Perturba-me escrita por Laila Gouveia


Capítulo 28
a mágoa me consumiu


Notas iniciais do capítulo

“O ser humano tem a perversa tendência de transformar o que lhe é proibido em tentação” – Confúcio.



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Fiquei petrificada, encarando aquele rosto escondido na sombra. Dividi duas vontades remotamente perigosas: Tentar abrir a porta e correr até o telefone, ou, identificar de uma vez por todas quem seria aquele por detrás da máscara.

Entretanto, assim que o corpo caiu de joelhos no chão, e finalmente a luz fraca da lua iluminou a figura, não encontrei máscara alguma e sim um rosto tão bem conhecido. Estranhamente não quis gritar, pois, de certa forma, havia me habituado aos assombros recorrentes da vida.

Uma grande quantidade de suor escorria por sua pele. Ele tremia tanto que meu corpo parecia querer tremer igual.

—Seu quarto... —O moreno ofegava tão parecido aos meus surtos, que por um momento eu esqueci sua temida presença e acreditei estar diante de um ser, completamente vulnerável. —... Alguém entrou aqui. Não consegui chegar antes. —Continuou, apoiando as mãos no chão.

Mal escutei o que ele falara. Minha mente estava analítica ao seu estado. Seria este o lado diferente que Octavia dissera? O que tinha acontecido com sua personalidade exagerada? Afinal, por que ele estava invadindo meu quarto?

—Você está tremendo. —Falei sentindo sua respiração acelerada perder ritmo pouco a pouco.

Então, em um ato impensado, abaixei-me e coloquei a mão em sua testa molhada. Minha intenção com aquele gesto era apenas fazê-lo se acalmar. Porém, no momento que cheguei mais perto, senti descargas elétricas descerem por todo meu corpo com o calor que emanava dele. Através dos seus olhos negros, os mesmos que sempre me afrontavam cheios de petulância e deboche, pude ver sua alma aclamando pela minha. Elas imploravam!

Idiota, imbecil, tola, burra, estúpida, trouxa. Qualquer adjetivo correspondente a minha incapacidade extrema de odiá-lo. Por mais que eu tentasse, não conseguia. E esquecê-lo então, jamais! O fato era... Vê-lo daquela forma me deixou péssima. Era como se o Blake voltasse depois de tudo que dissemos um ao outro, apenas para me abalar novamente.

—Bellamy... —Eu tinha jurado que nunca mais trocaria sequer palavras com ele, e por ironia, aqui estava. Totalmente aturdida e preocupada.

O moreno ergueu a cabeça me olhando, e eu percebi que suas íris estavam se impregnando de uma profundeza assustadora. Ele estava ficando cada vez mais quente, suas mãos repousavam em meu peito. Fiquei atraída pela fisionomia vulnerável em minha frente. Tentei recuperar o ar perdido naqueles segundos, e deixei minhas pálpebras caírem, enquanto senti o polegar dele caminhando para meu pescoço e puxando-me devagar para si.

—Estou me desintegrando. Estou perdendo o controle. —Falou num tom amargo.

Respirei fundo, reunindo toda a coragem que eu possuía. As batidas aceleradas do meu coração queriam enganar toda a mágoa que sinto em relação a ele. Depois daquela revelação, perguntei-me sobre qual seria a reação se nos encontrássemos de novo. Perguntava-me se durante esta semana afastada, eu estaria torturando-me à toa, ou se a paranoia, na verdade, era realmente fundamentada.

Contudo, não tive tempo de escolher minha ação. De repente, -tão rápido que causou um breve pausa em meus batimentos cardíacos-, Bellamy apertou meu pescoço e ao passe de mágica, eu já estava deitada na cama, com ele em cima de mim fazendo-me engasgar.

Pensei em me contorcer, lutar, chutá-lo. Mas não... Simplesmente deixei que prosseguisse com o doloroso aperto.

—Você tem medo de mim? —Perguntou friamente.

—Não mais. —Respondi, praticamente sem voz.

—Por que vim aqui lhe defender, achando que estivesse em perigo?

Olhei perifericamente ao meu redor. Ele estava falando da bagunça apocalíptica que meu quarto se encontrava. Alguém teria entrado ali!

—Não sei... —Outra vez um som quase inaudível saiu de minha boca.

