Perturba-me escrita por Laila Gouveia


Capítulo 6
casacos não impedem calafrios


Notas iniciais do capítulo

Obrigada todos que comentaram. Vocês me deixam animada.
Espero que gostem do cap.



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Jasper e Monty estavam na aula de artes, -minha aula favorita-. Enquanto isso eu estava observando na arquibancada da quadra, algumas líderes de torcida fazerem pirâmide humana.

Fiquei surpresa em ver a garota que eu havia esbarrado na porta do banheiro, aparecer para o primeiro tempo de educação física. Ela vestia um short mais comprido que o meu e das outras garotas, e seu cabelo estava preso num rabo de cavalo volumoso. Depois de entregar um papel para o técnico, ela me viu. Discretamente caminhou, e se juntou a mim na arquibancada.

—Que coincidência. —Falou assim que sentou ao meu lado.

—Com certeza. Você faz aula de educação física comigo? —Perguntei.

—Comecei hoje. O diretor disse que precisava de notas dessa matéria. Digamos que eu não seja muito atlética, então me encaixaram nessa aula toda semana de hoje em diante.

—Interessante.

—Interessante eu não ter escolhido educação física como matéria complementar?

—Não. Interessante nos encontrarmos pela segunda vez no mesmo dia.

—É o que falei: Coincidência. —Ela mostrou sua fileira de dentes perfeitos, abrindo um sorriso bonito demais. O que me fez sentir uma mini inveja. Como conseguia ficar linda mesmo com essas roupas ridículas que somos obrigados a usar? E com o rosto sem maquiagem?... Quer dizer, eu disse mesmo que ela é linda? Ah esquece.

—Você não me disse seu nome.

—Ãn... —Hesitou pensativa. Será que tinha esquecido o nome? Tem como esquecer o nome? —Me chame de Lexa.

—Por que te chamar assim? É seu apelido?

—Não. Esse é meu nome mesmo. É só, Lexa.

—Bom, seja bem-vinda de novo. Eu sou a Clarke... Só, Clarke mesmo. —Ela apertou minha mão rindo e eu não resisti em rir junto.

O técnico apitou.

—Imagino que o apito tenha algum significado. —Lexa disse.

—Todos correndo. Quero 20 voltas na quadra, sem parar. —O técnico gritou fazendo gestos para todos levantarem logo.

—Ele não está falando sério, né? —Lexa me olhava indignada.

—Acredite ou não, 20 voltas é só o começo.

►►►

Depois de 40 minutos correndo e fazendo exercícios aeróbicos, enfim o sinal tocou. Fomos direto para o vestiário feminino. Entrei na ducha, e logo sai enrolada com uma toalha. Lexa estava em frente ao seu armário desviando o olhar e parecendo incomodada enquanto eu me trocava.

—Odeio exercícios físicos. —F­alei passando desodorante.

—Eu também. ­—Ela suspirou. —A professora pega pesado.

—Deveríamos denuncia-la por abuso. —Fiz uma voz ameaçadora e Lexa riu outra vez. Sua risada era tão boa de ouvir, que eu desejei fazer graça sempre que possível.

Terminamos de nos arrumar e saímos do vestiário acompanhando o fluxo de garotas ansiosas para o intervalo.

—O que está achando da escola até agora? —Perguntei.

—Legal.

—Tem certeza? Os alunos aqui são os piores. Que consequentemente são todos os jovens da cidade que não tem dinheiro pra uma escola particular. Ou seja, somos um município deprimente.

—Até agora só conheci você, e... Não te achei nenhum pouco deprimente.

Ela me olhou de uma maneira que fez minhas bochechas corar. Tive que desviar minha atenção para o pátio, e procurar os meninos no meio daquele enxame.

—Quer conhecer meus amigos?

—Claro.

Fui na direção deles quando os encontrei, e pedi que ela me acompanhasse.

Jasper falava incessantemente como de costume. Monty reparou nossa aproximação e ignorou o amigo vindo até mim.

—Adivinha só. —Ele começou com um sorriso maroto. —Nosso amigo aqui, conheceu aquela minha colega da aula de sociologia, e agora o assunto não muda.

—Cala boca. —Jasper interferiu. —Eu só achei ela muito bonita.

—E simpática, e perfeita para você, e dona da boca mais beijável do mundo. —Monty provocava, até Jasper dar um soco em seu ombro. —Aiiii! Eu só estou dizendo o que você tagarelou até agora.

—Ela está por aqui? —Perguntei divertida.

—Bem ali. —O pequeno Green apontou para uma menina bastante pálida, com o cabelo preto e um pouco volumoso.

—Bonita. Qual é o nome dela?

—Maya. —Falou arqueando a sobrancelha.

—Quem é? —Jasper desviou seu olhar para a garota um pouco atrás de mim.

