Castelobruxo - Aliança Enfeitiçada escrita por Éden


Capítulo 4
Capítulo 4 - Fabricando Varinhas (Parte 2)


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem!
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“Se afastem todos, ele esta acordando...”

Miguel continuava estirado no chão depois de seu estranho desfalecimento. Todos os alunos se reuniam a seu redor, curiosos para saber o que acontecia. O rapaz vagarosamente foi abrindo seus olhos, com uma dor latejante em sua cabeça, ele encarou desentendido todos a seu redor, Maria e Rodrigo demonstravam preocupação, assim como Oscar, que necessitou de um saco de papel para respirar direito, ele pensava que a culpa era sua e alguns alunos insistiam que não. Miguel se sentou no chão, coçou os olhos e cruzou os braços.

─ O que houve? ─ perguntou, confuso. Amara se fez aliviada e limpou o suor do rosto.

─ Você não se lembra? – perguntou Amara, se pondo de pé e ajudando Miguel a se erguer. O rapaz coçou os olhos, olhou todos a seu redor e começou a se lembrar de algo.

─ Quem é Úrsula? ─ perguntou, referindo-se ao nome que ouvira antes de cair. Os alunos se entreolharam sem entender o que ele questionava.

─ Não tem nenhuma Úrsula na nossa classe, Miguel ─ disse Maria Flor, cruzando os braços e demonstrando confusão. Rodrigo olhou para o peito de Miguel e percebeu duas bolinhas vermelhas piscando por baixo de seu uniforme, curioso, cutucou Maria e mostrou para a amiga o brilho, que magicamente desapareceu segundos depois. ─ Melhor não falar disso aqui... ─ sussurrou a garota no ouvido do elfo, que concordou e permaneceu em silêncio.

─ Mas eu ouvi... ─ disse ele, assustado ─ Um homem disse “Úrsula, se acalme”! ─ reclamou, olhando para todos a seu redor. Rodrigo se aproximou do amigo e envolveu o braço no seu pescoço em forma de abraço.

─ Deve ter sido só um sonho, não é Maria? ─ disse Rodrigo, tentando disfarçar as palavras do amigo. A garota concordou. Amara se fez de convencida, mas continuava desconfiada. ─ Acho que a gente pode até retomar a aula ─ disse o elfo, olhando para Miguel como se implorasse para que ele concordasse.

─ É, é... ─ concordou Miguel, com um sorriso forçado no rosto. Amara olhou bem para o trio, cerrou os olhos desconfiada, e voltou a caminhar.

─ Então vamos continuar, ainda faltam duas etapas para concluírem suas varinhas! ─ disse a professora, indo em direção à escola, trazendo consigo todos os alunos em fila. Oscar já havia se recuperado, parecia bem frágil e suscetível a sentimentos ruins. Maria, Miguel e Carioca ficaram para traz, conversando sobre o desfalecimento do segundo.

─ Eu tenho certeza de ter ouvido alguém chamar por Úrsula! ─ disse ele, assustado. Maria olhou Rodrigo, fazendo movimentos minuciosos com a boca, como se pedisse para dizer algo ao amigo, algo que ela não sabia dizer.

─ Tem certeza que não era da sua imaginação? Eu tenho um irmão, o Rodolfo, que diz poder ouvir a tartaruga dele, Joyce, falar! ─ exclamou ele, dizendo a primeira coisa que pensou. Miguel gargalhou e Maria ficou irritada. ─ Só que, bem, a Joyce era um hamster e morreu quando ele tinha dez anos...

─ Obrigada, Rodrigo ─ disse Maria, praticamente ordenando para que ele parasse de falar. Depois, suspirou, e parou, ao lado da estatua de Dom Pedro II montado em seu cavalo, ficou pensativa e se escorou no corpo do equino, que deu um relinchado, acordando o dono de seu sono.

─ OS FRANCESES ESTÃO ATACANDO! ─ gritou a estátua, afobada. Depois, tentou retirar a espada de seu cinto, mas não consegui, aquela parte não era enfeitiçada para ter vida. ─ Maldito servo que não faz nada de útil! ─ exclamou, se acalmando e percebendo o trio a seu redor ─ Porque pertubaram meu leito?

