Perturba-me escrita por Laila Gouveia


Capítulo 12
previsão do tempo: corra


Notas iniciais do capítulo

Obrigada por comentarem ♥
Aproveitem pq hj o cap ta enormeeeee!!!
É isso, nos vemos lá embaixo.



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Rolei na cama a noite inteira. O vento batia nos campos abertos que circundavam o casarão, jogando detritos no telhado. Todos os pequenos barulhos, do bater das janelas ao rangido das molas da minha cama, faziam-me acordar assustada.

Por volta das seis horas desisti. Arrastei-me para fora da cama e percorri o corredor na grande e velha casa, a procura de um banho quente.

Fiquei submersa na banheira, ouvindo apenas meus pensamentos.

Lembrei-me da noite passada e como Bellamy agiu quando soube que Raven estava desmaiada. Ele não deixou ligarmos para a ambulância e fez questão de leva-la embora sozinho.

Não importava o quanto eu tentasse compreende-lo, suas atitudes me intrigavam. Seu ar de mistério e seus segredos ainda impediam qualquer simpatia que eu sentisse por ele. E com isso, a vontade de encontrar respostas, falava mais alto.

 Bem mais alto.

•••

Depois de me arrumar, desci até a cozinha. Minha mãe estava preparando café e sua face entregou o cansaço.

—Dormiu bem? —Perguntei recostando no balcão.

—Como se eu tivesse dormido. —Ela bocejou. —Voltei do hospital agora.

—E vai tomar café? —Caminhei até ela e impedi que continuasse ferventando a água.

—Preciso me manter acordada. Tenho que fazer um pouco de limpeza na casa.

—Nada disso. Você vai subir agora e deitar em sua confortável cama. Pode deixar que eu arrumo tudo por aqui.

—Mas você vai pra escola.

Olhei para o lado disfarçando. Não queria ir pra escola, ainda não estava pronta para encontrar com todos e ouvir os possíveis deboches dos alunos. Mas também não poderia faltar outra vez, senão minha mãe começaria com o seu famoso discurso motivacional.

—Eu vou. —Menti. —Mas... Quando voltar, arrumo tudo. Prometo.

—Sério? —Ela sorriu satisfeita.

—Sério! Eu prometo mãe. ­—Depositei um beijo em sua bochecha e comecei a empurra-la de leve em direção à escada.

—Eu vou dormir o dia inteiro, então. —Ela subiu o primeiro degrau e me olhou. —Não me acorde.

—Fica tranquila. —Fabriquei um sorriso falso, tentando não expressar meu contentamento com as palavras que ela dissera.

☼☼☼☼☼☼

Eu já havia estado em Portland em muitas ocasiões, mas não conhecia a cidade muito bem. Tudo no município era urbanamente bonito, bem arquitetado e com prédios altíssimos.

Quando o ônibus parou no ponto final, desci armada com meu celular e minha bússola interna. Perguntei para algumas pessoas que passavam, onde ficava o local que eu estava buscando. Depois de vários “Não faço ideia”, um senhor simpático, enfim, me indicou o caminho.

Andei pela calçada e dobrei a esquina para pegar a 32nd Street. Desci metade da rua e pude ver uma placa escrita: Lanchonete Buller.

Meu coração palpitou apenas por idealizar minha questionável investigação. Recordei-me da aula de biologia, quando Marcus falou que eu deveria investigar meu parceiro, e que deveria fazer isso a fundo.

Balancei a cabeça tirando qualquer receio e respirei fundo, antes de entrar.

O chão era de cerâmica amarela e branca. Havia mesas em reservados com estofados azul-marinho e retratos do porto pendurados na parede. Sentei-me perto da porta e tirei o casaco.

Uma garçonete aparentando ter aproximadamente uns 40 anos, veio até mim.

—Meu nome é Whitney. —Disse azedamente. —Bem vinda ao Buller. O especial do dia é sanduiche de atum. A sopa do dia é o creme de lagosta.

—Buller? —Franzi a testa e cutuquei o queixo. —Por que o nome me soa tão familiar...

