Caderno de ideias escrita por Benihime


Capítulo 18
Filha de Krypton




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A bela jovem morena saiu para a sacada, onde o repórter de olhos azuis a esperava.

— E então, Clark, tem certeza de que vai ficar? Lois pode ficar com ciúmes.

Clark Kent meramente riu daquela provocação.

— Já falei com Lois. Ela sabe que essa entrevista é uma grande reportagem.

— E já está pronto para começar?

— Só preciso do gravador. — Ele respondeu. — Volto num instante.

A morena assentiu, recostando-se na balaustrada da varanda e se perdendo em pensamentos. Pensava no dia em que conhecera Clark Kent.

Paro por um momento, admirando o reflexo do sol no lago, e então volto a correr, aumentando a velocidade. Me perco em meus pensamentos e esqueço de todo o resto, inclusive de onde estou.

— Cuidado!

O grito me tira do estupor bem a tempo de eu ver um caminhão vindo direto para mim. A próxima coisa que percebo é alguém me empurrando. Rolamos pela grama, meu salvador e eu. Não consigo evitar um sorriso com aquela situação ridícula.

— Obrigada. — Digo enfim.

Meu salvador se levanta e estende uma das mãos. Permito que ele me ajude, surpresa ao ver o quanto minha mão parece pequena e delicada em comparação com a dele, que é enorme, gigante mesmo.

— A senhorita está bem? — Ele pergunta.

Sua voz é profunda, com um sotaque agradável. A cadência de seu modo de falar é familiar, mas não consigo entender exatamente o porquê.

— Estou sim. — Respondo, afastando do rosto algumas mechas rebeldes — Foi só um susto. Obrigada por me salvar.

— Disponha. — Ele sorriu. Seu sorriso lhe dava um ar de moleque — A propósito, meu nome é Clark. Clark Kent.

— Sou Ayumi Ramirez.

— Prazer em conhecê-la, Srta. Ramirez.

— O prazer é todo meu, Sr. Kent. E pode me chamar só de Ayumi.

Nós dois sorrimos um para o outro ao trocar um aperto de mãos.

— Pronta, Ayumi?

A voz atrás de si a fez pular de susto. Ela disfarçou, virou-se e abriu seu melhor sorriso.

— Pode perguntar, seu reporterzinho enxerido.

— Vou levar essa na esportiva, sua mulherzinha mal humorada.

Os dois riram ao se acomodar nas cadeiras da varanda e a entrevista começou. Clark tentou manter o clima profissional, mas a morena estava distraída. Pensava sobre o dia em que se conheceram.

Somente naquele momento, seis meses depois, se dava conta do absurdo daquele dia. Nenhum homem teria corrido tão rápido, ou tido força para derruba-la.

Clark percebeu o estado de nervos da amiga e manteve a entrevista superficial, inclusive encerrando antes do horário combinado, embora surpreso com aquela atitude distraída por parte da oficial, que sempre considerara tão eficiente.

Semanas depois

Ao entrar no restaurante com seu parceiro, Clark foi a primeira pessoa que Ayumi viu. Ele estava na companhia de uma morena escultural que se inclinou levemente e lhe disse algo em voz baixa. Clark se virou e acenou, convidando a jovem oficial de polícia a se aproximar.

— Boa noite, Clark. — Ela sorriu — Que bom ver você.

— Digo o mesmo — O moreno respondeu — Ayumi, gostaria de lhe apresentar ...

— Diana. — A mulher interrompeu amigavelmente — Diana Prince.

— Ayumi Ramirez. É um prazer conhecê-la Srta. Prince. Já vi algumas de suas campanhas. São excelentes.

— Obrigada. — Diana sorriu, inclinando-se levemente na direção da outra mulher. As duas trocaram um aperto  de mãos. — Mas não as acharia tão boas se estivesse na frente das câmeras, pode ter certeza.

Ayumi não pôde deixar de rir com aquela resposta.

— Imagino que não.