─ Leito? ─ perguntou Miguel, assustado ─ Leito é onde se morre, quer dizer que ele morreu aqui? Pelo que soube nem bruxo ele era!

─ Estátuas guardam pedaços de memória, geralmente a sua última, e a de Dom Pedro deve ser a do leito de morte! ─ respondeu Maria Flor, convicta. Ela foi se afastando da estátua e se curvou ─ Maria Flor de Oliveira, majestade!

─ É um grande prazer, senhorita Oliveira! ─ respondeu a estátua, curvando-se sinuosamente. Miguel e Rodrigo se entreolharam, deram de ombros e começaram a observar o grupo de colegas, que entravam na torre dos Javalentes. Então, com medo de se atrasarem novamente, puxaram Maria e a levaram para a junto da turma. Dom Pedro voltou a sua posição inicial, enquanto a garota empurrou a mão de Rodrigo que lhe puxava pelo braço.

─ Vai puxar sua mãe, garoto. ─ exclamou ela, entrando irritada na torre na frente dos amigos, inclusive chegou a empurrar Diego e Fernando para entrar na frente deles, no fim, jogou os enormes cabelos para trás e esboçou irritação ─ Homens.

─ Essa guria é um furacão, em? ─ ironizou Fernando, entrando para a torre atrás de Diego e caminhando pelo primeiro corredor.

─ Furacão não, Tsunami ─ respondeu Carioca, fazendo Miguel dar uma leve gargalhada. Depois, ajeitou o uniforme e entrou na torre, o amigo veio atrás e, antes de entrar, deu uma olhada novamente no pátio, percebendo que Aldrina conversava irritada com a estátua de Dom Pedro II e, de quando em quando, olhava na direção do rapaz, com a desconfiança e a irritação estampadas no rosto. Com medo dos olhares da professora, Miguel caminhou atrás de Rodrigo  pelo corredor, chegando a sala J12.

Amara estava parada ao lado da sala, junta dos outros alunos, irritada, ela batia e batia na porta, mas ninguém atendia. Ríspida e irredutível, insistia em continuar batendo, enquanto os alunos permaneciam inquietos do lado de fora.

─ Íca... ─ tentou gritar, a professora, mas ao dizer as primeiras sílabas, sons de trancas sendo abertas eram escutados. Amara revirou os olhos e cruzou os braços ─ ro. ─ completou, observando a porta da sala abrindo lentamente, atrás dela, Ícaro, de cabelos longos, assim como a barba, olhos negros e corpo franzino, com um olhar desmazelado por trás dos óculos de grau. Estava sonolento... e seminu! O rapaz parecia não entender bem o que acontecia, se escorou na porta e sorriu, sem dizer nenhuma palavra, depois, olhou para os rostos dos alunos e percebeu suas expressões de surpresa, medo e até nojo, e finalmente, após olhar para baixo, percebeu seu equivoco de estar apenas de cuecas, não disse nenhuma palavra, fechou a porta na cara dos alunos e foi se vestir. Amara suspirou. ─ Ele nunca perde essa mania...

─ Então... Quer dizer que não é a primeira vez que vê ele pelado? ─ perguntou Maria, inconformada. Amara gargalhou e olhou para a garota.

─ Já vi ele pelado mais vez que vi o meu próprio marido ─ respondeu, gargalhando. ─ Mas não é algo proposital, sempre foi avoado. Quando era da sua idade, dormiu, enquanto comia, e comeu, enquanto todos dormiam.

─ Isso é muito, muito, mas muito errado. ─ disse Maria, irritada, algumas alunas concordaram, mas no fim deixaram o assunto de lado, quando novamente a porta de abriu, dessa vez, Ícaro usava roupas, para alivio geral.

─ Muitas boas noites! ─ disse Ícaro, fazendo uma saudação com a mão.

─ Bom DIA, Ícaro ─ disse Amara, dando ênfase no “dia”. O professor arregalou os olhos, tirou os óculos e olhou para um aluno que se escorava na parede ao lado da porta, com uma expressão de impaciência. Ícaro tentou imitar a  expressão do garoto, abaixando as sobrancelhas e franzindo a testa, depois, encarou o aluno por demorados vinte segundos, este que por sua vez, encarava o professor de volta.