Minha atuação era péssima. Definitivamente não nasci para ser um detetive de sucesso.

—Puxa! —Exclamei. Como se tivesse entendido subitamente. —Aqui é aonde meus amigos vinham comer.

A garçonete me encarava entediada.

—Você por acaso conheceu eles? Lembra-se de uma morena? Seu nome é Raven.

—Conheço muitas Raven.

—E Bellamy? Conhece algum Bellamy Blake?

A expressão dela mudou imediatamente.

—Blake. —Repetiu.

—Sim! —Sorri. —Você o conhece?

—Queria não ter conhecido. —Seu tom era de mágoa.

—Por quê?

—Porque ele é um infeliz, traidor, filho da mãe. —Ela bravejava cerrando os dentes.

—Traidor? —Foi à única palavra que pesquei.

—Você por acaso é amiga dele? Sabe onde ele está? —A voz dela transparecia ódio puro.

—Bom... Não somos amigos exatamente. Só colegas de escola.

—Colegas de escola? —Ela colocou o bloco de papel e a caneta que segurava na mesa. —Ele esta frequentando uma escola? Desde quando aquele bastardo vai pra escola?

—Não sei. —Falei me ajeitando no banco. —O que ele fez pra você? —Esperava que ela não percebesse minha calculada entrevista curiosa.

—Ele te convence. Faz você acreditar que vão ficar juntos para sempre e depois te abandona, sem ao menos avisar. —A mulher colocou a mão na boca, aparentemente segurando o choro.

Fiquei envergonhada e tentei não expressar isso pra ela.

—Vocês eram namorados? —Perguntei um pouco aflita. Inesperadamente não queria saber.

—Não sei por que estou falando. —Ela secou as lágrimas. —Eu jurei que nunca mais iria citar o nome dele. Porque você me fez lembrar? —Seu olhar foi um tanto maníaco. —Eu quero que saia daqui agora.

—Desculpa. —Levantei desconcertada.

—Sai daqui!!! —Ela berrou enfurecida.

—Desculpa senhora. —Talvez não devesse tê-la chamado de senhora, porque naquele instante senti que sairia fogo dos seus olhos.

—Eu odeio Bellamy Blake. —A mulher continuava gritar enlouquecidamente. Todos os funcionários e clientes olhavam para nós. —Odeio cada centímetro dele. —Ela apontou o dedo para mim e eu fiquei assustada. —Pode avisar que Whitney Russo esta torcendo pra que ele queime no fogo do inferno!!!

Sem saber o que fazer diante daquela situação. Peguei meu casaco, e comecei recuar até a saída.

—Você ouviu garota? Nunca mais toque no nome daquele...

Sai rapidamente, batendo a porta, antes que ela continuasse fazer escândalo.

•••

Lá fora, o clima havia mudado e agora estava frio e chuvoso. O céu permanecia escuro, mesmo ainda sendo de manhã.

Fiquei decepcionada com a atitude da garçonete. Se ela não tivesse me expulsado aos gritos, talvez conseguisse informações consistentes com os outros funcionários.

Mas o que me decepcionou verdadeiramente, foi ter subtendido que Bellamy esteve naquele local, realmente como Raven disse. E não só estado lá, mas aparentemente tido um relacionamento com uma mulher madura.

No mesmo instante, perguntas inundaram minha mente e eu fiquei nervosa em apenas cogitar responde-las: Quantas mulheres ele já namorou? Quantas ele beijou? Quantas ele colocou no balcão de uma cozinha? Quantas ele chama de princesa? Quantas ele provoca com aquele sorriso...

Toda essa hipótese me deixou com raiva. Senti vontade de jogar meu celular no meio do asfalto. Mas assim que fiz o movimento com o braço, àquela sensação gelada desceu pela minha nuca. Havia sentido aquilo na noite que tive certeza de ter atropelado o homem mascarado.