—Ah desculpa. —Olhei para ela e pedi que se aproximasse de nós. —Pessoal, essa é a Lexa. E esses são Monty e Jasper, meus melhores amigos.

—Não tenha medo de dizer que somos irmãos adotivos, Clarke. –Jasper brincou.

—Cruzes. —Fiz uma expressão horrorizada.

—Prazer. —A castanha disse educada.

—Você gosta de Iron Maiden? —Monty faltou dar um grito de empolgação.

—O quê? —Ela o encarou, confusa.

—Sua blusa. —O pequeno apontou.

—Minha blusa? —Lexa olhou para a estampa de sua blusa preta e ficou alguns segundos piscando. —Eu gosto dessa... Iron Maiden. —Repetiu lentamente.  

—É uma das minhas bandas favoritas. —Exaltou.

—Ah sim... É minha favorita.

—Jura? —Ele ficou perto dela animado e começou a falar sobre várias músicas que eu não fazia ideia da existência.

Aproveitei a distração de ambos e fui até o refeitório com Jasper, que também não tinha o menor interesse na conversa. Entramos na fila e seguimos com bandejas escolhendo as opções do dia. Quando terminamos de comer, voltamos para perto dos pilares, onde Monty permanecia sozinho agora.

—Convidei Lexa para ir ao cinema com a gente hoje à noite. —Ele disse.

—Por que fez isso? —Jasper questionou irritado.

—Porque ela contou que ama filmes de terror.

—Não vejo problemas. —Defendi.

—Não fui com a cara dela. —Ele argumentou.

—Ela é aluna nova. Estamos sendo receptivos.

—Você não foi receptiva com o aluno novo da aula de biologia. —O magrelo arqueou a sobrancelha da sua maneira provocadora. Ele era mestre na arte de arquear a sobrancelha.

—Isso é completamente diferente. —Falei estressada.

—Não interessa se seu santo bateu com o dela ou não. —Monty intrometeu-se. —Eu já convidei... E você vai ter que ir pra fazermos a critica depois.

—Ótimo. —Ele bufou. —Estão contra mim. Traíras.

—Deixa de ser bebezão.

—Odeio vocês.

—Se ferrou, porque a gente te ama.

Jasper ficou em silêncio, mas acabou sorrindo. Como sempre.

►►►

Quando cheguei em casa, minha mãe estava dormindo no sofá. Tirei seu sapato, e lhe cobri com uma manta, fiquei observando ela respirar, sim, respirar. O pouco tempo que tínhamos juntas me fazia valorizar sua presença. Desde o trágico dia, meu porto seguro era seu abraço, sua voz, seu carinho...

Ouvi o som de uma buzina e me assustei. Olhei para o relógio na parede, eram 5 da tarde. Caraca! Perdi a noção de tempo enquanto viajava em minha mente, e vagava pelos canais de TV.

 Subi correndo para meu quarto, tirei minha blusa e coloquei uma qualquer. Estava de calça jeans, e não quis troca-la. Desci apressadamente, encontrando minha mãe já de pé.

—Qual a necessidade dele ficar buzinando repetidas vezes? —Ela reclamava, por ter sido acordada.

—Sabe que Jasper é ansioso.

—Ele é um bagunceiro, isso sim.

Peguei minha carteira na mochila e coloquei no bolso da calça.

—Aonde vocês vão?

—Ao cinema. Temos que fazer uma resenha para o jornal da escola.

—Não vou estar em casa. Me liga quando chegar.

—Tá bem. ­­—Dei um beijo em sua bochecha, e abri a porta da frente. —Bom trabalho!

—Divirtam-se. Manda um beijo para eles e fala pro Jasper que vou contrata-lo como despertador.

—Acho que ele aceita o cargo. —Brinquei.

Fechei a porta, e corri.

►►►

Jasper e Monty estavam concentrados no filme. Lexa estava sentada ao meu lado. Dividiu pipoca comigo e ria quando eu fechava os olhos nas cenas de susto. Ela demonstrava timidez, mas nada que algum tempo ao nosso lado não possa curar.

Muitos gritos depois, o filme acabou. Saímos do cinema, e paramos na calçada. O céu já tinha se tingido de um azul muito escuro. Fechei o zíper do casaco para me proteger do frio.

—Obrigada por me convidarem. —Lexa disse. —Nunca tinha vindo ao cinema.

—Nunca? —Perguntei um pouco espantada.

—Não gosto de vir sozinha. —Ela parecia desconfortável com a resposta.

—Pois não precisa mais vir sozinha. Considere-se convidada para uma próxima. —Jasper deu um sorriso falso e me olhou. Sabia o que ele estava querendo dizer: “Que porra é essa Clarke? Chama-la uma vez, tudo bem. Só que ficar convidando as pessoas para se intrometer em nosso trio, já é demais”... Mas a verdade era que mesmo tendo lhe conhecido hoje, gostava dela. Era uma sensação esquisita.

