—Hoje vou ficar até mais tarde no trabalho. –O pai de Annabeth anunciou durante o café da manhã.

Annie o encarou, ele sorria, tentando disfarçar, mas a garota era inteligente, esperta demais, percebia as olheiras que só aumentavam, os cabelos que caiam e esbranquiçavam, as linhas de expressão que só se evidenciavam, os quilos perdidos.

—Tudo bem. –Foi tudo que respondeu, sabia bem os motivos do pai se afundar no trabalho, em partes para conseguir sustentar-se e a filha e outras para esquecer-se de Atena. Annabeth sabia que seu pai nunca superara sua mãe, e provavelmente nunca superaria, o trabalho era sua única válvula de escape.

—Tenha um bom dia. –Desejou o pai, enquanto depositava um leve beijo sobre a testa da filha e se dirigia para o trabalho, Annie lhe desejou o mesmo e terminou seu café da manha.

Durante o percurso a escola tudo que lhe passava na cabeça era arrumar um emprego, ajudar as finanças de casa, era tudo que ela precisava. Arrumar um emprego não seria difícil, as notas eram perfeitas, o histórico impecável, fluente em três línguas, inglês, grego e romano, formada em vários cursos preparatórios e filha de um grande doutor em história e uma renomada arquiteta (apesar dessa informação não ser de agrado da loira), o único problema seria o local e os horários, ela não podia atrasar sua rotina intensa de estudos.

Suspirou, precisava organizar suas ideias e tomar uma decisão, se a situação continuasse daquele jeito era só uma questão de tempo até seu pai morrer de estresse e sobrecarga. Rangeu os dentes, era tudo culpa de sua mãe, se ela não tivesse...

Bateu o armário com força, não queria pensar em coisas assim logo cedo. Conferiu seu material e dirigiu-se para sua sala, com passos largos e cabeça baixa.

—Annie. –Ouviu seu nome ser chamado. Conhecia aquela voz, Percy.

Annabeth, por algum motivo desconhecido para si, estava com raiva do garoto, queria enforca-lo com as próprias tripas. Abaixou mais a cabeça e acelerou o passo, não queria conversar com ele.

—Annie. –Lhe chamou novamente, dessa vez mais próximo. Novamente fingiu que não era consigo e apertou o passo.

—Annabeth. –Foi impossível fugir, sentiu uma mão no seu ombro e seu corpo ser virado para dar de cara com um Percy sorridente, sorridente demais para a sanidade de Annie. –Estava te chamado.

—Ah, não ouvi. –Disfarçou e sem mais seus sapatos lhe pareceram muito interessantes, já que tudo que fez foi encara-los.

—Não tem problema. –Respondeu Percy, com um sorriso. –Podemos estudar hoje? –Ele questionou.

—Não. –Annie foi grossa demais, e ao ver a cara que Percy fez não pode deixar de sentir-se culpada, por Zeus, quando que ela havia ficado tão mole? –Tenho um compromisso hoje. –Concertou com um tom mais macio.

—Um compromisso? –Percy tombou a cabeça, confuso e um tanto decepcionado. –Que compromisso é mais importante que eu?

—Qualquer um. –Annie não pode evitar soltar, junto com uma risada. –Entrevista de emprego. –Usou a primeira desculpa que lhe veio a mente.

—Emprego? –Percy parecia interessado. –Onde?

Annie fez um sinal de zíper se fechando em seus lábios.

—Segredo. –Disse e mostrou a língua a Percy.

Por sorte o sinal bateu antes que ele a respondesse. Annie seguiu a sua sala e fez a promessa silenciosa de que não voltaria a falar com ele, nem sob tortura, estava magoada e enraivecida, mesmo que não soubesse o porquê logico daquela sensação.

Tinha tantas coisas para se preocupar, a escola, a situação financeira de sua casa, a necessidade de arrumar um emprego... Tinha muitas tarefas para organizar, e ensinar Percy não era uma delas, precisava parar com essas aulas. Bufou e ajeitou seu material enquanto esperava pelo professor, sabia que aquela era a decisão certa a ser tomada, mas mesmo assim, doía muito e Annie nem mesmo sabia o porquê.

Por sorte logo o professor chegou em sala e Annabeth pode concentrar-se exclusivamente na matéria e assim seguiu por todas as aulas, com a mente longe de Percy, concentrando-se unicamente na matéria. Até que finalmente chegou a hora de ir embora.

Conseguiu chegar até a saída sem encontrar-se com Percy, não estava com animo para isso, porém ao chegar no portão visualizou Percy encostado no muro, sozinho e parecendo pensativo. Annie tentou passar rápida e despercebida mas falhou e logo o menino veio correndo ao seu encontro, sorridente, fazendo com que Annie fraquejasse em sua promessa de ignora-lo.

—Estava te esperando. –Percy disse de modo animado.

—Olha, Percy, eu já disse que hoje eu tenho... –Annie pensou que Percy estava lhe esperando para que estudassem juntos.

—Uma entrevista de emprego, eu sei. –Percy a completou , com um sorriso.

—Então, por que? –Annie questionou, levemente confusa.

—Ah, que tipo de cavalheiro eu seria se não te acompanhasse até o local de sua entrevista. –Percy disse, usando um tom mais rebuscado e fazendo Annie involuntariamente soltar uma risada.

—Que desculpinha esfarrapa. –Annie colocou as mãos na cintura em uma pose intimidadora. –Você só quer descobrir onde eu vou trabalhar.