─ Roubaram seu pão doce? ─ perguntou ele, fazendo com que o aluno ficasse confuso e olhasse para todos a seu redor.

─ Sim....? ─ respondeu o rapaz, sem saber direito o que dizia. Ícaro olhou ao redor e gargalhou insanamente, assustando a todos os alunos que se afastaram um passo para trás. Miguel olhou para Maria Flor e ergueu os ombros, dizendo estar confuso, a garota fez o mesmo e logo depois voltaram a observar Ícaro.

─ Você se lembra de porque eu estar aqui, não é? ─ perguntou Amara, impaciente. Ícaro olhou ao redor, coçou a cabeça e alisou a barba. ─ Esperava que não... Hoje é o dia da fabricação das varinhas... ─ disse ela, Ícaro finalmente se lembrou, dando um tapa leve em sua cabeça, como se estivesse se autopunindo pelo esquecimento.

─ Podem entrar, só não reparem na bagunça... Não vi o tempo passar! ─ exclamou o professor, abrindo a  porta por completo e caminhando pela enorme sala, em direção a uma salinha no corredor. Amara foi atrás, levando consigo os alunos, enojados com a situação daquela sala: haviam papéis cheios de esboços e cálculos por todo lado, aviões de papel sobrevoavam o espaço, atirando bolinhas de tinta nos inimigos, tinha também restos de comida apodrecendo e criando fungos sobre uma cômoda velha, meias, cuecas e todo tipo de vestimenta ganhava vida e corria pela sala, além dos ratos que iam atrás de Ícaro a todo momento, o salvando de trapalhadas e o ajudando a sobreviver ali. Miguel achou tais criaturinhas curiosas. Eram aproximadamente cinco ou seis, a líder era uma ratinha que usava um laço rosa no pescoço, os demais seguiam seus comandos, limpando o caminho para Ícaro passar sem ocorrer nenhum acidente e, ao mesmo tempo, tentavam limpar a classe. Os bruxos pareciam lidar melhor com ratos do que os humanos.

Ícaro entrou na sala, os ratinhos esperaram do lado de fora, suspirando aliviados. Segundos depois, o desmazelado voltou, carregando consigo uma enorme caixa de madeira, as criaturinhas se desesperaram ao ver uma vassoura caída no caminho do dono, assustados, se uniram e começaram a tirar o bloqueio do caminho, deixando o caminhar do rapaz mais tranquilo. O professor caminhou em direção a sua mesa e jogou a caixa lá, limpando a poeira que havia ficado nas mãos.

─ Bem onde o professor Luiz deixou... ─ e finalmente abriu a caixa, fazendo um misterioso e encantador brilho multicolorido iluminar seu rosto. Os ratinhos, curiosos, foram subindo pelas pilhas de papel para tentar ver o que tinha la dentro, mas, por conta do mais gorduchinho, a pilha se desfez, derrubando todos no chão. Amara, com os olhos brilhando, chegou perto da mesa, olhou dentro da caixa e sorriu. Depois, colocou a mão lá dentro e começou a retirar de lá bauzinhos coloridos, os colocando em círculo pela sala.

─ São trinta baús... ─ disse a professora, colocando um baú na mesa ao lado de Aline ─ Cada baú leva consigo até três tipos de... ─ e colocou outra caixinha, dessa vez perto de Frederico ─ Núcleos! ─ e abriu um enorme sorriso, colocando os dois últimos baús perto de Maria Flor ─ Até ano passado o professor Luiz era encarregado da tarefa de distribuir núcleos, mas ele se aposentou e o professor Ícaro aqui, que pegou as aulas dele de Tecnomagia, deixou isso comigo, pois sabe que tenho um imensurável amor por essa etapa! Essa é a parte mais mágica e mais emotiva da criação da varinha: é a hora de unir o físico ao espiritual, usando para isso o sentimento mais forte dentro de você. Alguém quer começar? ─ perguntou ela alegre. Todos ficaram em silêncio, com vergonha. Amara revirou os olhos e apontou para Doralice ─ Você.

