Perturba-me escrita por Laila Gouveia


Capítulo 32
O.L.H.O.S ○ N.E.G.R.O.S


Notas iniciais do capítulo

Sei que demorei.
Mas não tive como encontrar tempo e disposição nesse fim de semestre.
Agora minhas férias começaram, então, pretendo postar os próximos capítulos com mais frequência.

ANTES QUE COMECEM A LEITURA!!!!!!
Alguns avisos:
— Como podem ver, este POV Blake está gigante mesmo. É quase como um livro.
— Tentei sanar o máximo de duvidas que ainda se instalava sobre o Bell.
— O capítulo será dividido entre trechos do passado (narrado em terceira pessoa) e trechos do presente (narrado em primeira pessoa)
— Mais ao final, não terá trechos do passado.
— Porém, a ultima parte narra uma explicação breve sobre uma morte que vocês tanto querem saber. (Serviu como prévia do que descobriremos na segunda temporada)
— Imaginei o Tyler como o Wick. Lembram? Mas vocês podem imaginar como quiserem.
— Não coloquei muitos detalhes, foram mais resumos de inúmeras cenas.
— Se atentem as datas, ok?

Ahhhh, eu quero agradecer (atrasado) a Bruna por ter recomendado a fic. ♥ Amore, muitooo obrigada! Cada recomendação que recebo me deixa tão feliz, mas essa em questão, deixou-me não só feliz como motivada. (depois de todos os impedimentos para escrever) você deu uma razão maior para seguir com a história.


ESPERO QUE GOSTEM, BOA LEITURA.



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VALE DO LOIRE, FRANÇA.

OUTUBRO DE 1565

Os cabelos escuros do rapaz esvoaçavam ao gélido vento daquela noite.

Como usualmente fazia, ele estava sentado sobre a catedral, observando. Podia ver todo o vilarejo, ver tudo que acontecia ali dentro e um pouco por fora; via a estrada, as grandes árvores e parte do rio.

Ele aguardava para concluir sua missão, mas preferia esperar o momento certo na paz daquele telhado. A pequena vila gerava um silêncio que nenhum outro lugar conseguia. E era exatamente no entardecer que todos escondiam-se em seus pobres casebres, a maioria das pessoas com medo de suas crenças.

Como poderiam se esconder? De fato, estavam certos sobre temerem o que não veem, mas nada os impediriam de ser carregados pelos braços do rapaz. Quando a hora chegasse, um por um teria sua passagem pelo véu eterno. Alguns desceriam, outros subiriam.

Tudo funcionava assim... O rapaz não saberia dizer desde quando fazia isto, e muito menos sua parceira. No entanto, era tão comum a eles, que jamais questionavam o inicio e motivo de seus trabalhos. Apenas sabiam que aquilo era uma causa, um fim, uma certeza para quem ousasse nascer mortal.

Ele teria continuado no mesmo lugar, em total concentração, se uma única presença naquela escura vila não tivesse despertado seu interesse. O rapaz a viu sair das sombras e caminhar pela pouca luminosidade da lua. Pela estrada de terra uma garota com o cabelo fogo andou apressada, parecendo perdida em pensamentos.

Acompanhou-a com o olhar, enquanto ela se afastava. A garota usava um vestido longo que algum dia tivera a cor vibrante, mas que agora, -gasto e bastante usado-, adquirira uma tonalidade verde fosco.

O rapaz dos olhos negros estava pronto para se lançar rumo ao céu e começar a última etapa de sua jornada, para encontrar sua irmã e sua parceira/melhor amiga, mas um instante se passou, depois outro, e ele continuava com os pés no telhado, olhando na direção que a garota tinha ido.

Então começou a segui-la, sem chegar a decidir fazer isso.

Como, se perguntava ele, quando viu o brilho do cabelo vermelho alaranjado dela, uma jovem camponesa estava sozinha na calada da noite? Ela era de uma beleza radiante, graciosa e intensa, embora não tivesse sido isso que o havia intrigado. Todos de sua própria espécie eram bonitos, a tal ponto que a beleza era quase insignificante entre eles. O que, então, o compelia a segui-la, quando devia buscar no colo outra alma e partir para o céu imediatamente? Ele não saberia dizer. Era quase como se um sussurro o impelisse para frente.

Com o olhar decidido, continuou sorrateiro a perseguição, até que não aguentou-se e assobiou para que a ruiva o visse. Quando se virou assustada, a garota esbugalhou os olhos verdes e revelou sardas nas bochechas.

—O que queres? —Ela perguntou grosseira.

O rapaz não respondeu, simplesmente permaneceu calado e observador.

 

COLDWATER, ESTADOS UNIDOS.

FEVEREIRO DE 2009

Eu estava achando admirável a habilidade daquele dia de conseguir ficar cada vez mais estranho. Para começar, acordei com uma dor de cabeça desgraçada ao lado de uma completa desconhecida, no chão do meu quarto desorganizado. Levei alguns minutos para raciocinar que a morena que dormia quase trepada em cima de mim era uma prostituta.

Ouvi o rangido da porta principal, deveria ser Raven chegando ao apartamento. Empurrei a mulher para o lado, -sem muito cuidado, fazendo-a acordar-, e a encarei o suficiente para que sua expressão confusa e sonolenta, mudasse para “Vou cair fora daqui.”.

A morena com toda certeza era uma profissional, até porque nunca vi alguém se trocar tão rápido. Até eu que dominava esta arte de sumir, fiquei admirado com sua capacidade. Ela pensou em cobrar por seus serviços, mas a segunda encarada lhe fez correr dali como uma fugitiva. E nem mesmo havia sido eu quem a encarou, e sim a segunda morena que parou no batente da porta do quarto, e fuzilou-nos por conta da cena explicita.

—Ela deve estar pensando que eu sou sua esposa. —Reyes comentou, se jogando na cama vazia, após a outra ter saído correndo.

—Você flagrou minha traição, e ela não quis pagar o pato. —Levantei do chão enrolado com o lençol, e deitei ao seu lado, no espaço livre do colchão.

—Precisava ter abandonado a galera na festa, pra ficar caído neste chão frio com aquelazinha?

Eu sabia o que ela estava querendo dizer... Sexo casual não me satisfazia, e nenhuma mulher conseguiria me deixar remotamente extasiado. Aliás, nem mesmo os porres estavam conseguindo me acalmar como costumavam fazer.

Nada poderia me dar prazer e paz. E era exatamente isto que estava enlouquecendo-me, dia após dia, sem ter nada para fazer além de rondar os mesmos lugares. Mas eu sabia que não era o único, já que Raven aparentava estar pior. Bem pior!

—Vocês estavam enchendo o saco... Enquanto “aquelazinha” tinha algo melhor pra me mostrar.

—Que nojo! —Ela colocou a língua para fora com o intuito de afirmar seu descontentamento com minha escolha.

—Nojo é você se embebedando, enquanto o Tyler fica fingindo estar bêbado apenas para que tenham desculpas depois.

—E nós dois estaríamos arrumando desculpas com o álcool pra quê?

—Talvez porque vocês ficam se agarrando pelos cantos das festas. Will e Rixon criam várias piadas com isso, e os Ted não precisam nem se pronunciar pra mostrarem que essa novelinha já cansou.

—Vocês só podem estar alucinando! Acha que eu e aquele quatro olhos estamos nos agarrando? Urgh!!! Cada ideia maluca.

—Então... a língua dele entrando na sua garganta foi alucinação?

—Obvio que vocês usaram drogas bem pesadas.

O revirar de olhos foi prova suficiente para que eu soubesse que tinha conseguido irritá-la. Os cantos de minha boca se curvaram em um sorriso. Mesmo depois de tantos anos de amizade, Raven ainda caia nas provocações, e isso nunca me cansava.

—Poderíamos ir ao fliperama. —Ela sussurrou soturno.

—Gastar nosso infinito tempo. —Rebati, obrigando meu corpo cansado levantar.

—Poderíamos apostar.

—Hoje não!  —Recolhi minhas roupas jogadas na cadeira, vestindo-as sem me importar com a presença dela no quarto.

—Aonde você vai? —Perguntou, sentando na cama e encarando-me.

—Resolver algumas coisas... —Coloquei minha jaqueta sob o ombro.

—Você vai procurar aquele livro ridículo de novo?

—Suas definições para qualquer coisa que lhe desagrade são bastante educadas.

—Como se educação fizesse parte de nossas vidas.

—Que vida, Raven? Que vida?

—Ei, essa frase é minha. —Ela jogou o travesseiro, que só não me atingiu porque eu já havia saído até o corredor.

Desci a escada do prédio, pois nunca tive paciência para elevadores, e liguei a moto no estacionamento, ouvindo o rancor do motor pulsante causar um agradável som aos meus ouvidos.

Uma chuva de fagulhas e faíscas vindas da serralharia foi meu destino. Cumprimentei o funcionário que apenas respondeu com um gesto de cabeça, voltando sua atenção para a serra em mãos.

Adentrei o local em direção dos fundos; não era preciso pedir permissão. O homem alto e esquelético estava ocupado falando ao celular. Ele me olhou de soslaio, enquanto eu sentei na poltrona rasgada do galpão. Exatos dez minutos se passaram até ele encerrar a ligação, e vir ao meu encontro.

—Você trouxe meu dinheiro? —Perguntou direto.

—Você trouxe o que eu pedi?

—Eu tenho o endereço, decaído. Me dê a grana!

—Até parece que nunca negociamos antes. Acha mesmo que eu vou ficar devendo?

—Não confio em sua espécie.

—Quem não deveria confiar aqui sou eu. A informação que me deu há cem anos atrás não resultou em nada! Tive de procura-lo sozinho, às cegas.

—O que você me pediu é quase impossível. Só porque ele é filho mestiço do meu chefe não significa que posso dizer exatamente onde deve estar. Obviamente o bastardo descobriu que você estava negociando comigo, e fugiu.

—E mesmo assim... eu voltei aqui negociar novamente. Devo receber um desconto, não acha?

—Olha bem pra mim, decaído. Tenho cara de que dou descontos?

Segurei-me para não rir, aquela tripa ambulante tinha cara de que morreria a qualquer momento.

—Como posso saber se o endereço está certo?

—O que você me pediu dessa vez é fácil demais. Só precisei burlar algumas leis do submundo, e barganhar com o guardião. —Ele esticou a mão, pedindo silenciosamente um cigarro do maço que eu carregava. —A diferença da minha espécie para a sua, é que podemos voltar ao lar à hora que desejarmos.

—Voltar ao lar? —Soltei a risada que eu estava prendendo desde que chegara. —E como foi voltar para junto à prole do diabo? Como está lúcifer? —Quis soar zombeteiro, mas o magrelo considerou as perguntas com sinceridade.

—Tendo problemas com seus filhos. Aqueles mimados acham que são superiores aos outros demônios. —Respondeu.

Entreguei o cigarro com indiferença. Tragamos em sincronia, enquanto ele continuava me encarando. Não pensei duas vezes em jogar o pacote com dinheiro em seu colo, não queria enrolar mais e permanecer neste lugar fedido. Eu sabia que seres como ele deliciavam-se com o dinheiro, pois era o único poder que tinham aqui na terra.

—Diga logo! —Ordenei.

—O livro esta na África. Pertence a tribo Hamer, no distrito de Bena Woreda do rio Omo Valley da Etiópia sudoeste. —Ele contava as notas de dólares, empolgado. —Se chegar lá, vai ter as respostas que tanto quer.

Joguei o cigarro aceso no chão sujo, e o outro não pareceu se importar. Levantei rapidamente, e repeti mentalmente o endereço. Se ele estivesse certo, em breve eu teria o Livro de Enoque em mãos. O que significaria que depois de séculos suportando minha maldição sem asas, enfim eu poderia ter uma escolha.

E eu não erraria dessa vez!

☼ ☼ ☼ ☼

Voltei em toda velocidade ao apartamento, estava decidido a comprar passagens de avião ainda hoje. Minha pressa deixou-me ansioso, enquanto aguardava a porcaria do semáforo abrir. Pra piorar eu tive que ficar parado no trânsito, justamente em frente de uma escola barulhenta, -aparentemente aqueles adolescentes irritantes estavam de saída, o que deixava o fluxo de carros e motos maior.

