Perturba-me escrita por Laila Gouveia


Capítulo 25
acreditar em anjos é um erro


Notas iniciais do capítulo

Sobre minha demora... Apenas justifico como fim de semestre.
Amores não deu
Mas cá estou eu lindamente (d novo) postando uma maravilhoso cap pra vcs com todo carinho e dedicação ^-^
Espero que gostem (ta intenso)
Fiz bastante em... relevem o sumiço
Hey, algumas leitoras notaram que no capitulo 14, a Lexa deu a dica sobre um certo alguém enquanto conversava com a Clarke na casa da arvore. Quem percebeu?
haha
Nos vemos lá embaixo



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O natal foi uma ocasião maravilhosa. Até hoje me lembro do meu vestido de veludo, que foi escolhido cuidadosamente. Lembro-me de papai arrumando meu cabelo e colando uma fita da mesma cor do vestido, já que ele sempre buscava desculpas para mexer em meu cabelo porque sabia que eu amava.  Tudo estava perfeito, mas quando chegou a hora de aparecer, quem disse que eu saia do quarto? Nenhum argumento foi forte o suficiente para me fazer mudar de ideia. Travei completamente, estava apavorada demais, imaginando ter de encarar um monte de adultos estranhos. Fiquei deitada na minha cama, de costas para a porta, vendo a neve cair pela janela londrina, ouvindo os convidados chegando lá em baixo, enquanto lágrimas silenciosas rolavam por minha face.

Estava assim, mergulhada em minha pequena tragédia pessoal, quando ouvi a porta do quarto abrir e fechar. Automaticamente fiquei alerta, mas não me virei, só escondi o rosto no travesseiro.

—Você não vai descer mesmo? —A voz acolhedora me fez olhar.

—Queria estar com a família. Não quero passar o natal com seus colegas de trabalho e os filhos chatos deles. —Meu bico de emburramento fez meu pai sorrir.

—Posso sentar? —Ele apontou para a beirada da cama.

Mexi a cabeça de um lado para o outro, em resposta negativa.

—Quero te contar um segredo. —O homem ignorou minha ordem e sentou mesmo assim.

—Não quero ouvir! —Tampei as orelhas com as mãos. —Quero que ligue pro vovô.

—Sei que gosta do vovô, meu amor. Mas eu também sou um dos seus favoritos, não é?

—Não é mais! —Exclamei birrenta.

—Também não gosto de passar o natal com o pessoal do trabalho.

—Mentira! Você e a mamãe amam todos eles.

—No caso da sua mãe não posso negar... Ela adora esses jantares porque pode usar toda a prataria que guarda o ano inteiro.

Não resisti e deixei que os cantos de minha boca se elevassem num sorriso.

—Eu ainda não entreguei seu presente de natal.

—Papai Noel vai trazer! Não preciso de presente seu. —Virei minha cabeça e comecei a encarar a parede, tentando disfarçar minha fraqueza anterior.

—Acontece que, Papai Noel não vai te dar uma casa nova.

—Não pedi isso.

—Achei que quisesse ir embora... Talvez numa casa que um certo pai chato herdou há anos, em outro país, com a possibilidade desse pai chatérrimo trabalhar menos.

—Em outro país? —Meus olhos umedecidos encontraram o azul infinito dele.

—Numa cidade pequena.

—Vamos sair de Londres? —Meu coração subitamente acelerou empolgado.

—Ah é... Esqueci que você tem oito anos e prefere ficar com o vovô. —Ele tossiu provocando. —O seu favorito.

—Nunca disse que vovô é meu favorito. —Engatinhei sorridente até seu colo.

—Ops... Sua mãe me fez prometer que eu não contaria pra você.

—Papai, isso é verdade?

—Decidi sossegar um pouco, meu amor. Sinto saudades da minha casa, da cidade que cresci.

—Mas e a mamãe?

—Ela não quer deixar Londres. Só que... com o tempo vocês duas vão se acostumar.

