Castelobruxo - Aliança Enfeitiçada escrita por Éden


Capítulo 11
Capítulo 9 - Colombina, Arlequim & Pierrô [2 de 3]




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Colombina, Arlequim & Pierrô – Mascarados

2004

− Mama, já chegamos? – perguntou o garotinho magricela de cabelos penteados com gel para sua mãe, uma mulher jovem, de pele parda, olhos castanhos e corpo esbelto, com cabelos cacheados presos por um lenço. Ela usava um vestido florido simples, enquanto caminhavam por um caminho mais afastado da cidade. Era noite e tudo que os guiava naquela rua deserta eram as luzes dos postes, sendo que alguns falhavam e outros sequer acendiam.

O menino estava agarrado a perna da mãe, com um pouco de receio.

− Estamos quase, querido, se acalme – respondeu. Sua voz sublime e doce passou segurança ao garotinho assustado.

− Por que o papai não veio? – a moça entristeceu, receosa. Parou seu caminhar, se ajoelhou para encontrar seus olhos com o do filho e falou:

− Ele não pode, querido. Você é grandinho, sabe que seu pai não pode simplesmente andar por aí, Miguel, é perigoso – ela disse receosa. O garotinho abraçou a mãe, que lhe beijou o rosto – Mas prometo que um dia ele vai poder vir com a gente... Ele adora o circo – respondeu convicta. Miguel sorriu e deixou que a mãe lhe carregasse pelo resto do caminho, quando enfim as luzes extraordinárias e as vozes denunciaram que eles haviam chegado.

Miguel olhou curioso tudo que pode naquele circo: havia uma lona vermelha e branca que parecia flutuar sobre os expectadores nas arquibancadas, que rodeavam todo o picadeiro. Do lado de fora haviam vendedores de pipoca e outros lanches, malabaristas, entretendo os que chegavam para o show, e meia dúzia de palhaços felizes, dançando e se divertindo com as pessoas.

− Querido, você quer comer alguma coisa? – perguntou a mãe de Miguel. O garotinho disse que sim e ela se foi junto dele até a barraca de cachorro quente. A mulher colocou o pequenino no chão e o segurou pela mão.

− Glorinha? – disse uma mulher, acompanhada de duas meninas de idades diferentes, que chegava de supetão. A mãe de Miguel se virou, soltou a mão do filho e abriu um enorme e eufórico sorriso.

− Sônia? Mentira que é você, menina! – disse Glorinha, abraçando a mulher de olhos puxados, pele castanha e cabelos negros – Não te vejo desde... sempre! – ela olhou Sônia de cima a baixo, demonstrando satisfação – Ta linda, em? E as meninas? Suas filhas?

− Só a Maria Flor, aqui – ela disse, apontando para a menininha mais nova e tímida – a Maria Lua é filha do primeiro casamento do Ubiratã – respondeu Sônia, apontando para a mocinha mais velha, aparentava ter dez anos, tinha olhos claros e cabelos castanhos ondulados. Miguel sorriu para as duas e Nia se assustou com sua presença. – Glorinha... ele é filho do Vicente?

− É sim – respondeu a mulher sorridente – mas você não pode comentar sobre ele com ninguém... você sabe o que ela faria caso descobrisse onde o filho dela está... – suplicou entristecida – Eu e o Vicente estamos finalmente construindo uma vida e... – ela tentou dizer, com os olhos próximos a veranear em lágrimas, quando Sonia pegou em sua mão. Como mágica, Glorinha foi se livrando do medo e da tristeza, sentindo apenas confiança em si.

− O Vicente é o meu melhor amigo e você é minha melhor amiga, não precisa ter medo, nunca vou dizer a ninguém sobre você – disse convicta. Glorinha sorriu – E não precisa se preocupar com as meninas, você sabe que eu sempre fui boa com feitiços para memória – ela comentou. Glorinha deu uma risadinha e abraçou Sonia, enquanto algo no escuro, longe de todo o público do circo, chamava a atenção de Miguel.