—Eu poderia te estrangular com dois dedos. Uma leve força e cairia em meus braços. Seria tão simples enforcá-la até seu pulmão ficar sem ar, e acabar com o que sou, com o que me tornei, com o juramento sagrado que fiz. Mas de que adiantaria? Isso não alcançaria o que quero. Já não sei mais o que almejo!

Por que eu não estava fazendo nada? Sério, por quê? Como se eu quisesse me torturar, fixamente presa em suas orbitas negras. Praticamente enfeitiçada...

 “Talvez nós realmente estejamos cansadas de brigar.”

—Você sempre foi minha ruína. —As palavras duras dele, saíram embalsamadas em uma voz macia, que mantinha uma pitada de conflito interno. Como uma faca escondida embaixo do lençol de veludo.

Neste instante, eu comecei perder a consciência. Bellamy percebeu, e num súbito de razão, soltou meu pescoço. Uma onda de insegurança invadiu-me, e assim que ele se afastou, eu me joguei para fora da cama e corri até a pilha de roupas no chão.

O moreno andou até mim, secando seu suor e se recompondo da cena que eu lhe encontrara. Um minuto atrás e qualquer um que o visse, juraria ter presenciado ele tremer sem controle do seu próprio corpo. Seria mesmo que o Blake se desintegraria?

Indiferente disso, não poderia especular nada agora. Talvez ele estivesse movido pela mesma ira daquele dia no quarto de motel. Tinha que fazer algo com urgência, antes que eu pudesse descobrir suas intenções.

Sem delongas, coloquei minha mão entre as roupas bagunçadas e joguei cada peça desesperadamente. Assim que ele tocou em meu braço, uma mistura de receio e temor causou um frio em meu estômago, fazendo-me sentir o objeto metálico no bolso de uma das minhas calças. Sem noção alguma do que estava fazendo, tirei um estilete do bolso e virei, estendendo meu braço em sua direção.

Ele não devia estar preparado para este movimento traiçoeiro. Quando percebi, Bellamy caiu sobre meu corpo, com um corte em sua barriga. Minha cabeça levou um baque para trás com o peso. Senti um gosto ruim na língua, e rapidamente empurrei-o.

Iria correr para fora do cômodo, se minha mão não estivesse manchada de um sangue negro assustador. Enquanto encarei meu reflexo no espelho, o Blake foi lentamente se levantando, com seu corte regenerando diante dos meus olhos. O líquido espesso e escuro tinha entrado em contato com minha boca, e sem querer eu engoli. Um gosto de ferrugem agridoce foi minha única sensação, antes de tudo virar um grande breu.

♂♀

O quarto chacoalhava e um perfume diferente brincava com meus sentidos obrigando-me a fechar os olhos para sentir de forma mais completa. Perfume masculino sem dúvidas! E isso fez com que eu segurasse a vontade de vomitar.

O homem de ombros largos definidos e um rosto resplandecente que não escondia certa irritabilidade, encarava-me. Ele caminhou até mim, com uma blusa rasgada e manchada de preto. Algo me dizia que seu nome era Bellamy. Na verdade, várias informações pulavam na minha mente do nada sobre escola, anjos, cicatrizes, descendência, e coisas assim. Bem interessante, mas eu não tinha paciência para organizar aquilo, então preferi não entender.

Acho que não é assim que você me agradece. Ele falou ameaçadoramente.

—Você estava me enforcando. Um corte foi o mínimo que eu poderia fazer. Falei, recapitulando o que tinha acontecido.

O moreno me olhou com um pouco de surpresa pela resposta que foi dada. No fundo, eu sentia que algo estava diferente. Como se fosse um espirito em um corpo errado, mas isso era loucura, claro. Eu sabia bem que era Clarke Griffin, tinha dezessete anos e todas as outras informações convencionais da minha vida. Só estava estranhando como aquelas informações soavam tão... “não eu”.

Não posso mais machuca-la... O Blake soava tão arrependido. Mas ao mesmo tempo, não posso ficar longe de você.

Oh, que lindo. —Coloquei a mão no peito, fingindo estar derretida por suas palavras. —Só vou avisando que a próxima vez que encostar em mim... Esse estilete vai atravessar o seu corpo, entendeu?

