Gota a gota [HIATUS] escrita por Tamires Vargas


Capítulo 15
As estrelas são o último suspiro do caos


Notas iniciais do capítulo

Eu ia guardar esse capítulo até ter 2 para postar. Perceberam que falhei, né?

A todos os acompanhamentos, favoritos e quem espera pelas atualizações. Obrigada!♥♥♥♥♥

Boa leitura!



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Todos pararam seus afazeres ao perceber a presença de Yachi. O antigo líder ainda era tido como uma figura importante embora os anos em que esteve no poder pertencessem a um passado distante. Fazia também muito tempo que ele havia deixado de ser ativo no conselho dos anciãos e passado a ser um membro quase figurativo. Vivia uma aposentadoria tranquila sem permitir que lhe tirassem o sossego, contudo isto não significava que as situações lhe passassem despercebidas.

Emi continuou a verificar o tamanho dos morangos sem levantar a cabeça. Seus olhos tinham lhe denunciado a silhueta de Yachi antes de qualquer um se dar conta, no entanto preferiu observar enquanto fingia ignorar.

— Vim deixar as pessoas órfãs de sua presença. — Ele brincou.

— Não vou gostar de saber. — Emi respondeu seca.

— Acertou. — Ele ofereceu sua mão para ela e ao tomá-la sorriu com serenidade. — A essa altura nosso velho amigo está fazendo algo que não deveria.

Eles caminharam o suficiente para se tornar um borrão à vista dos outros e pararam sob a copa de uma árvore frondosa. A expressão de Yachi não mudara, mas a de Emi se convertera numa irritação contida.

— Nao pediu a presença de Fugaku, fez isso sem comunicar a nenhum dos anciãos. Tenho um palpite sobre o teor da conversa...

— O conselho do clã não tinha decidido que não pressionaria o Fugaku?

— Você sabe como o Nao gosta de fazer as coisas do jeito dele.

— Aquele garoto não merece um avô como ele. — Emi suspirou. — Tantos anos e o idiota não aprendeu nada! Não é o suficiente ser amargurado, precisa infernizar a vida dos outros!

Yachi fitou-a com o olhar analítico, sentia que o motivo do tom raivoso lhe era desconhecido como um pedaço perdido de uma história.

— Bom, não posso fazer nada. Fugaku terá que lidar com Nao. Só espero que a história não se repita.

 

 Fugaku encarava o semblante impassível do avô. Nunca este lhe causara tanta repulsa. O desprezo que recebia dele parecia um grão de areia perto do que aquelas palavras causaram. Poderia aquele homem ser tão torpe? Tão alheio ao respeito que devia às pessoas? Tão ignorante quanto aos sentimentos e a vida do próprio neto? Não esperava que lhe entendesse, que lhe tivesse afeição ou a menor das emoções positivas, mas respeito era o mínimo. E Nao fizera questão de abandonar a base da convivência para com Fugaku e Mikoto.

— Eu não vou trair a minha esposa... — respondeu devagar. A língua coçava, queira cuspir tudo que ele merecia, contudo precisava da sutileza que ameaçava lhe deixar a qualquer segundo. — Não vou ter um filho porque o clã quer,... porque você quer... Não vou mais aceitar que me digam o que fazer com a minha vida.  

— Não estou interessado na sua rebeldia adolescente! O clã precisa de um herdeiro o quanto antes e é sua obrigação nos dar essa criança.

— Minha obrigação é conduzir os Uchiha da melhor forma possível. Eu a assumi e a faço! — Levantou-se. A raiva do presente se misturava a do passado e o menino em seu interior segurava as lágrimas. — Espero que você como conselheiro se atenha aos assuntos do clã. Do meu casamento, cuido eu!

— Eu te fiz líder. — A fala paralisou Fugaku. — Eu te fiz filho do Fukuma... — Nao articulou devagar. — Eu fiz Yasu casar com seu pai porque queria que um da minha linhagem se tornasse líder.

— E eu te desprezo, Nao.

Fugaku sonhou com a mãe naquela noite. O rosto triste, o olhar perdido, uma bela estátua ao vento marcada pelo destrato do tempo. A pele de gesso exibia duas linhas escuras das pálpebras ao queixo que terminavam imitando gotas presas a ele. No kimono as linhas se tornavam pequenos círculos e quase tocavam as mãos unidas ao peito. Era como se estivesse congelada no meio de uma prece mas também parecia segurar a própria dor, ajudando o coração a suportá-la.

