Gota a gota [HIATUS] escrita por Tamires Vargas


Capítulo 10
Kintsugi


Notas iniciais do capítulo

Yo!

Desculpem a demora, está complicado atualizar ultimamente.

* O nome do capítulo é o de uma antiga técnica japonesa para consertar objetos frágeis de cerâmica quebrados, rompidos ou com rachaduras usando a resina da árvore de laca e pó de ouro. Para os japoneses, preencher as rachaduras de um objeto quebrado com ouro, significa restaurar a história deste objeto e a partir desta restauração, equilibrar a vida do dono do mesmo. Após reparada, a peça se torna única e seu conserto entoa um mantra que continuamente lembra aqueles que a admiram de que para tudo nesta vida existe remédio.

Agradeço a quem colocou nos acompanhamentos ocultos ♥ e a quem não desistiu ♥♥.

Escrevi boa parte do capítulo ouvindo O último pôr do sol de Lenine, ouçam e me contem depois. ^^

Gente! Eu tenho uma página agora! Curtam lá! ^^
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Fugaku lutava para que seu instinto egoísta não falasse em seu lugar enquanto sentia o corpo de Mikoto colado ao seu. Não queria ser covarde e pedir para ela ficar por medo da solidão, contudo o pedido dançava em sua garganta pronto para escapar por sua boca e isto o impedia de responder às palavras da esposa.

— Eu espero que encontre algum conforto para lhe ajudar a superar.

Ele assentiu mecanicamente. Era tão ridículo ouvir aquilo, ainda mais partindo dela. Como se algo no mundo pudesse suavizar sua vida além da presença que ameaçava deixá-lo em poucos minutos. Sentiu ela se afastar centímetros, e o frio correr pelo espaço entre os dois. Por instinto, trouxe-a de volta deixando os lábios atrás de sua orelha e se espantou ao vê-la desentrelaçar as mãos de súbito e correr a porta.

Do lado de fora, os olhos de Mikoto cintilaram indignação, tristeza e esperança. Em sua mente, razão e emoção disputavam cada pedaço de sua consciência. A mulher dentro de si dizia “fique” e essa mesma mulher vociferava “vá, agora”!

Sustentar o olhar se tornava mais difícil a cada minuto, porém nenhum dos dois desviava como se um último gesto ou vocábulo precisasse ser expresso. Fugaku tinha sílabas se acumulando em sua garganta, queimando o simples pedido que jamais faria. Mikoto sufocava a mínima esperança que se escondia em seu peito, sentindo-a lhe perfurar conforme a nutria sem perceber enquanto não desprendia seus pés rumo ao caminho escolhido.

Novamente, foi ela quem girou a roda do destino e carregando o pouco que lhe pertencia trilhou sua estrada. Dois passos terminaram no seu nome dito pelos lábios deles num sopro fraco e trêmulo de quem não sabe o que faz. A expectativa cresceu e o coração falhou ao vê-lo tão menino com suas partículas engasgando na borda da boca sem chance de formar uma frase, paralisado depois de proferir a única palavra que seu cérebro permitia.

Mikoto entendeu a nuance daquele chamado, mas endureceu. Não era menina que voltava atrás pela voz de um homem. Fechou os olhos suspirando com ar de cansaço, forçando desdém e ensaiou um “adeus” frio que não se converteu em fala, então respirou certa de que o ato quebraria o feitiço e devolveria o tino. Enganou-se.

— Pare com isso — ordenou beirando a rispidez. — Se você não é capaz de dizer outra coisa pare de agir como se tentasse me impedir.

Fugaku engoliu o orgulho, contudo a voz permaneceu presa as suas cordas congeladas, obrigando-o a recorrer ao pouco de seu corpo que estava sob seu controle. Estendendo a mão de forma desajeitada, ele insinuou o que vergonhosamente seu interior clamava, sentindo o nervosismo formigar seus dedos e a respiração ameaçar se tornar difícil de controlar.

Vendo a inércia de Mikoto, ousou trazê-la para si devagar, mas logo desistiu para buscar o contrário e o gesto se pareceu com o de qualquer principiante no amor. Não bastasse a falta de tato, Fugaku enfrentava os olhos duros e analíticos da mulher que ainda queria como esposa.