Lexa se despediu e negou carona. Então, seguimos para a casa de Monty. No caminho eles discutiam sobre como o filme tinha sido péssimo. Depois de entregue, o pequeno correu para seu lar, acenando. Fizemos o retorno, e Jasper ligou o rádio. Estava tocando Maps do Marron5. Não foi preciso mais de um segundo para nos entreolhamos. Ele deu um sorriso, e então começamos a cantar completamente desafinados. Aumentei o som, e abri as janelas. As poucas pessoas que andavam nas ruas, nos olhavam.

—Poderíamos montar uma banda. Seriamos os vocalistas. —Jasper falou, enquanto virava o volante, dobrando a esquina.

Paramos na entrada da casa azul da rua, pouco depois das 21:30.

—Você não vai me levar para casa? —Perguntei, tendo total conhecimento de sua resposta.

—Ir até sua casa de dia tudo bem. Mas de noite, nem pensar.

—Pensei que gostasse de casas antigas e nebulosas.

—Nos filmes sim. —Ele balançou a chave do carro em minha cara, peguei o molho sabendo que não adiantaria insistir. —Passe aqui ainda cedo. —Completou.

—Amanhã é sábado.

—Vamos ao Veneno tomar café da manhã. Já combinei com Monty.

—Pode ser depois das nove. —Provoquei.

—Durma bem, Clarke. —Ele ignorou o que eu tinha falado. —Sonhe com... o aluno novo.

—Vai se ferrar.

—Sonhe com os anjos, então.

Ele saiu do carro. Liguei o motor e segui em velocidade normal. Na metade do caminho começou a cair uma chuva fina das poucas nuvens que pairavam na estrada. Tentei encontrar comando dos limpadores de para-brisa.

As luzes do poste começaram a piscar, e fiquei imaginando se uma tempestade estava se aproximando. Senti um calafrio na nuca e os pelos do meu braço se eriçaram. Estava no meu bairro e não havia nenhuma casa. A estrada estava escura, atravessei o cruzamento, descendo a ladeira em direção à minha rua. Meu sexto sentido em alerta no máximo. Perguntei a mim mesma se achava que estava sendo seguida. Não havia faróis no espelho do retrovisor. Nem carros adiante, já que meu bairro era solitário.

Encontrei o comando dos limpadores, mas mesmo na velocidade máxima eles não conseguiam dar conta da chuva forte. De repente ouvi um impacto, antes de registrar um vulto negro deslizando pelo capô do carro. Não soube o que fazer, além de gritar e pisar fundo.

Num segundo de sanidade, -se é que estava sã-, freei o carro e olhei pelo retrovisor. Vi um corpo logo atrás caído na rua. Virei o carro e fui voltando lentamente. Prendendo a respiração tirei o pé do pedal, o carro deu um tranco e parou.

—Meu Deus, eu atropelei uma pessoa... Atropelei uma pessoa! —Só conseguia repetir isso enquanto tremia.

Iria abrir a porta, quando o corpo estirado no asfalto se moveu e calmamente se levantou, fazendo-me travar. Meu coração acelerou. O sujeito estava todo de preto, e usava uma máscara de esquiador. E não parecia estar nem um pouco machucado.

Com extrema destreza e agilidade, ele começou a andar em direção do carro. Levantei o vidro desesperadamente. Próximo á porta, o sujeito deu um soco no vidro, que no instante rachou.

Iniciei uma sessão se gritos apavorados.

A figura do outro lado deu outro soco quebrando o vidro. Dessa vez, o punho atravessou a janela com uma explosão de cacos. A mão tateou meu ombro e segurou em meu pescoço, apertando. Engasguei e tossi.

Nossos olhares se encontraram pelo orifício da máscara e eu consegui enxergar os olhos por trás. Eram os olhos mais cinzentos que eu já vira.

Liguei o carro. Tentei sincronizar as ações de passar a primeira marcha, pisar no acelerador e soltar a embreagem. O motor funcionou, no entanto o carro mais uma vez deu um solavanco e morreu.

Meus sapatos escorregavam nos pedais. Movi minhas mãos sem forças e girei a chave fazendo o motor roncar, enquanto o conta-giros do painel avançava para a zona vermelha. Quando enfim consegui, pisei no acelerador sem pensar e sai cantando os pneus, deixando o corpo cair na rua e desaparecer pela neblina.

Com minhas mãos agarrada ao volante, disparei ainda em adrenalina, então, fiz o que qualquer um faria naquela situação: Comecei a chorar.

 


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Notas finais do capítulo

Se você for leitor novo, e estiver gostando (ou odiando mesmo), aparece, vem falar comigo. Prometo responder.
Amores não sei se vou postar amanhã!
Vou tentar.
bjinhos



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