Humanidade... aquela qualidade de benevolência a partir da qual, sem ironia, eu gostava de ver, mas que diante de multidões me deixava tenso. Abri a viseira do capacete procurando um atalho por ali, mas nada indicava que era possível atravessar. Então, foi quando alguém deixou-me desnorteado, fazendo-me esquecer que tinha mais humanos ali.

Parecia filme, ou melhor, reboot. Lembranças vieram à tona, e eu não saberia dizer se fiquei confortável... Em meio aos vários jovens, uma garota loira saiu por aqueles portões, havia uma expressão de melancolia desprotegida em seu rosto pálido e bonito, -como se ela estivesse perdida, ou emburrada. A luz do dia não agia sobre ela como os demais, o ar parecia se reunir em volta dela como uma respiração suspensa. Como se todo aquele lugar fosse uma história sobre ela.

Eu devia ter ido embora assim que o sinal ficou verde, no entanto, não consegui. Quis me certificar de que ela existia, que não evaporaria, que não era sonho. Fiquei hipnotizado no meio da rua, observando minuciosamente a garota que parecia uma cópia do meu turbulento passado.

 

VALE DO LOIRE, FRANÇA.

NOVEMBRO DE 1565

Do alto, telhados vermelhos se projetam sobre um rio escuro como se abraçassem suas marolas, e à noite as colinas cobertas de florestas pareciam imensos vazios negros contra o deslumbramento das torres, e o castelo do duque. O rio se apossava das luzes e as devolviam, longas e oscilantes, e a chuva que o vento espalha fazia tudo ficar desfocado como num sonho.

Com a paciência infinita de alguém que tinha aprendido a se dilacerar, o rapaz dos olhos negros esperava pela volta dela. Sabia que o que vinha fazendo há exato um mês era, -diante de todas as crenças e princípios-, um imperdoável pecado, mas que ele não conseguia se desfazer ou simplesmente parar.

Aqueles cabelos ruivos e aqueles olhos verdes deixavam-no perdido, culpado. O rapaz pedia todos os dias para que sua parceira encobrisse suas missões, e mesmo contra gosto, ela aceitava. Isto, de certa forma, dava tempo suficiente para que ele voltasse escondido à terra, e vivesse secretamente um romance avassalador com a camponesa arrogante.

Desde a noite que viu a garota sozinha pelos campos, e conversaram durante e enquanto ele acompanhava-a até em casa, o caso tinha ficado intenso. Ou pelo menos, para o rapaz, sim...

Marcavam encontros nas colinas, e era exatamente neste instante que haviam combinado. Não demorou para que a moça chegasse, sua expressão revelava certo incomodo, mas para ele, aquilo era somente indícios do cansaço consequente depois da subida íngreme.

O vilarejo ficava imenso e absolutamente deserto ali, então não demorou pros beijos do casal ficarem mais herméticos e os movimentos dos corpos mais coordenados. Em minutos transformaram aquele lugar em um universo privado, e, tomando a grama e a terra como quatro paredes, entraram telepaticamente em harmonia.

Não pensava se estava sendo observado, flagrado por seus guias, ou próximo de punições condizentes... o rapaz apenas desejava tê-la em seus braços. E mesmo sabendo que aquela palavra: Desejo, fosse um erro de tamanhas proporções, pela primeira vez não ligava. Ele estava tomado por atitudes mundanas, recheado de momentos além do seu comum, banhado por aquela vista, aquelas sardas.

Nunca pôde senti-la, mas apenas por estar com ela já era suficiente. Porém, assim que a garota encerrou o beijo, as palavras seguintes fizeram-no conhecer a surpresa, de uma maneira não tão agradável quanto imaginava.

—Não posso mais. —Ela ajeitou as mangas do vestido.

—Podemos apenas conversar, se for de vosso desejo. —Ele desculpou-se, educado.

—Não! Devemos parar com nossos encontros para sempre.

O rapaz levou alguns instantes para processar a natureza daquela afirmação feita de repente. Todavia, ao entender o que ela queria dizer, pensou o mais rápido possível em um argumento que a convencesse do contrário. 

—Estou noiva.  —Ela disparou antes mesmo que ele entoasse uma sílaba.

Foi como um pesadelo, -embora o tal rapaz nunca tivesse descansado para conhecer sonhos ruins-. Dentre os vários acontecimentos que presenciara ao longo da história, entre guerras e carnificina, ouvir que a garota por quem ele quebrara todas as regras estava prometida aos braços de outro, foi pior. Horrivelmente pior.

—Um primo distante veio nos visitar, e acabou pedindo minha mão em casamento... Não pude negar. Uma mulher nunca deve recusar a chance de cessar os gastos de seus pais com ela. Principalmente quando existe outras três mais novas que também não possuem direitos sobre a casa.

—Não podes fazer isto comigo.

—Ninguém soube de nossos encontros. E jamais saberão.

—Fiz muitos sacrifícios para estar com vós.

—Perdoe-me meu belo anjo... Vosso zelo deixou-me feliz por estas semanas, mas chegou a hora de colocarmos um fim neste relacionamento impossível.

—Como impossível? Eu estou aqui, não estou?

—Vós não pertences ao meu mundo. Não pensastes que continuaríamos por longos anos fingindo isto, pensastes? Preciso de um homem que proporcione bens materiais, segurança, certeza! Meu primo podes não possuir vossa beleza, mas ele é tudo que me foi ofertado.

A garota havia terminado o que viera fazer, e não hesitou em olhá-lo por muito tempo. A resposta que o moreno possuía para aquele impasse, até uns dias atrás, ou até mesmo minutos, era algo impensável para ele e, talvez, até mesmo suicídio. No entanto, quando ele começou a falar, tomando as mãos da ruiva entre as suas, soou algo tão natural... mesmo o peso das palavras significarem que o céu não seria mais um lugar para retornar.

—Dei-me tempo. Posso não ser humano, mas sei como me tornar um. Se garantir que ficarás comigo, eu prometo que farei de vós minha esposa.

—Meus pais não aceitarão alguém...

—Seus pais aceitariam um cavalheiro rico? —Ele a interrompeu.

—Acredito que sim. —Ela o olhou confusa.

—Então me encontraste nesse mesmo local, neste mesmo horário, daqui a quatro dias. Vós não vos arrependereis em esperar por mim.

Dito isso, o rapaz simplesmente a deixou. Ele esperou que a distância entre ambos estivesse em suficiente espaço para que pudesse levantar voo, já que deveria aproveitar o curto período que ganhara enquanto ainda tivesse as asas presa em seu corpo. Saberia que se fosse adiante, o caminho e o curso do seu futuro se alterariam drasticamente, e que esta escolha resultaria no adeus definitivo de anjos que ele não queria se afastar.

Entretanto, o rapaz dos olhos negros estava cego por algo que ele não reconhecia e que, possivelmente, jamais poderia definir. Aquela vontade que o limitava a ficar perto da garota e somente dela, e que talvez naquele momento pudesse ser entendido como imã ou ligação divina.

A proposta que fizera não fora vazia, ele, de fato, tinha em mente uma forma de dar a ela o que almejava, e consequentemente daria a si mesmo o que desejou desde o instante que visualizou aquela figura perfeita entre passos ansiosos no sujo barro caótico. Aquilo era um bem que estava prestes a fazer... Ou pelo menos foi assim que imaginou.

 

COLDWATER, ESTADOS UNIDOS.

MARÇO DE 2009

Ela dançava. Seus longos cabelos loiros jogados de um lado para o outro, adquiriram uma ondulação. Ela estava usando uma saia comprida branca, e um top da mesma cor. Seu quadril se movia, seu corpo rebolava no ritmo da música. O salão era espaçoso, o que lhe deixava girar livremente pelo local. Sorria enquanto seguia a coreografia, o brilho em seus olhos indicava o quanto realmente ela amava dançar.

De repente um barulho irritante me fez sair daquele entorpecimento, e finalmente notar que ela não era a única na aula de dança. Garotas de todos os tipos começaram a sobrepor suas vozes contra a melodia, e uma velha magrela caminhou até o grupo, desnecessariamente nas pontas dos pés.

—Meninas, silencio por favor! —A velha feiosa sinalizou com as mãos, fazendo-as cessar o bate-papo. —O ensaio de hoje foi maravilhoso. Quero parabeniza-las por seus esforços em manter nosso espetáculo no mais perfeito profissionalismo.

Ladainha! Não fiquei para ouvir o resto.

Desci as escadas de emergência que ficavam fixas na parte de fora do estúdio, e me precavi para que ninguém pudesse notar minha espionagem ridícula. Droga! Eu estou ficando louco. Sempre me recusei a fazer algo parecido, e agora estava ali, observando pela milésima vez aquela garota intrigante.

Raven havia descoberto sobre minha viagem para o outro continente, e estava duvidando das minhas mentiras. Ela vinha pressionando com o intuito de fazer-me contar se eu tinha achado o livro, mas não queria dizer que não só havia encontrado, como já li e reli cada página.

A única forma de conseguir o que queria era difícil o suficiente para que eu desistisse. Tornar-me humano decepcionaria as duas mulheres que tiveram ao meu lado antes de tudo isso. Considerando que Raven também esteve ao meu lado durante este inferno preso na terra, era quase uma escolha e vontade ingrata. Eu sabia que precisava matar meu vassalo, sabia que jamais o acharia, e sabia que Reyes se sentiria abandonada por não poder tornar-se igualmente mortal.

No entanto, isto era o que menos importava no momento. O problema maior foi ter olhado para aquela escola, foi ter enxergado novamente o rosto que por séculos pensei, foi ter me deparado com a mulher dos meus erros e notar que não era ela.

Mesmo com o livro e a resposta em mãos, sentia que faltava algo, mas não sabia o que. Na maior parte do tempo não parava de pensar na coincidência assustadora, e na outra parte do tempo pensava em quem seria ela e como vivia. Comecei a acordar no meio da noite, suado, atormentado por sonhos com essa desconhecida, como se fosse parte de outra vida.

Para cessar de uma vez por todas esse tormento, decidi investiga-la ao longe. E isto deveria ter acabado no segundo que descobri seu nome, seus hobbies... mas não consegui. Continuei desesperadamente, como um viciado, a vigiar e frequentar todos os lugares de seu cotidiano.

Encostei-me a minha moto e segurei o capacete. Pude ouvir o som das meninas descendo. Algumas iam embora a pé, outras com os pais, mas somente ela esperou na guia da calçada. Clarke..., -seu nome estranhamente ideal-, gargalhou sozinha e eu sorri automaticamente, mais por sua risada, que eu não tinha prestado atenção antes e que era extremamente contagiante.

Ela não pareceu notar minha presença. Na verdade, ela não tinha percebido em nenhuma das outras vezes que eu estive perto. Quando um carro estacionou e a porta foi aberta, o som que até então estava abafado, invadiu a rua inteira fazendo-me tapar os ouvidos.

Porra! Tinha que ser aqueles dois esquisitos que ela insistia em andar junto. Os moleques possui a mania irritante de ouvir músicas no qual o cantor só sabe gritar, e, aparentemente, Clarke não se importa. Pra ser mais preciso, ela gosta mesmo de estar com eles. Parece que nada no mundo proporcione tanta felicidade a ela, do que quando está ocupando o tempo com esses dois. A não ser o pai. Acho que ele é o único que pode deixa-la mais alegre...

Talvez eu nunca tenha visto uma garota que goste tanto do sexo oposto, e que não esteja envolvida em outros aspectos.

Afinal, o que tem ela? O que tem ela além de semelhança física? O que?

Estou fazendo de tudo. Encho meus pulmões com nicotina, peço uísques duplos, flerto com o máximo de mulheres possível, mas não consigo parar.

Há tempos não ficava assim.

 

VALE DO LOIRE, FRANÇA.

DEZEMBRO DE 1565

Chauncey Griffin estava com a filha de um lavrador na relva às margens do rio Loire quando a tempestade se aproximou. Por ter deixado sua montaria perambular pela campina, ele não tinha opção a não ser voltar para o castelo com os próprios pés. Arrancou uma fivela de prata do sapato, colocou-a na palma da mão da moça e observou enquanto ela se afastava correndo, a barra das saias imunda de barro. Em seguida, calçou as botas e partiu para casa.