─  Ieu? ─ perguntou a garota, assustada.

─ Sim, ocê ─ confirmou, imitando o sotaque da mineirinha, que olhou para a turma, engoliu seco e ajeitou seu vestido rodado, caminhando na direção da professora vagarosamente. ─ Qual árvore te escolheu, Doralice? ─ perguntou ela, a garota começou a mexer em sua trança, corada de vergonha.

─ Foi-jatobá-uai!  ─ respondeu a garota, unindo as palavras, falando depressa e tornando o entendimento difícil.

─ O que que ela disse? ─ perguntou Rodrigo a Miguel.

─ “Foi Jatobá, uai” ─ respondeu.

─ Tá ─ disse Amara, confusa ─ Pegue o material, entre no círculo dos baús, feche os olhos e apenas deixe o sentimento vir até você. Pense em um momento memorável para você, não necessariamente feliz ou triste, um momento que você nunca esquecerá... ─ disse Amara, convicta. Doralice parecia meio confusa, mas foi fazer o que a professora mandou. Sentou-se na cadeira no centro do círculo, segurou fortemente o galho de jatobá e fechou os  olhos. ─ Boa sorte... ─ disse Amara, se aproximando do resto dos alunos e observando a garota.

Nos primeiros minutos nada de diferente aconteceu. Doralice permanecia-se concentrada, sem fazer movimentos bruscos, até que ela sorriu, um sorriso verdadeiro que fez com que de seu galho brotassem flores amarelas com um delicioso cheiro doce, repentinamente, um dos baús se acendeu em uma luz rosa, que se modelou e se tornou uma fada, que voou, voou e mergulhou no galho da garota, acordando-a do transe, mas continuando com o sorriso.

─ O mesmo efeito da seleção... ─ sussurrou Miguel, maravilhado.

─ Muito bem senhorita Doralice! ─ exclamou Amara. Ícaro aplaudia ao fundo, assim como seus ratinhos. ─ Pó de Fada... Núcleo delicado e virtuoso! Alguém quer ser o próximo? ─ perguntou a professora. Todos os alunos ergueram a mão, curiosos para descobrir o núcleo de suas varinhas. Doralice se levantou da cadeira e sentou-se no fundo da sala, deixando o caminho livre para Amélia, a próxima da fila.

Miguel, percebendo que sua vez demoraria chegar, sentou-se em uma cadeira ao lado de Rodrigo, reparando que os ratinhos de Ícaro estavam ali perto, assistindo a aula curiosos, com exceção do mais magricela, que dormia serenamente sobre a cadeira, enquanto os outros se equilibravam no encosto para enxergar o centro do círculo. O professor Ícaro estava sentado sobre a mesa dos professores, ao lado dos baús verde e lilás, de quando em quando pegava no sono, mas acordava segundos depois. Carioca se aproximou e sentou-se ao lado de Miguel, com olhos atentos sobre Maria, do outro lado da sala, irritada.

─ Você devia se desculpar ─ disse Miguel, observando o clima ruim entre os amigos.

─ Conheci ela ontem, não sei pra que pedir desculpas. ─ respondeu o elfo, irredutível. Miguel revirou os olhos e retirou o galho de Andurá da mão, colocando sobre a mesa, ao lado dos ratinhos.

─ Isso não é um motivo justo para não pedir desculpa pra ela ─ respondeu Miguel. ─ Mas tudo bem, vocês vão se entender! ─ disse ele, observando o baú a sua frente se iluminando em verde e projetando a imagem de uma fada sinistra, que voa e mergulha na varinha de Amélia. Assustada, a garota deixa o círculo e se senta ao lado de Doralice, deixando que Frederico se torne o próximo.

─ Ele tem razão, sabe... ─ disse alguém, por trás de Miguel, que se assustou e olhou, percebendo que era Ícaro, com seu semblante confuso de sempre. ─ Você devia se desculpar logo, seja lá o que você tenha feito... ─ e sentou-se na, derrubando um ratinho no chão, o mais fortinho, Ícaro demonstrou susto, mas, ao ver que ele estava bem, ficou aliviado ─ Desculpa Taylor Lautner, não vi você aqui... Taylor Swift leva seus irmãos para comerem algo! ─ disse ele, sorridente. A ratinha fez uma saudação, deu um chiado e os demais saltaram da cadeira, indo atrás dela em fileira pela sala. Miguel ficou curioso, que tipo de nomes eram esses?