Não era um palhaço igual aos outros da trupe. Ele tinha um sorriso de dentes pontudos, que, literalmente, ia de orelha a orelha. Seus olhos eram apenas cavidades com um sinistro brilho azul. Sua roupa era branca com pintas vermelhas e, sua pele, era branca pelo pó.  Ele acenava lentamente para Miguel, que se desprendeu da mãe e, no meio da distração de Glorinha, foi-se caminhando na direção da figura sinistra, desaparecendo com ele na escuridão. Apenas Maria Flor havia percebido o ocorrido, mas estava acanhada demais para avisar.

− Nia... – Glorinha disse com a testa enrugada – Se você veio pra esse circo, significa que ele é um circo, bem você sabe, “especial”? – questionou.

− Ué, eu acho que sim, menina! A Maria Flor que encontrou o folheto do Circo e eles geralmente aparecem só para os...

− Miguel? – gritou Glorinha assustada, a procura do filho pelos arredores – Sonia, pelo amor de Iansã! Você viu meu filho?

− Não e-eu me distraí falando com você e...

− MIGUEL! – gritou Glorinha ainda mais assustada. Ela correu desesperada pelos arredores daquele circo, olhou nos cantos, becos e lojinhas, nada do seu filho. Sonia acompanhava a mulher com suas meninas ao lado.

− Glorinha se acalme! – disse Nia agarrando a mulher por um braço e retirando a vareta que prendia o coque de seus cabelos. Ela deu três voltas na varinha, que se iluminou em lilás na ponta. Glorinha dilatou as pupilas e olhou para o truque mágico com desprezo.

− Tira isso daqui! – ela gritou irritada, algumas pessoas olharam com medo.

− Glorinha, calma, ela vai ajudar a achar o menino e... – Glorinha, irredutível, deu um tapa na varinha, que despencou da mão de Nia. Maria Flor, observando a cena, se abaixou e se apoderou da varinha, observando ao longe o lugar onde tinha visto Miguel pela última vez. As adultas discutiam.

− Magia... essa droga só trouxe tristeza para mim e para o Ângelo! – trovejou Glorinha, com os olhos lacrimejando – Eu não quero que o Miguel se envolva nisso! Nunca!

− Eu só estou tentando ajudar, Glorinha – disse Nia convicta – Não quero falar pro Miguel da natureza dele, se for do seu agrado ele nunca vai saber o que é! Não de mim, pelo menos...

− O que você ta insinuando?

− Que você pode esconder o menino do mundo, mas o mundo não se esconderá dele pra sempre! – respondeu. Maria Flor, aproveitando-se da distração das duas, chamou a irmã, com a varinha empunhe, e foi-se na direção que Miguel tomou.

− Eu não quero que aquela louca encontre ele! – respondeu Glorinha, chorosa. Sonia a abraçou, passando segurança.

− Acredite, eu também não quero... – comentou, apertando a amiga – Agora vamos achar ele e depois eu...

− Sonia! – gritou Maria Lua e, finalmente, Sonia percebeu que as meninas tinham sumido. A mocinha mais velha corria da direção onde Miguel havia ido. Nia e Glorinha se olharam e foram correndo até lá.

A pequena Maria Flor estava, confiante, com a varinha da mãe empunhe, apontando para um terrível e deformado palhaço que não era nada humano, afinal, seu corpo se contorcia e despedaçava quando tocado pela varinha, como uma gosma negra. Miguel estava no chão, encolhido em posição fetal e chorando, no seu peito, por baixo da blusa, duas luzes vermelhas piscavam. O palhaço carregava uma enorme ferida no braço, mas algo dizia a todos que não havia sido causada por Maria Flor.

− Filhoo! – gritou Glorinha abraçando o filho e tentando o acalmar. Miguel tremia, estava pálido e borbulhava pela boca. Sonia se aproximou da filha, que até então só afugentava a criatura com o brilho lilás, tomou a varinha e apontou para o palhaço demoníaco:

− Ridikullus! – exclamou. O palhaço, até então demoníaco, se atrofiou magicamente e se tornou um anão engraçadinho. Nia revirou a ponta da varinha e apontou novamente para a criatura – Odeio bicho-papão, felizmente meus dois anos em Hogwarts me ajudaram a me livrar desse – respondeu convicta. O palhaço se assustou, percebendo que todos ali eram maiores que ele, então saiu saltitando para dentro da mata escura e desapareceu na noite.