—Não posso acreditar! —Dei um grito histérico e comecei a pular na cama. —Não posso acreditar!

—Shhh... —Ele puxou meus pés, trazendo-me de volta aos seus braços. —Não podemos deixar que aqueles homens e aquelas crianças irritantes lá em baixo saibam de nossa fuga.

—Fuga? —Deitei minha cabeça em seu ombro. —Vamos fugir hoje?

—Será em breve, prometo! Eu e a mamãe precisamos ajeitar as coisas por aqui, antes de nos mudarmos pra valer. —O homem mexeu em meus cachos, semicerrando os olhos. —Mas... Só iremos seguir adiante com essa ideia, se você descer e participar da ceia conosco.

—Vou ter que dizer tchau ao padrinho, e vou ter que mudar de escola também? —Levantei abruptamente e comecei a ajeitar o vestido.

—Você vai fazer novos amigos.

—Será?

—Tenho certeza que sim. —Ele segurou minha mão, e começou a me encaminhar para fora do quarto.

—Papai?

—O que, meu amor?

—Se mudarmos, você vai ficar um montão de tempo comigo?

—Não vou sair de perto de você até eu ficar velhinho.

—Papai? —As mãos dele me conduziam pela escada como se fossemos da realeza num baile.

—O que, meu amor?

—Esse vai ser o nosso melhor ultimo natal aqui.

—Enquanto estivermos juntos, sempre será.

◘◘◘◘

▬▬▬▬▬▬▬

—Clarke... O que você está fazendo aqui? —Os olhinhos sonolentos de Monty foram abrindo suavemente após meu grito incalculável.

—Desculpa. —Sussurrei, deixando que algumas lágrimas escorressem.

—Tiveram que expulsar o Jasper quando o horário de visita acabou. —O quarto escuro impedia que eu visse seu rosto completamente. —Como deixaram que você entrasse?

—Estou com medo. —Encolhi-me ao seu lado na pequena cama, deitando minha cabeça em sua barriga.

—O que aconteceu? —Monty usou sua mão boa para acariciar meu cabelo.

—Estou sozinha.

—Mas eu estou aqui. —Ele constatou automaticamente.

—Sou a única que sabe sobre todos eles, talvez seja por isso que me queiram morta.

—Do que você está falando? —Minha cabeça começou a subir e descer rapidamente, era perceptível que a respiração dele tinha se alterado.

—Estou sozinha... Se eu te contar, posso colocar sua vida em risco também.

—Isso é alguma brincadeira? Porque eu não estou achando graça.

—Me abrace. —Pedi sincera.

É tão difícil caminhar, quando uma estrada não está mais lá. E ter que construir o próprio chão com as incertezas. Eu podia ser otimista, pensar que tudo que foi dor um dia, no outro poderia me reinventar. Entretanto, nada além do lógico e realista futuro embargava minha mente.

Era estranho pensar nas reviravoltas que a vida pode dar. Aquele calendário não saia da minha mente, um ano e meio era o tempo aproximado que aquela lembrança concretizou-se. Agosto do ano passado era a data marcada. Um ano e meio para Bellamy se aproximar e me convencer de que tudo não passava de uma coincidência. Um ano e meio e o meu destino havia sido traçado.

Meu maior medo não era saber que morreria a qualquer momento, e sim saber que Lexa havia previsto minha morte com o apoio de Bellamy. Não é preciso ser um médico formado para perceber que meu corpo reagia ao pânico de minha realidade. Tive que usar de todas as forças para não surtar outra vez. Eu só precisava de um abraço para me sentir um pouco segura, alguns segundos do calor do amor para fugir do meu constante pesadelo.

—Se contar pra um amigo, talvez se sinta mais leve. Eu sei que algo está acontecendo, não foi por acaso que estou neste quarto de hospital. —Monty acolheu-me em seus braços, tomando cuidado com o gesso e os hematomas.