Abaixei-me, fingindo amarrar os sapatos, e observei à minha volta disfarçadamente. As calçadas dos dois lados da rua estavam vazias. O sinal de pedestre abriu e atravessei andando rápido. Coloquei a bolsa debaixo do braço e torci para que o ônibus não atrasasse. Ouvi o barulho do céu trovejando e passei por um punhado de fumantes, que eu não notara na ida.

Mais pra frente percebi que estava seguindo o caminho errado do ponto de ônibus. Obviamente fiquei tão desconcertada após sair da lanchonete, que não notei o erro.

Virei à direita, tentando evitar um grupo de homens no final da rua. Mas me arrependi assim entrei em um beco. A paisagem ali mudou drasticamente. As paredes eram cobertas por pichações.

Um som arrastado e chacoalhante atrás me fez virar alerta. Uma mulher empurrando um carrinho repleto de sacos de lixo apareceu à vista. Suspirei aliviada.

—O que temos aqui? —Exclamou ela, deixando à mostra a gengiva sem dentes. —Parece com um casaco, luvas e um gorro. Sempre quis para mim um gorro de lã bem bonito. —Ela pronunciava bu-ni-tu.

—Olá. —Falei, limpando a garganta e tentando parecer amigável. —A senhora poderia me dizer onde fica o ponto de ônibus?

Ela gargalhou.

—Eu não estou conseguindo achar a rua por onde vim. —Dei um discreto passo para trás, dizendo com menos segurança.

—Sei como chegar. —Ela tamborilou a cabeça com um dedo que lembrava muito um galho torto e cheio de nós. —Sei de tudo por aqui, eu sei.

—Qual é o caminho? —Tentei encorajá-la a explicar.

—Mas não posso lhe contar de graça. —Falou em um tom de reprovação. —Tem um preço. Uma moça precisa ganhar seu dinheiro. Ninguém nunca lhe disse que nada na vida é de graça?

—Não tenho dinheiro. —Pelo menos não tinha muito. Só o suficiente para a passagem de volta para casa.

—Você tem um bom casaco, bem quentinho.

Olhei para meu casaco acolchoado. Um vento gelado eriçou meu cabelo e a ideia de despir o agasalho me fez sentir calafrios nos braços.

—Pode esquecer! Eu mesma procuro o ponto de ônibus.

Andei ligeiramente, tentando sair do beco.

—Uma moça nova como você não deveria estar por aqui de manhã. Não deveria estar aqui em horário nenhum. Conheço o pessoal desse bairro, eles adoram uma garota bonitinha.

Olhei para a mulher e engoli em seco.

—O que esta querendo dizer?

—Que você pegou o caminho mais errado aqui de Portland. É perigoso. —Ela coçou seus fios de cabelo emaranhado. —Estou congelando aqui. Se você me der seu casaco, te levo rapidinho até o ponto de ônibus.

Não podia acreditar que estava ali negociando meu casaco com uma sem teto. Senti os pingos da chuva escorrerem pelo meu rosto e imediatamente me arrependi por não ter ido pra escola, por ter enganado minha mãe de novo e principalmente por esquecer meu guarda-chuva.

Contra minha vontade, tirei meu agasalho lentamente e entreguei nervosa para ela.

Minha respiração parecia fumaça. Abracei a mim mesma e bati os pés para conservar o calor corporal.

—Será que agora a senhora pode me levar até o ponto de ônibus, por favor.

—Você quer o caminho curto ou comprido?

—Que t-tipo de p-pergunta é essa? E-eu só quero que me leve, c-como prometeu. —Disse com a voz entrecortada.

A mulher fez um gesto para eu segui-la.

O beco estava escuro, e entulhado com lixeiras, caixas de papelão manchadas e uma protuberância não identificável que poderia ser um aquecedor de água descartado. Ou também poderia ser facilmente um tapete enrolando um cadáver.

Uma cerca alta de malha de aço acompanhava metade do caminho. Em um dia bom, eu mal conseguiria escalar uma cerca de um metro de altura, quanto mais uma de três metros.

—Não d-deveríamos voltar pelo c-caminho que eu c-cheguei aqui?