A chuva desabava pelos campos cada vez mais escuros nos arredores do Château de Langeais. Ele caminhava com segurança sobre os túmulos afundados e as folhas podres do cemitério. Mesmo na neblina mais espessa ele conseguia achar o caminho de volta, e não tinha medo de se perder. Não havia neblina naquela noite, mas a escuridão e a crueldade da chuva já criavam dificuldades suficientes.

Chauncey captou um movimento com o canto do olho e voltou bruscamente a cabeça para a esquerda. O que à primeira vista parecera ser uma enorme estátua coroando uma sepultura próxima ergueu-se majestosamente. Não era feita nem de pedra, nem de mármore. O homem tinha braços e pernas. O peito estava despido, os pés descalços, e calças de camponês pendiam abaixo da cintura. Ele desceu da lápide com as pontas dos cabelos negros encharcados pela chuva pingando. As gotas desciam por seu rosto, que era tão moreno quanto o de um espanhol.

A mão de Chauncey dirigiu-se ao punho da espada.

— Quem está aí? — A boca do jovem esboçou um sorriso. — Não brinqueis com o duque de Langeais — avisou Chauncey. — Perguntei seu nome. Dizei-o.

— Duque? — O rapaz apoiou-se no tronco sinuoso de um salgueiro. — Ou bastardo?

Chauncey desembainhou a espada.

— Retirai o que dissestes! Meu pai foi o duque de Langeais. Eu agora sou o duque de Langeais — acrescentou, amaldiçoando-se pela maneira desajeitada como dizia aquilo.

O jovem sacudiu a cabeça devagar.

— Vosso pai não era o velho duque.

Chauncey enfureceu-se diante de um insulto tão ultrajante.

— Quem sois vós? — questionou, estendendo a espada. Guardaria na memória o sobrenome do rapaz. — Vou perguntar mais uma vez — disse em voz baixa, passando a mão no rosto para tirar a água da chuva. — Quem sois vós?

O jovem aproximou-se e afastou a lâmina para o lado. Subitamente, parecia mais velho do que Chauncey supunha, talvez até mesmo um ou dois anos mais velho que ele próprio.

— Pertenço ao inferno, assim como vós. — respondeu.

Chauncey sentiu uma onda de medo invadi-lo.

— Vós sois completamente lunático — disse entre dentes. — Saí de meu caminho.

O chão cedeu sob os pés de Chauncey. Chamas douradas e vermelhas apareceram diante de seus olhos. Encurvado, com as unhas fincadas nas coxas, ele elevou o olhar para observar o garoto, piscando e arfando, esforçando-se em compreender o que se passava. Sua mente vacilava como se não estivesse mais sob seu controle.

O rapaz agachou-se para que seus olhos ficassem na mesma altura dos de Chauncey.

— Escutai com atenção. Preciso de um favor vosso. Não partirei até consegui-lo. Vós me compreendeis?

Rangendo os dentes, Chauncey sacudiu a cabeça para exprimir descrença, e desafiou. Tentou cuspir no jovem, mas a saliva escorreu pelo queixo. A língua recusava-se a obedecer-lhe.

O jovem envolveu as mãos de Chauncey nas suas. O calor era causticante e o duque soltou um grito.

— Preciso de vosso juramento de fidelidade — disse. — Ajoelhai e jurai ser meu servo.

Chauncey quis soltar uma gargalhada grosseira, mas sua garganta se fechou e o som foi sufocado. O joelho direito dobrou-se como se tivesse recebido um chute por trás, mas não havia mais ninguém ali. Ele desabou na lama. Virou-se de lado e vomitou.

— Jurai — repetiu o rapaz.

O calor queimava o pescoço de Chauncey. Ele precisou de toda a sua energia para cerrar levemente os punhos. Riu de si mesmo, mas não havia graça. Não sabia como era possível, mas a náusea e a fraqueza que o dominavam provinham do jovem. Não se livraria daquilo se não prestasse o juramento. Ele diria o que precisava dizer, mas jurou no fundo de seu coração destruir o jovem para se vingar da humilhação.

— Senhor, torno-me vosso servo — disse Chauncey, malignamente.

O rapaz pôs Chauncey de pé.

— O início do mês hebreu do Cheshvan será amanhã. Precisarei de vossos serviços durante um mês entre a lua nova e a lua cheia, pela eternidade.

— Não podes! — O corpo inteiro de Chauncey tremia sob peso de sua ira. — Sou o duque de Langeais!

— Vós sois um nefilim — disse o rapaz com um meio sorriso.

O jovem tinha um xingamento na ponta da língua, mas o engoliu. As palavras seguintes foram pronunciadas com fria perversidade:

— O que acabastes de dizer?

— Vós pertenceis à raça bíblica nefilim. Vosso verdadeiro pai foi um anjo expulso do céu. Metade de vosso sangue é mortal — os olhos escuros do rapaz se ergueram, encontrando os de Chauncey —, metade é de demônio.

Das profundezas de sua mente, o jovem voltou a ouvir a voz de seu tutor, lendo trechos da Bíblia que falavam de uma raça degenerada, fruto da união carnal do diabo e mulheres mortais. Uma raça temível e poderosa.

Um arrepio que não era inteiramente de repulsa atravessou Chauncey.

— Quem sois vós?

O rapaz se virou e começou a se afastar. Embora Chauncey quisesse segui-lo, não conseguiu obrigar as pernas a aguentar o próprio peso. Ajoelhado ali, com os olhos fustigados pela chuva, viu duas cicatrizes largas nas costas nuas do jovem. Elas se aproximavam, formando um V de cabeça para baixo.

— Vós sois... caído? — perguntou. — Tivestes as asas arrancadas, não?

O rapaz, anjo, seja lá quem fosse, não se virou. Chauncey não precisava de uma confirmação.

— O serviço que vos devo prestar — gritou —, exijo saber do que se trata!

O riso grave do jovem ecoou pelo ar, ele, decerto, não responderia.

 

COLDWATER, ESTADOS UNIDOS.

ABRIL DE 2009

Deveria ser por volta da meia noite quando reapareci na janela de seu quarto. Observei-a dormir. Os lábios dela estavam delicadamente separados, as duas mãos curvadas de forma infantil sob uma bochecha, a respiração profunda. Ela é inocente, eu teria dito. Adormecida, parecia mesmo. Será que é?

Sentei na janela, controlando-me para não entrar e me aproximar. Podia perceber os seus olhos inchados pelo choro compulsivo e recorrente. Seu rosto desesperado há semanas atrás, enquanto recebia a notícia da morte, enquanto se encolhia achando que era um pesadelo, tão frágil... A lembrança me castigava.

Notei que caído no chão, tinha um caderno aberto, -parecia jogado intencionalmente. Peguei-o na tentativa de fazer o menor barulho possível.

Clarke era uma verdadeira artista. O lago na minha frente estava retratado com perfeição; cada ondulação, cada reflexo das árvores... Idêntico ao real. Folheando-o calmamente, encontrei inúmeras paisagens, dúzias de criaturas, e caricaturas bizarras dos professores, mas o que me fixou foi um par de olhos. A expressão neles era hipnotizante, parte determinada, parte observadora, -prontos para causarem encrenca. Cílio por cílio, detalhes das íris escuras esfumaçados com precisão, com uma técnica invejável.

Ali, perto o suficiente para que eu pudesse ter certeza, meus olhos nunca estiveram tão vidrados num desenho. E minha cabeça, nunca tão confusa... Gotas vermelhas cobriam algumas páginas, e isto me fez ter certeza de que ela estava se machucando.

 

VALE DO LOIRE, FRANÇA.

DEZEMBRO DE 1565

A garota ruiva da pele de veludo estava entediada, como sempre ficava na maior parte de seu tempo. Sentada na grama do alto da colina, ela pensava em quais seriam suas primeiras atitudes como esposa de alguém. Quantos vestidos novos poderia comprar, ou talvez joias. Embora soubesse que pouco disto aconteceria, já que seu pretendente não possuía nada além de uma pequena terra e propriedade.

Estava prestes a se lamentar em voz alta, quando passos pesados lhe chamou atenção. De primeira, não foi possível enxergar com nitidez o que se aproximava, mas, bastou o sujeito parar a poucos metros dela para que a pouca luz distante das velas acesas na vila irradiassem uma figura calma que a encarava; os olhos mel, quase amarelo, contornados de preto. Isso provocou um choque na garota –não um mero sobressalto, mas uma reação em cadeia que fustigou seu corpo com um afluxo de adrenalina. Os membros dela descobriram a leveza e o poder do súbito despertar, algo extasiante, selvagem e atrativo.

Quando ia perguntar quem era aquele belo homem, um pequeno detalhe na roupa de alta costura lhe obrigou a colocar a mão em frente à boca. Ela reconheceu sem duvida alguma.

—Duque? —A constatação escapuliu automaticamente.

—Senhorita. —Ele curvou-se em uma reverencia galanteadora.

A garota ruiva ficou perplexa por minutos, ela piscava incessantemente diante dos olhos atentos do homem que ela jamais ousou cruzar o caminho. Aliás, nenhum outro camponês teve a audácia desta deselegância.

—Creio que a senhorita esteja expectando alguém. —Ele quebrou o silêncio.

—Ora, não! De forma alguma... Estou sozinha.

O sorriso curvado do belo jovem se desfez. Ele não gostou da resposta rápida que ela dera.

—Tens convicção disto? —Questionou.

Então, mais um passo deixou-lhes perto o suficiente para que a camponesa prendesse a respiração.

—S-sim. —O rubor em sua bochecha fora inevitável.

—Vós sois bela como o sol, formosa como a lua e linda como as estrelas.

Aquele elogio surtiu como dúvida maior ainda em sua mente, pois somente um homem dizia estas palavras. Ela já ouvira a frase por muitas vezes durante aquele mês em especifico, afinal, era ali que tinham combinado o reencontro. Não podia ser aquele quem ela imaginava, e isso a fez perguntar novamente, para se certificar.

—Duque?

—Prefiro que me chame de anjo.

O sorriso seguinte formado no rosto do grandioso Langeais, deu a moça a certeza de quem habitava o corpo em sua frente.

 

COLDWATER, ESTADOS UNIDOS.

AGOSTO DE 2009

—Como se sente?

—Da mesma forma.

—Ainda deseja causar dor a si mesma?

—A dor nunca vai embora.

—Está com medo de que ela vá embora?

—Sei que não vai.

—Por que as pessoas depois de machucadas são avessas à felicidade?

—Ninguém gosta de se machucar, de perder a pessoa mais importante da sua vida... Quando somos pequenos gostamos de cair de bicicleta e ter os joelhos ralados? Eu nunca gostei, nunca vou gostar de me sentir assim.

—Mas isso não me privou de deixar de andar de bicicleta. E você?

—Mesmo com todas as caídas?

—Acho que elas servem de aprendizados, não?

—Acho que sim, mas ainda não estou pronta para cair novamente. Não depois do pior tombo que levei.

—Como se você tivesse que estar pronta para subir na bicicleta...

—Bom, tecnicamente eu tinha!

—Mas não falam que a coisa que a gente nunca esquece é de como andar de bicicleta? Você sobe nela, e pedala. Não tem muito esforço, basta querer.

—Não sei aonde você quer chegar. Por que estamos nesse assunto, doutor? Pensei que estivéssemos falando do meu pai.

Parei de ser ouvinte daquela conversa profunda que Clarke estava tendo com seu psicólogo. Eu tinha prometido a mim mesmo que não continuaria vendo-a frequentemente, que deixaria pra lá toda essa história estúpida de “eu a conheço de algum lugar”. No entanto, encontra-la daquela forma em seu quarto me fez ficar angustiado. Tão angustiado que não resisti em anunciar discretamente, -por meio de telepatia-, a sua mãe. Quis que ela visse a situação de Clarke, e que mesmo coberta de seus próprios problemas, pudesse notar a quantidade de cicatrizes que o pulso de sua filha ganhara.

Minha atitude gerou a internação dela. No primeiro mês, fiquei preocupado com o quão longe as coisas estavam indo, porém, passado alguns dias que ela permanecia sob cuidados, comecei me dar conta de que, na verdade, quem deveria estar numa clinica psiquiátrica era eu.

