Perturba-me escrita por Laila Gouveia


Capítulo 3
decidi que irei odiá-lo


Notas iniciais do capítulo

Olá! De novo eu o/
Estou tentando fazer o máximo que posso, esse cap é um pouco maior que o anterior.
Espero que gostem.



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A lanchonete Veneno era decorada com caveiras. A particularidade do estabelecimento fazia com que não fosse muito frequentada, por isso Jasper, Monty e eu guardávamos sua localização como nosso segredo.

Assim que passei pela porta, o sino acima fez barulho. O pequeno Green acenou sentado à mesa do fundo, -onde sempre sentávamos, porque era o melhor lugar para se observar lá fora-. Enquanto Jasper permanecia concentrado olhando o cardápio. Sentei em frente aos dois, e coloquei minha mochila na cadeira vazia ao meu lado.

—Ele não deixou. —Suspirei insatisfeita.

—Eu avisei que era perca de tempo. —O magrelo alto falou, ainda analisando o cardápio.

—Você tem que entregar o trabalho quando? —Monty ouvia-me com atenção.

—Amanhã. Ou seja, irei ficar sem fazer.

—Clarke, você nem conhece ele direito. Dê uma chance ao cara. —O pequeno sempre fora paciente.

—Eu tentei, mas simplesmente não dá. O cara sabe como encher meu saco!... Acredita que ele ficou escrevendo coisas sobre mim sem ao menos eu dizer? E o mais estranho, é que ele acertou.

—Pode ter sido um palpite. —Jasper falou.

—Não acho que tenha sido um palpite. ­—Olhei de soslaio, percebendo finalmente a importância que ele estava dando ao papel. —A proposito, o que você está procurando no cardápio?

—Decidi que vamos pedir algo novo desta vez.

—O quê, por exemplo?

A garçonete chegou com o bloco de papel e a caneta na mão, como se soubesse o momento exato em que começaríamos os pedidos. Mas pensando bem, não era tão surpreendente assim. Visto que além de nós três, só havia mais dois clientes em outras mesas.

—O de sempre? —Ela perguntou sorridente.

—Dessa vez vamos querer esse sanduíche numero três aqui. —Falou apontando. —E o suco... —Passara a mão no queixo. Um gesto de avaliação comum pra o mesmo.

—Suco veneno! —Monty  e eu, dissemos juntos. Interrompendo-o. Não aguentaríamos nem mais um segundo aquela indecisão chata.

Jasper olhou-nos derrotado.

—Suco veneno então... E só.

—Ok.­ —A mulher sorridente deu uma leve batidinha no papel de anotações que segurava, como se quisesse comprovar que de fato, teria escrito nosso curto pedido.

Depois de ela entregar o lanche, comemos enquanto conversávamos sobre o jornal da escola; Trabalhávamos no editorial, e precisávamos fazer alguma matéria nova. Monty sugeriu que fôssemos ao cinema assistir ao novo filme de terror em cartaz, e que assim poderíamos fazer uma crítica depois. Sua proposta foi aceita sem discussão.

Tomamos o suco veneno rapidamente. Gostávamos da sensação de borbulhar em nosso estômago, ao ponto de parecer estar derretendo os órgãos. Quando saímos, seguimos por lados opostos. Jasper e eu morávamos na mesma direção, mas ele iria dar carona para o Green. –outro traço inevitável de nossa convivência eram as caronas-.

Entrei em meu carro velho. Demorou em dar partida, e quando finalmente consegui, liguei o rádio e segui ouvindo músicas aleatórias.

Moro com minha mãe em uma antiga casa de fazenda do século retrasado, cheia de correntes de ar e afastada do centro. É a única residência no bairro e os vizinhos mais próximos estão a mais de um quilômetro de distância. Sempre me perguntei o que o construtor estava querendo quando fez a casa num lote onde toda neblina da cidade é sugada. Naquele momento, a casa estava envolta de uma camada de nuvens nebulosas, impedindo de ver a decoração. Faziam-me lembrar de espíritos fugitivos perambulando o quintal.

—Mãe! —Chamei-a quando abri a porta, jogando minha mochila em qualquer canto da entrada.  

—Clarke, já estou saindo. —Ela apareceu, vindo da cozinha com seu jaleco branco e amarrando o cabelo.

—Emergência? —Perguntei, mesmo tendo conhecimento da resposta.  

Minha mãe é a melhor médica da cidade. Depois que meu pai morreu, ser “a melhor” ajudou ela a manter a casa. O único ponto negativo, era que para receber o suficiente, seu tempo em casa era raro, e nosso tempo juntas era mais raro ainda.

—Sempre. —Ela suspirou, e depositou um beijo em minha testa. —Como foi o seu dia? E a escola?

—A escola foi normal, tirando a aula de biologia. Depois acabei ficando com os meninos na lanchonete. Espero que não se importe.

—O que aconteceu na aula de biologia? —Ela perguntou enquanto procurava seu par do sapato.

—Tenho um novo parceiro na turma.

—E isso é bom ou ruim?

—Jasper era meu antigo parceiro.

—Hum. —Seu braço sacolejava na tentativa de calçar o sapato às pressas. —Então é ruim.

Concordei bufando.

—Fale de sua nova parceira. Essa menina, como ela é?

—Ele é um pouco mais alto que eu, moreno, desagradável.

E assustadoramente impenetrável. Os olhos de Bellamy eram como órbitas negras. Que absorviam tudo e não devolviam nada. Não que eu quisesse saber mais sobre ele. Se não gostei do que vi por fora, duvidava que fosse gostar do que espreitava lá no fundo.