− Miguel... fala com a mamãe... ta tudo bem? – perguntou Glorinha, alisando o rosto suado e pálido de Miguel – O-o que aquele monstro fez com você, filho? Ele te machucou? – e o menino permaneceu em silêncio, com os olhos vidrados para o escuro do céu. Glorinha olhou de relance para Sonia – Vo-você pode fazer ele esquecer isso, não é? Ele está muito assustado e eu...

− Calma Glorinha, poder eu posso..., mas o medo e o trauma são divergentes da memória.

− Como você sabe que ele tem medo? – questionou Glorinha com uma falsa esperança nos olhos – Foi só um susto... é, um susto! Só isso... Amanhã ele vai estar rindo de palhaços e... – Nia apertou o ombro da amiga.

− Esse é o poder do bicho papão, traumatizar as pessoas com os piores medos. Os lá da Europa já usam o medo que a pessoa tem para lhes causar temor, mas os brasileiros... bem, o prazer deles é causar um trauma ainda inexistente na pessoa que atacam. – respondeu Nia, entristecida. Glorinha chorou, deixando que as lagrimas caíssem sobre o filho.

− Eu disse... esse mundo só causa dor... – ela beija a testa do filho – Desculpa a mama, querido... ela não conseguiu cumprir a promessa de te proteger...

− Mama? – chamou Miguel, desviando o olhar do escuro para a Glorinha. Ela sorriu, pouco aliviada.

− Oi, meu amor, mama ta aqui, não precisa ter medo...

− Estou com fome – ele disse. Sonia sentiu algo de estranho sobre Miguel, ele ainda tinha medo, mas, em vez de buscar por segurança da mãe, preferiu comida. Ela se abaixou e sussurrou para Glorinha:

− Glorinha, tem algo de errado... – comentou – Eu acho que você devia levar o Miguel para um, psicólogo o mais rápido possível...

− Está tudo bem com ele, não vê? – respondeu irritada – Ele só tem fo-fome... – disse. Ela percebeu mesmo que havia algo errado, mas preferiu se enganar. – Fome... ele só tem fome... – e abraçou novamente o seu menino. Miguel, por sua vez, continuou com o olhar distante.

2016

Novamente Maria Flor empunhava sua varinha na direção dos palhaços – só que agora ela sabia o que fazer.

− Afastem-se! – ameaçou a garota, com a ponta da varinha faiscando em azul celeste. Os palhaços recuaram alguns centímetros. Rodrigo pareceu não se importar com a presença dos fantasiados, afinal, não tinha a habilidade de sentir a real intenção deles... ou o trauma de os ter por perto, como Miguel, que se recolhia em posição fetal, encostado na parede. Aquele dia não rendeu ao rapaz apenas a sua Coulrofobia, foi também o início do seu transtorno alimentar, que o fez ganhar muito peso. Especialistas diziam sempre a Glorinha que ele descontava seu medo na comida.

− Calma Maria! – pediu Rodrigo, sorridente – É carnaval! Deve ser o Diego ou o Fernando fantasiados... – argumentou, apontando para o arlequim e para o pierrô. Maria lançou olhares de medo sobre a assustadora colombina.

− E ela? – questionou. Rodrigo arqueou suas sobrancelhas, se aproximou lentamente da fantasiada e removeu vagarosamente a máscara que ela usava. Os dois que ainda estavam de pé gritaram assustados e recuaram, em especial Maria Flor, que via seu rosto refletido na estranha criatura, como se olhasse em um espelho. A única diferença do clone era a flor branca posta sobre a orelha. A flor que ela havia ganhado da Mapinguari.

− Maria Flor, por favor, diz que você tem uma irmã gêmea – suplicou Rodrigo, chacoalhando sua varinha e libertando faíscas vermelhas. A amiga lhe olhou de relance, com os olhos arregalados.

− Eu diria, mas seria mentira – respondeu, assustada. Os palhaços permanecerem inertes. Pareciam esperar serem golpeados. Maria girou a varinha duas vezes e, no ar, apontando para a sua cópia, fez um semicírculo, seguido por reta horizontal – Vade! – exclamou. Da ponta feita de pau-brasil, surgira uma onda de vento azulado e denso, que se foi na direção dos três palhaços e os empurrou para a parede no fundo da sala, levando consigo tudo que tinha pela frente. Rodrigo olhou para Maria surpreso, ponto para perguntar o óbvio. Ela sorriu – Vi na internet. Agora vem! – disse, se abraçando a Miguel e o ajudando a se erguer, o meio elfo fez o mesmo. Enquanto eles fugiam da sala, os três mascarados se recompunham, após a rajada de vento.