O moreno ergueu uma sobrancelha por breves segundos, e eu senti que ele era o tipo de parceiro de jogo do qual eu gostava. Ok... ele é um anjo caído; bem provavelmente só se sente atraído pela ‘outra’. Porém, sua reação quanto à minha ameaça tinha sido, sem dúvida, a mais legal que eu já vira.

Por que sempre terminamos assim?

Primeiramente, foi você que veio ao meu quarto quando já havíamos combinado afastamento total.

—Vim porque achei que alguém estivesse aqui.

Own, ele é tão fofo falando assim, preocupado. Só que não!  

E o pior é que, coitada da minha outra metade. Sério! Ela só fica chorando pelos cantos. Sofredora de amor não correspondido. Fraca demais! Como pôde decidir que gosta de alguém, e simplesmente o abriga a se afastar?

Mas, afinal, o que eu estava dizendo? Sequer tenho moral para julgá-la. Fiz exatamente a mesma coisa com a mulher dos meus sonhos. A única diferença era de que eu possuíra a sorte de descobrir cada mentira naquela visão estúpida, antes de me envolver profundamente. Não que meus sentimentos foram falsos, muito pelo contrário, eu estava disposta a largar tudo, possuir para sempre este corpo que também é meu, e fugir com minha esmeraldina. Amá-la...

Só que eu devia ter imaginado que a vida não é um sonho. A ‘outra’ também devia ter imaginado. Somos duas iludidas que acharam estar diante da felicidade. Todavia, Lexa e Bellamy não eram e nunca serão parte do nosso futuro.

Com ela tudo era confuso, repentino, inesperado e intenso. Os sentimentos que eu nutria não eram cálidos... Diferente dela. Greta, havia participado de toda aquela enganação. Ela é cúmplice! Mágoa seria a palavra perfeita para me definir. Apenas por lembrar de sua boca abrindo e dizendo aquelas mentiras. Cada mentira proferida por sua voz, que por muito eu considerei melodia.

Greta? Lexa? Eu achara que ela era minha, mas isto foi ilusão. Cada um deles tornou-se meu inimigo, e por mais que ela finja querer me proteger, nada, absolutamente nada irá tirar essa sensação angustiante da traição.

Eu estava decidida:

*Primeiro irei ferir a mim mesma. Porque isto que eu estou prestes a fazer despedaçará meu coração. *Segundo, irei conseguir que ele ache estar ganhando. Porque isto que eu estou prestes a fazer é minha forma de vingança. *Terceiro, antes que o Blake conte vitória, eu farei que tanto ele, quanto a outra Clarke descubra o que fizemos. E dessa vez ele irá perdê-la para sempre. *Quarto e completamente o mais difícil, irei ferir Lexa. Porque isto que eu estou prestes a fazer é com total intuito de expressar o quanto minha vida perdera sentido.

Dei um passo acreditando ser o mais provocador que minhas pernas poderiam. A expressão masculina se atenuou completamente hipnotizado em mim. A mão fervente envolveu-me pela cintura obrigando meu corpo colar ao dele.

Agarrei seu cabelo desgrenhado, enquanto suspirei ao sentir sua mão intrusa desvendando o perímetro da minha pele que a blusa costuma esconder. Com um sorriso torto e extremamente ridículo, soube automaticamente que o Blake tinha entendido minhas intenções. Mordeu minha isca!

Chamas incandescentes inebriavam os olhos negros como a noite, e queimavam qualquer um que ousasse se aproximar. No entanto, se for para acabar por completo com minha dor, eu desejaria queimaduras de segundo e terceiro grau sem nem ao menos me importar.

—O que você está querendo, Clarke? —Perguntou roçando seus lábios nos meus, fazendo-me hiperventilar. —Sabe que nosso caminho juntos sempre será perigoso.

—Não tenho medo do perigo. —Entreabri os lábios lhe dando espaço para aprofundar o beijo. —Nenhum de nós irá conseguir fingir que nada aconteceu. —O fim da frase foi o bastante para que ele invadisse sua língua em minha boca, iniciando um beijo ardente.

Ódio! Nojo! Eram palavras insuficientes para expressar. Ainda não tinha ideia dos meus próprios sentimentos com relação a qualquer um que passará pela nossa vida desde que eu acordei. Para mim, tudo é cem por cento. Nada inacabado, nada incompleto. E sim, opostos, conflitantes e paradoxais.