—Meu pai disse que quando nos mudássemos para cá, tudo ficaria melhor. E por um tempo as coisas, realmente, ficaram. —Prendi o ar tentando me concentrar. —Agora é como se tudo desmoronasse... —Sussurrei.

A porta do quarto foi aberta bruscamente e de repente todo entorpecimento de segurança que eu senti se esvaiu. Monty e eu olhamos assustados, como se meu medo estivesse sendo dividido com ele.

—A recepcionista avisou que te viu. Como as enfermeiras deixaram que você entrasse, filha? —Dr(a) Abby Griffin indicava no crachá preso no jaleco.

Minha mãe acendeu a luz, e rapidamente eu passei a mão no rosto, tentando não parecer tão vermelha. Eu estava muito mal? Sim, eu estava. Meu medo havia transpassado a escala mental e chegado à escala física. Senti meu corpo esquentar ao ponto de parecer que iria derreter, mas não podia mostrar a ela.

—Vim vê-lo. —Levantei calmamente e me afastei da cama.

—Ain meus amores, sei que de ontem para hoje muita coisa aconteceu. Sei que estão assustados, mas o doutor que acompanha o seu quadro, ele disse que terá alta amanhã.

—Clarke veio me fazer companhia. —Monty me olhou piedosamente, como se pedisse que eu desabafasse antes de partir.

—Na verdade, eu passei num restaurante e comprei uma comida mexicana... Vou para casa esquentar e jantar.

—É melhor descansar, querida. Amanhã eu te ligo quando ele for sair. —Ela olhou carinhosamente para nós, e Monty sorriu com a notícia.

—Eu vou. —Optei por não me aproximar dele e disfarcei dando passos rápidos até a porta, acenando levemente.

Assim que sai, também tentei evitar contato com minha mãe, que vinha logo atrás fechando a porta, junto ao silencio que se instalara no corredor.

—Onde esteve? —Ela perguntou.

—Já disse... —Olhei para o chão, incomodada. —Fui com a namorada do Jasper comprar comida. Depois deixei ela na sua casa, e voltei pra cá.

—Eu não vou poder ir com você pra casa agora, meu turno vai acabar de manhã. Por favor, tenha cuidado quando chegar. Tranque as portas!

 Minha vontade era de gritar socorro, implorar ajuda. No entanto, eu sabia que o alarde pioraria as coisas. Minha mãe estendeu a mão querendo tocar em meu rosto, porém, me esquivei tentando impedi-la de sentir minha febre repentina.

—Nem todo mundo vai morrer num assalto como o papai. Eu sei me cuidar, não precisa se preocupar. —Menti.

Sem esperar por uma resposta, dei as costas e avancei o mais rápido que pude. Meu coração estava acelerado e eu sabia do que precisava ingerir no momento, e não tinha nada a ver com alimentos.

•••

Tranquei a porta e corri para meu quarto. A janela batia com o vento, mas não me importei com o barulho, apenas puxei minha velha caixa debaixo da cama. Baguncei todos os papeis de desenho em cima do lençol, e tirei o fundo falso na expectativa de encontrar o que estava procurando.

O ano havia começado bem. Afirmei para meio mundo que não precisava mais deles, que tudo tinha passado e meu psicólogo convenceu-se da minha certeza. Porém, lá estava... minha intima cartela de comprimidos, bem na palma da minha mão.

Assim como acontecera durante toda noite, no momento que esse pensamento me ocorreu, senti-me pesada. Senti-me desolada. No entanto, tinha que evitar que a tristeza me alcançasse novamente, tinha que permanecer firme. Recusava-me a chorar novamente. Seria vergonhoso demais sucumbir ao medo e ao desespero daquela forma, e tudo que eu não precisava naquele momento era de mais arrependimento, de forma que apenas balancei a cabeça, enquanto me sentava na cama.