—Estou te mostrando o caminho mais curto. Se você seguir por este lado. —Ela apontou para um corredor estreito. —Logo verá o ponto de ônibus, e é só atravessar a rua.

Olhei para a mulher com desconfiança.

—Você t-tem c-certeza? —Esfreguei minhas mãos no corpo, tentando esquenta-lo.

—Vai logo garota. Se continuar enrolando perderá o ônibus.

—V-você não v-vai?

—Quem quer voltar pra casa é você mocinha, não eu! —Ela deu de ombros e continuou a empurrar o carrinho.

Pisando em caixotes e sacos de lixo, segui por onde ela indicou. Meus sapatos esmagavam cacos de vidro. De repente, uma mancha branca correu entre minhas pernas, deixando-me sem fôlego. Um gato. Só um gato. Você tem que parar de se assustar por tudo Clarke.

Procurei o celular no bolso pra mandar uma mensagem de texto aos meninos. Seria bom, se ao menos eles soubessem da minha inesperada vinda a Portland e da minha situação momentânea. Se caso eu fosse esfaqueada neste bairro, alguém saberia por onde começar as buscas pelo corpo.

Subitamente paralisei, quando lembrei que tinha deixado o celular no bolso do casaco. Que ótimo! ,pensei. Quais as chances da mulher dos sacos de lixo me devolver o telefone?

Decidi que deveria tentar encontra-la. Ela não poderia estar muito longe.

Ao me virar, vi um homem no inicio do corredor. Ele usava umas roupas sujas e rasgadas. E seu olhar percorreu meu corpo inteiro.

Por razões que eu não poderia explicar além de uma simples intuição, continuei por onde estava seguindo, só que agora numa velocidade maior. Foi possível ouvir os passos dele atrás de mim e eu tive certeza que morreria aqui mesmo.

Assim que passei pelo corredor, avistei uma cabine telefônica na esquina. Corri o mais rápido que pude e entrei me trancando no cubículo.

Disquei o numero da policia, sentindo uma injeção de adrenalina gelada me atravessando. A telefonista atendeu, mas a ligação caiu no exato momento. Minhas mãos ficaram tremulas e eu tentei desesperadamente discar outra vez, mas não conseguia ter foco nos números.

Joguei moedas no aparelho e agarrei o fone. Fechando os olhos com força, visualizei os oito algarismos escritos com tinta vermelha na palma da minha mão naquele dia. Antes de duvidar da minha sanidade mais uma vez, apertei os botões com agilidade.

—Clarke? —A voz grossa do outro lado me causou, mesmo que contraditoriamente, um pouco de segurança.

—Estou em P-Portland. Na esquina... —Olhei para a placa do outro lado. —Das ruas Hempshire e Nantucket. E-estou com medo. —Minha voz se misturou ao choro. —T-tem umas p-pessoas aqui...

—Não sai dai. Eu estou indo.

•••

Fiquei encolhida no chão da cabine telefônica tremendo. Contando silenciosamente até cem, tentando permanecer calma. A chuva tinha engrossado e em alguns minutos podia jurar que seria levada por uma correnteza que se formou nas guias.

Não demorou muito quando um Jeep Commander preto se aproximou da calçada. A porta se abriu rapidamente e Bellamy saiu de lá extremamente preocupado.

Ele abriu a porta da cabine telefônica e agachou-se, despindo uma camisa preta de mangas compridas que usava por cima. Colocou a gola da camiseta sobre minha cabeça e enfiou meus braços das mangas com a maior facilidade. Senti a combinação dos cheiros de tabaco, de água salgada e de sabonete de hortelã. Algo naquela mistura inibia todo o pavor, me deixando com um sentimento de comodidade.

—Você está ensopada. —Ele falou. —Vou leva-la até o carro.

Bellamy me levantou. Envolvi o pescoço dele com meus braços e escondi meu rosto em seu ombro. Da mesma forma quando estávamos na montanha russa.

—E-eu não deveria ter vindo. M-menti pra m-minha mãe. —As palavras soavam vacilantes.

—Psiu. —Disse ele, apertando-me contra si. —Tudo vai ficar bem. Estou aqui.