Com toda certeza, eu!

Até porque, nunca fiz algo do tipo. Nunca me importei com alguém. Nunca assisti cada passo de uma mulher como se fosse uma novela. Era tudo, realmente, novo para mim.

☼ ☼ ☼ ☼

Optei por entrar no fliperama. Os mesmos jogadores de sempre estavam no piso inferior, e eu me intrometi na partida. Seria um ótimo jeito de ignorar os acontecimentos atuais, focar em algo, distrair.

Acabou que meu plano não deu certo, assim que Raven apareceu contando vitória sobre a noite passada. Ela queria saber onde estive, e eu não encontrei outra saída, senão mentir, -até porque se contasse a verdade, ela surtaria com meu vicio suspeito.

Depois, convencida de que eu não revelaria o que desejava, ela decidiu continuar se gabando da surra que deu no homem que tentou se aproveitar enquanto esteve bêbada. Aquela informação me preocupou. Não gostava do como ela deixava sua tristeza abalá-la. O vicio no qual ela se encontrava era pior que o meu, sem dúvidas nenhuma. E isso, resultou em uma bronca da minha parte, o que a fez atingir seu nível naturalmente nervoso e me deixar falando sozinho.

Não fui atrás, não adiantaria nada. Sabia disso. Contudo, ficar jogando sinuca deixou-me ainda mais preocupado.

Porém, algo aconteceu... Algo que jamais pensei, e nada preencheu minha mente, por enquanto.

Quando Greta desceu as escadas, quando ela caminhou em minha direção, quando seus olhos verdes brilhantes focaram em mim, quando sua boca revelou o sorriso que por tanto tempo admirei, quando me abraçou e a paz que somente anjos poderiam transmitir invadiu-me, quando: “eu senti sua falta” soou de sua voz. Quando Greta desceu as escadas, o inexistente coração em meu peito por pouco não surgiu.

Minha melhor amiga diante dos meus olhos, perto o suficiente para que eu pudesse sufoca-la, prendê-la e nunca mais soltar. Mas ela tinha novidades que deixou-me conflitante. Porque o nome Greta grudou em minha mente, até o minuto em que ela proferiu o mesmo nome que eu tentava escapar.

 

VALE DO LOIRE, FRANÇA.

JUNHO DE 1790

Permanecia no alto da colina observando, como sempre. Mas agora os poucos casebres que sobraram da vila, logo estariam sendo abandonados. O centro era mais almejado entre os camponeses, pois era somente lá que havia bailes, lojas e novidades.

Nenhuma pessoa da época que sua ruiva viveu ainda existia. Sua geração tinha acabado, e novos seres humanos habitavam o planeta. Quase podia enxergar sua melhor amiga cumprindo seu papel e carregando cada um pelo véu eterno. Quase podia, mas não conseguia. Porque ele não estava lá. Ele nunca poderia estar lá, porque ele não pertencia mais ao outro lado, porque ele escolhera assim, porque ele estava sozinho, porque ele estava preso na terra.

No fundo, sentia que algo sombrio estava despertando em si. Algo perigoso, que não podia reconhecer.

Se ao menos pudesse voltar no tempo...

 

COLDWATER, ESTADOS UNIDOS,

OUTUBRO DE 2010

Clarke era minha passagem para o céu. Minha volta ao lugar que nunca deveria ter abandonado, mas também minha incógnita. Como deixaria tudo para trás? Como deixaria Raven sozinha? Como deixaria os amigos que fiz? E se fizesse isso? Se Clarke precisava ser salva, significava que ela corria risco de vida. Greta não havia me contado o que, ou quem a mataria. E se eu falhasse? E se ela morresse? E se eu preferisse continuar aqui? E se... E se... São palavras que me assombravam.

Protelei o máximo que pude, os meses que consegui, os dias que foram possíveis. Mas chegou uma hora que não deu mais pra aguentar.

Passei com minha moto pelos portões. De inicio, gostei do susto que aqueles pirralhos levaram com o barulho que o motor fazia. Andei pelo pátio determinado a cumprir o que Greta me pedira. Se fosse para salvar Clarke, então eu seria o melhor guarda costa que ela jamais teve e jamais terá.

Quando entrei na sala de aula, seus cabelos loiros foram à primeira coisa que vi. Ela conversava com o amigo magrelo, e isso dificultou meu plano. Como poderia me aproximar se aquele inútil continuasse sentado ao seu lado pelo pouco resto do ano?

O professor entrou, e esbarrou em mim. Não gostei de ser tratado como invisível, então aproveitei que, de qualquer forma, eu entraria em sua mente para mudar a disposição dos lugares, e agrupei alguns sensos normativos em sua cabeça. Como, por exemplo, o fato de eu ser, de agora em diante, o aluno novo no qual ele gostaria tanto ao ponto de dar notas altíssimas. Ser o centro das atenções deveria estar como automático e lei para mim.

Sentei na carteira vazia que sobrava, e fiquei observando-a como sempre fazia. Quanto mais perto eu chego, mais linda ela fica. Clarke riu de algo que o bobo falou, e isso me deixou contente. Era bom saber que, mesmo sendo um pouco, ela estava deixando os dramas psicológicos para trás.

Me senti deslocado naquele ambiente, não gostava de aglomeração. Cruzei meus braços na frente da camiseta e fiquei esperando o professor desatento obrigar aquele ‘amigo’ sair de perto dela. Alguns caras me encaravam curiosos, como se eu fosse o novato com o temperamento difícil e um passado sombrio.

Nada além da verdade, confesso.

Achei divertida a implicância do tal Kane com ela. Ele perguntava, Clarke respondia, e ele questionava. Até que o meu momento preferido do dia rolou, e o professor enfim avisou sobre as mudanças de lugares. Consegui notar a imperceptível analisada que ela deu no meu corpo de cima a baixo, e isso me deixou ainda mais convencido da aproximação.

—Oi. Sou Clarke. —Sua voz levemente rouca e serena me deixou sem reação. Mas não quis demonstrar... Já há muito lhe vigiava, e essa é a primeira impressão.

Calei-me, e comecei a escrever o que foi proposto por Marcus. Ela não gostou do meu silêncio, isso a incomodou bastante. No entanto, assim que comecei minha enxurrada de perguntas provocativas, -no qual eu já sabia de cor as respostas-, uma ruga de exasperação formou-se entre as sobrancelhas dela, o que fez algo no meu estômago tintilar em pura satisfação. O quão adorável poderia ser aquelas bochechas ruborizadas de pura raiva? Ela é completamente encantadora.

Gostei disso. Nunca vou admitir, mas gosto muito disso. Desde que notei que ela esconde traços de uma personalidade tímida e nervosa, acho que irei me divertir muito em provoca-la. É uma novidade interessante uma figura feminina que não fica toda afoita em minha presença.

Não consegui prestar atenção em nada que ela dizia. Isso tudo era culpa da semelhança. Certamente não estaria tão obcecado pelo mero fato de estar dividindo o mesmo local que ela. Porra, Clarke é só uma estudante, não a Scarlett Johansson.

Minha falta de atenção proporcionou uma pergunta desnecessária que a magoou. Não queria ter tocado naquele assunto tão delicado, e isso a deixou, pela primeira vez desde que sentei ao seu lado, calada. Tentei desfazer mas não adiantou muito, a cagada já estava feita!

Ouvi o sinal tocando e isso me despertou de todo aquele tempo, -que me pareceu segundos-, fixado naqueles olhos azuis intensos, que mais parecem dois redemoinhos que me puxam para si como um navio sem leme.

Levantei abruptamente, e a deixei em passos compulsivos. Precisava da saída, precisava respirar. Todavia, o grito dela ecoou pelo corredor, e eu não resisti em acatar seu pedido desesperado sobre o trabalho que faríamos juntos. Voltei inibindo o sorriso dissimulado que provavelmente surgira em meus lábios, e puxei seu braço.

O que aconteceu em sequencia me deixou perdido por instantes.

Eu senti. Senti sua mão quente. Tocá-la foi a primeira vez que senti alguém; o formigamento inibidor havia me deixado, e isso me fez querer segurá-la para sempre. Entretanto, cometi o erro de olhar diretamente em seu pulso. Já havia visto suas cicatrizes por muitas vezes antes, mas, tão perto, eu enxerguei uma marca que por séculos procurei. Escondida entre os riscos que eu a presenciei fazer, estava a prova de que meu inimigo não tinha estado sozinho familiarmente ao longo dos anos.

 

INVERNESS, ESCÓCIA.

JANEIRO DE 1851

—Afinal, não choverá!

A voz determinada de uma mulher ecoou pela praça no qual o rapaz dos olhos negros tinha a mania de visitar no fim da tarde.

—Mas deveria... —Ela continuou, jogando um caixote de madeira e subindo. —A escuridão, o frio, a chuva, o vazio...

Várias pessoas a olhavam como se uma louca tivesse fugido do manicômio.

—Estranho como fica-se belo, quando chove a noite... as luzes falhando, o céu negro... Imensa cidade, não? Cidade cheia de pecadores. E é interessante como o pecado flui na escuridão. Homens aproveitando o barulho da chuva para abafarem os gritos das filhas estupradas. Mulheres se subjugando a prostituição. E as crianças apenas aprendendo a mentir e a pecar, pois creem que não existe outra vida, entretanto existe. Mas como elas podem saber? Como fazer elas saberem que a escuridão é a beleza da vida e não o caos? Eu apenas sonho que um dia, todas as crianças irão ver que devem usar as trevas ao seu favor, e não temerem.

A mulher queria causar um rebuliço. Era obvio! Mas não tinha sido aquele discurso instigante que despertou a atenção dele, e sim uma pequena amostra de cicatrizes peculiares que habitavam suas costas.

Seu jeito de falar lembravam-no de uma entre as duas mulheres que deixou para trás. E quando ela sorriu sarcástica ao comentário do senhor que parou para ouvi-la, uma premonição diferente invadiu o rapaz. Seria aquela uma decaída que preencheria a lacuna da sua solidão?

Estranhamente ele quis aquele sorriso como seu novo melhor amigo, queria aquela morena maluca como sua nova parceira, queria alguém nova para compreendê-lo durante a eternidade.

E sem notar, ela pensou o mesmo.

 

COLDWATER, ESTADOS UNIDOS.

OUTUBRO DE 2010

Pelos próximos quase vinte minutos, não consegui me concentrar no episódio que fingia assistir. Meus olhos frequentemente deixavam a TV e encaravam o celular em meu colo com expectativa, apenas para que eu frustrasse-me quando percebia que nenhuma mudança tinha acontecido; nenhuma mensagem, e nenhuma ligação que pudesse ser dela perguntando sobre o trabalho idiota.

O barulho seguinte despertou uma breve esperança, até eu perceber que era somente a campainha. Raven levantou do sofá e pausou a série, caminhando sem empolgação até a porta.

—Olá Reyes. Já fez alguém chorar hoje? —Tyler foi direto brincando, antes mesmo que ela pudesse abrir a porta por completo.

—O que você está fazendo aqui garoto? —A morena impediu sua entrada, barrando seu corpo com a mão.

—Não íamos ao bar? —Ele perguntou confuso, enquanto acenava pra mim.

Raven me olhou significantemente, daquela mesma forma que fazia quando nós conversávamos por contato ocular. Uma coisa que adquirimos com o tempo. Ela não precisava dizer em palavras que nada do que ele estava insinuando era verdade; que ela jamais ficaria indo ao bar com ‘aquele quatro olhos’.

—Tenho compromisso com o Blake. Nós não vamos ao fliperama já faz uns trocentos anos.

—Vocês não foram semana passada? —Indagou, com uma careta.

—Ok, Ty. Eu apenas usei uma hipérbole. —O outro arqueou uma sobrancelha. —Exagerei para dar mais ênfase no meu problema.

—Você é muito engraçadinha. —Resmungou.

—Acho que você já pode ir. —Ela foi fechando a porta.

—Eu te mando mensagem depois.

—Não sei pra quê. —Raven falou girando a chave na fechadura, enquanto olhava pra cima, suspirando com seu embaraço.

Dei uma leve risada assistindo aquilo. Ela sempre o tratava daquele jeito quando eu ou os quatro estávamos por perto.

