Caderno de ideias escrita por Benihime


Capítulo 2
Collide




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2010, uma praia rochosa no Caribe, primeiro dia

 

A jovem ruiva se aproximou e empoleirou-se em uma das rochas na beira do mar, sem saber que estava sendo observada.

De repente, um movimento ao seu lado a fez pular de susto. Relaxou logo, porém, ao ver que se tratava apenas de uma jovem pálida, loura e com enormes olhos azuis. Uma garota nadando, apreciando as águas tépidas do mar.

— Oi. — A ruiva disse. — Caramba, você quase me matou de susto!

— Desculpe. — A loira respondeu. Sua voz era profunda e tinha um sotaque agradável.

— Tudo bem. — A menina empoleirada nas rochas sorriu e deu de ombros. — Meu nome é Sarah. E o seu?

— Calyssa.

Apesar da óbvia timidez da outra garota, Sarah logo conseguiu envolvê-la em uma conversa. Sua nova amiga sentou-se com ela nas rochas por horas, até o sol se pôr. Surpresa, Sarah olhou no relógio e viu que já passava das oito da noite.

— Preciso ir. — Informou. — Já está tarde.

— Vai voltar amanhã? — Calyssa quis saber.

Sarah fingiu pensar, embora a decisão já estivesse tomada desde o primeiro vislumbre daqueles olhos azuis.

— Depende. — Ela respondeu enfim. — Você quer que eu volte?

— Quero. — A loira assentiu sem hesitar.

— Então nos vemos amanhã. Mesma hora?

— Que tal um pouco mais cedo?

— Confirmado.

As duas jovens trocaram um sorriso, e o coração de Calyssa acelerou. Meu Deus, ela pensou, essa garota é linda! Nunca vi ninguém como ela.

 

2010, Caribe, segundo dia

 

Calyssa ficou agradavelmente surpresa ao ver Sarah chegar às três da tarde usando um diáfano vestido de verão.

— Olá, garota misteriosa. — A ruiva sorriu.

— Olá, garota dos cabelos de fogo.

Sarah riu com gosto ante a piada da amiga, tirou o vestido e entrou na água com um mergulho gracioso.

— Achei que não soubesse nadar. — Calyssa provocou depois de algum tempo.

— Para sua informação, eu sou uma ótima nadadora.

— Aposto corrida com você até a saída da enseada. Vamos ver se é tão boa quanto diz.

As duas nadaram quase lado a lado, mas Calyssa logo tomou a dianteira. Mesmo Sarah sendo boa nadadora, a outa garota era excepcional.

— Conheço um lugar onde podemos ir. — A loira disse. — Uma caverna. Não é longe. Quer ver?

— Mostre o caminho.

Assim ela fez. As duas chegaram à caverna e boiaram pacificamente nas águas rasas por alguns minutos, rindo e conversando sobre tudo. Sarah, notando as raízes que pendiam do teto da caverna, resolveu se balançar em uma delas.

Calyssa  apenas observava e ria, submersa até a cintura nas águas calmas daquele pequeno refúgio. O que ela não esperava era que a ruiva caísse quase em cima de si.

Seus corpos foram pressionados, os lábios ficaram a milímetros de distância. Um sentimento quase elétrico tomou conta do ar. Calyssa quebrou a magia ao se afastar com uma risada.

As duas jovens riram e conversaram por mais um longo tempo. Naquela noite, Sarah Higgings sonhou com uma misteriosa e envolvente jovem chamada Calyssa.

 

2010, Caribe, terceiro dia

Calyssa se surpreendeu quando, às duas da tarde, encontrou Sarah já empoleirada em uma grande rocha, muito concentrada. Olhava para o horizonte como se este escondesse o próprio sentido da vida.

— Oi, Sarah.

A jovem ruiva pulou de susto, em seguida riu.

— Oi. — Respondeu — Tenho uma surpresa para você. Feche os olhos.