Maria assentou-se ao lado de Miguel em um dos bancos do jardim, que estava bastante cheio devido as festividades. O olhar do amigo estava distante, como a anos atrás, seu rosto estava vermelho e ele suava frio. A garota alisou os cabelos do colega e lhe abanou com a mão.

− Calma... ér... Miguel... – disse ela, com um estranho sentimento assolando seus pensamentos – Dejavú... – pensou consigo mesma. Afinal, o feitiço de Sonia não tinha sido tão perfeito assim.

− O que deu nele? – questionou Rodrigo, confuso.

− Não tenho certeza, mas acho que é Coulrofobia – respondeu, observando que Miguel olhava profundamente uma árvore no jardim. Rodrigo esboçou não saber do que se tratava. Maria revirou os olhos – Medo de palhaços – explicou.

− Aaaaaah... – disse – Mas, bem, o que a gente faz agora? Não devíamos levar ele para enfermaria e etc.? – questionou. Maria concordou.

− Vem, me ajuda – exclamou, envolvendo-se no braço de Miguel e o erguendo com a ajuda do amigo. Miguel estava mole como geleia e Rodrigo, curioso, enfiou o nariz na axila do amigo. Maria lhe olhou surpresa.

− Que foi? – questionou, como se fizesse a coisa mais normal do mundo – Ele cheira a erva doce! – explicou-se. Maria deu de ombros e caminhou para a enfermaria na torre principal.

Miguel despertou, após adormecer – ou desmaiar – nos braços de Gioconda. Tudo que ele se lembrava de antes eram os palhaços, Rodrigo comentando sobre seu cheiro e uma estranha visita que teve enquanto estava desfalecido. Ele não sabia se havia sido um sonho, ou realmente tinha acontecia. Naquele exato momento ele estava no estado entre dormir e acordar, tudo que seus olhos, que estavam cegados pela luz, viram foram duas sombras embaçadas, conversando entre si:

− Pobre garoto, não sabe do destino que tem – era uma voz masculina, com sotaque português – Ermengarda.... Você tem certeza sobre o que viu?

− Absoluta – respondeu uma mulher, sua voz não tinha sotaque – Cartas podem mentir, mas quando se lê o futuro nas lágrimas, podes ter certeza que é verdade consumada. Ela está voltando, Eurico. Não poupará ninguém que se opuser a ela.

− Mas porque ela quer tanto o garoto?

− Ele tem muito poder nas veias... Como seus antepassados – comentou, aproximando sua mão do ombro de Miguel e alisando seu braço – Mas esse não é o verdadeiro motivo... Só ela sabe o que quer... – e então tocou a face do infante e suspirou – Durma bem, Miguel, nós vamos te salvaguardar... – e as pálpebras do rapaz pesaram, até ele adormecer novamente.

O despertar de Miguel deu-se com um grito, assustando Regador, a ajudante esverdeada de Gioconda. A criatura assustada liberou outro grito e lançou para o alto a bandeja de remédios que trazia consigo. Rodrigo e Maria, que cochilavam nos bancos de acompanhantes, despertaram e se armaram com as varinhas. Miguel sentou-se na beira da cama e respirou pesadamente após o susto.

− O-o que houve? – perguntou, com lentas pausas para respirar. Maria foi-se até o amigo, pegou a jarra e um copo da cabeceira da cama e serviu para Miguel, que a bebeu em pequenos goles, enquanto ouvia a amiga lhe contando sobre tudo.

− E você acabou desmaiando quando chegamos na sala da Alba, sorte que a Gioconda tava lá e te ajudou... – completou Maria Flor. Miguel já ficava preocupado novamente com os palhaços, enquanto Magnólia lhe servia mais um pouco de água. A criaturinha verde-musgo tremia assustada com o relato, derrubando o líquido sobre o chão da enfermaria – Pode ficar calmo, Miguel, a gente contou para a Alba e ela disse que ia tomar providências – respondeu. Regador suspirou aliviado, diferente do infante.

− Que providências? – questionou.