Acabei arfando em busca de oxigênio e o anjo caído riu baixinho parecendo achar extremamente divertida minha dificuldade respiratória. Levou seus lábios até o meu pescoço, provavelmente querendo evitar que eu desmaiasse sem respirar... Como se eu fosse desmaiar, até parece.

—Esperei por isso desde o dia que te conheci, Bellamy Blake. –Confessei aquilo sabendo que a outra Griffin estaria me matando neste momento.

Percebi descrente que o homem já havia tirado o pano azul que me cobria, e levado a barra da minha blusa até a altura dos seios.

Que mão leve desgraçada!

Tirei a mão do seu cabelo, erguendo os braços para que ele finalizasse logo o processo e ele sorriu arrancando a blusa de uma vez e me deixando apenas de sutiã.

—Queria poder ter visto. —Ele falou observando a beca jogada no chão.

Putz, aquela formatura cheia de vergonha alheia. Não, não... A ausência dele foi perfeita.

Insinuei, levando minhas mãos até sua camisa masculina, e puxando os dois laços com força fazendo com que uma chuva de botões se espalhasse pelo quarto e o tecido liberasse seu abdômen. A sobreposição de músculos que formavam o famoso “tanquinho” tirava qualquer consciência que eu ainda possuísse. Droga, Clarke!

Deixei que a boca dele continuasse traçando o perímetro do meu pescoço. Bellamy, muito melhor do que eu naquilo, já puxava o fecho da minha saia fazendo com que o tecido deslizasse por minhas pernas. Logo em seguida, ele me erguia deslizando a mão até minha coxa fazendo com que eu colasse as pernas em volta do seu quadril.

Agarrei sua nuca e trouxe seus lábios aos meus com força, e até agressividade, só o largando quando senti meu corpo tombar na cama. Ele ajoelhou-se por cima do meu corpo sugando entre meu pescoço e clavícula, os dois discos redondos de seus olhos se preencheram de algo que eu facilmente soube interpretar, “Desejo”, enquanto sua mão passeava por minha pele sem nenhuma timidez. Invadindo minha costa como se quisesse chegar ao fecho do sutiã.

Não conseguia entender essa mistura de emoções existente entre a ‘outra’ e o Blake. Tudo que havia em mim era apenas o sentimento sujo e errado. Mas quando ela está perto dele tudo fica mais brilhante. Decerto, eu sabia que o moreno não era o homem da máscara. Qualquer pessoa que raciocinasse por breves minutos perceberia que não é ele. Mas não posso confessar esta verdade pra Griffin.

Briguei com sua mão no meu sutiã ao mesmo tempo. Eu ficaria praticamente nua enquanto ele só havia perdido a camisa? Não mesmo! Sua língua roçava na minha de um jeito tão pecaminoso que eu precisava lembrar toda hora que o jogo não seria justo se eu simplesmente fizesse suas vontades.

Meus dedos seguiram aflitos até sua calça a desabotoando como se minha vida dependesse disso. Finalmente o deixando com a cueca box preta, ouvindo o som do jeans tocando o chão. E ele aproveitou minha distração para me livrar do sutiã com um único movimento.

Imaginei aqueles olhos verdes esmeralda, nossos toques sinceros no cais. As luzes da roda gigante, enquanto duas garotas exageradamente sorridentes uniam suas almas... Ou eu pensara que sim!

Seus lábios foram desvendando cada milímetro da parte interna da minha coxa, enquanto deslizava a minha calcinha pelos meus joelhos, panturrilhas e finalmente os pés. Seu toque ficou mais urgente colando-se mais a mim e beijando meu corpo de uma maneira completamente angustiante.

Mente vs Coração

Então não quis mais. Não queria mais me vingar. Não quero mais aquilo. Eu estava agindo infantilmente a custas dos sentimentos deles, a custas do meu sentimento. Tudo pra quê? Bellamy parecia não estar gostando assim como eu, até mesmo diante do nosso corpo ele conseguia perceber a diferença. Mesmo que imperceptivelmente.

Fechei os olhos e gemi baixo ao senti-lo dentro de mim. Como se uma faca cravasse em meu peito, não deixei que o Blake, visse as lágrimas que escorriam por meu rosto. Eu quis que Lexa aparecesse e se deparasse conosco ali, que ela sentisse a mesma raiva que sinto. Ao mesmo tempo, eu quis que ela jogasse pedrinhas na janela e subisse para me tirar daquele pesadelo.  

