Senhora Potter escrita por Eponine


Capítulo 1
Weasley


Notas iniciais do capítulo

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— Então você clica aqui.

— Aqui?

— Isso, tia.

— Uau... Isso é demais.

— Eu sei! — Ginny sorriu para o celular em sua mão, admirada. Era o terceiro aparelho que seus sobrinhos lhe ensinavam a usar. Na verdade, os adolescentes amavam Ginny por ela sempre ter uma tirada sarcástica e não ter o menor pudor em falar sobre sexo, por mais que isso deixe seus próprios filhos extremamente constrangidos.  Ela tirou seus óculos de leitura beijou a bochecha de Roxanne.

— Ah, o arroz! — lembrou-se Ginny, correndo para a cozinha. Roxanne, Dominique e Lucy a seguiram, apressadas. A Senhora Potter entrou na cozinha abafada, quase engasgando com a fumaça acinzentada que saia da panela no fogo. Era a quarta vez no mês que ela quase colocava a casa em chamas. Com os pés descalço, Ginny sempre vestia as calças do marido com alguma camisa larga, sentindo-se a própria Annie Hall.

— Vamos pedir comida japonesa, tia. — pediu Lucy. Ginny colocou as mãos na cintura após colocar seu novo iPhone na bancada. Deu de ombros com um sorriso.

— Por que não? Roxxy, peça uns temakis para nós. — recolocou os óculos de leitura, mexendo em seu celular enquanto Dominique colocava uma música para tocar em seu próprio iPhone. — Não... Não, não não... Eles também tocam músicas?

As meninas riram de sua tia, chocada pela descoberta.

Dominique começou a dançar, assim como as outras, e em segundos Ginny entrou na roda, pulando em passinhos tão ultrapassados, mas que as garotas adoravam assistir sua tia preferida fazer.

...

 

— Ok, vamos falar a verdade aqui, Kevin é quase um analfabeto. — Ginny gargalhou assim como todos na mesa. Já se passavam das onze, o jantar estava acabando e dali todos iriam para o bar mais próximo da estação de Londres. Seus colegas de trabalho eram idênticos a ela: Adultos com alma de jovens, pessoas saindo da casa dos trinta que se negavam a vestir meias calças beges ou gravatas sem ser de forma irônica.

— Aquela matéria sobre homossexualidade, MERLIN, ME LEVA DAQUI! — exclamou Ginny, levemente alterada pelo vinho. Mas ainda assim tomou mais um gole de sua taça. — Sejamos realistas, ele é a definição de pseudo intelectual.

— Duvido que ele já tenha lido Eliphas Levi. —criticou Adam, inclinando-se na mesa. — Ginny, peça para seu marido bani-lo do mundo mágico.

A mesa riu assim como Ginevra. Após a conta, ela decidiu ir para casa, havia se lembrado que tinha o recital de balé de Lily para assistir na manhã seguinte. Caminhou pelas ruas de Londres enfiando-se em seu cachecol vinho, presente de Rose. Parou por alguns segundos, confusa. Não fazia ideia de onde estava. Encostou-se no muro mais próximo, não entendendo porque pegara aquele caminho. Não fazia ideia de onde estava.

— Estou... Na estação de Londres... — engoliu seco, sentindo o suor brotar em sua testa, por mais que estivesse fazendo 9ºC graus. Caminhou mais um pouco, ainda sentindo-se desesperada. Pegou seu celular e ligou para sua casa, sentindo seu peito palpitar. Estaria enfartando? Devia ter ido para o bar com os outros... Mas onde era o bar?

Alô?

— James... James, onde é a Rede de Flu mais próxima da Estação?

Baken & Baker. Você toma café lá toda tarde.

— Sim... Claro...

Mãe, tudo bem?

— Sim, claro meu amor. Vá dormir, amanhã temos o recital de Lily para assistir.

...