Ele sentia que a chance se enfraquecia conforme falhava nas tentativas e que aquelas mãos dadas se separariam num estalar de dedos, no entanto o desejo e a dúvida se alternavam em seus pensamentos num ciclo sem fim. Amar Mikoto não era uma questão de escolha, mas impedir que ela sofresse, sim.

A afirmativa golpeou seu cérebro, fazendo Fugaku recolher o indicador que quase tocara o rosto esculpido de ansiedade velada. Não queria outra coisa para aquela garota além da pura felicidade, o que não se tornaria realidade se a prendesse a seu lado. No entanto, sabia bem que Mikoto era senhora de si. Se havia suportado tantos dias de indiferença fora por algum motivo, portanto ela escolheria o melhor para sua vida. Bastava apresentar a opção.

Deixou o toque se concretizar, tímido, pedinte, explorando a permissão que não percebera ter recebido há tempos. Escorregou a falange pela maçã levemente ruborizada, traçando uma linha até a orelha. Ali se adentrou aos fios de cabelo com cuidado, enroscando-se um pouco, mas ainda permitindo a fuga caso a mulher reagisse mal à tentativa.

Entretanto, Mikoto amoleceu e seu corpo se encaixou ao abraço de Fugaku.

Ela precisava abdicar da razão por alguns segundos antes que se arrependesse. Precisava experimentar parte do que ansiou durante o tempo em que via as costas do marido mais do que seu semblante. Precisava se permitir ainda que isto se convertesse na pior lembrança.

O diálogo se mostrou inútil diante da paz que eles encontraram nos braços um do outro. Estava certo de uma forma inexplicável embora ouvissem um zumbido incômodo que insistia em apontar um erro. Algumas palavras saíram depois, tinham que ser colocadas para fora depressa. “Desculpe”, “fique”, “por favor”... Espremidas e urgentes, em sopros de coragem que escapavam da armadura do líder Uchiha.

Fugaku colocou a cabeça no travesseiro pensando no que ocorreu pela manhã. Que diabo de loucura foi aquela? Para onde foi sua convicção quanto ao que deveria ter feito? Desde quando pegava a contramão e seguia satisfeito por ela? Expirou com força tentando entender o que fizera, impulsivo nunca foi seu adjetivo e agora tinha que lidar com as consequências de seu ato.

Levantou-se de uma vez ao ouvir as batidas na porta e ao abri-la encontrou os olhos cautelosos de Mikoto que viera chamá-lo para jantar. Demorou a responder por se perder nas feições dela, prendeu-se à boca, dispersou as ideias que vieram.

Comeram em silêncio até que ela o rompeu:

— Eu irei à reunião, mas discordo sobre falar.

— Se for pelo que me disse, não faz sentido. — Fugaku retrucou.

— O clã não me vê como algo além de sua esposa. Não irão me ouvir da mesma forma que ouvem você.

— Eu não consegui isso da noite para o dia e sinceramente nem sei se eles me dão ouvidos de verdade.

— Eu também duvido. — Mikoto deixou escapar, percebendo em seguida a besteira que fizera. — É normal. Estavam acostumados com seu pai...

— E para muita gente ainda sou um pirralho brincando de liderar — resmungou de volta.

— Sim — admitiu a contragosto. — Vai levar tempo para mudar.

A frase espantou o jovem líder da mesa, fazendo-o se interessar por lavar a louça.

— Não precisa buscar aprovação. — Ela retomou.

— Não faço isso.

— Irão compará-los de qualquer forma.

A tigela escapou das mãos ensaboadas, batendo no fundo da pia.

— Esse é o problema. — Fugaku sussurrou.  

Os bilhetes foram trocados por conversas curtas e o “bom dia” perdeu a tensão que lhe preenchia para aos poucos adquirir uma satisfação branda. Em uma semana, o que havia mudado podia ser contado nos dedos, no entanto isto não diminuía o valor da mudança.

Fugaku continuava trabalhando demais. Na polícia, para o clã, a si mesmo. Ainda ficava muito tempo fora de casa e não se atrevia a dar trabalho a Mikoto, mas não conseguia evitar as pequenas gentilezas dela. Um chá era tudo o que ele precisava de manhã e sempre encontrava fumegando na mesa, um cobertor sempre descansava em seus ombros quando dormia sem querer e uma porção de comida sempre lhe esperava no cantinho do forno.