O que eu precisava era pensar em um jeito de ir adiante, e lágrimas não me ajudaria a fazer isso. Precisava colocar os pensamentos em ordem, fugir dos temores, e por mais difícil que fosse tentar resolver, -ainda que apenas uma pequena parte dos meus problemas-, seria dando vez ao único componente que trouxe lucidez a minha turbulenta mente no passado.

A dor que senti quando engoli o comprimido a seco foi proporcional ao sentimento de traição, pois eu tinha acabado de fraquejar diante das minhas convicções. Não demorou muito para meu corpo cair e deitar. Enrolei-me no cobertor e estremeci de susto interno até dormir.

De repente ouvi a voz ansiosa perfurar meus pensamentos perturbados, e despertei com um barulho. Meus olhos foram aos poucos se acostumando com a escuridão do ambiente. Comecei a tatear a parede à procura do interruptor, não fazia ideia de como tinha chegado à sala.

No segundo que toquei e a lâmpada acendeu-se, meu coração gelou fazendo meu corpo pender para frente. Impedi a queda segurando na mesa de centro, enquanto meus olhos arregalados estavam vidrados na figura sentada no sofá.

—Lexa? —Perguntei assustada.

Ela inclinou a cabeça para um lado, demonstrando ligeiro ar de surpresa.

—Preciso que me escute. —Seu tom era de apelo.

Recuei alguns passos, diminuindo a distancia entre nós. Lexa estava de cabelo comumente amarrado num rabo de cavalo, com um leve topete. A única diferença em sua figura era o exagero de sombra preta, dando um toque de agressividade em seus olhos verdes.

—Como você entrou? —Segurei-me para não gaguejar.

—Não pude terminar o que comecei aquele dia no pátio. Você precisa saber.

—Eu sei o que você é!

—Sinto muito por isso. —Lexa levantou. —Mas eu queria que você soubesse a fraude que o Bellamy é.

—Vocês dois são igualmente farsas. Eu sequer conheço teu nome! —Falei rancorosa.

—Meu nome é Greta... —Ela olhou para o chão com ar entristecido.

—Por que veio agora que já sei de tudo?

—Porque segui você. —Ela respirou fundo. —Eu segui e vi você e a namorada do Jasper entrarem no restaurante que ele trabalha. Sei que tocou na cicatriz dele, porque eu senti.

—Quero que saia da minha casa. —Exigi em pânico.

—Clarke...

—Sai daqui!!!

—Sou um anjo da morte. —A revelação saiu de sua boca com um suspiro. —Bellamy também era... Nós éramos ligados, melhores amigos. Fazíamos tudo juntos.

—Não quero saber sobre o que vocês foram ou não!

—Você sabe o porquê ele desceu?

—Sai da minha casa ou eu vou chamar a policia. —Falei com os dentes rangendo.

Ela estava ansiosa. Desesperada seria a palavra correta! Lexa, ou Greta, tinha a mesma emoção carregada nos olhos, mas algo permanecia diferente... Como um medo por ter sido descoberta, por ter se tornado um livro aberto, exposta, indefesa... Ela já não demonstrava a mesma intensidade e felicidade que eu conhecera.

—Bellamy desceu porque se apaixonou por uma humana. —Aquelas palavras tinham me atingido, meu coração parecia estar formando uma rachadura permanente.

—Não quero saber.

—Ele se apaixonou por uma camponesa, seu nome era Victoria. Eu deveria ter percebido que Bellamy estava viciado demais no seu mundo, ele os observava com tanta frequência... Mas não consegui impedi-lo de abandonar tudo e cair por ela.

—O que você quer Le... —Mordi minha língua com raiva. —Greta?

—Por favor, não me chame assim. —Sua respiração estava falha. —Quero abrir seus olhos para o mau que te ronda.

—Eu sei muito bem quem são os que me rondam.

—Não sabe Clarke... —Ela respirou fundo outra vez, e deu um passo, comigo recuando em sincronia. —Eu e Octavia sofremos muito quando ele nos deixou. Nós observávamos o quanto ele sofria, e isso nos machucava.