—Talvez... –Percy admitiu constrangido e Annie soltou uma gargalhada.

—Você não tem jeito mesmo. –Balançou a cabeça em negativo.

—Então quer dizer que eu posso ir? –Percy questionou esperançoso.

—Não. –Annie foi firme mas logo suavizou o tom. –Eu não tenho certeza de que irei passar então não quero que você me veja decepcionada, eu juro que se eu conseguir o emprego você vai ser a primeira pessoa para qual eu vou contar.

—Jura de dedinho? –Percy perguntou, com os olhos brilhando e levantando o dedo mindinho. Annie não evitou sorrir, ele era realmente uma grande criança.

—Juro de dedinho. –Entrelaçou seu dedo com o do garoto e não evitou o sorriso nostálgico, quantas vezes havia feito aquilo na infância.

—Promessa é dívida. –Percy disse em tom sério para logo depois sorrir. –Tem certeza que não quer minha ilustre companhia?

—Só se você disser a definição de ilustre. –Annie disse em tom sério, mas dando uma risadinha ao ver a cara de Percy.

—Você é cruel. –O garoto disse.

—Um pouco. –Annie admitiu e logo se deu conta do que estava fazendo, fortificando os laços, suspirou e mordeu o lábio. –Preciso ir, não posso me atrasar, sabe?

—Sei. –Percy sorriu, embora estivesse decepcionado, poderia passar o dia todo apenas olhando para Annabeth, não gostava da ideia de se separar dela. –Estou torcendo por você.

—Obrigado. –Agradeceu sorrindo e logo saiu, xingando-se mentalmente.

Sentia-se frustrada, nunca teve problemas em ignorar as pessoas, era quase uma especialista nisso, então porque raios não conseguia ignorar Percy? Por que sentia-se culpada quando era ríspida com ele? Por que sentia cada vez mais necessidade de estar com o garoto? E por que, Hades, não parava de pensar nele?

Parou de andar e fechou os olhos com força, que merda estava acontecendo com si? Bufou e olhou em volta ao sentir um leve cheiro de café ao ar e viu que estava ao lado de uma cafeteria, deu de ombros e seguiu seu rumo, mas parou ao ver uma pequena placa de “contrata-se” em verde neon grudada na fachada. Sorriu aliviada, será que sua sorte estava finalmente mudando?

Entrou na loja e logo dirigiu-se ao balcão, onde um garoto de cabelos pretos de costas assobiava enquanto limpava alguns copos.

—Er... Com licença? –Annie pigarreou e chamou a atenção do garoto e arregalou levemente os olhos ao ver que o garoto ali era ninguém menos do que Ethan Nakamura.

O garoto parecia tão surpreso quanto ela.

—Hum... Oi, em que posso ajudar? –Disse meio a contra gosto, parecia até mesmo envergonhado.

—É sobre o, hum, emprego. –Annie não sabia muito bem como colocar as palavras, Ethan lhe intimidava um pouco.

—Ah, sim. –O garoto pareceu pensativo. –O gerente saiu, acho que ele demora um pouco pra voltar então, se quiser, pode deixar seu currículo comigo e eu passo para ele.

—Seria ótimo, obrigado, Ethan. –Annie logo pegou sua bolsa e puxou de lá uma copia de seu currículo, sempre tinha um a mão.

—Sabe o meu nome, Annabeth? –Perguntou, um tanto surpreso enquanto pegava o currículo.

—O incrível é você saber o meu. –Respondeu-lhe com uma risada nervosa.

O garoto não disse nada apenas olhou de relance o currículo e arregalou os olhos.

—O que foi? –Annie questionou nervosa.

—Uau. –Foi tudo que saiu da boca do garoto.

—Tem algo de errado? –Estava ansiosa.

—Sim. –O garoto disse desviando o olhar e encarando Annie. –Você querer trabalhar aqui.

—Como assim? –Annie estava a beira de um colapso, não sabia lidar com situações desse tipo.

—Fala sério, com um currículo desses você deveria ir trabalhar na Nasa, não numa cafeteria de quinta. –Ele disse em tom sério.

Annie, que estava simplesmente nervosa demais, não se aguentou e soltou uma gargalhada, mais nervosa do que espontânea.

—Ai, que exagero. –Disse mantendo um sorriso. –Mas agradeço o elogio... –Pareceu pensativa. –Espera, foi um elogio, né?

—Sim. –Dessa vez quem riu foi Ethan.

Um silêncio levemente constrangedor se instalou.

—Olha, eu preciso ir, então... –Annie estava levemente nervosa.

—Certo, eu passo seu currículo para o gerente. Você tem 100% de chance de conseguir o emprego. –Ethan fez o sinal de joinha com os dedos. Annie sorriu.

—Obrigado. –Annie agradeceu e se dirigiu a saída, porém ouviu a voz de Ethan.

—Er... Annie? –Ethan chamou, levemente acanhado.

—Sim? –Annie virou-se.

—Como provavelmente seremos colegas de trabalho, não quero que fique um clima estranho... então... –Ethan coçou a nuca, envergonhado. –Me desculpe, por tudo.

—Não se preocupe com isso. –Annie soltou um sorriso. –Não guardo rancores.

—Que bom. –Ele parecia aliviado. –Então... Te vejo amanhã? –Questionou meio incerto.

—Espero que sim. –E com um sorriso Annie saiu.