Caderno de ideias escrita por Benihime


Capítulo 25
Last Train Home




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Estava frio. Natasha tremeu sob o uniforme da escola, abraçando o próprio corpo e batendo vigorosamente os pés numa tentativa de se aquecer. Olhou nervosamente em volta enquanto fazia isso, porém a velha estação estava vazia. Desde a grande tragédia, dez anos antes, ninguém daquela pequena cidade pegava o trem quando a primeira neve caía. Diziam que trazia má sorte.

Dando uma olhada impaciente para o relógio em seu pulso, a jovem notou que seu trem estava atrasado. Com um profundo suspiro, tirou o celular do bolso de sua calça jeans e acionou a discagem rápida, escolhendo o número 1. Sua mãe atendeu no segundo toque, como se estivesse esperando a ligação.

— Nat! — Alexandra exclamou. — Ah, querida, eu sinto muito! Fiquei presa no trabalho, não consegui sair a tempo para buscá-la.

— Está tudo bem, mãe. — A jovem respondeu. — Eu vou pegar o trem. Sem problemas.

— Não! — A mulher mais velha quase gritou, o terror mais do que óbvio em sua voz. — Hoje não, Natasha. Espere. Seu tio pode ir buscar você.

— Mamãe. — Natasha deu uma risadinha, ligeiramente exasperada com aquela velha superstição. — Está tudo bem. É só uma lenda. Não se preocupe. Chego em casa daqui a pouco, ok?

— Está bem. — Alexandra cedeu com um suspiro, de má vontade. — Mas tome cuidado.

— Certo. — A jovem revirou seus olhos castanhos, cor de café. — Tenho que ir, o trem chegou. Tchau, mãe.

Natasha entrou no trem assim que as portas automáticas se abriram, largando-se no primeiro assento vago que viu e caindo no sono logo em seguida. Foi acordada algum tempo depois pelo toque de seu celular. Como já esperava, era sua mãe.

 — Mãe! — A adolescente exclamou com enfado. — Pare de se preocupar. Eu já estou no trem, daqui a pouco chego em casa.

— Nat … — A voz de sua mãe soava tensa. — Em que trem você está?

— O mesmo de sempre, mãe! — Natasha respondeu impacientemente. — Credo! Depois conversamos, tá bom?

E, com isso, a menina desligou. Desde o grande acidente, dez anos antes, a maioria das pessoas mais velhas de sua cidade desconfiava do serviço de trens. Natasha ainda era muito nova para que se lembrasse de tudo com detalhes, tinha apenas sete anos na época, mas lera as notícias na internet após ficar mais velha.

Havia sido em 2013, no ano em que a velha ferrovia conectando sua pequena cidade à cidade vizinha fora renovada por uma grande empresa estrangeira. Desde o começo, nada a respeito daquela obra fora normal. Natasha se lembrava de ouvir os adultos discutindo sobre estranhos acidentes, pessoas que se feriram … Mesmo depois que as renovações foram concluídas, os rumores continuavam: desaparecimentos misteriosos, estranhos acidentes … E então, em Novembro, na noite em que caíra a primeira nevasca daquele ano, aconteceu o acidente: houve um desabamento no túnel Hammok, que marcava o meio do caminho entre duas cidades. O trem ficou soterrado, assim como seus 150 passageiros. Não houve sobreviventes.

Desde aquele ano, quando os rumores se espalharam pela cidade como fogo em capim seco, os mais velhos pareceram ter visto suas piores suspeitas se confirmarem. Sempre houveram lendas a respeito da ferrovia e suas origens, histórias que pais e avós evitavam e os jovens sussurravam entre si. Tudo uma grande bobagem, Natasha sempre pensara. Mas, mesmo assim, todos os anos, ninguém que conhecia pegava o trem quando a primeira nevasca caía. Todos, mesmo aqueles que negavam, acreditavam que tal coisa trazia má sorte.