De início não soube reagir. Procurou como um tonto o que fazer para retribuir ou ao menos demonstrar agradecimento. Aprendeu que devolver forçado algo que lhe foi dado espontaneamente não tinha significado e até feria a intenção do outro. Deixou para o tempo a tarefa de equilibrar a questão.

Não percebeu que a cada momento sozinho com ela uma parte de seu interior se enchia de sossego nem quando sua voz adquiriu um novo tom para falar com a mulher que possuía ares de abrigo, tampouco a proximidade que dispersou qualquer desconforto com a presença dela.

Numa tarde incomum de pouco trabalho, Fugaku alimentava Yuki com sardinhas fritas. Era seu costume agradar o gato-vigia uma vez por mês embora o bichano já recebesse bastante atenção dos outros integrantes da polícia.

— Você está gordo. Vai ficar um gato imprestável se continuar a comer desse jeito — murmurou dando outro peixe e vendo a aflição gritar nos olhos do animal conforme aproximava vagarosamente a comida dele.

— Ninguém o engorda mais do que você. — Yashiro pontuou atrapalhando o momento.

— Alguém precisa alimentá-lo já que as pessoas só pensam em seus próprios estômagos.

Yashiro riu discretamente.

A melhora no humor do capitão se refletiu na harmonia que se desenhava no escritório da polícia. Com um Fugaku menos ríspido e gélido, o clima carregado ficou nas linhas do passado. Os olhares ressabiados diminuíram assim como os resmungos que sobravam para os ouvidos do tenente. Tudo caminhava para a tranquilidade que este desejava.

— Em breve convocarei o clã para uma reunião. Espero contar com seu apoio.

Yashiro não teve tempo de sondar o que a frase significava, sua tentativa de indagação foi frustrada pela presença esbaforida de Teru.

O soldado bateu continência fitando Fugaku com uma expressão receosa. Tencionou falar um par de vezes, mas calou-se remoendo se deveria ou não dizer o que sabia.

— Abra logo essa boca! — Yashiro perdeu a paciência.

— Ah... Capitão, sei que não é da minha conta, mas acho que é algo precisa saber... Ouvi pelas ruas que a senhora Emi não está bem.

Mikoto só voltou a respirar aliviada quando o médico garantiu Emi não corria risco de piora se seguisse as recomendações, no entanto a apreensão continuou a roçar os dedos em seu cérebro.  Não durou muito. O sino da entrada tocou alertando-a sobre uma possível volta do médico, fazendo-a correr para a porta.

— Fugaku?

A surpresa não foi compartilhada com Emi, que levantou os olhos analíticos para espiar a visita. Ele lhe parecia menos perdido que da última vez como alguém que enxerga um fio de luz de dentro de uma caverna escura, contudo a sombra permanecia cobrindo sua retina, avisando a quem olhasse com mais atenção que a dor não tinha se retirado dali.

— Como se sente? — Fugaku ensaiou a gentileza.

— Forte como um touro! Se veio ver uma velha doente, dê meia volta. Sua esposa pensa que a avó é de papel, por isso saiu de casa por um espirro. Espero que não seja como ela. Tenho idade demais para ser tratada igual criança.

Ele emudeceu enquanto Mikoto cruzou os braços em reprovação.

— Veja! Vai me repreender. — Apontou para a neta que expirou profundamente.

— Eu me recuso — rebateu.

— Pois então leve sua recusa à cozinha e faça algo para eu comer. — Emi soltou, vendo o sucesso em um minuto. — Ainda sou a melhor em irritar essa menina — disse com um sorriso e dando um tapinha na cama, ordenou que Fugaku sentasse.

Ele hesitou procurando pela esposa e a resposta do que deveria fazer. Derrotado, cedeu. Sentiu-me desconfortável por encarar o rosto da idosa daquela distância e mais ao ter as negras íris grudadas em si.

— Há dois motivos possíveis para sua vinda. Seja qual for, fico feliz, mas prefiro o que primeiro me surgiu.

Fugaku piscou tentando acompanhar o raciocínio. A cabeça da anciã Uchiha era um estranho labirinto que não desejava se enveredar, ao mesmo tempo precisava reter ao menos uma poeira de entendimento.  