—Tenho que ir querida. Depois você me fala mais. —Pegou sua bolsa também jogada pelos cantos. —Tudo bem?

—Tá. Bom trabalho.

—E os garotos? —Perguntou depois de abrir a porta e antes de fecha-la colocou a cabeça para dentro.

—Sendo Jasper e Monty como sempre. —Brinquei.

 Ela sorriu, e mandou um beijo simbólico. Pisquei duas vezes as luzes da varanda para lhe dar um adeus. A claridade deve ter atravessado a neblina, pois ela tocou a buzina em resposta.

Fiquei sozinha.

•• 

Passei a noite plantada em uma banqueta da cozinha na companhia do dever de álgebra. Quando tirei o livro de biologia da mochila, respirei fundo. Sabia que Marcus usaria a nota desse trabalho como metade da média. Pensei em inventar, mas obviamente não ia dar certo.

Tinha dito para Bellamy que não ligaria, e seis horas antes era essa mesmo a intenção. Questionei-me sobre o aluno novo e em como ele sabia perfeitamente, mesmo que em pouco tempo, me tirar do sério. Não sabia dizer se gostava ou sentia medo.

Decidi fazer uma lista mental sobre minhas opções, porém, não demorou muito para minha expressão murchar. Minhas notas não eram estáveis, estavam mais para problemáticas, e eu não podia reprovar. Comecei a examinar sensações que tomavam conta de mim. Não estava com fome. Não estava cansada. Nem estava tão solitária. Mas estava ansiosa, por conta desse maldito trabalho.

Eu sabia que não era a pessoa mais sortuda do mundo. Muito pelo contrário, sempre me denominei como a mais azarada de todas. As coisas sempre foram complicadas, desde minha infância, onde eu sempre acabava por meter-me em confusões sem nem mesmo perceber. Tinha vezes que eu simplesmente queria desaparecer, porque não era possível alguém ter tanto azar quanto eu. Na maior parte do tempo, tropeçava na frente das pessoas. Nunca tirava notas boas, e acredite, nem sempre foi por falta de esforço. Perdia minhas coisas com frequência, e nem sequer sabia como tinha conseguido tal proeza, mas ainda assim não voltava a acha-las. Cair da cama quando estava na melhor parte do sonho, e claro, ser obrigada a fazer um trabalho desnecessário com um cara que pouco se importava com os estudos.

Será que ele tinha consumido todo o tempo com aquelas perguntas de propósito? Para que eu tirasse uma nota ruim? Será que ele achava que um sorriso sedutor seria o suficiente para redimi-lo? Sim! Ele achava.

Sem pensar, fui em direção ao telefone da cozinha. Olhei para o que havia sobrado dos oito dígitos marcados em minha mão. Secretamente, tinha esperanças de que ele não atendesse minha chamada. Se não estivesse disponível ou se não quisesse colaborar com o trabalho, eu teria provas contra ele para convencer o professor a mexer nos lugares e retornar Jasper para meu lado.

Esperançosa, disquei o número. Bellamy atendeu no quarto toque.

—Fala. —Sua voz grossa me causou arrepios.

—Estou ligando para ver se a gente poderia se encontrar hoje. Sei que você pode estar ocupado, mas...

—Clarke. ­—Ele pronunciou meu nome como se fosse uma piada. –Achei que você não ligaria. Nunca. –A ultima palavra teve um sonoro ênfase.

Naquele momento me arrependi de ter ligado, o que tinha dado em mim? 

—Enfim, podemos nos encontrar ou não?

—Não vai dar.

—Não vai dar ou você não quer?

—Estou no meio de um jogo de sinuca. Um jogo de sinuca muito importante.

Aff. Só podia ser brincadeira.

—Onde você está? —Perguntei irritada.

—No fliperama do Bo. Não é o tipo de lugar que você frequentaria, princesa.

Não gostei do que ele havia me chamado. Quem ele pensava que era?

—Então vamos fazer a entrevista por telefone. Minha lista de perguntas não é longa.

Ele desligou na minha cara.

Fiquei olhando o telefone, atônita. Que filho da mãe!!!!!!

A raiva me consumiu naquele instante. Peguei uma folha do caderno e rabisquei: Babaca, na primeira linha. Na linha abaixo, acrescentei: Fuma charutos. Vai morrer de câncer no pulmão. De preferencia logo

Olhei para a folha. Quem eu queria enganar? Essas duas linhas só iria provar para o professor o quão péssima investigadora eu sou. Não tinha conseguido nada, Bellamy estava vencendo...

Encontrei uma moeda na gaveta da cozinha. Melhor deixar as decisões complicadas por conta do destino.

Cara, eu vou. —Disse para o perfil do rosto na moeda. —Coroa, eu fico em casa.

Joguei no ar. A moeda aterrissou na palma da minha mão e eu dei uma olhada. Meu coração acelerou por um segundo e disse a mim mesma que não estava certa do que isso queria dizer.

—Foda-se. —Exasperei.

Peguei um mapa pendurado na geladeira, apanhei minhas chaves e dei ré no meu carro, completamente determinada a chegar o mais rápido possível nesse tal de Fliperama do Bo e exigir bons modos ao meu colega de sala abusado.

 


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Notas finais do capítulo

É isso ^.^ amanhã posto mais.
Se puderem comentar, agradeço.
Bjs



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