A loira obedeceu depois de uma breve hesitação. Sentiu os dedos quentes de Sarah em um de seus braços, o que estava apoiado na rocha.

— Você é tão fria. — A ruiva comentou, roçando os dedos pelo braço da amiga. Calyssa quis suspirar de prazer, mas se conteve. — Ok, agora pode abrir os olhos.

A jovem de olhos azuis obedeceu e viu, em seu braço direito, uma pulseira de conchas com um pingente de coração no qual estavam gravadas as iniciais C&S.

— Obrigada. — Disse, quase sem voz por causa da emoção.

Sarah abriu um sorriso enorme, mas que sumiu quase imediatamente.

— Eu queria te dar alguma coisa pra você lembrar de mim. — Confessou, corando levemente — Porque vou embora daqui a dois dias.

— O que?!

Sarah ia dizer mais alguma coisa, mas alguém a chamou.

— É meu grupo. — Ela informou quase como se pedisse desculpas. — Preciso ir.

— Sarah, espera!

A jovem ruiva não disse mais nada. Ao invés disso, saltou das rochas e correu para juntar-se ao grupo que a esperava.

 

2010, Caribe, quarto dia

 

Era quase noite quando Sarah chegou à praia. Foi até as rochas e encontrou Calyssa chorando, mais uma vez sentada na parte mais baixa do rochedo, submersa na água até a cintura.

A jovem inclinou-se para tocar o ombro de sua amiga, fazendo com que a loira erguesse a cabeça para fitá-la com olhos vermelhos de lágrimas.

— Eu pensei que você não voltaria.

— É claro que eu voltaria. Não perderia a chance de me despedir.

— Tem uma coisa sobre mim que você não sabe. — Calyssa informou, falando rapidamente antes que pudesse mudar de ideia. — E, se vai mesmo partir, não posso deixá-la ir sem lhe contar.

A loira respirou fundo e então içou-se para uma das rochas mais altas. A lua cheia brilhava em todo seu esplendor, o que permitiu que Sarah visse que sua amiga não tinha pernas. Ela tinha uma cauda escamosa, prateada, longa e forte como a de um peixe.

— Você não está sonhando, nem tendo uma alucinação. — Calyssa confirmou baixinho, sem olhá-la. — Eu sou uma sereia.

A voz de Sarah foi sufocada por soluços. Tudo o que a ruiva conseguiu fazer foi fugir, correr o mais rápido que podia. Tinha medo do que acontecia. Medo do que sentira naquela tarde na caverna. Medo porque a visão das barbatanas não lhe causava qualquer asco ou sequer desconforto.

Era outro o sentimento que a fazia fugir naquele momento.

 

2010, Caribe, último dia

 

O amanhecer tingiu de rosa as águas tranquilas do mar. Sarah, com olhos inchados de chorar a noite inteira, mal notava o fato. Seus olhos cansados procuravam um vislumbre de loiro-claro por entre a água e as rochas, sem sucesso. Enfim, chamou-a a plenos pulmões.

— Estou aqui, Sarah.

Procurou-a novamente e viu Calyssa empoleirada nas rochas. Correu até ela, com o coração aos pulos e lágrimas nos olhos.

— Eu vim pedir desculpas. — Disse sem rodeios. — Foi errado ter fugido ontem à noite.

— Você ficou com medo. — A sereia disse suavemente. — Eu entendo. 

Num gesto impensado, Sarah jogou os braços ao redor do pescoço de Calyssa, abraçando-a com força, sem se importar em ficar molhada. Levou um segundo, mas a sereia retribuiu o gesto.

As duas garotas ficaram abraçadas por um longo momento, sem dizer nada. Sarah foi a primeira a se afastar, ainda que relutante.

— Preciso ir agora. — Disse. — Tenho que pegar o avião.

— Vou sentir sua falta. — Calyssa confessou.

— Eu também.