− Bem, parece que ela chamou os professores e os avisou sobre os palhaços – respondeu Maria Flor, alisando os cabelos de Miguel, que foi ficando cada vez mais sereno e calmo com aquela carícia. – Ah, disse também que vai acionar os Menestréis do Estado − comentou. Miguel sorriu mais confiante e deitou-se novamente.

− É, e em último caso vão reunir a Aliança – disse Carioca, entretido no celular, sentado no banco do lado da cama de Miguel, que enrugou a testa, confuso.

− O que é essa “Aliança” que vocês tanto falam? – questionou confuso. Maria e Rodrigo se entreolharam surpresos, com os olhos arregalados. Até Magnólia se assustou com o fato de Miguel não saber sobre a Aliança.

− Ta brincando, né? – perguntou Maria estupefata.

− Ué, não... – respondeu – Vocês sabem que eu só tive contato com a magia nos últimos meses.... Até ano passado nem sabia que era bruxo.

− Você é um infante, a magia sempre deve ter sido parte de você – respondeu Rodrigo – Se bem que eu te conheci em um portal humano... – ponderou, coçando o queixo, curioso.

− Porque eu nasci humano, oras.

− O que? – perguntou Maria incrédula – Eu pensava que quando você falava isso apenas de brincadeira. Achei que você queria esconder o verdadeiro Miguel e ser outra pessoa na Castelobruxo, afinal muitos fazem isso, o Rodrigo por exemplo – o meio elfo arqueou as sobrancelhas – Você olha para ele e vê quem?

Miguel estranhou.

− Uai, eu vejo ele como, bem... hum... – ele tentou pensar, pensar e pensar, mas, realmente, não fazia muita ideia sobre como era o amigo fora da escola – Bem, eu sei que ele é carioca...

− Fluminense – corrigiu Maria Flor. Miguel coçou a testa, confuso – Quem é você, Miguel? – questionou. Ele olhou para os rostos que o rodeavam, suspirou e respondeu:

− Bem, é, eu nasci em dezoito de junho de dois mil e um.... Tenho quatorze anos e farei quinze daqui a uns meses – disse Miguel, tímido – Minha mãe chama Glória Fonseca Apogeu e meu pai Ângelo Fonseca Apogeu, ela é professora e doceira e ele é pedreiro. Antes eu morava em Fortaleza com minha avó Fátima e... – ele engoliu seco – E aconteceu um acidente com meu pai e a gente se mudou para Belo Horizonte, para a Favela do Tamanco.

− Que acidente? – perguntou Maria. Miguel ficou receoso.

− Alguém atirou uma flecha na perna dele. Acho que algum maluco metido a índio – respondeu – Bem, lá eu cresci e vivi por toda minha vida, engordei, emagrecia e me descobri bruxo.

− Quando? Como? – perguntou Rodrigo. Miguel engoliu seco novamente, lembrando-se do acidente com Foguinho, após a morte de seu cachorro Limo, era esse seu segredo mais doloroso. Ele não sabia se já devia revelar isso aos amigos, que conhecia a menos de duas semanas.

− Foi quando meu cachorro... – ele chegou a começar a revelar, mas se acovardou no último instante −.... Quando meu cachorro ficou muito machucado e eu fiz um feitiço de cura sem saber... – respondeu, querendo que fosse mesmo verdade. Maria sorriu em solidariedade com o amigo e apertou sua mão. Rodrigo apertou o ombro do amigo, também em solidariedade.

− E você nunca, sei lá, percebeu algo mágico vindo de seus pais? – perguntou Rodrigo curioso.

− Não... – respondeu – Pelo que eu sei meus pais são humanos e... você disse Maria, que a magia pode ter pulado a geração deles...

− Sim, pode parecer estranho, mas é bem comum. Meu pai tinha magia e a primeira esposa dele também, mas minha irmã não tem – respondeu convicta. Rodrigo sorriu com malicia.

− Você tem uma irmã, é? – perguntou o meio elfo com segundas e terceiras intenções. Maria revirou os olhos.

− Tenho, a Maria Lua – disse sem ânimo. O amigo não podia pensar em um rabo de saia – Ela estuda em Harvard, tem vinte dois e não é para seu bico. Agora, foque em teorias: Como o Miguel é um infante se os pais são humanos?

