Gota a gota [HIATUS] escrita por Tamires Vargas


Capítulo 13
De tempos em tempos os tempos passam


Notas iniciais do capítulo

Oi, povo!
Esperavam uma atualização tão rápido (para o meu padrão, claro)?
Eu só tenho a dizer que queria estar ao lado de vocês para ver suas expressões ao ler esse capítulo.
Vou responder os comentários em breve. ^^
Agradeço a todos os novos favoritos e acompanhamentos! Desculpe não citar os nomes, mas devido as minhas demoras não consigo lembrar dos novos. =/



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O tempo deixou Fugaku para trás correndo os dias até a reunião com o clã. A data que o líder havia estipulado mentalmente se espreguiçou em seus pés, pronta para se levantar num salto quando ele se distraísse. No entanto, pegá-lo de surpresa não seria fácil, nenhum dia passava despercebido ao homem que os somava aos que não queriam ter fim. Contava nove desde que amargou uma noite no assoalho. Uns passaram tão rápido que quase lhe escaparam da contagem, outros desfilaram a graciosidade de seu significado, parando em alguns momentos para mostrar seu melhor ângulo antes de retomar o passo aristocrata em direção à despedida insípida. Não havia preparativos a serem feitos nem detalhes para se preocupar exceto se Mikoto apareceria. E isto importava ao capitão de uma forma que em nada se relacionava ao clã, mas que ele insistia em afirmar para si próprio que não existia outro motivo.

A manhã da resposta nasceu com névoa, beijando de orvalho tudo que foi deixado ao relento. Um pássaro laranja brilhava ao sol enquanto bebia das gotas de uma larga folha desperdiçando mais do que ingeria. E os peixes subiam à borda d’água como se esperassem que o dono da casa os alimentasse.

Fugaku jogou a comida de uma vez, sem olhar onde ela havia caído. Pegou seu colete ainda mastigando o desjejum e repassou os tópicos mentalmente. Um nome se intrometeu nos pensamentos fazendo-o retomar do início mais do que gostaria e, por fim, desistir dos ensaios.

As horas no trabalho não foram sentidas. O automatismo tomou conta dos afazeres e respondeu com primazia todas as perguntas que faziam girar as engrenagens do serviço de polícia. Era fácil para o jovem Uchiha separar a si mesmo do homem que comandava o clã.  

Despertou minutos antes das dezesseis, de volta para a dúvida e deslizou para outra, tentando ignorar o peso de ambas. Cogitou saná-las e acabar de uma vez com a espera pelo desfecho, porém se aquietou. Não tinha o direito de apressar as coisas, e talvez nem houvesse o que apressar. A distância se encarregava de determinar o que seria dos relacionamentos. Laços fortes tinham menos chance de se romperem enquanto os fracos eram esticados até seus limites.

Ele subiu devagar as escadas. Ficar sozinho era seu único desejo, e os céus lhe abençoaram com um dia tranquilo na polícia, permitindo-o chegar ao santuário quase uma hora antes do combinado. Com esse tempo deixaria a mente divagar o quanto quisesse, sem se preocupar com a possibilidade de externar alguma emoção. Ajeitou-se numa árvore próxima, dividindo seu peso com ela e observou o desenho de seus galhos, perdendo-se logo no primeiro pensamento. “Deveria ter deixado Mikoto ir.”

Fugaku bufou ao admitir que agiu por impulso e lamentou ter se deixado levar por ele. Fez parecer que tinha sentimentos por Mikoto quando queria apenas evitar que a solidão o devorasse. Era um homem desprezível.

A chance de reparar o erro veio com a esposa vestida de serenidade. Os olhos dela repousaram em sua figura relaxada com gotas de curiosidade e preocupação numa avaliação rápida que lhes devolveu a suavidade característica. Ergueram o corpo atrapalhado que ensaiou palavras relevantes, contudo se rendeu à trivialidade comum aos começos de conversa.

— Chegou cedo.

— Imaginei que já estaria aqui.

A resposta iluminou o rosto de Fugaku, mas as sombras lhe cobriram em seguida. Não merecia delicadezas da esposa, e o melhor era libertá-la do fino elo que compartilhavam. Dar a Mikoto o “adeus” provaria que seu caráter ainda guardava um resquício de decência.

Abriu os lábios tomado pelo ímpeto. Uma vibração incômoda massageou seu coração ao passo que as letras se aglomeravam na garganta, as mãos se fecharam com força, perdendo-a em poucos segundos, obrigando Fugaku a repetir o gesto diversas vezes. A primeira frase se aprontou, sólida e clara, pronta para saltar em bom tom, à espera de seu emissor. Chegou a escorregar o nome da mulher, mas foi roubada pelo silêncio de um sobressalto.