—Está rindo do quê? —Perguntou assim que percebeu meu sorriso.

—Não estou rindo. —Respondi na defensiva.

—Mas está distraído! —Ela pegou o controle e desligou a TV.

—De onde tirou isso?

—Você vai parar com essas bobagens. —A morena olhou de soslaio para meu celular. —Tem que parar de ficar se comportando feito um adolescente cheio de hormônios. Isso já está ficando ridículo.

—Tem certeza que é de mim que está falando?

Não foi preciso um minuto para Raven me fuzilar com os olhos, e sem motivo algum, estender um tapete no espaço livre após empurrar o sofá.

—Quando disse que faz uns trocentos anos que não vamos ao fliperama, estava querendo dizer sobre lutarmos juntos.

Agora tinha sido ela quem sorriu.

Acabou sendo isso que fizemos. Lutamos, utilizando os movimentos e golpes que aprendemos ao longo dos séculos. E divertindo-nos por finalmente estarmos fazendo algo que ambos gostamos.

Foi uma ótima oportunidade para que eu liberasse um pouco da minha frustação que estava acumulada desde manhã, e também uma ótima oportunidade para que eu tirasse um pouco da cabeça tudo que envolvesse Clarke. Mas claro, a distração só funcionou por algum tempo. À medida que eu me cansava, os pensamentos indesejáveis retornavam e, graças a isso, Reyes conseguiu me pegar de surpresa, acertando um soco bem no meu maxilar. A força do golpe foi suficiente para me derrubar e eu tombei de costas no tapete.

—Foco, Blake. —Raven comentou enquanto se aproximava de mim, e me oferecia à mão para levantar. —Repito, onde está sua concentração?

Eu apenas resmunguei, sem responder diretamente a pergunta, e aceitei a mão que ela me estendia. A morena sacudiu a cabeça negativamente, fazendo calmamente o caminho até a cozinha e tirando da geladeira uma garrafinha de água gelada.

—Sei que não gosta quando eu pergunto. —Ela começou, enxugando o suor da testa. —Mas tem alguma coisa acontecendo com você? Porque normalmente nós conseguimos manter uma luta por bem mais tempo do que isso.

—Não é nada. —Respondi. Mas Raven não pareceu acreditar.

—Tem certeza? Não tem nada a ver com uma loira? Tem?

Ah, a ironia. Eu tinha passado o tempo todo, desde aquele momento na sala, incomodado. E, claro, eu tinha que começar a agir de modo estranho justamente na presença dela.

—Às vezes me pergunto se você percebe essas coisas ou só fica jogando verde para ver qual vai ser minha reação.

—Tá bom... —Ela fez um sinal de rendição. —Eu já sei que você está atrás de uma garota. Ou melhor, de uma criança.

—Ela não é criança. —Defendi-me.

—Então é isso, você realmente tá atrás dela! Explica bem esse lance, é mais um jogo? Porque se for, estou dentro.

—Não tem jogo nenhum.

—Vai me dizer que não é mais uma mulher que você faz se jogar aos seus pés, pra depois abandonar com maestria.

—Talvez...

—Talvez? Como assim, talvez? Eu vi que você está empenhado nesta nova ilusão. Sei que se matriculou na escola dela. Achei divertido, quero participar! A gente sempre fez isso e...

—Acho que posso fazer isso sozinho, dessa vez.

—Agora que você entrou pra essa escola, não dou um ano pra começarem a supor passados perturbadores pra você. E eu, obviamente, vou entrar na roda!... Se continuar se expondo como um adolescente, logo estaremos dando adeus a Coldwater, assim como tivemos que dar adeus para todas as outras cidades.

—Não vou embora daqui.

—O quê?

—Não quero sair daqui. Com ou sem boatos a meu respeito, não vou embora.

—Por isso eu preciso te ajudar. Eu vi o quanto bobinha ela aparenta ser, podemos zoar bastante.

—Não está cansada disso.

—Claro que não! Nunca estou cansada dessas desilusões amorosas. Essa é a única graça que você pode me proporcionar desde que eu aceitei a ser sua única amiga nessa droga de eternidade. —Raven não conteve-se e riu. —Lembra daquela garçonete bonitona de Portland?  Namoro possessivo... Os anos 90 foram marcados por ela.

—Era divertido ver o entusiasmo dela, no começo. Mas fui ficando cada dia menos interessado, e comecei a sair com outras garotas além dela. Quando tentei terminar nosso relacionamento, ela começou a chorar e usar do sentimentalismo para me convencer a continuar naquele namoro unilateral.

—Foi uma cena e tanto! Queria ter tido um celular com câmera naquela época... Mas você acabou com o namoro, e não demorou pra começar a aparecer rumores que seu pênis era muito pequeno, que chegava a dar cócegas, que na cama você era extremamente ruim e terminava rápido. —A morena engasgava com a água de tanto rir, enquanto falava e se recordava.

—As meninas não levaram muito a sério esse tipo de conversa... Digamos que eu tinha certa fama entra algumas delas.

—A cidade inteira, né?

Acabei rindo também.

—Lembra daquela garota de Nova York? Ela se desesperou quando disse que não queria mais nada e que estava indo embora. A coitada inventou até estar grávida.

—Me pergunto se, de fato, eu tenho um filho por aí.

—Claro que não! Era uma óbvia mentira. Apenas demônios engravidam humanas.

—Será que também conseguimos? O próprio rei do inferno era um anjo caído. O primeiro de nós!

—Mas não é a mesma coisa, ainda não atingimos o inferno pra sermos considerados demônios.

—Isso é o que me preocupa...

—O quê?

—Esse “ainda”.

O clima de descontração tinha sido perdido e ocupado, novamente, pelo incomodo. Ficamos nos encarando por alguns minutos.

Eu tinha a resposta de como me tornar humano, e melhor, tinha o meio para que isso acontecesse. O que significava que talvez eu podia alterar este caminho incerto. Eu só precisava parar com essa desculpa idiota; agir, fazer de uma vez por todas. Afinal, sou um monstro. Sou um decaído, um errante, um pecador, insensível, psicopata, um assassino.

Eu não quero dores, quero alvores. Por uma vez na vida quero algo passageiro, um momento efêmero; uma luz fraca, brilhante, o que alegrasse e depois eu largasse, para eu pudesse partir para outra coisa.

—Vou jogar sinuca no fliperama. —Coloquei o celular no bolso e agarrei a jaqueta. —Quer ir?

Um hora ou outra meu celular tocaria, e eu queria me encontrar com ela para ter convicção das minhas escolhas. Era assim que repetia a mim mesmo: “Vou matar Clarke Griffin, mas antes vou me divertir do mesmo jeito que fiz com todas”.

 

INVERNESS, ESCÓCIA.

DEZEMBRO DE 1851

O corpo do jovem nunca esteve tão suado. A morena ao seu lado o olhava preocupada, pois aquela situação nunca fora presenciado por ela. Mesmo tendo tido contato com outros anjos que também foram expulsos do céu, nenhum deles chegou ao ponto de tremer febril.

Ela não sabia direito sobre o passado daquele sobrenatural, e muito menos o conhecia há tempos para se considerarem amigos fiéis. Porém, ele confiou nela para acompanha-lo naquele momento tão vulnerável, e isso por si só, já era um motivo suficiente pra que continuasse segurando sua mão.

O rapaz sabia o que viria em seguida. Ele sabia exatamente o que aconteceria. Afinal, aquela era uma consequência do seu erro, e embora tenha tentado por anos fugir, nada lhe impediria de perder-se em qualquer parte do mundo dentro do homem que ele se arrependeu em debochar.

Enquanto a morena foi buscar novos lençóis, um arrepio intenso paralisou o corpo do dono dos olhos negros. E gradativamente ele desapareceu...

 

COLDWATER, ESTADOS UNIDOS.

OUTUBRO DE 2010

Fazer com que Raven fosse até a biblioteca e induzisse Clarke a ir ao parque de diversões foi moleza. Ela ainda crê que eu quero seduzir a Griffin pra depois descartá-la, e isso facilita meu plano. Se Reyes não desconfiar sobre minha real intenção, em poucas horas poderei partir do estado limbo eterno, para o estado mortalmente humano.

Contudo, o maior problema foi justamente o que eu tive certeza que seria mais simples: Matá-la.

Consegui ficar a sós com Clarke, depois do processo cansativo de despistar os amigos irritantes dela e ignorar a nova integrante do grupo, no qual eu ainda me pergunto quem é, —*a tal da amiga nova era esquisita demais, não que me surpreendesse, já que bastava prestar atenção no tipo de companhia que Clarke convivi para se questionar do porquê uma garota como ela se rebaixa tanto na posição de popularidade. Se desejasse, a Griffin poderia mandar e desmandar naquela escola, e isso apenas por sua beleza. Entretanto, ela persiste em se contentar com o que tem, novamente não que me surpreenda ou me desagrade, mas aquela nova amiga que surgiu me intrigou no exato momento que não consegui enxergar o rosto*.

Andamos na montanha russa e aquele seria o passeio perfeito para que eu concluísse o que vim fazer, mas acabei me perdendo. Quando ela sorri com a boca e os olhos, é um sorriso tão gostoso que se houvesse um coração em meu peito, sem dúvida alguma ele aplaudiria.

Acabei confundindo-a mentalmente, ao ponto de fazê-la pensar que caiu do alto. E isso serviu para que ela ficasse sem reação por um bom tempo, resultando no convite de uma carona que ela surpreendentemente concordou.

Antes mesmo que notasse o perigo, entrei em sua casa de supetão quando lhe ajudei a abrir a porta. Tive a ideia de preparar um prato tradicional do México que eu aprendi no trabalho, com isso, eu ficaria perto de facas. Todavia, o ótimo utensilio da cozinha para derramar sangue dela, no fim, serviu para nada.

Foi só ela me olhar aflita que a vontade outra vez passou. E eu optei por terminar o que comecei, e servir o Tacos para que experimentasse. Não faço ideia do que coloquei entre os ingredientes pra que Clarke ficasse daquele jeito, mas ela não parou de falar um segundo enquanto comíamos. Eu a ouvi pacientemente e então percebi a enorme diferença que existia quando Clarke não parava de falar e quando Reyes ou outras mulheres não paravam de falar. Com a Griffin, eu podia ouvi-la falar a noite inteira, queria que ela tagarelasse sempre para que eu ouvisse sua voz macia e provocante. 

Não havia a mesma felicidade e sintonia naquela casa desde que eu a vi perder o pai, no entanto, Clarke parecia radiante.

Aproveitei o clima que estava estabelecido entre nós e, -contra tudo que já me submeti-, ajudei a lavar a louça. Involuntariamente me aproximei quando acabamos, e gostei de mergulhar naqueles olhos azuis de novo.

—Por que gosta de implicar comigo? —Ela sussurrou.

—Porque é divertido. E também porque quando está nervosa, você fica muito sexy. —Aproximei-me ainda mais, querendo tocá-la; querendo descobrir se realmente posso sentir de verdade.

Aquela sensação era incrível. Não conseguia entender como um decaído podia, de fato, sentir. Foi tato, visão, cheiro, e de repente, eu não era mais eu.

—Não gostei de você desde o dia que te vi. —Ela falou.

—Pois eu gostei de você desde o dia que te vi. —Admiti meu pensamento em voz alta.

Pronto! Quando percebi, eu já tinha segurado seu quadril e a colocado em cima do balcão. Não houve reação e no meio das minhas contas talvez isso fosse bom sinal. Eu poderia levar um tapa ali mesmo, e vê-la descer e me expulsar, mas sequer pensei nisso. Segurei seu queixo a fazendo olhar para mim. Ela não faria voluntariamente, continuaria fingindo que tinha algo mais interessante no chão. Seus azuis estavam firmes e pareciam me advertir para que não me aproximasse, ou algo próximo a essa tradução, entretanto tudo foi plenamente ignorado por mim.

—Você precisa ir. —Ela suspirou. —Com toda certeza precisa ir.

—Para cá? —Ouvi sua ordem como um pedido desesperado para que eu continuasse o que juntos estávamos desejando. —Ou para cá?

Não disse mais nada, apenas levei minha mão até a face da Griffin e a acariciei delicadamente, fazendo-a fechar os olhos e inclinar o rosto em direção do afago, deixando-me livre para prosseguir.