Bellamy colocou-me no banco do passageiro. E passou para o outro lado, fechando as duas portas.

—Vamos dar o fora daqui. —Ele girou a chave e ligou o carro.

Enquanto ele dobrava a esquina com o Jeep, ouvi os sons dos meus dentes batendo dentro da boca. Não tinha noção do por que havia ligado para ele e isso me deixou confusa.

—V-você está c-com o celular? —Perguntei.

—Deixei no Fliperama. —Ele me olhou de canto. —Onde está o seu?

—E-eu perdi.

Estávamos na metade do caminho. Em um pedaço de estrada coberto de vegetação e despovoado, quando subitamente uma fumaça vazou do Jeep. Bellamy freou, parando na beira da estrada.

—Fique aí. —Disse ele, saindo do carro. Desapareceu de vista, assim que abriu o capô.

Um minuto depois, ele fechou. Esfregando as mãos nas calças, aproximou-se de minha janela, gesticulando para que eu abrisse.

—Más notícias. É o motor.

Tentei parecer bem-informada e inteligente, mas tinha a impressão de que minha expressão estava vazia.

—N-não vai a-andar?

—Só se a gente empurrá-lo. —Ele ergueu as sobrancelhas. —Duas opções. Podemos pegar uma carona, ou andar até a próxima saída.

Estava imaginando minha mãe dormindo em casa. Jasper e Monty na escola. E eu aqui, presa na tempestade. 

—Acho q-que tem um motel logo ali na frente. V-vou chamar um t-táxi. Você e-espera aqui.

Ele me olhou provocante, mas não parecia estar se divertindo.

—Não vou deixar você sozinha.

Saltei do carro.

—Não v-vou com v-você pra lá.

Minhas pernas que ainda tremiam, fez meu corpo pender e eu quase cai. Mas ele me segurou, impedindo o tombo.

—Você não tem opção. —Seu sorriso foi glorioso.

Alguns minutos depois, Bellamy e eu encharcávamos a entrada de um motel barato. Uma campainha soou quando entramos e o recepcionista ergueu-se abruptamente, espanando farelos de Cheetos do colo.

—P-precisamos usar o telefone. —Disse, esperando que ele pudesse compreender meu pedido.

—Não vai dar. As linhas estão mudas. Culpa da tempestade.

—O q-que você quer d-dizer com as linhas estão m-mudas? Você t-tem celular?

O funcionário olhou para Bellamy sem entender o que eu disse.

—Ela quer um quarto para não fumantes. —O Blake falou.

Virei para encarar ele, dizendo silenciosamente: Você está ficando louco?

O homem bateu em algumas teclas do computador.

—Parece que nós temos... Esperem aí... Bingo! Um quarto com cama king size para não fumantes.

—Ficamos com ele. —Bellamy disse.

Ele me olhou de esguelha e os cantos de sua boca se ergueram. Foi então que as luzes do teto se apagaram, mergulhando o saguão na escuridão. Ficamos todos em silêncio por um momento, até que o recepcionista tateou à volta e ligou uma lanterna enorme.

—Sou escoteiro. —Disse ele. —Como nos bons tempos, “Sempre alerta”.

—Então v-você deve ter u-um celular? —Indaguei.

—Eu tinha. Até que não consegui mais pagar a conta. —Ele deu de ombros. —O que posso dizer? Mamãe é pão-duro.

A mãe? Ele devia ter uns 30 anos. Não que fosse da minha conta. Eu estava mais preocupada com o que minha mãe faria quando eu chegasse em casa.

—Como vão pagar?

—Em dinheiro. —Respondeu Bellamy.

A metade do meu cérebro que era lógica me dizia que eu não podia estar sequer considerando a possibilidade de passar a noite em um motel com ele.

—Isso é-é loucura! N-Não vou entrar e-em lugar n-nenhum com v-você.

—Tem uma lanterna? —O moreno perguntou, sem se importar com o que falei.

O homem procurou algo debaixo da escrivaninha.