Sem pensar, Calyssa se inclinou para beijá-la. Depois de passada a surpresa, Sarah entreabriu os lábios e permitiu que o momento durasse. Na verdade, queria que durasse, que aquele beijo não acabasse jamais. Beijaram-se pelo que pareceu uma eternidade, até mal aguentarem a falta de ar. Quando se afastaram, a ruiva sorriu.

— Agora tenho mesmo que ir.

Calyssa brincou com um dos cachos ruivos, apreciando a maciez da mecha.

— Tchau, Sarah.

— Tchau.  E, antes que eu me esqueça, sua cauda é linda.

Calyssa riu e balançou a belíssima cauda verde-esmeralda. Sarah acenou uma última vez e então se foi.

 

2012, Fells Church, Virginia

Sarah Higgings não conseguia dormir. Virando-se inquieta na cama, finalmente desistiu de tentar conciliar o sono.

Levantou-se e foi até a janela, abrindo-a para respirar o ar frio da noite. Inconscientemente, uma de suas mãos buscou o pingente do colar em forma de concha que usava já fazia dois anos. O toque frio da prata trouxe todas as lembranças de volta, e ela quase pôde sentir os braços frios de Calyssa ao seu redor.

Fechou os olhos e pôde vê-la. A lembrança era tão clara como se somente algumas horas se tivessem passado desde que haviam se encontrado pela última vez. De alguma forma, Sarah sabia que sua lembrança daquele rosto jamais enfraqueceria.

2012, Caribe

 

Calyssa empoleirou-se nas rochas, as mesmas onde ela e Sarah costumavam se encontrar. A sereia contemplava melancolicamente o amanhecer. Tocou levemente seus lábios e, por um momento, sentiu novamente o gosto de Sarah.

Cinco dias, pensou, foi o que bastou para eu me apaixonar perdidamente.

Carregada pela brisa, ela pôde ouvir um chamado doce e irresistível. Era a voz de Sarah, que ela jamais esqueceria.

 

2015, Seattle

— Volto antes do horário de almoço terminar. — A mulher ruiva avisou, recolhendo apressadamente seus papéis e os colocando em uma pasta.

Saiu rapidamente para o dia tempestuoso. Cada passo, cada gesto seu era eficiente, ao ponto de fazê-la parecer uma máquina. Sarah andava olhando para a tela de seu IPhone, por isso não viu a mulher loira parada na chuva.

A ruiva ergueu o rosto ao ouvir uma voz terrivelmente familiar chamando seu nome. Sua pasta, guarda-chuva e celular foram ao chão em um segundo, tamanha sua surpresa.

Aqueles enormes olhos cor de névoa emoldurados por longos cílios tão claros que eram quase translúcidos ... Aquele cabelo loiro com algumas mechas molhadas da chuva que se grudavam na testa e nas bochechas ... Aqueles convidativos lábios rosados, entreabertos de leve ... Ela parecia exatamente a mesma, como se nem um segundo houvesse se passado.

Em um piscar de olhos as duas mulheres se abraçavam. Nenhuma das duas queria ser a primeira a se afastar. As pessoas olhavam-nas com desaprovação, mas Sarah nem ligava. Calyssa estava ali. Sua Calyssa.

— Senti sua falta, Sarah.

O sussurro chegou a seus ouvidos acompanhado por uma respiração quente, que mexeu com algumas mechas soltas de seu cabelo e fez um arrepio correr por sua espinha.

— Eu também. — Sarah segurou o rosto da loira entre as mãos. — Mas como me encontrou? Quero dizer, você tinha …

— No momento, só tem uma coisa que você precisa saber, Sarah: eu te amo.

— Eu também te amo.

Ao terminar de dizer isso, reclamou os lábios da sereia em um beijo longamente ansiado.

Sarah sabia que as pessoas as olhavam, julgando. Era a primeira vez na vida que nem se importava com o fato.


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