— Bobagem. — A menina sussurrou para si mesma, ajeitando a postura para ficar mais confortável em seu assento. — Pura superstição.

E, com isso, ela apoiou a cabeça na janela e voltou a fechar os olhos. Foi acordada novamente algum tempo depois pelo toque insistente de seu telefone.

— Mãe! — Natasha exclamou, desta vez zangada com a insistência. — Caramba, eu já disse que estou bem!

— Tudo bem, querida. — Alexandra disse gentilmente. — Onde o trem está agora?

— No túnel Hammok. Devemos chegar na estação em uns vinte minutos.

— Ótimo. — Sua mãe suspirou de alívio. — Agora escute, Nat, quero que desça do trem na primeira parada. Entendeu? Desça assim que chegar na cidade. Eu vou estar te esperando.

— Certo, mãe. Até mais.

— Não, não desligue! — Alexandra ordenou. — Fique na linha pelo menos até sair do túnel.

Natasha revirou os olhos, soltando uma risada ante mais aquela demonstração de superstição.

— Mãe. — A jovem estudante disse. — Relaxe. Vou dar uma esticada nas pernas antes que acabe dormindo de novo, ok? Nos vemos em casa. Te amo.

Natasha se pôs de pé, alongando-se rapidamente e dando uma olhada discreta em volta. Viu apenas outros dois passageiros sentados no fundo do vagão. Ela caminhou devagar pelo corredor entre os assentos, sua mente ainda lenta gradualmente se tornando mais alerta.

O próximo vagão estava vazio, e o vagão depois deste também. Natasha não se surpreendeu, afinal era o dia da primeira nevasca do ano. Quase ninguém tomava o trem se pudesse evitar. O silêncio do trem vazio, porém, começava a enervá-la, reverberando em seus tímpanos.

A menina arquejou de susto quando as luzes de repente diminuíram pela metade de sua intensidade original, piscando debilmente antes de se apagarem ao mesmo tempo em que a velocidade do trem diminuía perceptivelmente. O toque de seu celular naquele exato momento a fez dar um pulo de susto.

— Nat! — Sua mãe exclamou assim que ela atendeu. — Nat, onde você está?

— Perto do túnel Hammok. — A menina respondeu. — Estamos parando … Acho que deve ser algum problema por causa da neve.

— Saia do trem! — Alexandra soava quase histérica. — Saia daí agora. Venha o resto do caminho a pé, não é tão longe. Eu a encontrarei na estrada.

— É quase meia hora de caminhada. — A jovem reclamou. — E está congelando lá fora. Vou morrer de frio!

— Natasha, faça o que eu digo pelo menos uma vez!

— Mãe. — Natasha riu. — Está tudo bem. As luzes até já se acenderam de novo. Eu disse que era só um problema com a neve.

— ‘Tá, tudo bem. — A mulher mais velha cedeu de má vontade. — Não se esqueça, filha: primeira parada.

— Ok, mãe. — A jovem revirou os olhos diante de tamanha preocupação. — Nos vemos daqui a pouco.

Alexandra estava prestes a responder, mas a ligação subitamente se encheu de estática e caiu. Ela esperou por horas na primeira plataforma de desembarque, logo na entrada de sua pequena cidade, porém nenhum trem jamais passou. Natasha não voltou para casa naquela noite.

Buscas exaustivas foram feitas, porém nenhum traço da jovem foi encontrado. Isso, aliado à antiga lenda sobre a construção da ferrovia, sobre como um grupo de 13 escravos negros havia morrido muito tempo atrás na construção de um desvio ilegal nos trilhos a mando de se senhor, serviu para cimentar o medo dos cidadãos.

Foi esse medo supersticioso que levou as pessoas, mesmo os jovens que se diziam incrédulos, a evitar pegar o trem, especialmente no dia da primeira nevasca do ano. Havia também um boato, espalhado pelas pessoas que viviam próximas ao túnel Hammock, sobre as luzes de um trem vistas lá dentro, um trem que jamais atravessava.

 


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