─ Que critério você usou para escolher o nome dos seus ratinhos? ─ perguntou Carioca, tão curioso quanto Miguel. Ícaro cerrou os olhos e coçou a cabeça, como se estivesse tentando se lembrar.

─ Se eu lembro bem, foi Taylor Swift e seus ex-namorados... ─ disse ele, pensativo. Depois, ergueu as sobrancelhas e fez uma cara de surpreso ─ Sim! Foi esse! ─ exclamou, convicto ─ Taylor Swift, Taylor Lautner, Joe Jonas, John Mayer e Cory Monteith... Eu achei eles dentro de uma caixa forrada com revistas da Taylor Swift, eles são ratos-duendes, as pessoas consideram pragas, mas se souber como cuidar eles se tornam... ─ e ficou pensativo novamente ─ Qual contrario de praga?

─ Dádiva ─ respondeu Miguel, curioso com a história de Ícaro, depois, percebeu uma luz vermelha voando e ziguezagueando pelo ar, como uma cobra, que mergulhou na varinha de Frederico, deixando o rapaz com um ar vitorioso, dando a vez a Maria Flor.

─ Isso! Dádiva! ─ disse Ícaro. Miguel já não prestava atenção no professor, voltou a observar a confiante amiga, que chegava ao centro do círculo, sentava, fechava os olhos segurando o galho de pau-brasil.

Maria Flor estava pensativa. Não conseguia escolher um momento para lembrar, todos os que viveu foram intensos, cada qual com sua importância: A morte do pai, a solidão da mãe, a chegada na Castelobruxo e... Aquele ano. O ano que mudou sua vida, não para o bem, não para o mal, mas sim para algo que ela queria esquecer. Talvez esse fosse o momento mais importante, expandido em trezentos e sessenta e cinco dias de depressão, bulimia, dores na alma, vazios no coração e crises existenciais. Ela já havia superado? Não exatamente. Havia deixado para trás, como as pessoas fazem com seus problemas. Não podia ser algo tão triste. Haviam muitos momentos mais memoráveis como o dia que conheceu sua meia irmã, que estudava fora e voltara para o velório do padrasto. Eliza foi a única a conseguir trazer um pouco de vida a sua família, em especial a mãe, que vivia tentando preencher o vazio do marido com noites em claro, cafeína e lágrimas copiosas. Ajudou também a irmã, tão jovem e tão marcada pela morte, a superar, aliás, deixar a depressão para trás. Era esse momento! O momento em que, com a ajuda da irmã, Maria finalmente deixou as correntes da tristeza e se fez feliz, como a anos já não era.   

Miguel e os demais alunos já estranhavam a demora de Maria Flor, até que de seu rosto escorreu uma lágrima e nasceu um sorriso. Uma brisa passou pela garota, fazendo com que seus cabelos chacoalhassem como ondas no mar, em sua frente, na mesa dos professores, um dos baús se acendeu em azul vivo, se abrindo e liberando gotas de água, que flutuaram pelo ar e tomaram forma de sereias, navegando pela sala e mergulhando nos cabelos de Maria, por onde nadaram e chegaram ao galho de pau-brasil.

─ Um núcleo elemental! ─ exclamou Amara, maravilhada ─ Eles são bem raros, pois só escolhem aqueles verdadeiramente dignos... No seu caso, a água por onde nem homens, nem deuses podem navegar... ─ a professora se levanta e vai até Maria Flor ─ as lágrimas de uma mulher, que prometeu não mais chorar ─ e, comovida, abraçou a aluna, que pode finalmente se debulhar em lágrimas, sem medo do que podia acontecer depois. ─ Agora, como são muitos na fila ─ disse Amara, desabraçando Maria e pedindo que ela vá para junto dos outros alunos ─ Continuaremos  essa etapa por duplas... Miguel, Rodrigo vocês vão primeiro! ─ disse ela, ainda enxugando as lágrimas. Miguel aceitou, levantou da cadeira e foi para dentro do círculo e se sentou. Rodrigo veio atrás, arrastando consigo um banquinho, colocou ao lado do amigo e sentou ─ Não precisavam estar assim tão próximos, mas enfim... Já sabem o que fazer...