Clark convidou Ayumi para juntar-se a eles. Depois de alguma relutância, a morena enfim concordou. Os três conversaram sobre seus respectivos trabalhos e trocaram amenidades. No final da noite, depois que Diana saíra e os dois beberam alguns drinques, Clark se ofereceu para acompanha-la até em casa.

— Não se preocupe com isso, Clark. Sou capitã de polícia. Sei cuidar de mim mesma.

— Talvez, mas já está tarde. É perigoso.

— Certo. — Ela respondeu, fingindo-se exasperada — Pode me acompanhar se isso não o desviar de seu caminho.

— Não mais do que algumas ruas.

— Tudo bem, então.

Caminharam juntos, bem devagar. Levaram quase dez minutos até o prédio de Ayumi.

— Quer subir? — Ela convidou — Tomar um café? Você bebeu bastante, aposto que vai sentir os efeitos amanhã se não se cuidar.

— Café é uma boa ideia. Obrigada, Ayumi. Você é uma salva vidas.

Os dois subiram. Ayumi foi direto para a cozinha fazer o café, que foram beber na varanda.

— Ayumi, tudo bem se eu lhe perguntar uma coisa?

— Acabou de perguntar — A morena brincou, com uma risada breve. — Falando sério agora, pode perguntar o que quiser.

Clark tomou mais um gole de café, pensativo. Ou hesitando, Ayumi concluiu.

— Qual é a cor verdadeira de seus olhos?

Ayumi engasgou de surpresa. Jamais esperara uma pergunta como aquela, e a surpresa não permitiu que pensasse em alguma mentira.

— São ... São azuis. — Confessou — Mas como você sabia?

— Boa visão e costume. Às vezes trabalho com lentes de contato. Se olhar bem, são fáceis de distinguir.

Ayumi hesitou por um longo momento, seus olhos perdidos no vazio.

— Clark ... — A voz dela era suave — Se eu te mostrar um segredo, promete não contar a ninguém?

— Tem minha palavra.

Ayumi sorriu e ergueu as mãos, tirando a peruca castanho-avermelhada que sempre usava e revelando longos cabelos negros.

Ela se curvou para pegar a bolsa que estava a seus pés e tirou uma caixinha.

— Você perguntou sobre a cor de meus olhos ... — Disse, tirando as lentes com movimentos rápidos e experientes. — Essa é a verdadeira cor deles.

Clark ficou estarrecido. Os olhos dela eram muito azuis, incomuns. E ele sabia que já tinha visto aqueles olhos em algum lugar. Mas a morena ainda não havia terminado.

Com lenços umedecidos ela retirou as muitas camadas de maquiagem, revelando sobrancelhas perfeitamente arqueadas, lábios em forma de coração e malares pronunciados, um rosto de feições fortes que qualquer homem acharia atraente.

Clark já precisava se esforçar para não encarar e parecer um idiota, mas ainda não era o fim.

Ayumi se pôs de pé e retirou o blazer. O repórter ficou ainda mais surpreso. Nunca havia reparado em como as roupas dela eram largas, sempre escondendo seu corpo. Naquele momento, ao vê-la de regata, se deu conta do motivo. Ayumi era curvilínea e musculosa, com o tipo de corpo adquirido através do que só poderiam ser horas de treino e trabalho duro.

— E então? — Ela perguntou nervosamente balançando os longos cabelos negros. — O que acha?

— Só vejo um motivo para alguém com essa aparência se disfarçar. — Ele declarou. — Fuga. Do que está se escondendo, Ayumi?

— De mim mesma, talvez. — Foi a resposta, em tom triste — De meu passado. Não sou a mulher que você pensa que conhece. Para começar, nem sou deste planeta.

— De que planeta, então?

— Ainda não, Clark. Venha cá, quero mostrar uma coisa que vai explicar tudo.

Clark se deixou levar para dentro do apartamento. Ayumi se ajoelhou e pegou algo embaixo do sofá. Era uma barra de ferro. Uma barra pequena e curta, porém maciça, obviamente resistente.

— Observe. — Ela ordenou suavemente. — E, por favor, não surte.