A pessoa que Fugaku jurou ter visto desapareceu, no entanto um trio de homens logo chegou para a reunião, e a coragem voltou para o bolso do qual havia saído.

Mikoto tomou o lugar ao lado do marido provocando estranheza nos presentes. Fazia anos desde a última figura feminina de destaque no clã. A mãe de Fugaku, Yasu, tinha a afeição de muitos, porém não participava dos encontros e decisões, preferindo focar seu tempo na educação do filho. Após sua morte, nenhuma mulher voltou a chegar perto de um líder Uchiha.

Yachi observou sem expressão. O casal diante dele era uma pálida lembrança de seu aluno e sua esposa. Exceto alguns traços, que poderiam ser fruto de uma análise rápida e falha, Fugaku e Mikoto em nada se pareciam com Fukuma e Yasu.

— As mulheres de hoje se encantam facilmente com o poder. — Nao disse num murmúrio arranhado.

— E desprezam velhos como nós — provocou o ancião.

— Enquanto você dorme descansado, nós estamos zelando pelo futuro do clã.

— Vigiando os passos e os lençóis do garoto...

— Se você tivesse fecundado uma mulher quando devia não estaríamos passando por isso!

 — Filhos não são marionetes nem os jovens para quem você tanto torce o nariz. Indicar o caminho não garante que eles o seguirão. Deveria ter aprendido isso. — Lançou-lhe um olhar crítico.

— Aquele bastardo se tornou um criminoso por causa do sangue ruim da mãe!

Yachi assentiu.

— O conselho do pai não entra se a porta da mente do filho estiver fechada... Vamos ouvir o que nosso líder tem a dizer.

Fugaku fitou os anciões no fundo do salão, um rosto plácido e outro vermelho de cólera. A presença de Yachi não causava incômodo, porém Nao era incapaz de deixar qualquer pessoa se sentir confortável e certamente sacudiria sua língua ferina no pior momento.

Preparado para a interrupção que viria, Fugaku deu início à reunião pelo assunto de maior interesse: a relação com Konoha. Ouviu uma chuva de perguntas, anotando mentalmente uma parte para discuti-las num futuro próximo com o Hokage, respondeu menos do que gostaria e adentrou à ideia de Mikoto, apresentando-a de forma sucinta a fim de permitir que sua dona explicasse os pormenores.

A reação dos presentes se resumiu num silêncio reflexivo. Era surreal que o líder estivesse pedindo a opinião deles em vez de anunciar como certa a decisão.

— Espero que seja uma brincadeira de mau gosto! — Nao disse em bom tom. — Reduzir nosso clã a meros lavradores? O que pensa que somos, mocinha?! — Pesou o olhar em Mikoto, passando-o a Fugaku. — E você, garoto, não foi capaz de enxergar a asneira disso, e ainda vem nos apresentar esse absurdo como se fosse uma solução gloriosa!

— Desculpe, mas eu discordo. — Mikoto exprimiu serena. — Não nos diminui, apenas nos acrescenta. Temos pessoas no clã que não têm capacidade de lutar, acredito que elas ficariam satisfeitas em contribuir com esse tipo de trabalho.

— Os incapazes?! Vamos arrastar a glória dos Uchiha na lama por causa de deles?!

— Não. Vamos garantir que ninguém se sinta excluído porque não consegue lutar. É ótimo que o senhor consiga, mas não é a realidade para alguns. Um clã é uma grande família, devemos fazer o máximo por todos — enfatizou a última palavra.

Nao tremeu. “Maldita Emi!” Ninguém além dela poderia criar tamanho monstro. Havia tentado fazer o mesmo com a filha, mas sua morte precoce arruinara o intento da anciã que ainda jovem exibia um gênio indomável. Passividade nunca existiu em sua personalidade e, num grupo majoritariamente masculino, não era tomada como qualidade.

— Faz muitos anos que consegui aquela área... De início, eu pensei que teria inúmeras utilidades, mas com o passar do tempo acabou virando um fruto da minha vaidade. — Yachi divagou. — Finalmente alguém achou um uso para ela. — A fala fez os olhos de Nao se arregalarem. — Não entendo nada de plantio, sei que muitos aqui também não, mas se você, Mikoto, me disser que ficará a frente disso. Acho que vale à pena tentarmos.

— Se concordarem, eu assumirei — rebateu firme apesar do frio por dentro.

— Eu já dei minha opinião, senhores... — fitou Nao de esguelha. — e senhoras, peço que se posicionem.