—Tenho uma coisa ainda melhor. Velas tamanho gigante. —Disse colocando na nossa frente. Riscando um fósforo, ele acendeu uma delas. —São de graça. Coloquem uma no banheiro e outra no quarto e nem vão perceber a diferença. Vou até deixar uma caixa de fósforos. No mínimo será uma lembrancinha.

—Obrigado. —Bellamy disse, pegando meu cotovelo e me levando forçadamente pelo corredor.

Minhas pernas ainda tremiam e eu não tinha total controle.

No quarto 106, ele trancou a porta entre nós. Colocou a vela na mesa de cabeceira e sacudiu as pontas do cabelo como se fosse um cachorro molhado olhando para mim.

—Você precisa de um banho quente. —Falou se aproximando.

—V-você não p-pode me o-obrigar a ficar a-aqui.

Só tinha concordado em ir tão longe por que tinha esperanças de encontrar um telefone.

—Isso pareceu mais uma pergunta do que uma afirmação. —O sorriso vadio insinuou-se.

—Então resp-ponda.

—É difícil me concentrar nas respostas quando você está desse jeito.

Baixei o olhar e vi a camiseta preta dele molhada e grudada em meu corpo. Minha bochecha esquentou ao nota-lo com um sorriso pervertido nos lábios. Rapidamente, forcei meu corpo, e fechei a porta do banheiro entre nós dois.

Abri a torneira de água quente até estar quase escaldante e tirei a camisa e minhas roupas. Então entrei atrás da cortina do chuveiro, observando minha pele ficar vermelha com o calor.

Passando sabonete nos músculos do pescoço e dos ombros, disse a mim mesma que poderia estar vivendo outra alucinação, talvez. Não era possível que eu realmente tenha ligado para Bellamy. Justo para ele. E que agora estávamos num quarto de motel, impedidos de sair por conta de uma chuva.

A metade imprudente do meu cérebro riu de mim. Eu sabia que no momento que decidi vir para Portland, alguma coisa aconteceria. Não tinha sido esta minha suposição, mas eu definitivamente imaginei que se as respostas sobre ele viriam á tona, seria as respostas de todos os meus problemas, e eu encontraria clareza.

Fechei a água, saí do chuveiro e enxuguei a pele. Bastou uma olhada em minhas roupas ensopadas para saber que não tinha vontade de vesti-las. Suspirei, e vesti a blusa e a calcinha, peças que haviam sobrevivido melhor à tempestade.

—Bellamy. —Sussurrei pela porta.

—Acabou? 

—Apague a vela.

—Feito. —Sussurrou em resposta.

Depois de apagar a vela do banheiro, saí e encontrei a escuridão total. Podia ouvir a respiração dele bem diante de mim. Não queria pensar no que ele estava -ou não estava- vestindo. Sacudi a cabeça para afastar a imagem que se formou em minha mente.

—Minhas roupas estão ensopadas. Não tenho nada para vestir. —Falei.

Ouvi o som de tecido molhado deslizando do corpo dele como se fossem um rodo.

—Sou um cara de sorte.

A camisa aterrissou formando uma pilha úmida aos nossos pés.

—Você devia tomar um banho também. —Exclamei com a respiração alterada.

—Estou cheirando tão mal?

Para falar a verdade, ele cheirava bem demais. Mas optei por ficar muda.

Bellamy logo desapareceu no banheiro. Tornou a acender a vela, e manteve a porta encostada, deixando uma réstia de luz espalhar pelo chão até a parede.

De alguma forma, mesmo duvidando dele em todos os sentidos, eu me sentia em segurança. Como se ninguém no mundo fosse fazer mal a mim, enquanto ele estivesse ao meu lado. Pelo menos uma parte de mim sentia-se assim. Apenas uma parte.

Deslizei até a cama e me enrolei no lençol. Honestamente, eu não podia passar a noite ali. Precisava ir pra casa. Meus planos iniciais eram apenas investigar na lanchonete e voltar.