Com movimentos elegantes ela dobrou a barra, tal como um balão de festa. Clark sorriu.

— Também tenho algo a lhe mostrar. — Ele disse simplesmente.

Ele estendeu uma das mãos e Ayumi lhe entregou a barra. O repórter não foi tão rápido quanto ela, mas também dobrou o ferro, e com a mesma facilidade.

— Você é de Krypton. — Ele declarou em seguida. — Não é?

— Sou. — O olhar dela foi incisivo, seguido por um sorriso brilhante. — E você ... Não acredito! Você é o Superman!

O super herói disfarçado se surpreendeu ao ser reconhecido. O fato, porém, o fez lembrar exatamente onde já havia visto os olhos azuis da jovem capitã de polícia.

O módulo de transporte espirala em direção ao chão. Dentro dele, a jovem luta para soltar a tranca de segurança emperrada. Clark sabe que a porta de vidro da cápsula só pode ser quebrada por fora, e é óbvio que resta pouco tempo.

Ele voa até ela, quebrando o vidro com um soco, abrindo a porta e puxando-a para fora. A jovem resiste por um momento, mas depois Clark sente as mãos dela em seus ombros, firmando-se. Ele só a solta quando ambos atingem o chão.

— Você está bem? — Pergunta então — Se machucou?

Não há resposta por um longo momento, nada exceto a respiração irregular dela, rápida e superficial.

— Obrigada.

A voz dela é parte um arfar, parte sussurro. E essa é a única coisa que ela diz antes de desmaiar.

— Era você. — O repórter percebeu — A mulher que salvei.

— Sim. E, a propósito, muito obrigada. — Ela sorriu — Eu teria agradecido antes, mas ...

A morena deu de ombros charmosamente e ambos sorriram, divertindo-se com a situação.

— Meu verdadeiro nome é Kal-El.

Ayumi ergueu uma sobrancelha, seus olhos demonstrando enorme surpresa.

— Filho de Jor-El. — Ela declarou suavemente. — Kal, meu nome é Alana Zor-El. Sou sua prima.

— Zor-El? Como Kara?

— Kara ... — A voz de Alana falhou ao pronunciar aquele nome. — Você se lembra dela?

— É claro. Ela é parte da Liga há alguns anos.

— Quer dizer ... Que ela está viva? Está aqui?

— Sim, Alana. Ela foi enviada comigo para me proteger ...

As palavras cessaram, Kal-El completamente silenciado pela súbita lembrança que o dominou.

Kara abre a pasta onde guarda seus desenhos, separando alguns e entregando-os ao primo. Kal-El os olha e um deles chama sua atenção: o retrato de uma jovem. Dá para ver que ela é muito bonita, mas seus traços são indefinidos, obscuros.

— Quem é essa? — Ele pergunta, curioso.

— Alana. Minha irmã mais velha. Morreu dois anos antes de deixarmos Krypton. — Kara suspirou, entristecida. — Quase não me lembro dela. Faz tanto tempo ...

— Kal!

A voz de Alana o trouxe de volta à realidade.

— Kara disse que você estava morta. — Ele revelou sem pensar.

— Então foi isso que disseram a ela. — Alana rosnou. — Escute, Kal, preciso que me faça um enorme favor.

— É só pedir.

— Fale com Kara. Diga a ela que estou aqui. Pode fazer isso por mim?

— Posso. — Ele respondeu — Tem minha palavra, Alana.

— Obrigada, Kal. — Ela sorriu, tirando do pescoço um colar de prata — Entregue-lhe isto. Só assim ela vai acreditar em você.

Dias depois

— O que é tão importante, Kal? Por que quis falar em particular?

Kara exigiu suas respostas com as mãos nos quadris, impaciente. Ela odiava surpresas e tinha zero paciência para qualquer coisa que considerasse enrolação.

— Lembra quando falamos sobre Alana?

— Lembro. Por que?

— E se ela estivesse viva? Se estivesse aqui na Terra?

— Impossível! — A loira quase gritou — Alana morreu, Kal!

— Não, ela está viva. Eu a vi. Falei com ela.