♂♀

 

 Afaguei o meu rosto e delicadamente, envolvi-me junto ao seu corpo fervente. O calor que exalava de sua pele me atingia em instáveis ondas eletromagnéticas. Calafrio. Quentura. Faíscas. Deixei que suas mãos acariciassem meu cabelo.

Abri os olhos lentamente, o sol da manhã dava indícios que logo surgiria. Nossos olhares se sustentaram vidrados assim que eu percebi as orbitas negras quase coladas ao meu lado. Por uma eternidade ou apenas uma pulsação, soltei um grito assustado e cai da cama com o lençol enrolado em mim.

—Se afaste!! Ordenei ainda sentada no chão. O Blake levantou do outro lado da minha cama, e caminhou até alguns panos jogados.  Ah meu Deus, você está nu. Berrei com os olhos arregalados.

—Quanta blasfêmia numa frase. Ele se divertiu com minha reação.

—O que você fez? Fechei os olhos tentando ignorar aquela imagem na minha frente.

—A pergunta correta é: O que fizemos?

—Você mexeu com minha mente. Acusei.

—Eu disse que nunca mais entraria em sua mente. Por que está agindo como se não soubesse o que houve aqui? —A expressão dele parecia desconfortável.

—Porque eu não sei, droga! —Estava prestes a explodir e soca-lo outra vez. —A ultima coisa que me lembro foi de você tentando me matar.

—Jamais te mataria. —Ele falou impaciente. —Pensei que estivesse tudo bem.

—Tudo bem? —Virei bravejando. O Blake já estava com a calça. —Depois de tudo que me fez passar, depois de todas as mentiras... Você aparece no meu quarto me assustando e machucando. Onde está o ‘tudo bem’? —Segurei-me ao máximo para não gritar.

—Quer saber... Você é completamente louca. —Ele falou apontando o dedo para mim.

—Foi você que me fez acreditar que eu era louca!

—Não me culpe por sua bipolaridade.

—Como ousa dizer que sou bipolar. —Avancei até ele e o encarei fuzilante.

—No começo era divertido brigar com você, te ver ficar vermelha de raiva... Mas desde que tocou nesta maldita cicatriz, a única coisa que faz é reclamar da sua vida e de todos.

—Reclamar?... Reclamar? —Dei um soco em seu ombro frustrada. —Vai se ferrar, Bellamy.

Ele agarrou minha cintura dissimuladamente, e eu tive que agir por instinto e segurar o lençol, antes que caísse. Analisei cada contorno de seu rosto, desde as linhas suaves até as mais intrigantes. Tudo nele, agora, parecia um mapa a ser desvendado meticulosamente. O sorriso do moreno se expandiu, e aquele mesmo sentimento retornou. Ou, talvez, nunca ido embora dentro de mim.

Precisava confessar o único motivo que nos manteve afastados durante essa semana inteira. Por mais eu que negasse, não era o fato de ele ter mentido para mim, ou planejado por muitas vezes minha morte dolorosa. Eu estivera decepcionada por saber que anjos caídos nunca amariam. Seres do mal seguiam impulsos da luxúria, paixão, atração, desejo... Mas nunca do amor.

—Eu me odeio. —Soltei chorosa.

—Por quê? —Ele sussurrou com o pouco espaço entre nós.

—Pela segunda vez pedi que nunca mais voltasse... E pela segunda vez fiquei vazia, descrente, infeliz. Descobrir tudo sobre meu pai e a descendência, desabou meu mundo. Acontece que essa semana inteira, eu precisei me reerguer, mas não sabia como.

Por alguns segundos Bellamy apenas me encarou, nenhuma pergunta permanecia em si.

—A vida é cheia de nós na garganta. —Falei com os olhos prontos para derramar lágrimas. —Nós nos destinos. —Completei, incomodada com a rapidez que meu peito subia e descia.

—O que você fez comigo, princesa? —A respiração dele pareceu alcançar a distancia segura de nossos corpos e invadido cada célula do meu ser.

—Talvez eu seja um perigo pra você, do mesmo jeito que é pra mim.

—Talvez... —O Blake sorriu de canto, devolvendo uma faísca que eu, confesso, já estava sentindo falta. —Confesso que não posso mais abandona-la. É um pesadelo ficar longe de você.