Depois de muito tempo pensando numa possível saída. Ouvi que a água do chuveiro parou de cair. Logo Bellamy apareceu vestindo apenas a calça jeans escura, que pendia bem abaixo da linha da cintura. Ele deixou a vela do banheiro acesa, e uma cor cintilava no quarto.

Bastou uma rápida olhada em seu abdômen, para minha respiração tornar a ficar ofegante, como naquele dia depois do parque. Os braços eram musculosos, mas não exagerados. Cada pedacinho de pele bronzeada, cada linha, cada curva... Tudo parecia ser milimetricamente desenhado. Por um momento, pensei até em esboça-lo em meu caderno.

—Está nervosa?

—Por que sempre me pergunta isso?

—Porque eu gosto quando fica. —Ele abriu um sorriso astuto de raposa.

Encarei o teto tentando desviar minha atenção dele. Bellamy sem se importar, deitou na cama ao meu lado e também olhou para o teto, imitando-me.

—Você me chamou por algum motivo, não é? —Sua voz estava serena.

—Não sei por que te chamei. —Pensei o mais rápido que pude em uma desculpa consistente para aquela pergunta. —Disquei o número errado, mas estava tão assustada que não me importei com quem atendeu.

—Porque estava aqui, sozinha?

—Vim visitar minha tia e acabei me perdendo.

Ele fez uma pausa, e eu respeitei.

—Eu morei naquele bairro onde você estava.

Não resisti e virei meu corpo, olhando para ele.

—Quando se mudou?

—Faz muito tempo.

—Quanto? —Eu realmente estava interessada no rumo dessa conversa.

—Muito.

—Raven disse que se conheceram numa lanchonete.

—Ela disse? —Bellamy agora também virou seu corpo, olhando para mim.

—Acho que ela comentou, uma vez. —Disfarcei.

—Então você sabia. Foi por isso que veio até aqui?

—Não! —Exclamei.

—Sei quando menti, Clarke.

Bufei sem esperanças.

—Você conhece Whitney Russo? —Perguntei na expectativa de que sua resposta fosse não.

—Conheço.

Ah droga!

—Vocês namoraram?

Ele automaticamente sorriu de canto.

—Sim.

Essa resposta me atingiu, deixando-me desconfortável. Senti minhas bochechas esquentarem. Outra vez.

—E você terminou com ela?

—Ela nunca foi importante para mim.

—Por acaso alguém é?

—Você, princesa. —Seu tom parecia de mentiroso. Como se ele estivesse brincando comigo novamente.

—Não me chame assim! —Falei nervosa.

Ele avançou com sua mão, encostando-se a meu rosto. Levemente começou a fazer caricias com o polegar em minha bochecha. Fechei os olhos.

—Não deixaria aquele homem fazer mal a você.

—Como sabe sobre o homem?

—Não importa. —Soou com descaso.

—Você nem me conhece. —Falei assim que abri os olhos, tentando encontrar a realidade novamente.

—Acho que estamos passando do nível de colegas de classe. —Ele continuou.

Senti que meu coração iria explodir assim que parei em seus olhos hipnotizantes.

Bellamy calmamente deu meu espaço, e se virou, para o outro lado despreocupado. Todo meu corpo enrijeceu assim que vi suas costas desnudas. Uma cicatriz escura em forma de V de cabeça para baixo cobria sua pele. Pisquei algumas vezes horrorizada com o que via.

Eu estava correta sobre ele ter possíveis machucados de brigas, já que o Blake não é nem um pouco santo. No entanto, aquela marca era assustadora demais. Lembrava-me sobre um certo desenho que eu sempre repetirá incansavelmente. Sem pensar, deslizei minha mão contornando suas costas. Eu não queria esbarrar na cicatriz, porém, mesmo ao leve toque algo me prendeu. Como um imã.

A ponta do meu dedo estremeceu, e meu corpo ficou congelado. Precisei de um momento para perceber que não era meu dedo que se movia. Era eu. Eu inteira.

Fui sugada por um redemoinho suave e turvo, e tudo escureceu.