Não havia um toque sequer de condescendia em sua voz, apenas angustia.

—Eu desci, pois queria informa-lo de sua enfim paz. Disse o que ele tinha que fazer para conseguir voltar.

—Salvar a vida de um humano... Bellamy perguntou como, e você disse meu nome. —Conclui segurando as lagrimas insistentes. –Foi por isso que todos vocês vieram até mim, porque eu sou a maldita chave pra ele voltar!

—Sim e não. —Ela avançou outros passos, e eu recuei alguns outros. —Quando falei o seu nome e vi sua morte, eu também vi o rosto do responsável por isso.

—O homem da máscara de esquiador. —Soltei, pressionando meus olhos com a mão.

—Não. —Ela afirmou rouca.

 Acabei encarando suas esmeraldas e minha mandíbula travou.

—O rosto que vi foi do Bellamy.

Ninguém havia me preparado para o que eu senti naquele momento. Foi como ser atingido por um carro a cem quilômetros por hora. O ar escapou dos meus pulmões e saltou pela minha boca. Arfei e o gesto foi suficiente para Lexa dar duas passadas longas para frente, mas parou assim que percebeu o alarme estampado em meu rosto.

 Não saberia explicar como minha mente reagiu junto com meu coração naquele momento, ouvir o nome do meu assassino fez tudo ao meu redor desligar, perder cor, cheiro, e sentidos. Somente um zunido pairou.

—Você está mentindo. —Foi à única coisa que consegui dizer depois de longos minutos.

—Ele planeja usa-la como sacrifício.

—Mentira! —Gritei.

—Existe um livro sagrado: O livro de Enoque. Nele, um anjo caído mata seu vassalo nefilim ou um de seu descendente. Ao fazer isso o anjo caído torna-se mortal. Ele torna-se humano.

—Não... —Minha voz estava perdendo o volume.

—Quando vi isso entrei em desespero. Não podia deixar que ele fizesse algo assim, se Bellamy virasse humano, nunca mais lhe veríamos. Comecei a fazer missões clandestinas aqui, eu seguia ele e me assegurava de que sua única motivação era voltar pra nós duas.

—Pare. —Um sussurro foi o único som que eu conseguia emitir.

—Então comecei a te vigiar também, tinha medo que ele fizesse algo errado do qual se arrependesse outra vez. Quando ele entrou na escola, decidi fazer o mesmo. Eu precisava ficar perto o suficiente para impedi-lo, por isso inventei um nome e não contei sobre minhas origens. Mas... Com o tempo fui me sentindo próxima de você, sem perceber eu acabei mudando meu foco, e então percebi que não me importava mais se ele iria voltar ou não, o que eu queria era apenas te proteger.

Eu nunca fora religiosa, mas me lembrava claramente de quando ouvia que anjos caídos eram seres que negavam o céu e tornavam-se perturbadores.

—Não sou mais a Greta de antes... Aquela Lexa que você conheceu sou eu agora. —Ela avançou um pouco mais, até me emparedar, deixando-me encostada na parede sem possiblidades de recuo. —Nós anjos não conhecemos nada parecido, e eu não conseguia entender o porquê ele me deixou e abandonou a própria irmã por causa de uma garota, por causa de algo que vocês chamam de paixão... Acontece que, eu não conseguia entender toda essa bagunça de escolhas e desejos até te conhecer. Tudo mudou quando começamos a conversar e depois que nos beijamos. —Lexa olhou para a janela que revelava a casa da arvore no jardim dos fundos. Os olhos dela brilharam com a luz igual a cada vez que nos encontrávamos. —Eu soube mais que tudo, tive certeza que tenho que te proteger. Fugi o máximo que pude dele, porque sabia que eu era o ultimo ser que ele imaginaria traindo-o. E agora que Bellamy me viu no pátio, ele sabe que vou impedi-lo de assassiná-la, ele sabe que eu beijei você, ele me odeia.