Sem ponderar minhas ações tomei seus lábios nos meus. Apesar de qualquer coisa o beijo foi suave. Suguei seu lábio inferior com volúpia após alguns minutos deliciando-me com aqueles sentidos loucos que pela primeira vez eu podia ter. E foi desse jeito que durou, de termo a voraz em níveis devagar, nos experimentando, buscando descobrir mais do sabor vindo do outro.

Num ultimo aperto um som escapou dela. Nos separamos. Clarke mordeu o lábio inferior e uniu as sobrancelhas e eu me diverti com seu embaraço.

 

LISBOA, PORTUGAL.

DEZEMBRO DE 1851

Ele não fazia ideia de onde estava, em que parte do mundo o infeliz dono do corpo o fez aparecer. Acordou assustado, mas não tardou em controlar sua respiração ofegante.

Após acostumar-se com a hospedagem indesejada, mexeu o braço para levantar. Entretanto, assim que fez o movimento, notou correntes presas nos pulsos.

“Interessante, não é?” A voz incomodante da alma que permanecia no fundo, perguntou.

—O que você fez? —O rapaz dos olhos negros gritou.

“Achei uma maneira de você entediar-se enquanto se apossa do meu corpo.”

Ele tentou novamente, forçar os braços e as pernas.

“Isso é inútil, gênio!”

—O que ganha com isso, Chauncey? —Olhava por todos os cantos daquele quarto sem janelas, procurando um meio de soltar-se.

“Nada demais. Eu apenas gosto de impedi-lo de usar do privilégio que é estar num corpo humano.”

—Humano? Você não conheceria seus poderes se não fosse por mim.

“Talvez sim... Talvez não... Confesso que graças a você eu tive mais tempo para aprimorar meus dons...”.

—Dons? Não me faça rir.

“Todo mês de Cheshvan a ira me consome. É inevitável.”

—Se eu soubesse por onde você perambula durante o resto do ano, seria mais simples acabar com esse maldito pacto.

“Não darei a chance de me matar. Quando chegar a hora, encontrarei seu ponto fraco. Eu jurei me vingar, e ainda estou sedento por isto.”

—A diferença entre nós é que, um jamais pode morrer. E o outro precisa apenas de uma lâmina fincada no peito.

“Pode vangloriar-se! Mas lembre-se que séculos se passarão, e eu ainda vou continuar vivo para vê-lo pagar.”

Seria mais fácil para o dono dos olhos negros encerrar aquele diálogo repetido. Por anos ele se se cansara daquele selo inquebrável, e não tinha mais vontade de reagir. Sabia que padeceria no local, e mesmo que pudesse sair, nada adiantaria enquanto não tivesse a oportunidade de estar cara a cara com o nefilim. Quando dois corpos, e não apenas um, enfrentariam-se no definitivo fim.

 

COLDWATER, ESTADOS UNIDOS.

OUTUBRO DE 2010

—Não adianta gritar. Isto é um motel, ninguém se importará.

Ela viu exatamente o que eu não queria, quando tocou em minhas costas. Seus olhos estavam frios nos meus. Eu deveria deixa-la ir como deseja, mas sou egoísta o suficiente para não ligar em como ela deve estar se sentindo no momento. Não a escutei reclamando sobre soltá-la, tenho noção de que meu aperto é forte ao ponto de marcar sua pele.

—Eu sei que quer perguntar, Clarke.

—Quem é você? —Ela por pouco não gaguejou.

Aquela pergunta doeu, de forma concreta. Devo responder que sou o homem que irá assassiná-la... Ou seria o homem que se esforça para mata-la e fracassa miseravelmente todos os dias?

—Acho que agora você já sabe.

Não resisti em tocar na sua bochecha com o intuito de secar a lágrima que escorria. Soltei sua mão e levei-a até meu peito.

—Ouve meu coração? —Perguntei vacilante.

Ela negou.

—É porque não tenho um.

Qualquer pessoa notaria o quão abalada Clarke ficou com toda revelação sobre minha existência. Gradativamente ela foi perdendo as forças, enquanto eu me sentia um lixo analisando as marcas roxas que eu fizera em seu pulso.

Sacudindo a cabeça, ela tornou a encarar-me, mas dessa vez eu não consegui distinguir com exatidão o que se passava por sua cabeça. A gama de sentimentos ali expressos era confusa demais para começar uma analise. No entanto, a definição apareceu nitidamente e tão de repente que novamente fiquei incapacitado de cumprir o plano inicial de quando a trouxe até o quarto. Vendo-a ficar sem ar, trazendo os surtos dos primeiros meses após a morte do pai, avancei impensadamente e a agarrei pela cintura, erguendo-a no meu ombro.

•••

 

—Ela sabe de tudo.

—Tudo?

—A parte de sermos anjos caídos do céu.

—Isso já é tudo, cara.

—Apenas uma parte do que ela tem que saber.

—Tem mais alguma coisa que eu não esteja informado?

—Não! Nada.

Fiquei em silêncio no subsolo com Rixon. Ele era o primeiro que tive a coragem de contar sobre minha tarde com Clarke em Portland.

—Ela me pediu tempo, para pensar. Tenho certeza que terá mais medo de agora em diante. —Por fim falei.

—Se quiser eu posso confundir a mente dela até esquecer. Já fiz isso com alguns humanos enxeridos ao longo dos anos.

—Acha que sou louco por ficar me aproximando dela?

—Acho que isso é normal. São os desejos, meu amigo.

—Alguma vez já perpassou além do desejo?

—Sim, minha irlandesa foi mais do que desejo. Só que, já te contei esta história umas mil vezes.

—É possível um decaído sentir o toque de alguém?

—Mesmo nós sendo impossibilitados disso, eu sentia com ela... —Rixon pausou pensativo. —Mas, por que está me perguntando?

—Curiosidade. —Minha mente girava. —Por que sentiu sua esposa, e os demais não?

—Bem, porque... Existe uma lenda de origem chinesa e, de acordo com este mito, os deuses amarram uma corda vermelha invisível no momento do nascimento, nos tornozelos dos seres que estão predestinados a ser alma gêmea. Deste modo, aconteça o que acontecer, passe o tempo que passar, esses dois seres que estiverem interligados fatalmente irão se encontrar! Um fio invisível conecta os que estão destinados a conhecer-se. Independentemente do tempo, lugar ou circunstância, o fio pode esticar ou emaranhar-se, mas nunca irá partir.

—Akai Ito?

—Exatamente! Era assim, e ainda é desta forma que, interligo ao que vivi. Esse fio amarrado me fez senti-la. Tive plena consciência de que no momento que ela morreu, nunca mais poderei sentir outro alguém. Foi por isso que não pude mais ser anjo, eu precisava viver cada segundo ao lado da minha Akai Ito.

O cowboy assumido terminou sua explicação e a minha mente parou de girar. Não tinha recebido a solução que queria, mas sabia que duvidar das palavras dele era o melhor a se fazer.

 

COLDWATER, ESTADOS UNIDOS.

OUTUBRO DE 2010

—Tenho más notícias. —Raven gritou no banheiro, enquanto eu tomava banho.

—Que notícias? —Indaguei, abrindo a porta do box e colocando apenas a cabeça para fora.

—Depois eu falo. —Saiu do banheiro. —Pendurei a toalha atrás da porta. —Continuou gritando, só que agora no corredor.

Fiquei curioso e angustiado com aquele suspense chato. Quando acabei o banho, saí enrolado na toalha pela cintura, e caminhei até a sala onde a morena estava com um copo cheio de Coca-Cola molhando sua mão.

—Por que você entrou do nada no banheiro?

—Vou te contar de maneira simples. Observe isso que vou lhe mostrar. —Raven abriu um sorriso, colocando dois dedos atrás da cabeça, -formando um chifre. —MUUUUUUUU! —Imitou o mugido de uma vaca.

—Bebeu de novo? —respirei fundo, tentando acalmar meus nervos. —Até quando vai ficar desse jeito?

—Não bebi! —Ela se justificou rapidamente. —Estou demonstrando o que você se tornou.

Fiquei em silêncio tentando entender onde que ela queria chegar com aquele papo.

—Sua irmãzinha boba apareceu e você me fez ficar vigiando ela a toa. Mas até que a garota não é tão inútil assim... Fiquei sabendo que ontem você não estava apenas bravo com a chegada dela, mas também, porque uma tal de nova amiga beijou tua loira. Estou certa?

Raven não devia estar em juízo perfeito. Fisicamente eu sou mais velho que ela, e provavelmente eu seria, de fato, mais velho que a Reyes se fossemos humanos desde o nascimento. Mas, só porque ela teve a audácia de ser expulsa do céu antes de mim, agora tenho que aguentar sua prepotência.

—Não estou em um relacionamento com a Clarke.

—Mas ela te trocou por uma garota. —A risada se misturava em sua fala.

—Não faço ideia de quem é essa ‘garota’, e não me importo. Agora que você já sabe o que eu realmente irei fazer com a Griffin, deve ter noção do quão impossível será pra eu ter ciúmes.

—Mesmo assim você foi trocado! Talvez devesse tentar envolvimento com homens...

—Eu já pensei sobre isso.

—Jura? E a que conclusão chegou?

—Cheguei a conclusão de que você deveria calar a boca.

—Nossa! Que agressivo... Você sabe que não faz diferença pra nós, né?

—Eu sei, anjos não possuem gênero. Acontece que eu possuo!

A morena deu um ultimo gole no refrigerante.

—E que tal você? Experimentou bastante seu relacionamento ontem?

—Não me venha com essa, Blake. Você sabe que eu não me envolvo com ninguém. Pouco me importa essa coisa sem graça de gostar... O máximo que tive de desejo foi relacionado a carinho e afeto. E antes que você venha se gabar, fique ciente que não é você. —Ela suspirou. —Na verdade, eu tive um gatinho. Todo preto, olhos dourados. Ah, uma lindeza! Ele era tão independente, que as vezes parecia a mim. Éramos tão compatíveis em personalidade, o único problema é que ele, infelizmente e obviamente, era um animal.

—Então, desde o dia que te vi naquela praça falando coisas sem nexo, durante todos esses anos me importunando e bebendo as minhas custas, você não chegou nem perto de sentir afeto por mim?

—Ah qual é! Você não acha que eu te amo. Acha?

—Tenho minhas duvidas.

—Eu sequer sei o que é amar.

—Compartilho da mesma falta de sentimento.

—Somos uns monstros.

—Estou mais para gênio repelente de fraquezas e emoções.

—Eu gosto mais ou menos dessa loira. Acho ela muito sonsa, sei lá. Mas, se você quer saber, de alguma forma quando vocês se aproximam a sua aura irritada muda para calma e segura. Estranho, não?

—Continue com suas jogadas. Pode continuar!

—O problema é que suas habilidades sociais são equivalentes às de uma porta.

—Talvez seja porque Clarke é uma mistura das coisas mais intensas do mundo. Ela é oito ou oitenta, um livro aberto. E é meio difícil só ler a sinopse quando se trata da vida que quero tirar.

—Faça logo!

—Queria entender o que ela tem de diferente. Não sei como, mas ela me remete a Victoria.

—Será que tua ruiva...

—Não. Victoria me rejeitou aquela noite e casou com o primo. —Cortei-a antes que insinuasse loucuras.

Jamais! Sem chance nenhuma! Eu sei que não! Sempre foi uma infeliz coincidência, mas não deixarei que dure muito.

 

COLDWATER, ESTADOS UNIDOS.

NOVEMBRO DE 2010

Não me sentia bêbado. Na verdade, já havia alguns anos que o álcool não fazia mais um real efeito em mim. Por isso, eu não entendia o porquê de ter me dirigido a mais uma das festas da galera daquela escola.

Eu não diria que não era por causa de Clarke, não. Isso seria uma das maiores mentiras que eu contaria na vida, visto que só de pensar em como havia lhe deixado na noite anterior, completamente alterada por causa da Vodka, falando coisas que me tiraram de nexo.

Deitei-a em sua cama, senti o seu perfume, e isso me deixou pior. Deveria estar planejando usá-la como sacrifício, mas cada dia que passava essa possibilidade se tornava menor. Errado! Muito errado! Eu tenho que parar de assustá-la com as verdades, e simplesmente cessar esse drama, essa confusão, essa sensação que só é possível com ela. Tem que acabar!