◘◘◘◘

▬▬▬▬▬▬▬

Eu estava deitada de costas. Minha blusa absorvia a umidade, a grama roçava a pele desnuda dos meus braços. A lua acima não era mais do que uma fatia fina. Além do estrondo de trovões distantes, tudo mais estava quieto.

Pisquei apressando meus olhos a se adaptarem a pouca luz. Muito lentamente levantei-me.

Uma voz masculina vagamente familiar atravessou a escuridão cantando uma música em voz baixa. Virei-me na direção dele e vi um labirinto de lápides espalhadas como peças de dominó no meio da neblina. Bellamy estava agachado sobre uma delas.

—Por que gosta tanto de observar os mortos? —Perguntou outra voz se aproximando dele. Logo reconheci ser Raven.

Tirando pelas roupas, que não pareciam ser atuais. Os dois estavam do mesmo jeito, sem diferença alguma.

—Quem sabe um dia eu possa ser um deles. —Bellamy falou com o olhar vago.

—Deixe-me adivinhar. Você está decidido a possuir os mortos? Não sei, não. —Disse ela balançando a cabeça. —Vermes saindo de órbitas... E de outros orifícios... Talvez seja ir longe demais.

—É por isso que continuo perto de você, Raven.

Ela sorriu, sentando na lápide ao lado dele.

—Esta noite começa o Cheshvan. O que você está fazendo aqui no cemitério? —A morena prosseguiu concentrada no rosto dele.

—Estou pensando.

—Pensando?

—Queria poder voltar no tempo. Não ter me apaixonado por ela.

—Acha que eu também não queria voltar no tempo? Me arrependo todo dia de ter acreditado naqueles boatos.

—Eu teria te avisado sobre os boatos se você não tivesse vindo antes de mim. Ou se pelo menos, eu te conhecesse.

—E mesmo sabendo sobre as calunias, o idiota acredita na ruiva e desce achando que seria feliz para sempre?

Bellamy levantou, parecendo incomodado com o que ela disse.

—Onde pensa que está indo? —Ela falou num tom alto.

—Preciso de silêncio, Raven.

—Você está maluco? O juramento de lealdade a Chauncey! Não está lembrado? Que tal essa? Você é um anjo caído. Diferente de mim, esse mês será um presente de Chauncey para você. Poderá sentir. Poderá ter o que todos nós queríamos.

—Eu não quero sentir por um mês apenas, Raven. —Ele colocou a mão na cabeça, parecendo exausto.

—Pelo menos você pode. E eu? —Ela segurou o rosto dele, fazendo-o olhar para ela. —Queria poder ter Chauncey pra mim também.

—Eu o odeio e você sabe disso.

—Pois eu odeio mais que tudo, o que somos. —Sua voz tinha desabado nesse momento. Bellamy percebeu e de imediato abraçou ela.

—E se eu descobrisse um jeito de nos tornar o que sempre quisemos. O que você faria? —Ele sussurrou em seu ouvido. Raven rapidamente se afastou.

—Não têm como.

—E se tiver.

—Não tem! —Ela gritou. —Só... Por favor, para! Aceita de uma vez por todas. É o que eu faço todos os dias. Tento aceitar.

—Eu não vou me conformar com isso. Não é o que quero pra minha vida.

—Que vida? —Raven segurou a mão dele. —Que vida?

◘◘◘◘

▬▬▬▬▬▬▬

Meu dedo deixou a cicatriz de Bellamy e a ligação se desfez. Precisei de um momento para me refazer e ele me pegou desprevenida, atirando-me na cama no instante seguinte. Prendendo meus punhos sobre minha cabeça.

Havia raiva controlada em seu rosto, ele apertou meus punhos de forma extremamente forte e me olhou sombrio e intenso. Seu aviso seguinte fez-me temer a vida:

—Não deveria ter feito isso, princesa.

 


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Notas finais do capítulo

E então?
Mereço reviews?
Gente seria muito eu pedir que favoritem a fic. Vocês estariam me dando muita moral, eu ficaria muitooooo feliz.
Obrigada por todos que estão acompanhando.
Beijos



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