Sem nem mesmo perceber, permiti-me sorrir com esse pensamento. Parecia ser algo tão... Tão simples, mas que, ao mesmo tempo, eu conseguira complicar a dimensões tão extremas, que era quase loucura! E eu não queria passar nem mais um segundo perdido nessa insanidade que eu havia criado.

—Você não parecia... —Comecei e pausei.

—Parecia? —Ele sorriu igual raposa.

—Não sei... Quando cheguei e entrei no quarto, você não estava igual.

—Seu quarto foi...

—Praticamente destruído. —Ri com essa sucessão de frases completadas.

—Ainda estou em duvida sobre quem pode ter feito isso.

—Têm suspeitos? —Perguntei naturalmente. Este tipo de situação não parecia mais anormal para mim.

—Nenhum. —Ele respondeu seco. E por algum motivo eu não tive crença nessa afirmação.

—Por que estava suando tanto? —Optei por não pressioná-lo com relação à resposta anterior. Acho que eu precisava de pausas no quesito: verdades aterradoras.

—Em histórias, quando a lua cheia está próxima, todos os lobisomens ficam fracos até a noite chegar e eles se possuírem por completo.

—Vai me dizer que você é um lobisomem também?

—Não. O Cheshvan se iniciara hoje a meia-noite. Qualquer anjo caído tem permissão para possuir o corpo de humanos. É uma opção. Porém, o pacto com Chauncey me impedi disso. Quando chegar a hora, possuirei o corpo dele. E somente o dele!

—O que acontece com seu corpo?

—Nosso corpo não é igual aos seus, Clarke. Não somos carcaças, não sentimos, não morremos. O que você vê e toca é apenas algo subjetivo do anjo que já fui. Quando a noite de Cheshvan acabar, ao invés de voltar como todos os anjos caídos, eu vou me desintegrar e ficar preso no corpo de Chauncey por um mês controlando-o. Assim como te contei: cometi o erro de fazer o juramento pela eternidade e agora não posso mais fugir.

Respirei um pouco, absorvendo tudo aquilo.

—Significa que será humano, não é?

—Significaria... se Chauncey não me odiasse. —Bellamy pareceu divagar por instantes. —Toda vez que acordo no corpo dele, estou preso por correntes... Ele prende a si mesmo em correntes, de proposito.

—Mas isso não é como machucar o próprio corpo dele... Machucar a si mesmo? —Perguntei remota, e o Blake olhou rapidamente para minhas cicatrizes. Fiquei constrangida e as cobri com o lençol.

—Basicamente... O problema é que ele é um Nefilim. Sua raça é uma das piores, depois dos demônios. Por ser filho mestiço do próprio rei do inferno, Chauncey tem poderes. Ele não morre naturalmente, ao não ser que alguém o mate... Eu fico acorrentado com o corpo dele, por um mês eterno, sem comer, sem beber, apenas parado. Fico padecendo e nada mais.

Iria dizer que sentia muito, mas proibi-me. Relutei por pensar que primeiro veio as infindáveis brigas e desentendimentos nossos, que muitas vezes resultavam em algo mais do que uma simples discussão. Depois veio o desejo e paixão, a vontade enlouquecedora de ter um ao outro, até percebermos que tínhamos desenvolvido uma dependência. Que precisávamos estar em contato, pois era tudo que passava por meus pensamentos. E ai veio o amor... Não! Eu não poderia classificar o que sinto desta forma. Poderia?

Eu achei que tudo estava colorido e perfeito. Mas essa, assim como as outras, foi uma fase que passou. Porque a vida é como a lua. Ela é feita dessas fases, e a diferença é que as coisas não tendem a se repetir como acontece com o satélite natural. Ou talvez eu já tivesse conhecimento de tal fato, e me odiasse profundamente agora. Não que eu queira ter uma recaída, não que eu ache que recomeçar ou querer insistir nele seja o certo, afinal, Bellamy é mau e fez coisas ruins.

Caminhei até a pilha de roupas jogadas no chão, e iniciei uma procura por uma peça adequada.

—Ainda não entendo como fiquei desse jeito. —Bufei envergonhada, tentando fugir daquele assunto anterior. —Parece que minha memória deixou de existir, é confuso.

—Pelo menos, tivemos uma ótima oportunidade de nos despedirmos. —Fiz um tamanho esforço para não entender o que ele estava insinuando, mas falhei.