− Ele é adotado? – teorizou Rodrigo. Miguel discordou assiduamente.

− Eu sou a cara dos meus pais – disse – Ninguém pode negar que sou filho deles – respondeu com uma veia pulsando na testa – E eu acho que já deu de interrogatório por hoje. Se vocês não se lembram, é a terceira vez que desmaio esses dias e, agora, eu daria tudo para ficar acordado e me divertir um pouco, posso? − Maria e Rodrigo trocaram olhares, deram de ombros e sorriram para o amigo. Miguel saltou da cama da enfermaria e espreguiçou. – E vamos fazer o que hoje?

− Bem, é carnaval – disseram simultaneamente Rodrigo e Maria, eufóricos. Miguel ergueu uma das sobrancelhas e sentiu-se mais vivo que nunca, mesmo após o ocorrido com os palhaços.

− A propósito, por quanto tempo eu dormi?

− Ah, sei lá... o resto da tarde, eu acho. Já são seis e meia – disse Rodrigo, olhando as horas no celular. Miguel forçou uma expressão de surpresa, sorriu novamente e puxou os amigos pelo braço para fora da enfermaria. Regador continuava lá dentro, trabalhando.

− Eu to me achando meio ridículo – comentou Miguel, olhando sua fantasia de Dom Portugal no espelho. Como mandava o costume, usava uma camisa social branca e uma saia rodada xadrez, que ia até seus joelhos, por baixo um short jeans. Rodrigo terminava os últimos ajustes da sua fantasia de época colonial, do tal Demétrius Pavanelli, no banheiro. Diego Fuerte vestia uma roupa larga com uma combinação de cores vivas e Fernando vestia roupas que Miguel enxergava influência gaúcha, levava até chimarrão.

− O cara tinha dois estilos bem definidos: Peladão e com roupas que ganhou de uma dúzia de moças – respondeu Rodrigo, amarrando um lenço vermelho na testa para prender o cabelo. Usava uma roupa em tons pasteis, uma espada fajuta presa a bainha na cintura, um bigode de canetinha que parecia sorrir e botas de couro. – Acho que você prefere usar saia – ponderou sorridente, percebendo o medo de Miguel só em pensar na primeira opção.

− Achei essa saia muito bonita, agradeço a Maria por me emprestar em cima da hora e tudo... nem to me importando em mostrar minhas pernas que, bem, estão iguais a da Jabuticaba, mas a questão é que sinto uma coisa estranha. Sabe, estava bem animado na enfermaria, mas agora to com um pouco de medo – disse Miguel, com o coração apertado. Rodrigo se aproximou e apertou seu ombro.

− Calma cara, a Alba garantiu sua segurança aqui – disse ele, tentando passar segurança. Miguel continuava na mesma e Rodrigo pareceu desapontado consigo mesmo. – Quando a Flor faz parece tão fácil... – disse, lembrando-se da habilidade de Maria em acalmar sentimentos. Miguel sorriu forçadamente e suspirou.

− Vamos?

− Vamo.

E foram-se os dois para fora da torre.

− Segura o tchan... amarre o tchan... – era impossível não reconhecer a voz da menina escarlate, Natasha Bittencourt, “agraciando” a todos com sua tentativa falha de cantar. Como era de se esperar, todos os fantasiados que assistiam a vaiaram, e ela tomou as vaias como aplausos, deixando o palco erguido no pátio xadrez com delicadeza. Apesar do carnaval verdadeiro ser apenas no dia seguinte, nas noites haviam comemorações para os alunos. Ontem fora a festa dos quartos, quintos, sextos e sétimos anos, hoje era a dos primeiros aos terceiros.

A noite começava com um palco aberto para quem quisesse apresentar algum show – Naty deu as honras e foi a primeira. Por toda a extensão do pátio haviam barraquinhas com comida, brincadeiras, blocos e, bem, algumas diversões mais maduras, como Frederico Gaspar e Amélia Britânia que se agarravam a sombra de Isabel Dellila, designada para vigiar os jovens e manter o nível de seus hormônios baixo. Outros professores davam o ar de sua graça por ali, como Betina e Rafael, que competiam em uma daquelas brincadeiras de argolas, Érico Papoula, que se desvencilhou da namorada para atiçar a malicia das garotas terceiranistas, mostrando seus bíceps em uma academia improvisada do lado de fora, e Ícaro, que preferiu ter um papo com a estátua de Dom Pedro.