— Mentira. — A loira declarou. — Isso não tem graça, Kal-El!

— É verdade, Kara. — Ele lhe estendeu o colar de Alana — Ela me deu isto. Olhe e veja por si mesma.

Os olhos de Kara se arregalaram ao ver o colar. Suas mãos tremeram ao pegá-lo. Tão certo quanto a noite cede lugar ao dia, ela reconheceu o trabalho de seu pai. Lembrava daquele colar.

— ... E tenha cuidado. — A garotinha loira encerrou — Volte logo para casa, Lana.

— Muito bem, Kara. — Seu pai disse, pressionando a pedra negra no centro do colar. Ela se tornou azul-escura. — Agora sua irmã vai ter algo para se lembrar de nós.

— Ela vai voltar, não é papai?

— É claro que vai. — Ele respondeu. — Agora vamos, temos que entregar isto a ela antes que a nave parta.

Pai e filha correram até a base da Força Especial Kryptoniana. Alana estava prestes a embarcar, mas Kara a deteve gritando seu nome. Segundos depois as duas irmãs se abraçavam.

— O que veio fazer aqui, baixinha? — Alana inquiriu. — Sabe que não devia ter vindo.

— Eu tinha que me despedir. — Kara protestou, mostrando o colar que trazia bem apertado em uma das mãos. — Queria te dar isso. Para não esquecer de nós.

— Obrigada, maninha. — A morena sorriu — Eu volto em dois anos. Quando se der conta já estarei em casa de novo.

— Promete?

— Eu prometo. — Alana respondeu — Te amo, irmãzinha.

— Também te amo. — O colar trocou de mãos e Alana o colocou no pescoço. — Vou sentir saudades.

— Não tanto quanto eu vou.

Alana beijou o topo da cabeça da irmã, acenou uma última vez para o pai e então embarcou na nave, deixando Krypton em questão de minutos.

— Isso ... Isso é impossível. — Kara tocou o colar em seu pescoço, idêntico​ àquele que segurava. — A não ser que ...

Seu polegar esfregou levemente a pedra azul, que virou negra. Uma imagem holográfica surgiu no ar. Era Alana.

— Olá, irmãzinha. — A imagem sorriu — Sim, sou eu. Nossos pais mentiram, Kara. Se quiser saber a verdade, Kal tem meu endereço. Venha me ver e eu lhe explico tudo.

— Eu ... Não consigo acreditar. — Foi o comentário incrédulo. — Há quanto tempo você sabe?

— Alguns dias. Te contei assim que consegui.

— Obrigada, Kal. — A loira esboçou um sorriso — Mas diga a Alana que, se fui enganada, ela permitiu. Não quero vê-la. Nem agora nem nunca.

Horas depois

Alana correu para a varanda assim que ouviu os passos do primo, afastando as cortinas e abrindo a porta de vidro com um sorriso brilhante.

— E então? — Inquiriu avidamente. — Conversaram? O que ela disse? Por que Kara não veio com você? Quando vou vê-la?

— Oi, Alana. — Kal-El não conseguiu deixar de sorrir com a animação de sua prima. — É bom ver você também.

— Desculpe. — Alana disse com uma risada. — Eu me empolguei. Quer entrar? Eu estava na cozinha.

— Deixe eu adivinhar: torta de limão? Posso sentir o cheiro daqui.

— Com raspas de chocolate. Quer um pedaço?

— Eu teria que ser louco para recusar.

Alana riu e foi para a cozinha. Kal-El a seguiu. Ela serviu dois pedaços generosos da torta e os dois atacaram o doce.

— E então, o que Kara disse? Quando ela vem?

Kal-El se odiou por precisar acabar com aquele brilho adorável nos olhos da prima.

— Ela ... Ela não vem. Está com raiva de você.

— De mim? Mas por que diabos ela teria raiva de mim?

— Ela só tem vinte e um anos, Lana. Não vê as coisas como nós dois. Na cabeça dela você é tão culpada quanto seus pais por tudo o que aconteceu.

Alana mordeu o lábio inferior, respirando fundo para conter as lágrimas.