Uma mulher, um pivô, alguém nova deveria, -e eu espero que seja-, o motivo pra que essa fraqueza acabe. Como já tinha me cansado de prostitutas, resolvi encontrar uma das colegiais desesperadas que tanto suspiram nos corredores.

Jovens, assim como esperado, curtiam a festa de suas maneiras. As garotas dançavam seguindo a batida da música, e do outro lado, alguns garotos dividiam drogas. Muitas passaram por mim, todavia, consegui avistar uma delas perto de uma roda composta majoritariamente por membros do time de futebol.

Sabia que ela e Clarke não se davam nada bem, e esse tipo de inimizade deixou-a mais interessante. Ela parecia contente, assim como o resto das pessoas ali. E, eu duvidava que o motivo fosse outro além das latinhas de cerveja em suas mãos.

Alvo detectado.

•••

 

Convencer a tal da Cassandra a sair daquela festa não foi nada difícil. Assim que me viu ela teve a audácia de se insinuar, e simplesmente despistar o namorado, para entrar no meu carro.

Sequer tirei minha moto da garagem quando decidi vir à caça, era como se a garupa da moto fosse reservada, e ninguém mais pudesse sentar ali. Portanto, quando ela entrou no Jeep que eu emprestara de Raven, e exalou aquele perfume forte, não tardei em perguntar o destino do encontro:

—Aonde quer ir?

—Tem um restaurante de comida tailandesa que abriu a poucas quadras daqui. Parece ser muito bom, gatinho. —Ela comentou, inclinando-se para frente, afim de se olhar no espelho do carro. Ajeitando o cabelo e contornando os lábios com os dedos, tentando tirar qualquer mancha de batom que pudesse ter.

Estacionei o carro no estacionamento próprio do restaurante, e sai esperando que a loira não natural fizesse o mesmo. Ela demorou um pouco para fazê-lo, já que estava retocando o batom vinho, o que não havia necessidade alguma, em minha opinião. Ela iria comer, obviamente seu batom enfraqueceria. Então por que raios estava me fazendo esperar, apenas para poder colocar mais e mais daquele troço na boca? Impaciente, chamei-a e a vi sorrir contente. Era, como se estar saindo comigo fosse uma vitória pessoal, do qual eu jamais entenderia.

Saiu do carro, e enganchou o seu braço no meu. Minha vontade foi de perguntar que porcaria ela tinha na cabeça, mas me lembrei do porquê estava ali, e decidi não dizer nada. Me limitei a revirar os olhos, coisa que ela não percebeu, apenas continuou andando grudada até a entrada do restaurante.

Ainda era inicio da noite, e não tinha muitos clientes. Nós nos dirigimos a uma mesa mais afastada, própria para duas pessoas, e nos sentamos de frente um para o outro. Não demorou muito para que um garçom viesse nos atender, com muita paciência, visto que Cassandra achava que estava num jantar importantíssimo e o fez ficar esperando enquanto ela decidia o que queria comer. Como eu não tinha interesse, apenas disse que comeria o mesmo que ela. O que na visão da loira foi algo educado, tendo em vista que me olhou toda comovida.

Logo nossa comida estava sendo servida. Eu sinceramente, não tinha a mínima ideia do que era aquilo no prato posto a minha frente, estava somente acostumado com minhas refeições diárias no restaurante mexicano. Ao provar, percebi que a comida não era a mais gostosa do mundo.

—Não gostou, gatinho? —Perguntou ela, tombando a cabeça para o lado.

—Isso é péssimo! —Falei, sentindo minha garganta queimar. O que fez ela soltar um risinho abafado, enquanto se inclinava por cima da mesa, ficando com o rosto a poucos centímetros do meu. Minha vontade foi de me afastar, mas me mantive impassível.

—Acho que da sobremesa você vai gostar mais. —Ela sorriu maliciosa.

Eu sabia o sentido do que ela tinha dito, qualquer um saberia, e não tinha certeza se gostaria de tal coisa. O que era incomum, já que sempre gostei de investidas. Antes, não passava uma noite sequer sozinho, e agora, só conseguia encontrar defeito em cada mulher que aparecia.

Fiquei frustrado de imediato, sacudi minha cabeça para me livrar daquela linha de pensamento e tentei me concentrar única e exclusivamente no par de seios à minha frente, mas meus esforços foram em vão. Por mais que eu tentasse, pensamentos sobre Clarke viva ou morta retornavam a todo segundo.

Esperei que ela terminasse a comida ruim, e paguei a conta. Voltando para o carro rapidamente. Odeio vozes acusadoras na cabeça, por isso me tranquei no veiculo até que ela concluísse o papo chato com a recepcionista.

Cassandra entrou e fechou a porta, encarando-me. Pensei que falaria mais, porém, ela estampou um sorriso de orelha a orelha que daria inveja no coringa. Olhou ao redor para confirmar que não havia ninguém naquele estacionamento, e inclinou na minha direção. Novamente me contive em mostrar descontentamento.

Era como se a facilidade não me excitasse mais. Como se a dificuldade de alcança-la fosse melhor. Como se outra loira tivesse esse dom.

Respirei fundo tentando tirar aquilo da cabeça de novo, e me esforçando para pensar com a cabeça de baixo. Já que estava sem cinto, e aquele tinha sido o motivo de convidar a garota, apenas levei uma mão aos cabelos dela, entrelaçando meus dedos firmemente na nuca, puxei o seu rosto.

Cassandra fechou os olhos agarrando em meu ombro e quase soltou um gritinho de felicidade. Juntei com urgência seus lábios nos meus, enquanto ela deslizava de seu acento para cima do meu colo. Brincava também com nossas línguas, e me surpreendeu com sua experiência, se permitindo rebolar sobre meu membro. Em movimentos frenéticos, que indicavam que ela não iria fazer esforços para impedir o que aconteceria. Segurei com firmeza a bunda dela por debaixo da saia, tão fácil como imaginei que seria.

Ela continuava faminta, beijava-me, mordia-me, rebolava, arranhava, gemia. Joguei seu corpo para o banco de trás do carro, -certamente Raven vai me matar quando descobrir-, ouvi o resmungo da falsa loira, e logo estava sobre ela, segurando firmemente a cintura contra o assento, tirando seu casaco, sua blusa.. Não conseguia sentir nada; nenhum toque, nenhum beijo incessante que ela dava por todo meu abdômen. E isto me fez lembrar da conversa que tive com Rixon.

Akai Ito...

Um mero significado, do qual eu não acreditava, foi o estopim para que eu parasse com tudo aquilo. Ao ponto de simplesmente atirar a garota para o outro lado do banco, vendo os olhos arregalados, o que logo se transformou em uma expressão maliciosa. Ela provavelmente esperava que eu fizesse o mesmo que tinha feito anteriormente. No entanto eu não o fiz, apenas passei a mão pelo rosto, permitindo-me bufar impaciente.

Por que raios eu tinha lembrado daquilo justo agora? Se antes minha vontade de transar era pouca, agora estava definitivamente nula. E Cassandra percebeu isso rapidamente, assim que notou que eu não voltaria a agarra-la.

—O que foi? —Perguntou. Tanto curiosa quanto surpresa.

—Se vista. —Foi tudo que falei, enquanto sentava no banco do motorista, abotoando minha camisa.

—Como assim se vista? —Ela passou para frente, e novamente sentou em meu colo.

—Está surda?

Ela ficou estática tentando compreender, a frase revirando-se em sua mente. E quando ela entendeu, só faltou arrebentar meus tímpanos com um grito irritado.

—Está realmente me dispensando? Qual o seu problema?

—O meu problema é o fato de que você ainda não se vestiu e permanece dentro do meu carro. —Provavelmente a hostilizei no meu tom de voz. Mas não conseguia processar direito, não gostava de escândalo.

Ela segurou sua blusa e o casaco e continuou me encarando, perplexa. E da maneira mais estranha, abriu um sorriso medonho.

—Um cara nunca negou sexo comigo. E-eu... E-eu... —Ela, de fato, não sabia o que dizer. —Estou de olho em você desde que entrou na escola, gatinho. Vou terminar com meu namorado por sua causa.

Não respondi.

—Ele é só mais um que gera status. Mas você... Seria o namorado perfeito pra qualquer momento. Você é tão imprevisível, bruto, diferente.

—Faz a droga do favor e saia daqui logo. —Mandei, nervoso.

—Mas...

Abri a porta do carro, e ela não retrucou mais. Talvez isto fosse improprio pras convenções sociais entre uma dama e um homem, mas eu tô pouco me f’udendo. Não adiantava fingir que eu queria qualquer uma, ou que iria esquecer. Não adiantava mais...

•••

Entrei no quarto e sem pensar duas vezes deixei-me cair na cama, mirando o teto por um tempo. Aquilo já havia virado algo costumeiro, o sono não vinha com facilidade.

—Bell.

Minha irmã falou desperta, com a cabeça entre o vão aberto da porta. Qualquer pessoa acharia que era uma criança em busca de aconchego dos pais na calada da noite.

—O que está fazendo aqui? —Respondi rude. Propositalmente.

—Diga que você não estava bebendo, ou com alguma mulher por aí?

—Desde quando eu tenho que te dar satisfações?

—Clarke é perfeita pra você. E combinações perfeitas são raras em um mundo imperfeito.

—De onde tirou isso?

—Posso ser burra pra muita coisa, Bell. Só que, eu observei o mundo por muito tempo pra saber o suficiente sobre as pessoas... Ela gosta de você. Ela não me disse, mas eu vi nos olhos.

—Ela não te disse? Que momento ela poderia ter lhe dito? Vocês se encontraram?

—Não. —Senti o vacilo em seu timbre.

—Vou ouvir a versão dela amanhã, o que acha? —Ameacei.

—Desculpe.

Por minutos encarei Octavia. Minha vontade era de abraça-la e dizer o quanto sentia sua falta, o quanto me arrependia por ter lhe abandonado. Mas não podia fazer nada. Tinha que agir como tal, como o homem indiferente que todos se acostumaram.

Se eu demonstrasse ela faria o mesmo que anseio; viveria para sempre ao meu lado, no meu colo, como o bebê que prometi proteger. Entretanto, era exatamente isso que eu tinha de impedir, porque eu sei que ela só estará segura longe da terra, e perto de Deus.

 

COLDWATER, ESTADOS UNIDOS.

NOVEMBRO DE 2010

Estava feito. Não havia como alterar. Eu tinha ido questioná-la sobre o possível bate-papo que rolou com Octavia, e acabei me perdendo, -pela milésima vez-, e convidando-a para um encontro formal.

No momento que ela abriu a porta, tive de controlar os meus olhos famintos que a analisou respectivamente entre pernas e peitos. Fiz o possível para evitar que meu olhar vagasse muito lentamente por sua figura, mas foi quase impossível não me atentar a todos os seus detalhes. Todos seus maravilhosos detalhes. Contudo, garanti o quão linda estava.

Subiu na garupa e me agarrou. A sensação é, sem duvida, a melhor que já tive. Depois, fiquei surpreso por ter se adaptado rápido demais ao lado dos cinco. Pensei que ela fosse temer ou estranhar, mas acabou com eles a chamando de amiga. Clarke... o sorriso dela abre tanto enquanto os cinco fazem brincadeiras e piadas, que os olhos quase se fecham. São eles tentando descer, pra ver ela rir mais de perto.

Após o agitado jogo no subsolo, levei-a ao meu lugar favorito. Acho tosco dizer que tenho um lugar favorito, mas sim, tenho! O galpão abandonado daquele antigo cinema-drive, no qual eu levava várias mulheres, proporcionava a melhor ida ao meu lar.

Assim que acendi as luzes do teto, e pedi que ela olhasse, sorri automaticamente. A mulher perfeita pra entrar ali comigo tinha de ser ela, pois foi como se todas as estrelas fugissem do céu e fossem habitar os olhos de Clarke.

Foi nesse minuto que me dei conta de que estava realmente condenado.