Miguel chegou animado a festa. Viu alguns amigos pelas multidões, o palco as moscas sem ninguém com coragem de mostrar os próprios talentos e Maria... bem, Maria não estava ali. Pelo menos não no perímetro que seus olhos podiam percorrer. Estranho.

Assim que chegaram, foram recebidos pelos olhares de relance de três homens usando aquilo que se assemelhava a uma burca que só cobria seus rostos. Miguel lembrou-se deles carregando o professor Petrônio no outro dia e seu coração acelerou um pouco. Os homens carregavam consigo cajados adornados com cristais.

− São os Menestréis— disse Rodrigo, observando o olhar assustado de Miguel sobre os homens – Eles são assim, assustadores, mas eles que tão garantindo nossa proteção. Pense neles como a polícia, não precisa ter medo – Miguel riu, pensando ironias.

− Gente que vem da favela tem que ter, e muito, medo de polícia – respondeu irritado. Depois, deu as costas aos Menestréis e voltou novamente sua atenção pelo pátio, onde viu Maria Flor ao longe, na direção do túnel de plantas, que ligava duas torres. Seu rosto estava mal iluminado, mas era ela. Ele esboçou preocupação. – Rodrigo vem – disse, correndo na direção da amiga com o elfo.

Quando eles se aproximaram, Maria Flor correu para dentro do túnel e eles foram atrás. A garota seguiu todo aquele emaranhado de flores do pátio, correu entre as últimas estatuas do perímetro acessível da escola e foi-se para além da lagoa da vitória, atravessou a ponte velha e chegou nas ruínas assustadoras do jardim dos suicidas, onde parou, aguardando os dois rapazes.

Miguel e Rodrigo chegaram em seguida, guiados pelo brilho de suas varinhas, aquela região era muito escura. Maria estava de costas para eles, com os cabelos desgrenhados, arrastando no chão, enquanto permanecia inerte.

− Maria...? – Rodrigo chamou, preocupado. Depois, colocou a mão no ombro da amiga e sentiu uma irradiação de sentimentos terríveis. Ela se virou, com a cabeça meio tombada para o lado e, no rosto, a máscara de colombina. Carioca deu um recuou um passo – Droga – e, quando ambos, assustados, pensaram em fugir, outras duas sombras surgiram ao lado da mascarada. Usando a luz de sua varinha, Rodrigo reconheceu o Arlequim e o Pierrô. Eles se puseram lado a lado da garota e tiraram as máscaras simultaneamente:

 Rodrigo se via naquele que era o Arlequim, assim como Miguel, suando frio, observava o Pierro com sua forma. Estavam prestes a gritar, quando uma forte luz escarlate surgiu a suas costas, se expandindo e cegando momentaneamente a dupla.

− Acalma-te rapaz – uma voz com sotaque ressoou nos ouvidos de ambos. Miguel olhou, assustado, e, por conta da luz não pode ver nada além de uma silhueta. Ele sorriu e teorizou:

− Dom Portugal? – questionou maravilhado, acreditando que era o herói que decidira homenagear. De repente, a silhueta única tornou-se duas.

− Não exatamente – respondeu uma voz feminina suave, como aquela do seu sonho – Agora, afastem-se! – ordenou. Miguel e Rodrigo obedeceram, saltando para o lado.

Fora questão de segundos... assim que os garotos saíram do caminho, vários tiros de energia colorida voaram na direção dos mascarados e os fizeram desaparecer em nuvens negras e densas. A luz escarlate foi cedendo e Miguel finalmente pode ver os rostos daqueles que o ajudaram: Um deles era conhecido por ele, a moça, negra de cabelos volumosos: Dandara e, o homem, com seus olhos amarelos, cabelos louros longos e espada prateada empunhe ainda era desconhecido.

− Dandara? – Rodrigo fora mais rápido e questionou. Ela se abaixou, pegou algo do chão e riu, observando.

− Na verdade não – ela mostrou o que havia pegado: o muiraquitã, que estava na posse do clone de Miguel – Muito prazer, somos Ermengarda e Eurico, e viemos para te salvar, Miguel.

 


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