─ Boa sorte ─ disse Rodrigo, fechando os olhos e segurando o galho de goiabeira.

─ Boa sorte ─ respondeu Miguel, fazendo o mesmo que o amigo.

Miguel podia sentir Carioca tremer e ranger os dentes, não devia ser um exercício fácil para ele. De fato, não era. Sua lembrança mais intensa fora a muitos anos, quando ele era apenas uma criança ingênua, que não conhecia a maldade das pessoas. Sua família havia se mudado para uma cidade grande, não toda a família, pois precisariam de um estádio para agrupar tanta gente, mas o pai, a mãe e os cinco irmãos. Ele, um meio-bruxo, tentou fazer amigos na cidade, mas tudo que conseguiu foi uma chuva de pedras, paus e xingamentos. “Aberração!” “Quer destruir a espécie!” “Bruxo só pode se casar com bruxo!” eles gritavam, indignados com Rodrigo, que sofria tudo isso por não ser nem totalmente elfo, nem totalmente bruxo. Bruxos não sabiam respeitar as diferenças, assim como humanos.

Rodrigo se contorcia, seu estomago queimava de aflição. Ele queria correr, como se estivesse vivendo tudo aquilo novamente, mas era só uma lembrança, uma dolorosa lembrança. Então, um baú se acendeu em vermelho, dele saíram chamas, que se modelaram no formato de um veado, que saltitou pela sala e entrou dentro do graveto de Rodrigo, o acordando das lembranças. Ele se levantou, com um semblante sério, enquanto Miguel ainda procurava sua lembrança mais intensa.

─ Outro núcleo elemental! ─ exclamou Amara, correndo para ver como estava Rodrigo ─ A chama que só se apaga quando a última das esperanças for perdida: O espírito do Anhangá ─ disse a professora, abraçando o aluno e o conduzindo de volta para seu lugar. Carioca se sentou ao lado de Maria involuntariamente e só foi perceber ao ouvir o chorar da garota, comovida, viu a tristeza da amiga, se sensibilizou e pegou em sua mão, confiante. Maria olhou para ele e por um instante parou de chorar.

─ Desculpa, sou um idiota ─ disse Rodrigo, sorrindo em meio a tantas emoções. Maria abriu um delicado sorriso e retirou sua mão de perto da do amigo.

─ Perdoo, mas não venha com suas gracinhas de hétero para cima de mim! ─ disse ela, sorridente. Rodrigo gargalhou e sacodiu a cabeça, depois voltou a observar Miguel que finalmente esboçava uma reação, com as mãos tremulas e a testa escorrendo suor.

As veias de seu braço estavam perto de explodir, seu coração estava acelerado, o medo e a raiva daquele dia nasciam novamente...  O dia em que Miguel sentiu a morte em suas mãos, passando delicadamente e desaparecendo. Nem fazia tanto tempo assim, mas para ele, que com muito custo havia esquecido no fundo as memória, parecia que havia feito aquilo a séculos. Não era sua culpa, tinha acabado de se descobrir bruxo e não pode frequentar a Castelobruxo, não sabia controlar seus poderes, o desejo tomou a força de sua raiva assim que ele viu Limo, seu cachorro e único amigo, morto, cheio de feridas de pedras e hematomas de chutes e socos. Limo era calmo, bom, mas insistiam em o agredir, simplesmente para irritar o dono, Miguel, que sabia exatamente quem tinha feio aquela maldade: Foguinho, um homem feito, que anda com adolescentes e crianças fazendo brincadeiras de muito mau gosto pela comunidade. Era a gota d’água. Ele fazia tudo para irritar Miguel, pelo simples fato de que o rapaz se recusou a entrar em seu bando, mas assassinar alguém inocente... Limo era só a vítima das circunstâncias e o dono ia fazer de tudo para se vingar. De fato, fez. Enquanto todos trabalhavam, a gangue do Foguinho se encontrava no casarão abandonado. Miguel foi até lá, observando irritado do lado de fora e, com apenas um estalar de dedos, a casa começou a desmoronar, sendo arrastada morro abaixo, na direção do Socorro esgoto. Foguinho sobreviveu, tetraplégico, mas os amigos não. E sabe o pior de tudo? Miguel não teve felicidade em sua vingança, ninguém nunca soube, nem o Estado Bruxo.