— Posso tentar falar com Diana. — Kal ofereceu — Kara provavelmente vai ouvi-la.

— Não, Kal. — A voz da morena tremia. — Vamos só ... Deixar como está e esperar pelo melhor. Kara é teimosa, mas aposto que vai voltar a si quando a raiva passar.

— Você é quem sabe. — Ele cedeu — Mantenha a calma, ok? Kara vai recobrar a razão cedo ou tarde.

Semanas depois

Kal-El ouviu Kara suspirar, frustrada, e espiou. Ainda havia alguns erros no desenho, mas sem dúvida era Alana.

— O rosto dela está mais anguloso. — Ele opinou antes que pudesse se conter. — E os olhos dela são mais amendoados, estreitos nos cantos.

Kara mudou algumas linhas e girou o desenho para que ele visse.

— Assim?

— É, está bem parecida. Mas por que a está desenhando?

— Não é óbvio, Kal? — Diana provocou do outro lado da sala. — Alana ainda é irmã dela, apesar de tudo.

— Nada disso. — Kara disse baixinho, mantendo os olhos no desenho — Eu só ... Fiquei curiosa. Estava tentando imaginar como ela estaria agora.

— Por que não dá uma chance a ela? Alana pode ter algo que valha a pena ouvir.

— Duvido muito.

— Kara. — Diana foi firme, indo sentar-se perto da amiga. — Se não a ouvir, não vai ter paz. Pode acreditar, eu sei disso melhor do que ninguém.

Kara suspirou, pensativa. As palavras da Mulher Maravilha tiveram efeito, encontrando lugar em sua mente.

—  Talvez eu deva mesmo ...

— Só tente não ficar com a guarda erguida. Se é para dar uma chance, faça isso de coração.

— Nem parece você falando assim, Diana. — Superman provocou. — Tão pacifista.

Diana disfarçou uma risada e piscou para Kara, retirando-se em seguida.

— Diana tem razão em uma coisa, Kal. — Kara admitiu — Não vou descansar enquanto Alana não responder minhas perguntas. Tem tanta coisa que quero saber!

— Então fale com ela. Quer o endereço?

Supergirl hesitou por um breve momento antes de assentir.

Horas depois

Alana foi despertada pelo toque de seu celular. Adormecera sem perceber enquanto assistia televisão. Ela se inclinou para pegar o aparelho e deu uma rápida conferida no número. Desconhecido. Quase não atendeu, mas reconsiderou. Podia ser algo importante.

— Alana?

A voz do outro lado era incerta, tremia como a de uma menina assustada. Alana relaxou ao sentir um eco de seu próprio nervosismo e reconhecer aquela voz. Não necessariamente o som, mas o modo como dizia seu nome.

— Olá, Kara. Faz muito tempo.

— Por que, Lana? Por que deixou que mentissem para mim? Podia ter voltado. Você prometeu ...

Alana ouviu Kara respirar fundo, como para conter-se. Era óbvio que não conseguiria encarar aquela conversa.

— Agora não, maninha. — A mulher mais velha declarou gentilmente. — Não é o tipo de coisa para se dizer por telefone. Além do mais, se formos mesmo ter essa conversa, vamos ter muito o que falar. É melhor fazermos isso cara a cara. Tem uma cafeteria no centro, perto do Planeta Diário ...

— Sei onde é. — Supergirl interrompeu. — Que tal amanhã à noite, por volta das sete?

— Fechado. Nos vemos lá. E é melhor ter uma boa explicação para mim.

O instinto de Alana quase a levou a dar uma resposta mal educada, como sempre fizera quando a irmã era impertinente, mas a morena se conteve a tempo. Não queria causar ainda mais mágoa.

Ao invés de responder, a kryptoniana simplesmente encerrou a chamada e voltou a recostar-se no sofá. Seu coração batia com força. Respirou fundo, tentando se acalmar. Não conseguiu.

No dia seguinte

Suas mãos tremiam​ tanto que Alana precisou segurar a xícara de cappuccino com as duas mãos ao ver a jovem loira se aproximar.