— A resistência ainda é grande. Você deu o azar de assumir jovem num clã de velhos. — Fitou-o prendendo sua concentração. — Aquelas ratazanas vão encher seus ouvidos e puxar as cordas até que você seja o fantoche deles. Tudo em nome do melhor para o clã... Piada! — Aumentou o tom, retomando o anterior depois de uma pausa. — Garoto, você pode fazer igual ao seu pai ou pode fazer aquilo que só você tem capacidade. Qual destes caminhos é o correto? Não sei dizer, mas deve estar preparado para os contratempos de sua escolha.

— Meu pai era manipulado?...

— Isso importa?

A pergunta flutuou no ar enquanto Fugaku decidia se queria a resposta. Preferiu contra-atacar com um questionamento mais importante.

— Por que me dá conselhos?

— Porque é o que os velhos fazem.

— Emi-san... sem rodeios, por favor — pontuou deixando o “não tenho paciência para eles” fora da frase.

— Porque ninguém mais o fará. Não sem um interesse escondido.

Mikoto voltou com uma bandeja, interrompendo sem qualquer desconforto. Depositou-a sobre a mesinha de cabeceira e encarou a avó dois segundos antes de voltar os olhos ao marido. Não precisava de uma sílaba para pescar o que aconteceu, soube desde o instante em que recebeu a desculpa esfarrapada como pedido.

Emi ocupou sua boca com a refeição dando a Fugaku a certeza de que o assunto havia se encerrado. Ela assentiu para a despedida dele e de esguelha acompanhou seus passos seguidos pelos da neta. Sentiu-se tranquila por vê-lo mais equilibrado e concordou para si mesma que Mikoto tomara a decisão correta, ao menos para ele. As consequências para a jovem estavam frescas e turvas.

— Dormirei aqui por alguns dias.

— Certo.

Mikoto apertou os lábios, abaixando a cabeça. A pontada de culpa indo e voltando, espremendo seu peito. Percebeu que poderia derramar mais do que um “até logo” e se apressou para fazer Fugaku cruzar a porta.

A noite deitou a cabeça no travesseiro antes que Fugaku chegasse à cama. Ao lado dela, uma velha amiga esboçou um sorriso comemorando o fato de ter conseguido a companhia do líder Uchiha só para si. Ele arregaçou as mangas da camisa disposto a não dividir o leito com seu mais odiado desafeto sentimental. Abriu o mapa do terreno e se dispôs a imaginar como seria implantada a ideia de Mikoto. Viajou no tempo, roçando os pensamentos em imagens do futuro, enxergando boas coisas nele. Distraiu-se um tanto. Não o suficiente para afastar a presença dela além de um quarto de hora.

Ela se encaixou no corpo dele como uma manta de gelo, deslizando as mãos por seus braços, brincando carinhosamente com seus dedos. Não demorou a fazer o que melhor sabia.

Fugaku achou o quarto grande demais, a distância entre os móveis o incomodou de súbito e o eco de um muxoxo passeou pelo cômodo antes de retornar ao seu ouvido. Irritou-se com a bobeira, enterrando a mente no pergaminho, tamborilou na mesa para espantar a sensação e descobriu que as batidas na madeira aumentavam a percepção do vazio.

A manhã seguinte não foi mais amigável que a madrugada de sono partido. Fugaku ensaiou o desjejum, mas não resistiu a cinco minutos sentado olhando para o nada. Levantou feito uma erva daninha arrancada da terra e ganhou as ruas com passadas largas.

Distante do lar, acalmou o ritmo observando os contornos da vila. As casas de arquitetura antiga imperiosas no meio de outras que arriscavam desenhos ousados, fruto do chamado de novos tempos. Contrastavam numa harmonia curiosa feito diferentes peças de um quebra-cabeças.

Fugaku olhou para sua terra natal sem as preocupações que se amontoavam em seus ombros. Era apenas Konoha se iluminando com os raios de sol e isto trouxe a satisfação que repuxou seus lábios um segundo. 


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Notas finais do capítulo

As coisas estão indo devagar, mas quando engatar você não se arrependerão de ter esperado.

Conversem comigo!

Bjs!♥♥



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