Miguel, aflito e perdido em seus pensamentos, continuou de olhos fechados, quando um dos baús se acendeu em branco, abriu e liberou penas brancas e delicadas, que voaram com o vendo e pararam sobre o graveto de anhanga, que se iluminou por segundos e acordou o dono, que se levantou e foi cambaleando até Amara e a abraçou, comovido.

─ O vento celestial, por onde voam os perdões, os sonhos e os arrependimentos... ─ disse Amara, abraçando o aluno ─ Penas de anjo... ─ sussurrou ela, nos ouvidos de Miguel. ─ Vamos acelerar isso... Ícaro, leva os que já conseguiram núcleo para a máquina... ─ exclamou Amara, se afastando de Miguel e olhando ao redor ─ Quem ainda não tiver, entra no círculo e façam o que já ensinei... ─ disse a professora, impaciente. Daiana, Diego, Oscar e outros alunos entraram, fecharam os olhos e aguardaram, logo, vários baús se acenderam em cores diversas e dispersaram criaturas de energias coloridas pelo ar, que voaram pela sala magicamente como em um show de luzes. Ícaro se aproximou dos que já haviam ganhado, com seu típico ar de confusão.

─ Venham comigo, vou colocar a máquina nas varinhas de vocês ─ e ele parou, pensativo ─ ou seria ao contrario? Que seja, vem logo pessoinhas! ─ exclamou, caminhando em direção a salinha em que ele havia entrado no começo da aula. Os alunos o seguiram, ficando para trás Maria, Miguel e Rodrigo.

─ Por favor, digam que fizeram as pazes! ─ exclamou Miguel, se aproximando dos amigos. No meio do caminho, sentiu uma coceira no peito e coçou, Maria percebeu, mas ignorou.

─ Fizemox ─ respondeu Rodrigo, confiante. Miguel continuava a coçar o peito, só que um pouco mais rápido. Com o trio completo, entraram na salinha e viram uma enorme máquina com duas aberturas, em cima, por onde Doralice jogou seu galho, e em baixo, por onde ela retirou a varinha pronta, padronizada.

─ Bom, essa é a máquina de padrão ─ disse Ícaro, agarrando o graveto de Frederico e jogando dentro da máquina na entrada por cima, segundos depois, saiu uma varinha de tamanho proporcional ao do rapaz, lisa e com a forma padronizada.

─ Engraçado, Máquina de Padrão para mim era a academia ─ ironizou Maria, percebendo o desespero de Miguel se coçando sobre o uniforme.

─ Depois dessa etapa a varinha de vocês vai estar prontas e já poderão fazer feitiços... ─ disse Ícaro, agarrando os galhos de Miguel, Maria e Rodrigo e os jogando na máquina, estes que, saíram padronizados segundos depois. A varinha de Miguel era branca como a madeira de Andurá, da de Rodrigo era marrom cheia de manchas, e a de Maria Flor era marrom escuro. Os donos agarraram suas varinhas, com exceção de Miguel, que coçava o peito insanamente, chegando até a gemer de dor.

─ Ele ta se coçando bem no lugar que a gente viu aquelas luzes vermelhas, Flor... ─ observou Rodrigo, preocupado. Miguel continuava a se coçar,

─ Bem no lugar onde estava o... ─ e então ela abre o uniforme do amigo, vendo apenas uma cordinha, que terminava sobre uma marcar vermelha, com formato, tamanho e estilos iguais ao do ─ muiraquitã... ─ e finalmente Miguel se deu por conta da falta do amuleto. Maria e Rodrigo se entreolharam, assustados, enquanto os outros na sala permaneciam distraídos.


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