Nada! Absolutamente nada conseguia sair da minha boca. Meu cérebro ainda tentava processar cada palavra que ela pronunciava.

—Eu tentei te avisar. Por várias vezes eu tentei explicar sobre o quão errado foi me envolver além do permitido, mas é impossível conter.

—Por que Bellamy faria isso? Por quê? —O pouco de raciocínio que eu possuía ainda negava qualquer informação.

“Porque eles são todos iguais. Nenhum deles pode sentir, nós fomos enganadas por suas indiferenças.”

Eu podia perceber uma pontinha de ódio dentro de mim. Eu não sabia de onde vinha, mesmo assim, era um ódio não manifestado que começara a crescer.

—Está vendo esta marca? —Lexa ficara próxima o suficiente para eu sentir sua respiração. Ela colocou o dedo em meu pulso.

—Eu fiz essa marca. —Cada corte significava uma dor que carreguei e transbordei.

—Eu sei. —O dedo dela percorreu por minhas pequenas cicatrizes no pulso. —Em baixo dessas cicatrizes, tem uma marca, veja!

Olhei de relance, relutante, não queria observá-las sabendo de cada tentativa de suicídio. Essas lembranças ainda me perturbavam.

—É uma marca de nascença. —Conclui o óbvio.

—Significa que você é descendente de Nefilim.

—Não sou um Nefilim! —Esbravejei.

—Você não é uma, mas seu sangue, sua genética, cada célula do seu corpo possui a descendência. Essa casa pertence ao seu antepassado...

—Esta casa era da família do meu pai. Ele cresceu aqui! —Gritei, interrompendo-a. Cortando cada insinuação mentirosa que ela despejava sob mim.

—Seu pai possuía a mesma marca, assim como qualquer membro que viveu aqui.

—Não sou da família de um Nefilim!

—Não é de qualquer um que você herdou esta marca. Sua descendência pertence à Chauncey Griffin Langeais.

—Chauncey? —Repeti perplexa.

—Você conhece esse nome, não é? O vassalo de Bellamy.

—Raven disse que ele tinha um pacto com este homem. Ela disse que o Blake possuía o corpo de seu vassalo por mais tempo que os outros anjos caídos.

—Bellamy desafiou um Nefilim poderoso quando obrigou Chauncey a fazer o pacto pelo corpo no mês de Cheshvan.

Minha única vontade era de gritar e berrar em desespero, mas minha voz ficou presa na garganta.

—Agora ele quer sacrifica-la, pois você herdou do seu pai o sobrenome. Quando eu desci, pude ver o que ele planejava. E isto incluía as regras do Livro de Enoque para se tornar mortal.

—Ele não quer.

—Bellamy te seduziu, é o que anjos caídos fazem de melhor... Você subestimou, pois o mundo transformou ele em algo sombrio. O Blake que eu conheci não existe mais.

Minha cabeça doeria menos se eu levasse uma martelada na testa, ao invés de ouvir aquela informação.

—O homem mascarado sempre foi ele. —Falei apática.

—Não vou deixar que ninguém te machuque. —Ela afirmou convicta, firme.

Os olhos esmeraldas então caíram sob o meu rosto, e ela me encarou com uma dor interna bastante visível. Apenas o ato de vislumbra-la, -ou talvez ouvir aquela certeza de que ela me salvaria-, deixou minha mente chumbo. As emoções conflitantes pesavam tanto dentro do meu peito que achei que iam me sufocar.

“Não quero que ela se aproxime. Não quero que as mãos dela encontrem o caminho até meu rosto. Quero distância de cada um deles, está me ouvindo? Você pode me ouvir? Eu não quero mais! Não quero!”

—Você correu quando sentiu que Octavia estava indo comigo no café. —Disse contra gosto.

—Não podia deixar que ela me visse. Octavia é maravilhosa, mas ela não sabe que estou aqui.

—Aquele dia no pátio você disse que tinha cometido um erro.

