. E, finalmente, era assim. Ouviu seu nome escapar pelos lábios repartidos dela, como sempre desejou que pudesse escutar ela dizer. Sabia que as coisas não seriam simples, mas naquele momento tudo parecia real demais para pensar em qualquer outra coisa. Não existiam dúvidas, nem remorso pelo que fizeram, não por isso. Não dessa vez.

— Não foi culpa sua. — Riza disse, quando tiveram que se separar para retomar o fôlego perdido. Ela seguiu o olhar de Roy que observava fixamente a bandagem em seu ombro, o rosto dela levemente ruborizado. As mãos dele ainda estavam ao redor de sua cintura, mantendo-a firme junto ao corpo dele, como se planejasse nunca mais soltá-la.

— Eu tive medo. — Roy admitiu depois de um tempo. Seus dedos lentamente começaram a traçar as marcas nas costas de Riza, o que a fez estremecer um pouco, mas ela não parecia incomodada. — Não teria conseguido sobreviver se-...

— Eu sei. — Riza falou rapidamente, repousando uma de suas mãos sobre a bochecha de Roy. Ele olhou para ela atentamente. Aproximaram-se mais até que suas testas se tocassem. Respiraram profundamente em sincronia como se quisessem manter para sempre a presença um do outro dentro de seus corpos. — Eu também me senti assim. — Ela admitiu, lembrando-se claramente da vez em que chegou a acreditar que Roy havia morrido nas mãos de Lust.

— Às vezes ainda é difícil acreditar. — Roy falou, afastando lentamente dela. Riza franziu o cenho, acariciando o rosto dele com seu polegar lentamente. Sua outra mão repousou na cicatriz que ele tinha no abdômen, o calor de sua palma fazendo com que Roy não sentisse mais tanta dor no local. — Que mesmo depois de tanto tempo, você continua aqui.

— Eu disse que seguiria você. — Riza o lembrou, inclinando o rosto no travesseiro e olhando-o serenamente. — Até o inferno, se for preciso.

— Eu sei. — Roy concordou. — Sempre mantivemos nossas promessas.

É o que nos mantem fortes. Juntos, quis acrescentar, mas sentia que Riza já sabia disso.

Quando ela o beijou mais uma vez, como se o beijo fosse outra promessa que faziam silenciosamente, Roy se sentiu em paz como há muito tempo não se sentia.


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Notas finais do capítulo

“Suponho que o corpo fez isso conosco,
Fez termos medo do amor– “¹
.
“Meu corpo persistiu
Não prosperou, mas persistiu.
O porquê eu não sei.”²
.
“O silêncio é meu companheiro agora
Eu pergunto: de que minha alma morreu?
E o silêncio responde
Se sua alma morreu, a vida de quem
Você está vivendo e
Quando você se tornou essa pessoa?”³



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