Como pude achar que ela se parece com meu passado? Compara-las foi um equivoco de proporções. A Griffin é muito mais honesta, justa e leal. E por mais que escondesse, eu sabia que lá no fundo ela também estava alimentando sentimentos por mim. Algo que Victoria jamais possuiu. Pensando melhor, nada além da semelhança física é o que as fazem iguais.

Coloquei minha mão sob a dela e a apertei levemente. Nem sei o que me deu para tomar tal atitude. Foi totalmente impensado. Surpreendeu a mim mesmo. Fui movido por uma estranha necessidade de diminuir sua aflição em meio ao que ela contava sobre seu sofrimento com a morte do pai. Seus dedos finos se movem sob minha mão, me causando um leve estremecimento. Ela me encara por um tempo, então sua expressão suaviza e me direciona um sorriso sincero.

—Porque não tenho mais medo de você. Porque até suas provocações não causam o mesmo efeito de antes. Porque confio em você, porque estou sendo honesta. —Ela enxurrou-me de motivos.

Retiro minha mão rapidamente, um tanto incomodado. Clarke age como se desconhecesse meu passado; o que fui, o que sou. Como se não se importasse com tudo que lhe falei. O que essa garota tem na cabeça? Como pode afirmar que confia em mim, e parecer tão sincera em suas palavras, se eu mesmo não sei se confiaria?

 

COLDWATER, ESTADOS UNIDOS.

NOVEMBRO DE 2010

Fui até o armário e tirei o maço de cigarros que guardava lá, me certificando de que ninguém visse. Com as mãos no bolso, entrei no vestiário fumando a espreita. Está sendo divertido viver como um adolescente inconsequente, fugir de punições.

Dou as últimas tragadas, e entro na ducha. Disse para Clarke, na quadra, que lhe daria carona para um lugar secreto. A verdade é que eu preciso leva-la ao parque de diversões e mostrar-lhe algo novo.

Me troco rapidamente, e caminho em direção do estacionamento balançando o cabelo molhado. Quando estou no pátio, próximo dos carros, avisto a loira que povoa meus pensamentos. No entanto, ela não está sozinha. Apertei os passos com o intuito de flagrar, de uma vez por todas, quem será essa tal de amiga nova dela. Preciso esclarecer e frisar o quanto minha ela é.

Esbarramos sem querer, por causa da afobação da menina. Mas quando deparei-me com sua fisionomia, uma mistura de: Surpresa, raiva, ciúmes, traição e ódio, invadiu-me. E eu não consegui controlar.

Era Greta que me dera uma facada nas costas.

 

COLDWATER, ESTADOS UNIDOS.

NOVEMBRO DE 2010

Passei a porra da noite inquieto.

Eu sei, tinha a feito bater o carro. Mas não era por isso que estava inquieto. Eu estava inquieto porque ela não acordava, porque estava me preocupando, porque ela estava fugindo de mim.

Tive que me controlar muito para acordá-la durante a noite e toma-la em meus braços. Por que isso tinha que acontecer comigo? Por que justamente eu tinha que passar por este tipo de situação, no qual não estava preparado? Por que Rixon nunca precisou passar por isso quando sentiu pela primeira vez alguém?

De manhã, quando ela abriu os olhos sua expressão assustada deixou-me angustiado, não consegui evitar a sensação gelada que se alojou em meu estômago, como se eu tivesse acabado de engolir várias pedras de gelo. Franzi o cenho, e não hesitei em perguntar:

—Por que está fugindo de mim?

O riso rouco cheio de ironia trouxe um gosto amargo em minha boca. Era meu próprio veneno! Aquilo tudo parecia uma maldita piada de mau gosto, uma pegadinha, surreal demais para ser verdade. Ela estava utilizando de toda sua raiva para afastar-me, isolando-me como se tudo fosse superficial para ser levado em consideração.

—Talvez Greta explique o porquê estou fugindo! Ela não é sua melhor amiga? Tenho certeza que te contou tudo, não é? Pelo menos sobre minha morte, disso você ficou sabendo há muito tempo!

Aquilo se espalhava por cada parte de seu corpo era exaustão. Incapaz de lidar com ela, de enfrentar aquela carga de intensidade que estava por vir nas palavras que ela queria proferir.

Contei tudo que aconteceu antes de entrar na escola, antes de me envolver, antes de decidir matá-la. Ao final do meu pequeno discurso, eu estava ligeiramente sem fôlego. Clarke, por sua vez, tinha um rosto repleto de angústia. Vê-la daquela forma era pior do que qualquer coisa que eu já havia presenciado.

Senti a ausência de qualquer interação entre nós. Na sinaleira encarei, ela já me olhava, mas desviou os olhos quando o fiz. Pensei bem como deveria interpretar sua atitude, não achei respostas plausíveis. De repente ela resfolegou, e os olhos claros dela rapidamente escureceram, como se Clarke tivesse dado conta. Cheguei a pensar, por um momento, que ela iria sair correndo dali, mas o que vi em seus olhos foi pior.

Foi quase como... asco; um misto de decepção e raiva. Desejei que ela gritasse comigo e me batesse, e foi exatamente isto que aconteceu.

Tudo que eu dissera no quarto, fora verdade. Cada palavra. Cada grito, cada sussurro, cada verdade despejada inconsequentemente no momento de desespero. E eu apenas conseguia pensar em como, depois de tanto esforço, eu havia simplesmente me entregado. Agora, ela sabia de toda ameaça que lhe rondava, somado a todos os perigos que já assolavam todos nós.

Eu fiz tudo aquilo, causei todo aquele sofrimento, levei-me ao limite e mais além... Magoei-a... Tudo isso para, no final, não conseguir protegê-la. E agora estava me amaldiçoando por isso. Eu conhecia Clarke o suficiente para saber que ela não sossegará enquanto não resolver todo esse assunto. E isso seria puro suicídio!

Então resolvi mentir.

Clarke mostrou, o quão cansada ela estava a mais que eu. E mesmo assim, disse que não a sentia em toque, não a sentia por dentro, não me importava com ela. As mentiras eram necessárias.

Mal vi seus movimentos. Apenas sabia que quando reabri os olhos, ela já não estava mais no quarto. Somente eu me encontrava no cômodo, encarando a porta semiaberta com um terrível peso.

Com esses pensamentos ainda rondando meu cérebro fui lavar o rosto na pia do banheiro, encarando o homem de olhos negros que olhava de volta. O que me tornei? Não mereço nada! Toco meu próprio reflexo, logo dou um soco no espelho, o quebrando. Joguei-me na cama, com o rosto no travesseiro, o perfume de seus cabelos ainda está impregnado.

 

COLDWATER, ESTADOS UNIDOS.

DEZEMBRO DE 2010

Não senti quando Clarke e eu transamos. Foi como dormir com todas as outras mulheres. Senti-me incompleto, como se aquela não fosse ela... Como se ela viesse agindo bipolarmente desde o dia que tocara em minha cicatriz.

•••

 

Sua costa ensanguentada. Octavia chorava compulsivamente, e isso me deteriorava. Expulsei Clarke quando ouvi a menção ao nome de Lincoln. O homem que se diz meu amigo tivera a capacidade de corromper minha irmã. Matar é pouco para o que pretendo com ele!

—Não!!! Por favor, Bell. Ele não tem culpa.

—Me solta. —Mandei, nervoso.

Octavia não soltava das minhas pernas. Ela tremia desesperada, em meio a dor e ao medo do que eu estava prestes a fazer.

—Greta me ajudou a não chorar durante esses séculos. Nós duas ficamos te observando, temi quando foi até Chauncey. Eu podia ver seu desespero em conquistar a ruiva. Mal tinha perdido as asas e já estava praticando algo ruim; que não fazia parte do seu eu verdadeiro, da sua personalidade. Aquele pacto causou-me arrepios... Fiquei cansada de ser apenas sua espectadora, e como Greta andava sumida, tive a ideia de convencer o Conselho para que eu pudesse descer e ajuda-lo.

—O que esta dizendo? —Perguntei, mas, sabia que ela estava desabafando.

—Estou querendo dizer que você foi ao Conselho e revelou sobre seu pecado. Eles o expulsou sem mediar. Foi horrível vê-lo cair, vê-lo sangrar. Não consigo esquecer aquela cena, Bell. —Octavia secou as várias lágrimas que escorriam por seu rosto. —Ao menos pensou em mim quando decidiu se apaixonar por aquela humana? Ao menos pensou em como eu ficaria sem você?

—Tenho sido um ser egoísta, desde aquele dia, na prática, embora não em princípio.

—Diga que se preocupou comigo durante esses dias. Diga que não me odeia, Bell.

Não podia controlar, agora já havia acontecido o que eu temera. Não perderia nada mais. Sem mediar as palavras, revelei:

—Ainda lembro de nós juntos. De como eu era antes de tudo... Lembro de você todo dia, toda tarde, toda noite. Porque você é a pessoa mais importante que já existiu, pra mim. Por que acha que coloquei Raven pra ser sua babá? Porque me importo! Porque sinto sua falta, me preocupo, me arrependo.

—Essa foi a melhor coisa que já ouvi.

Abaixei-me e deixei que ela chorasse como o bebê que sempre cuidei.

 

COLDWATER, ESTADOS UNIDOS.

DEZEMBRO DE 2010

Creia-me nunca deixarei as mulheres de minha vida entrar em tristeza, até o momento de suas mortes. Foi instantâneo quando neguei minha mortalidade, pois o que eu mais almejava era vê-la com os olhos abertos, respirando, viva!

Sorri quando os pequenos dedos se entrelaçaram aos meus, e ela retribuiu o sorriso e controlou as lágrimas ao perceber que estava em meus braços, voando.

Ela perdeu o chão tantas vezes que aprendeu a flutuar. E se eu pudesse te dar algo, te daria a capacidade de ver a si mesma através dos meus olhos, para que então ela perceba o quanto é especial para mim.

Foi então que coloquei-a no gramado, ainda perdida e desgastada com a transfusão. Clarke não entenderia, mas eu preciso deixá-la para sempre.

Deixar.. Apenas a palavra me machucava.  Mas não podia contestar. Afinal, tinha algo mais importante que eu prometera aos céus, e isso implicava na segurança dela.

Anjos da guarda não podem sentir. No entanto, eu desejei gritar aos quatro cantos que tinha aprendido a amar, e que havia sido ela quem me ensinou. A princesa que eu achei perdida no trânsito, fez o homem perdido dentro de mim retornar.

Queria lhe dizer tanto, mas apenas deixei-a sozinha...

Completamente

Absurdamente

Simplesmente

PERTURBADA.

 

 

 

 

Prévia: segunda temporada...

02 DE ABRIL DE 2009

Suas pernas doíam. Já correra demais, tinha se distanciado do caminho de casa. As ruas e vielas escuras se agigantavam diante de si como um corredor escuro, frio e perigoso, um aviso do que estava logo atrás. Ou na frente. Ou nos lados.

Sua mente há muito era um branco total e em seu peito uma ansiedade ruim tomava conta e assombrava, mandando calafrios para suas costas e barriga, lhe impulsionando a correr cada vez mais.

Por que saíra tarde do trabalho? Por que trocara de turno justamente hoje? Pensar que podia ser outra pessoa naquela situação. Ou não. Ou era ele mesmo o alvo.

Acelerou seus passos mais, o medo crescendo em seu interior. Seu coração batia tão rápido quanto as asas de um beija-flor. O som dos passos além do seu era ainda pior, concretizando toda aquela situação.

Seu corpo congelou quando sentiu tropeçar em algo. Parar significava perder. Ouviu então uma risada sádica. Uma descarga elétrica perpassou suas terminações nervosas, deixando seus reflexos sobre aviso.

Ele só pensava em sua esposa e em sua filha. Só queria ter certeza que elas estavam seguras. A sombra da perseguição surgiu, revelando uma figura que ele bem conhecia. E então calou-se e suspirou, pensando estar entre amigos.

Se soubesse que dois anjos estavam ao lado de sua filha, ele teria morrido em paz.

 


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Notas finais do capítulo

Compensei o tempo de espera?
O que acharam desse POV?
O que esperam da próxima temporada?
Saibam que terá novos personagens e novos ambientes.
Mandem um comentário ou review, e eu responderei acrescentando O LINK DA CONTINUAÇÃO DA FIC.

beijos anjinhas
saudades de vocês
Que venha o próximo Perturba-me!



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