— Alana? — A morena assentiu. — Preciso admitir: você não mudou nada. Ainda parece a mesma garota.

Alana quase caiu para trás ao perceber que aquela mulher era realmente Kara. Sua irmã mais nova, agora uma mulher.

— Você cresceu, irmãzinha. — Comentou nostalgicamente. — Está linda. Você se parece muito com a mamãe, sabia?

Kara deu um leve sorriso em agradecimento e ia dizer algo em resposta, quando a garçonete se aproximou. A loira pediu um chocolate quente.

— Quer mesmo que eu conte tudo? — Alana inquiriu assim que ficaram a sós — É uma história bem longa, e nada boa.

Kara se sentiu compelida a exigir tudo, cada mínimo detalhe, mas viu o temor nos olhos de Alana. Seria difícil para ela contar a história toda e, apesar da curiosidade, Kara não desejava força-la a algo que a faria sofrer. Ainda era sua irmã, afinal de contas.

— Me conte só o que for necessário. — Respondeu — Mas, por favor, diga a verdade.

— Eu sempre digo, garota.

Kara ergueu uma sobrancelha e murmurou algo que soava como "monstros espaciais". Alana abafou uma gargalhada na palma da mão, seus olhos brilhando travessamente.

— Ok, talvez nem sempre. — Ela admitiu — Mas prometo que dessa vez vou ser honesta.

A garçonete voltou com o chocolate quente e as irmãs agradeceram ao mesmo tempo. Kara tomou um gole, esperando. Alana parecia perdida em pensamentos. Um longo silêncio as envolveu.

— Você se lembra de como eu era? — Alana inquiriu por fim. Kara assentiu — Pois bem, vamos só dizer que toda aquela rebeldia não me levou a lugar nenhum. Foi, na verdade, meu maior problema. Acabei me envolvendo com o tipo errado, um cara que adorava a "arte da trapaça". Um dia, alguém decidiu acertar as contas. Eu me envolvi ...

Alana parou de falar sem nem perceber, mergulhando nas lembranças.

O homem de pele escura é enorme, como uma muralha de músculos. Eu o reconheço. Um dos "clientes" de meu namorado. Um dos que querem mata-lo.

— Markov, corra. — Digo — Ele ainda não te viu. Anda!

— Calma, Alana. Posso lidar com o mamute.

Qualquer um com meio cérebro teria fugido. Eu, porém, nunca liguei muito para coisas banais como a prudência. A confiança de Markov eleva a minha própria e me sinto poderosa. Invencível.

— Dois contra um — Rio, maliciosa — Nada justo.

— Então se esconda. — Ele sugere, seu tom espelhando o meu — Você será minha arma secreta.

Sorrio e recebo um beijo estonteante em resposta. Markov me solta e acena para eu me esconder. Obedeço e o ouço assoviar, despreocupado. Logo a discussão começa entre os dois homens, uma discussão que não demora a evoluir para uma troca de socos.

Arriscando meu esconderijo, inclino-me um pouco para poder ver. A princípio as chances parecem a favor de Markov, mas logo se voltam para o homem.

Hesito por um momento, mas minha lealdade a meu namorado acaba vencendo qualquer outro sentimento. Saio de meu esconderijo usando toda minha velocidade. Consigo pegar o homenzarrão por trás e tira-lo de cima de Markov antes que sequer me vejam. Ele rola pelo chão, atordoado, mas logo se levanta e seus olhos flamejantes de raiva se voltam para mim.

— Sua vaca!

Não respondo e ele investe contra mim. Agarro seu braço, usando minha força para derruba-lo. Fico por cima dele, uma perna de cada lado. Minhas mãos envolvem seu pescoço. Mesmo sendo forte, aquele homem não tem os meus poderes. Não é tão forte quanto eu. Lutar é inútil. Tudo o que ele faz é me lançar um olhar de ódio enquanto quebro seu pescoço.

— Você o matou. — Kara concluiu suavemente, arrancando Alana de suas lembranças. — Não foi?