—Não posso falar sobre isso agora.

—Por que não? —Não conseguia expressar nada além de descaso. —Pensei que estivesse aqui para me contar a verdade.

—Eu... Eu... —Lexa suspirou tentando conter o gaguejo. —Eu sei que não devia, mas você estava correndo riscos. Eu vim até sua casa porque queria te contar tudo de uma vez, e quando cheguei vi a moto dele estacionada. Vocês estavam conversando na porta, então percebi que estavam prontos para saírem juntos.

—Esteve aqui naquela noite?

—Sei que o que estou fazendo é pecado, mas não consigo evitar. O que sinto por você é mais forte. Não gostei de te ver com o Bellamy aquele dia, queria que tivesse me ouvido quando avisei sobre ele. Fiquei desesperada naquela noite, temi por sua vida. Você não entende o quão ruim é ser um anjo da morte e carregar almas através do véu eterno. Não queria carrega-la, não quero perde-la.

—Qual foi seu erro?

—Fiz o que tinha que ser feito. Não foi certo, só que não há como reverter.

—Do que está falando?

Se Lexa tivesse um coração obviamente ele estaria acelerado agora. Os olhos dela entregavam sua relutância.

—Clarke, eu... te amo. —Uma lágrima escorreu por sua bochecha rosada. —Pode parecer insano, precoce, e mentiroso, mas, descobri que posso amar, que posso sentir cada toque... E isso só é possível com você. Quando eu desci, estava querendo meu melhor amigo de volta, e agora eu só quero estar com você. Nada mais importa depois que nos entregamos uma a outra no cais, depois de cada segundo olhando seus olhos azuis, depois de cada vez que senti seu cheiro, segurei sua mão, beijei sua boca... Eu te amo e nada irá me fazer esquecer o que vivi ao seu lado durante essas semanas.

“Você me faz feliz...” Uma voz lá no fundo sussurrou, e logo arrependeu-se. De repente minha boca abriu sem eu ter controle algum, seguido pelas palavras que fizeram a castanha em minha frente perder qualquer sensação boa, esperançosa, ou recíproca:

—Não me ame. O amor nunca fez nada por mim, e não será o seu que fará.

Lexa deu um passo para trás instantaneamente, aumentando a distancia, exalando uma tensão e tristeza inigualável. Suas pálpebras desceram, e eu soube que ela tinha perdido o chão, enquanto guardava sua vontade de chorar.

O silencio ficou agonizante, fora e dentro de mim.

—Vou ser seu anjo da guarda, Clarke. Mesmo que não queira! —Um sussurro nasalado soou após vários minutos. —Desculpe por tudo que omiti. Não era pra ser dessa forma, eu fui rude com as palavras, e mereço seu ódio. —As finas mãos que por inúmeras vezes serviu de calmaria quando apertadas as minhas, tremeram discretamente. —Por favor, não saia daqui até sua mãe chegar de manhã.

Não respondi.

—Só espero que acredite em tudo que eu disse. —Ela deixara que seus ombros encolhessem.

Por um momento esperei que a voz da consciência interrompesse novamente, mas ela não disse nada. Era um silencio igualmente triste, angustiante, incompleto. Talvez significasse que os remédios estavam fazendo efeito, que eu deveria ter tomado corretamente, e o sumiço da esmeraldina em meio ao breve breu que a sala ficara, significasse que era só mais um pesadelo.

•••

Debaixo do chuveiro iniciei um choro misturado com tantas dores, que ninguém poderia numerar. Questionei minha própria existência, proferia preces e xingamentos a todos os possíveis deuses, pedia perdão ao meu pai, embora me sentisse tão traída por ele.

Condenei meus sentimentos, mas o campeão daquela situação era o nojo. Se é que existia esse sentimento! Nojo de cada um que apareceu em minha vida no ano que até então eu achava ter sido o melhor. Nojo por ouvir as palavras de Greta esmagando os poucos pedaços que sobraram do meu coração. Nojo de tudo que achei ter vivido verdadeiramente. 