Ele acordou atordoado e procurou as recordações guardadas. Não as via há muito. Tinha medo de chorar diante delas. Abriu a caixa duma vez, apanhou uma porção de fotos e as admirou com devoção. Descobriu que havia se esquecido de alguns traços da mãe, sua memória empoeirada lhe traíra mostrando uma mulher diferente. Yasu brilhava, como o sol ela brilhava imponente mesmo que oculta pelas nuvens.

A paz amansa a alma, mas são as tribulações que a fortalecem. Nenhum ser deveria se afogar em uma muito mais do que na outra. É o equilíbrio que nos faz crescer. Um pouco de dor, um pouco de sossego em sequência. No hiato entre as dores, o indivíduo internaliza a experiência.

Fugaku convocara uma reunião para aquela manhã bem cedo. Os anciãos receberam a mensagem assim que despertaram, alguns foram acordados por ela.

Yachi a esperava na varanda de sua casa, recebeu-a com simpatia. Ofereceu chá ao mensageiro, convidou-o para uma próxima vez perante a recusa. Foi buscar Emi na plantação. Achou graça de suas sobrancelhas franzidas. 

— Pare de me meter no assunto! — Ela cuspiu assim que entendeu a intenção dele. — Não faço parte do conselho.

— Um erro que pode ser consertado. Estou cansado de lidar com o Nao sozinho — retrucou ganhando um olhar enviesado. — De qualquer forma sua presença é importante.

— Para afrontá-lo.

— Também. — Yachi sorriu, mas logo colocou seriedade na voz. — Desconheço quem tenha ajudado Fugaku mais do que você. Quero que alguém próximo a ele testemunhe essa reunião e me diga sinceramente o que pensa.

Emi suspirou, lidar com Nao estava fora de cogitação. Apostava num atrito certo e que não teria paciência para segurar o próprio temperamento. Entretanto, Yachi nunca lhe pedia favores estúpidos, por isso negá-los lhe era impossível.

A curiosidade se alastrou pelo cômodo e aumentava conforme alguns homens demoravam a chegar. Fugaku estava de braços cruzados observando a entrada, nenhuma emoção no rosto, nenhuma demonstração por qualquer parte do corpo. Uma perfeita esfinge de determinação, imperturbável.

Nao guardava a inquietação enquanto analisava o neto. Havia chegado primeiro e desde então não desviou sua atenção. Imaginara todo o tipo de afronta e estava pronto para retrucá-las. Poria o garoto no lugar, em público, e encerraria o problema.

A calma com que Fugaku iniciou a fala guiou suas palavras até o fim. De maneira sucinta, ele pontuou que não admitiria ter seu relacionamento colocado em pauta e lembrou aos presentes que estes lhe deviam respeito como líder do clã.

Os anciãos se entreolharam buscando reconhecer quem teria tocado no assunto. Embora julgassem necessário o nascimento de um herdeiro não tinham o despudor de conversar abertamente com Fugaku. Há alguns meses vinham se esquivando e até empurrando o assunto afim de um deles criar coragem.

— Ficarão calados?! — A voz de Nao se ergueu no silêncio.

— É um assunto delicado... — Um senhor de poucos cabelos respondeu. — Não é correto ser falado assim, na frente dos outros. Além disso, não faz muito tempo desde o casamento. A natureza tem sua própria velocidade, não adianta forçá-la.

— Não percebem que ele está diminuindo o conselho? Logo tomará as decisões sem nos consultar como fez com nossas terras.

— Está se rebelando contra mim, Nao? — O tom de Fugaku tornou o ambiente pesado.

O velho arrastou os olhos em direção ao neto, mastigando a raiva que crescia a cada segundo. Garantiu a si mesmo que devolveria a ofensa e mostraria ao garoto o preço de lhe desafiar.   

— Você não está preocupado com o futuro do clã. É um egoísta que só pensa na própria vida. Tivemos que convencê-lo sobre o casamento e agora precisamos desse tipo de conversa porque você se recusa a atingir o objetivo dele!

— Sim. — A resposta roubou a reação dos presentes. — Não terei um filho com outra mulher como você sugeriu.

Um burburinho se formou ao mesmo tempo em que Emi se levantou rumo a saída. A mão de Yachi bloqueou seu caminho com sutileza acendendo a fagulha que queimava em sua garganta.

— Eu nunca vi uma discussão tão ridícula! — Emi cuspiu. — Chamar o conselho para falar sobre seu casamento... Essa é a maturidade de um líder, Fugaku? Reuniu todos para dizer aquilo que eles deveriam saber. A quem importa se o clã terá um herdeiro legítimo hoje ou daqui a cinco anos?! Precisamos tanto que essa criança nasça?! Precisamos de uma lei que impeça de nos matarmos por um título?! Ou aprendemos com o passado que juntos somos mais fortes? — Ela encarava todos, um a um, enquanto falava. — Se os senhores acham que uma criança importa mais do que ajudar nosso líder a construir um bom futuro para os Uchiha, eu não vejo função nesse conselho.