Uma parte se manteve fiel às raízes conservadoras, no entanto, a influência do antigo líder continuava grande e reverteu a intenção de diversas pessoas. O fim da reunião foi marcado por olhares que diziam mais que qualquer palavra, e Fugaku e Mikoto receberam uma parcela significativa deles, assim como Yasu foi presenteado com a maior parte da intensidade do olhar de Nao.

Tendo todos partido, Fugaku soltou um suspiro. Esticou o corpo sobre o chão, apoiando a cabeça nas mãos e se deixou levar pela escuridão que tingia o teto. Estava cansado por dois dias, e sua mente insistia em se encher sempre que tentava esvaziá-la. Segurou um palavrão ao ouvir o estalar do assoalho e sentou rapidamente, perdendo o enfado do rosto ao ver a esposa.

A hora perdida havia regressado, porém o sentimento, não. A certeza do falar, o ímpeto de abrir a boca e vibras as cordas vocais ficaram no momento que não se concretizou e se converteu num fantasma com correntes de incerteza. Se pelo egoísmo ou outra razão não saberia dizer, no entanto, a incapacidade de retomar do ponto que havia parado era pura como a lealdade daquela mulher.

— É algo que não sei se devo... — Fugaku murmurou esperando que a sinceridade o livrasse da situação, contudo o semblante de Mikoto exigia que ele continuasse. — Faz dias que sua avó se recuperou e até hoje você não voltou... Imaginei que é isso que você quer, sendo assim... — Engoliu o restante. Aquilo era um ponto final, e não poderia colocá-lo sem convicção de que o desejava, ao mesmo tempo, questionava-se o que de fato importava: sua vontade ou a felicidade da esposa. — Eu quero que faça o melhor pra você. Vou aceitar qualquer escolha sua.

Sentiu-se um covarde idiota, nem uma mínima frase era capaz de articular. Entre o altruísmo e o individualismo, Fugaku patinava numa confusão quase adolescente recheada de palavras e atitudes típicas de quem se embaralhava com as emoções que tinha nas mãos.

— Inclusive a separação?

A saliva travou na garganta de Fugaku junto com a resposta que ele pensava ser capaz de dar. Tentou expulsar o “sim”. Falhou. Buscou uma expressão com o mesmo significado. Encontrou um par. Forçou-as boca afora. Ficaram presas na intenção. A ouvinte não esperou, e o diálogo morreu em outra prova da distância entre eles.

Mikoto passou a semana recrutando pessoas, ouvindo ideias e visitando seu futuro local de trabalho. Quando podia, passava algum tempo com Shisui, que começava a sentir a ausência de sua babá preferida e se mostrava impaciente ao ficar somente com Emi.

Não foi difícil encontrar quisesse ajudar no plantio, o clã tinha uma quantidade significativa de idosos, muitos sobreviventes de guerra, que se envergonhavam de seus dias ociosos e, apesar de não se sentirem confortáveis inicialmente, abraçaram a ideia de fazer algo de valor com seu tempo. Aqueles que não tinham condições para ajudar na parte física contribuíram com o planejamento, unindo assim seus poucos saberes em prol do sucesso da plantação.

O trabalho foi feito devagar, no ritmo que cada um conseguia. Chegavam ao amanhecer e partiam quando cansados. Mikoto era a primeira, começando sozinha depois de ter aprendido como deveria fazer, mas logo deixou o hábito devido às reclamações dos outros. Todos deveriam trabalhar juntos, até que o cansaço os mandasse parar.

O almoço comunitário virou hábito, e uma disputa culinária entre alguns. Imensas toalhas eram estendidas no chão e uma porção de marmitas surgia num minuto. O silêncio desaparecia facilmente entre uma mastigada e outra, revelando a tagarelice de uma porção de senhoras que esticavam o rosto enrugado com belos sorrisos.

— Ei, Miko-chan, é verdade que está encomendando o herdeiro do clã? — perguntou uma anciã, escondendo a boca com a mão.

— Mas que tipo de pergunta é essa, Miho?! — Emi socorreu a neta que havia congelado com o hashi nos lábios.

— Ela não é nenhuma criança! — Rebateu, voltando com rapidez a sua vítima. — Pode responder sem acanhamento, aqui só tem moças.

— Eu vejo uma velha safada!

— Vovó!

— Deixe, Miko-chan, lido com essa casca grossa faz anos. — Pousou a mão sobre a de Mikoto dando tapinhas. — Se você virou santa depois de viúva, eu não. Enquanto estiver viva vou aproveitar o melhor da vida!