— É, eu o matei. Houve muitas discussões na época. Mamãe e papai ficaram furiosos, mas ajudaram a abafar o caso.

— Eu me lembro. As discussões aconteciam quase toda noite.

— É. Papai insistia que eu era má, que não tinha sido um acidente como eu disse, mesmo que eu tenha jurado milhares de vezes. Eles me trancavam em casa o máximo que podiam.

— Como você lidou com isso?

— Mau, é claro. Eu agi sem pensar naquela noite e não parava de me perguntar "se naquela noite matei por instinto, isso significa que sou má?" Isso me deixou com raiva, e minha rebeldia aumentou.

— Você fugia à noite. — Kara completou — Eu me lembro. Segui você uma vez, quando eu tinha nove anos. Não consegui descobrir nada.

— Não descobriria. Eu sempre tomei cuidado. — Alana revelou — Mas, se quer saber, eu estava envolvida com os Kamize.

— O que?! — Kara engasgou com o chocolate quente, tamanha foi sua surpresa. — A gangue? Ah, caramba, Alana! O que você tinha na cabeça?

— Pois é. Nem eu mesma sei por que me envolvi com eles. Lembro que foi através de Markov. Eu estava tão ansiosa para provar meu valor ... Mas logo percebi que aquilo não era o que eu queria. Eu não era como aquelas pessoas, então saí. Pensei que meu poder e as coisas que eu já tinha feito me protegeriam.

— Não protegeram?

— Por algum tempo. Meses depois comecei a receber ameaças. O líder tinha um grande plano e queria que eu voltasse. Quando recusei, raptaram você.

— Mas você me encontrou. Lembro bem do que aconteceu naquele dia. Você chegou naquele prédio com sua espada nas mãos e acabou com os guardas. Eles nem tiveram chance.

— E esse ato foi o que acabou comigo. Não demorou muito para o líder do Kamize em pessoa me contatar. Quando ele me procurou, não pude recusar.

— O que ele queria que você fizesse? — Como Alana não respondesse, limitando-se apenas a encará-la, Kara forçou um pouco a memória. Um segundo depois, arquejou baixinho. — Ah, não! Não foi ... ?

— O assalto ao Tesouro de Krypton. Era para isso que ele precisava de mim. Da minha força, para ser exata. Minha parte seria simplesmente dominar os guardas, eu não teria participação no roubo propriamente dito. Era para ser fácil.

— Mas todos disseram que você estava sozinha.

— Com certeza não. Me envolvi por ordem do líder. Ele me ameaçou. Acabei entrando com eles. Era uma armadilha. Mais guardas vieram, e fui pega. Os outros dois que estavam comigo fugiram. O resto você sabe.

— Ah, sim. O julgamento do Conselho.

— Culpada. Fui banida. Mamãe conseguiu aliviar minha sentença, mas mesmo assim não pôde fazer muito por mim.

Alana respirou fundo para conter a emoção, deixando a memória fluir.

Ao ouvir meu nome, entro na sala do Conselho com a maior altivez que posso, mantendo minha cabeça erguida.

— Aqui estou, Conselheiro. — Anuncio com firmeza.

— Alana! — Meu pai grita — Minha filha não fez nada, seus idiotas! Fiquem longe dela!

— Infelizmente, pai, eu fiz. Sou culpada. Não por agir, mas por não ter considerado as consequências de minha rebeldia cega.

— Ela admite. — O Conselheiro mais velho declara triunfantemente. — Alana Zor-El admite sua culpa perante este Conselho. Não há necessidade​ de deliberação.

— O fato de ela ter admitido prova que Alana não está perdida. — Minha mãe interfere calmamente. — É dever deste Conselho proteger os cidadãos de Krypton. Condená-la seria​ ir contra o alicerce central do Conselho Kryptoniano.

Recuo com as palavras de minha mãe. Sinto como se não merecesse a defesa, o escudo que minha família forma por mim.

— A senhora tem razão. — Uma das únicas mulheres no Conselho declara. — Alana não deve ser condenada à morte, e sim à vida.