Entrei no quarto enrolada na toalha, e me troquei com qualquer roupa que encontrei. Meus olhos ardiam, meu corpo permanecia quente. Olhei meu pulso por horas, sentindo um receio percorrer por cada parte do meu corpo.

Minha intuição gritava que algo ruim iria acontecer. Provavelmente era de madrugada quando ouvi um barulho na cozinha. Seria muito comum eu me esconder debaixo da coberta já que sempre fiz isso quando estava sozinha antes, mas agora o medo era maior do que qualquer sentimento.

Cautelosamente desci a escada e chamei por minha mãe, ninguém respondeu. Em seguida chamei por Lexa, -totalmente dividida sobre querer ser ela ou não-. Ninguém respondeu também, mas, quando o segundo barulho soou, qualquer dica ou ordem foi esquecida, deixando-me aflita diante da confirmação.

 Peguei minha chave do carro e sai correndo para fora. Não dava para enxergar nada já que minha casa ainda estava no olho atmosférico que suga toda a neblina. A casa estava envolta em sombras e qualquer percepção sobre o meu carro foi perdida de imediato. Quando finalmente consegui entrar, travei as portas e sai em disparada seguindo pelo caminho unicamente sensato de todas as minhas fugas: Os Jordan’s.

Meu coração palpitava, o suor escorria. Respirei profundamente várias vezes tentando retomar o ar do meu pulmão. De repente, um farol começou a aproximar vindo em minha direção. O motor turbinante fez a curva, virando a moto no sentido oposto, igualando ao meu trajeto. Não demorei a saber quem era o motoqueiro perseguidor.

Bellamy usava seu visual comum, mas dessa vez ele estava sem a jaqueta; Imediatamente me lembrei de que tinha ficado comigo depois do nosso encontro; Pisei no acelerador e segui na maior velocidade que meu calhambeque suportava. A moto ultrapassou e começou a desacelerar, até ele conseguir prosseguir no mesmo ritmo que meu carro, ficando ao lado do vidro.

—Clarke, encosta ali agora!! —O grito misturado com o barulho dos motores me fez olha-lo. Ele não usava o capacete, e seu cabelo sacudia com o vento.

Entretanto, eu só conseguia enxerga-lo com uma mascara. Flashes daquela noite no carro fizeram com que meu estomago embrulhasse.

—Clarke, a gente precisa conversar. Encosta o carro. —Bellamy conseguiu bater no vidro, e eu girei o volante desgovernadamente, derrapando na pista.

Houve um segundo de silencio. O sorriso despretensioso e os olhos negros que sempre puderam enxergar através de mim. De repente tudo estava em câmera lenta, meu carro acompanhado pela moto dele ao lado pareciam deslizar pela rua suavemente. Eu lembrei de quando Bellamy sentou ao meu lado e debochou dos meus aspectos, nossas risadas ecoaram em minha mente, me fazendo esquecer de olhar para frente e perceber que ainda estávamos em alta velocidade. No meio de tudo isso, a voz de Lexa chamando pelo meu nome enquanto brincávamos dentro da fonte do centro, enquanto fazíamos dever de casa escondidas numa arvore particular.

 Uma dor invadiu aqueles bons momentos falsos, a dor só não foi maior quando minha testa pressionou a buzina fazendo um barulho ensurdecedor, meu carro completamente afundado pela vastidão da floresta me fez enxergar pela ultima vez o farol piscando no meio dos bancos retorcidos.

 


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Notas finais do capítulo

E ai, gostaram? Comentem -mandem reviews
Para aqueles que ainda não favoritaram :c :c
Em breve vcs terão surpresas, não posso revelar agora mas logo logo eu comento aqui a novidade!!!!!
Um beijo para todos os leitores (até os fantasmas)


Ps::: Minhas aulas acabaram semana passada, então vou aproveitar e tentar postar com mais frequencia



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