— E quem vai te querer? Por favor, Miho!

— Ah, Emi, você não sabe de nada... Mas me conte, Miko-chan, é verdade?

— Desculpe, mas não quero falar sobre isso.

— Você é uma menina reservada, tudo bem. Se eu tivesse um marido como Fugaku não contaria um detalhe sequer.

— Pare de sonhar com os jovens, eles não querem carnes moles como as suas! — Emi resmungou.

— O que é uma pena! Perdem a oportunidade de uma experiência única por causa de um detalhezinho. — Fechou os olhos, sentindo-se vitoriosa diante da expressão azeda da amiga. — Se eu tivesse uma chance... ah... com certeza a usaria com o Kagami.

Mikoto continuou bebendo sua água, esforçando-se para não engasgar e fingindo naturalidade enquanto fitava o rosto sonhador da anciã. Por sorte sua mente não lhe presenteou com imagens pouco agradáveis, porém o risco de tê-las em seus pensamentos era grande, igual à disposição de Miho para falar sobre assuntos pouco convencionais para uma senhora.

— Mas aquele não voltará a olhar para uma mulher tão cedo — continuou. — É capaz de viver em luto para o resto da vida. — Seu rosto recebeu a sombra do abatimento. — Que destino cruel para uma família,... terminar assim que começou.

— Ao menos, ele tem o filho. Um pedaço de Hanako vive naquela criança. — Emi murmurou fitando a neta. Seu coração apertou com a lembrança da filha, mas ela o afastou num suspiro profundo. Feridas antigas não podiam voltar a doer.

— Se aquela infeliz percebesse isso não teria feito o que fez. — Miho disse baixo, a voz arranhada pesou no ouvido de todas.

— De quem está falando? — Mikoto perguntou com receio.

— Hana. Ela nunca gostou de Kagami, mas depois da morte da irmã, a raiva se estendeu ao pequeno Shisui. Veja só que mulherzinha desprezível! Negou o peito ao próprio sobrinho. Dizem que ela culpa o menino pelo que aconteceu a Hanako, se é verdade não me importa. Ainda darei uma boa surra naquela maldita!

— Esqueça-a, Miho. Aquela não vale uma gota do seu suor. O que Hana fez ficará na memória do clã e isso é pior do que ela pode imaginar.

Mikoto foi para casa naquele dia. Precisava relatar o andamento do trabalho a Fugaku, no entanto quando se viu só nos cômodos silenciosos, sentiu que um segundo motivo a levara até lá. Não se recriminou pelas lágrimas, permitindo que elas lavassem a tristeza que se alojara em seu peito. Secou-as muitas vezes, notando a insistência de continuarem a rolar. A história ainda inflamada em mente lhe doía como se fosse sua. Quase deixou Fugaku branco quando ele notou um tímido lago cobrindo as íris negras. Negou que se devia a algo sobre eles e depois de relutar contou o motivo.

Viu-o engolir a saliva devagar e respirar ruidosamente entredentes antes de lhe abraçar de repente e afagar-lhe os cabelos como se estivesse a acalmar a si próprio. Pediu desculpa por uma estupidez que não especificou, apertou-a, expirou com força e lentidão.

— Não faça nada. — Mikoto sussurrou. — Mesmo depois, não faça.

Sentiu-o assentir, roçando o rosto contra seu cabelo, e colher com as pontas dos dedos as últimas lágrimas em sua face. O beijo demorado na testa que encontrou a ponta de seu nariz e se apresentou a seus lábios pronto para lhe sugar a seiva. O ar quente impregnado do cheiro que insinuava o sabor ansiado. O espaço que se formou com apenas um passo.   

Mikoto encaixava as peças mentalmente enquanto Fugaku lhe fitava como se sua consciência tivesse despertado sobre o que fazia. Uma mágoa buscou abrigo em seu coração ao mesmo tempo em que a vergonha vestiu seu semblante e o impulso de virar as costas para aquela recusa lhe assaltou o corpo. Firmou a voz num lago de gelo e os pés no equilíbrio, soprando uma despedida que se perdeu no caminho.  

As brechas viraram passado entres os corpos e as bocas se despiram de timidez num segundo. Mãos se encaixaram em cabelos, pescoços e em outras mãos com a angústia do pensar no fim. Olhos se encontraram numa brevidade necessária às almas, carentes de crer na realidade sem véus. Lábios buscaram outra vez o sabor diferente dos seus.

E a casa adormeceu menos vazia naquela noite.


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Notas finais do capítulo

Esperavam esse final?
Bjs e até o próximo!



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