Um arrepio frio me faz estremecer quando penso no que aquilo pode significar.

— Sua sentença será fazer parte da Tropa Espacial de Krypton por dois anos. Ao final poderá haver absolvição ou aumento da sentença. — A mesma mulher anuncia, seus olhos recaindo sobre mim com frieza. — Dependendo unicamente de suas ações, Alana.

— Não vou falar sobre a despedida, ou sobre meu tempo na Tropa. — A voz de Alana se tornara baixa e suave devido à emoção. — Você provavelmente ouviu sobre tudo isso.

— Ouvi. Mamãe e papai estavam muito orgulhosos da coragem que você demonstrou. Sempre diziam que não viam a hora de você voltar para casa.

— Eu voltei, Kara. — Alana revelou baixinho. — Esta é a parte da história na qual sempre tento não pensar. A pior parte.

Kara pressentiu que aquela era a parte mais importante, a que explicaria tudo. Viu também a mágoa nos olhos de Alana e, ainda que minimamente, começou a perdoa-la.

— O que aconteceu? — Quis saber.

— Servi na tropa por dois anos e então retornei. Antes de qualquer coisa, eu queria ver você, então corri para casa. Quando cheguei, vi que meus retratos haviam sido tirados da parede. Havia um símbolo negro na porta. Eu reconheci o símbolo. Entendi a farsa na mesma hora. Mamãe e papai mentiram, usaram minha morte para nos afastar. Acho que tinham medo de que eu fosse má influência para você.

— Mas e quanto ao colar? Papai me entregou seu colar um dia, tarde da noite. Disse que a notícia tinha acabado de chegar. Eu vi, Alana. Era o seu colar, com a mensagem de boa sorte que gravei.

— Uma cópia muito boa. Eles enganaram a todos.

— Não! Mamãe chorou por meses depois que contamos a ela. Não pode ter sido mentira. Ninguém teria conseguido fingir tanto por tanto tempo.

— Acha que outra pessoa fez isso? — Kara assentiu em resposta, absolutamente convicta — Mas quem, Kara?

— Talvez os Kamize. Se eles realmente tinham tanto ódio por você, podem ter feito isso em retaliação. Qualquer um teria percebido o quanto você me amava, devem ter pensado que nos separar seria a vingança perfeita.

— Boa teoria. E Markov era um Kamize, pode ter roubado meu colar e feito uma duplicata sem que eu soubesse. — Alana de repente desabou, escondendo o rosto nas mãos. — Eu sinto muito, minha irmã! Sinto tanto ...

Kara viu a tristeza da irmã, e não podia negar aquilo. Alana estava sendo sincera.

— Isso não importa mais. — Declarou, estendendo uma das mãos para coloca-la sobre as dela — O importante é: o que você vai fazer agora?

— Eu ... Vou continuar com o que estou fazendo, acho. 

— Você podia entrar para a Liga. Nos ajudar. — A mais jovem heroína da Liga da Justiça sugeriu. — Eu me lembro de te ver lutar, e você era incrível. Precisaríamos falar com os outros, mas ... Eles vão concordar. Kal vai adorar a ideia.

Alana pensou por um momento e então ergueu o rosto. Kara pôde ver as marcas de lágrimas nas bochechas da irmã. Aqueles olhos azuis encararam diretamente dentro dos seus, de um modo que ela lembrava muito bem, e que nunca a deixava mentir.

— Mas e você, Kara? O que você iria achar?

— Eu ... — A loira fingiu pensar por um momento — Acho que vai ser bom ter minha irmã mais velha por perto de novo.

Meses depois

Diana entrou na sala de reunião e encontrou os três primos juntos, tão concentrados em uma conversa que nem a ouviram. Ela não pôde perder a chance de observá-los, sentindo um sorriso satisfeito curvar seus lábios.

— Sem querer interromper a reunião de família ... — A Amazona disse, finalmente revelando sua presença. — Não tínhamos um problema a resolver?

Os três viraram para olha-la ao mesmo tempo e Diana quase riu. Era bom vê-los juntos novamente.


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