—Você fala como se fosse ficar preso no corpo dele para sempre. —Virei lhe encarando.

—Às vezes acho que um dia irei, e não voltarei mais.

Senti uma pontada no meu coração, desejando que lágrimas não surgissem agora. Já bastasse eu ser fraca o suficiente para não conseguir me afastar dele. Ainda teria que demostrar minha fragilidade emocional, pensando na possibilidade de perdê-lo. No entanto, aguardei por segundos que aquela irritante voz da minha consciência zombasse com o que ele falou. Que dissesse: “Não sentiremos sua falta”, ou algo assim... Mas um absoluto silêncio permaneceu dentro de mim.

—Alias... —Bellamy se abaixou e tirou uma jaqueta preta de couro, embaixo da cama. —Essa aqui é a minha?

—Esqueci de devolver. —Cocei minha nuca.

—O que estava fazendo debaixo da sua cama? —Seu tom provocador me deixou encabulada.

—Nada. —Eu só passei uma das piores semanas da minha vida, chorando e dormindo com sua jaqueta. Sentindo o seu perfume. —Digo... Você disse que alguém entrou aqui. Não sei se percebeu, mas, nada está no lugar.

Bellamy era tão imprevisível, embora eu também fosse. O estranho fato de nosso relacionamento anormal –que combina perfeitamente com minha vida- sugere para qualquer um que nos conhece, a obvia analise e pressentimento que não daremos certo nem que nos esforçarmos. Ele aparecera tão de repente em minha vida, e em pouco tempo causou uma transformação de raiva para afeiçoamento. Entretanto, por mais que tento, ficar longe dele me causa um vazio.

Talvez eu seja bipolar.

—Preciso que me diga se...

De repente, ele abaixou-se novamente interrompendo sua própria fala. Parecia que aquela mesma situação que eu o encontrara durante a noite iria ocorrer outra vez. Fiquei temerosa e quis pedir que o Blake saísse dali. Que fizesse o que havíamos combinado, e me deixasse com meu orgulho intacto. Mas o nome proferido em sequência me deixou confusa.

—Octavia! —Ele constatou olhando para a janela.

•••

Eu deveria achar belo, a ligação que ambos possuíam. Porém, o desespero cegou-me igualmente a ele. Esqueci sobre ódio, raiva, traição... Disparamos com a moto, eu na garupa e ele focado em chegar, -onde quer que seja-, o mais rápido possível.

Bellamy virou o retrovisor da moto, ao modo que podíamos nos enxergar. Bastou uma simples troca de olhar para que eu soubesse o quanto assustador deveria estar à situação de sua irmã, para que pudesse me comprovar o quão certa eu estou por ter aceitado seguir com ele novamente.

Franzi o cenho e desci minhas sobrancelhas querendo deixar bem claro que aquilo era apenas por ela, mas assim que nos aproximamos do prédio do qual ele mora, notei um corpo caído no chão perto de alguns arbustos.

—Para!!!!  —Berrei assustada.

Ele freou a moto com violência, e eu desci da garupa um tanto abrupta. O Blake, por sua vez, parecendo enfim notar o motivo da minha atitude, e possivelmente visualizando melhor quem estava jogado ali, acabou soltando o seu transporte querido no meio da rua, e disparou correndo em minha frente.

Logo entendi seu desespero.

Cai ao lado da figura feminina e chamei por seu nome, completamente angustiada. Lentamente, Octavia murmurou, e eu suspirei aliviada. Bellamy virou o corpo dela sem extremos cuidados, e ergueu a regata preta revelando um uma cicatriz aberta, ensanguentada, e pulsando cores que eu não saberia identificar. O mesmo V encontrava-se na costa da morena, e eu só pude tampar minha boca expressando um abalo desconexo.

 


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Notas finais do capítulo

Hey anjinho(a)s, estou postando esse novo cap um pouco antecedente as datas que costumo atualizar, por conta da minha ansiedade da madruga.
Acabei acordando à pouco, simplesmente pq hoje estarei mudando de casa para outra cidade. Possivelmente vai demorar até eu voltar. Talvez entre o sábado e domingo da semana que vem, ou não.
Espero que todo(a)s comentem.
Notem que alguns dos leitores ainda não favoritaram (Vamos colaborar,neh? Mereço?)
Enfim... ta avisado.
bjs e abraços



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