— Quem é você para falar?! — Nao vociferou, mas seu rompante foi contido por Yachi.

— Já chega, amigo. — Pousou a mão no peito dele, esmigalhando a resistência do ancião ao exibir seu sharingan. — Eu concordo com a Emi. É lamentável a discussão que aconteceu aqui e também a forma que alguns veem o nosso líder. Estamos em tempos de paz, senhores, não há mal em vivermos isso. Quando a batalha nos chamar estaremos prontos, pois descansamos enquanto pudemos. É justo aproveitarmos aquilo pelo qual lutamos.    

Os anciãos se retiraram devagar, cumprimentando Fugaku feito quem pedia desculpas. Nao ao ver a cena desapareceu, preferindo a companhia de sua fúria.

Emi esperou o salão se esvaziar por longos minutos que foram incapazes de dissolver sua expressão azeda. Precisou de um grande esforço para não esmurrar a cara do antigo amigo e culpou Yachi por tê-la feito esquentar a cabeça naquela tarde.

— Finalmente os velhos se foram. — Ela comentou com um traço de tédio. — Você fez bem, garoto, apesar de eu não concordar com a forma. Ele nunca te deixaria em paz se você não respondesse à altura.

— Estava na hora de ele parar de me olhar como neto.

Emi perdeu as palavras, e Fugaku pôde perceber o que ela havia pensado. Também carregava o mesmo pensamento: Nao jamais o olhou daquela forma.

Tentar ser visível para quem não nos enxerga é um esforço doloroso. Para cada tentativa de nos tornar visíveis, apagamo-nos um pouco. Perder a visão de si mesmo, ser cego da própria existência, tem um pouco de morte.

Fugaku sentia a luz machucar seus olhos. Os fachos eram finas agulhas douradas que perfuravam sua retina antes coberta por uma massa escura. Doía-lhe enxergar, doía mais admitir a cegueira. Prometeu não cair nela de novo. Tornara-se experiente e esperto, além disso, tornara-se seguro.

Os últimos acontecimentos lhe ajudaram a se despedir do menino que se ressentia pela ausência do avô. Não mais o ouviria perguntando ao pai o porquê daquele homem não lhe visitar nem a voz dentro de sua mente indagar com tristeza "por que ele não gosta de mim?".

Nao tinha agora uma face diferente para ele. Os traços eram só os traços de um idoso, a expressão dura, a carranca de um velho amargurado. Nenhum pingo de esperança avivava as cores de sua imagem, pelo contrário, parecia pálido e borrado feito o pedaço de um passado que se quer esquecer.

Quando Mikoto encheu a casa de perfume, as narinas de Fugaku mal perceberam. Ele ainda estava mergulhado em si tão fundo quanto um navio naufragado. Tinha cedido espaço às lembranças da mãe e observava a foto dela se conectando àquela época.  

— Fu-...

— Eu nunca te mostrei. Acho que você não deve se lembrar dela. — Virou a foto para Mikoto.

— Era linda.

— E triste... — Guardou a imagem na caixa. — Não quero fazer o mesmo com você. — Ele a encaixou em seu abraço. Tinha os braços pesados por carregar a dor, mas leves pela mesma razão. Apertou-a com suavidade, voltava ao presente como quem acorda de um sonho. — Volte pra casa.

— Por quê? — Mikoto perguntou temendo que a resposta fosse diferente da desejada.

— Não quero ficar longe de você.

Mikoto o fitou, queria encontrar na expressão dele o complemento daquela frase. Não admitia que Fugaku a dissera sem ponderar seu significado, no entanto, cogitava que as palavras poderiam ser somente o suspiro de uma tristeza. A solidão açoita os infelizes e estes buscam todos os remédios para aplacar seu sofrimento.

Uma nova pergunta parou na garganta dela. Clara e objetiva, rasgaria as dúvidas. Era só empurrá-la para fora. Deu voz ao querer. Trouxe o rosto dele para si, roçou os lábios, beijou devagar. Buscou a saliva ao sentir seu corpo ser apertado. Deixou as mãos vagarem pelo dele. Fitou-o novamente. A certeza estava ali.


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Notas finais do capítulo

Acho que chega de sofrimento, né? Daqui em diante só amor está bom, não está?

Gente, se vocês acharem que eu dei uma fumada nas filosofias é culpa do Kundera.

Bjs e até o próximo! ♥



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