Ginevra estudou seu reflexo no espelho. Não conseguia acreditar no feitiço do tempo. Seu rosto foi castigado por rugas, mesmo mal tendo quarenta. Não se sentia velha, apesar de saber que estava envelhecendo. Talvez Harry esteja certo, ela continua perto dos jovens para roubar sua juventude.

— Bruxa má. — sussurrou para si mesma, sorrindo.

— Quê?

— Nada, tem espaço para mim aí? — entrou no box com Harry. Ela ri imaginando uma versão deles daqui dez anos, tomando muito cuidado para não quebrar o fêmur em uma posição sexual simples. Eles ainda tinham muito tempo.

O recital de Lílian foi espetacular e lotado, todos queriam ver a primogênita de Harry e Ginny Potter. Agradeceu mentalmente quando viu seu irmão mais velho Percy aparecer no local. Ele afastou-se brutalmente da família após descobrir que terá o mesmo destino da falecida Molly Weasley. Apenas Percy e Ron fizeram o teste para saber se teriam Alzheimer ou não, Ginevra e os outros se recusaram a sofrer por antecipação. Percy deu positivo, Ron deu negativo.

— Olá, desconhecido. — cumprimentou ela.

— Ginny! — Percy a abraçou, ele já tinha muitos cabelos brancos na cabeça, próximo dos cinquenta.

— Como vai? — ele suspirou.

— Indo... E você?

Ginny engoli seco. Não gostava de enrolação, foi direto ao assunto.

— Percy, você já está tendo os sintomas? — o homem pareceu impassível por alguns segundos, parecendo ler sua irmã. Ele olhou o hall movimentado e suspirou, dando mais um gole em seu champanhe.

— Sim.

— Quais?

— Eu me esqueço do que eu ia fazer. As vezes esqueço até mesmo onde são os cômodos da minha própria casa. Não consigo lembrar o nome dos meus sobrinhos... São coisas fúteis por enquanto, mas daqui cinco ou dez anos eu já vou começar a degenerar.

A mulher ruiva engoliu seco, tomando todo o seu vinho. Olhou o hall com os olhos semicerrados. Ginevra sempre tivera uma memória excelente, não havia o porque se preocupar. Talvez o choque da doença de sua mãe tenha a traumatizado tão profundamente que esteja tendo sintomas imaginários.

...

 

— Mãe, essa é Alexia, minha namorada. — Ginny estava no jardim com os adolescentes quando Albus chegou de mãos dadas com uma garota. A mulher ruiva sorriu para ela, impressionada com sua beleza. Muito moderna com a cabeça raspada e os diversos furos na orelha esquerda.

— Muito prazer, Alexia. — ela apertou a mão da garota, sorridente. A Toca estava muito cheia e Ginny era uma pessoa falante. Serviu-se de outra taça de vinho e se deixou cativar pela conversa ruidosa dos colegas de trabalho de Hermione. Conseguiu fazê-los rir e conseguiu algumas histórias de Hermione no Ministério. Ficou algum tempo com Harry no sofá, trocando confidências sobre as vestimentas de pessoas que passavam na frente deles.

Juntou-se aos adolescentes no jardim, acariciando o cabelo crespo de Rose enquanto observava seu filho mais velho contar uma história de Hogwarts, extremamente animado. Notou uma garota ao lado de Albus, estavam de mãos dadas.

— Olá... Mãe de Albus, acho que não fomos apresentadas. — Ginevra ergueu a mão sorridente. A garota olhou para Albus, e depois para Ginny, apertando sua mão lentamente.

— Eu sou a Alexia.

— Você veio com quem?

Alexia voltou a olhar Albus, ninguém disse palavra. Lílian estava imóvel.

— Eu sou a namorada de Albus.

— Bem, já não era tempo, filho! — riu Ginny. O silêncio foi constrangedor até mesmo para Ginevra, que sabia lidar com qualquer tipo de silêncio. James apontou para a taça de sua mãe.

— Já está na hora de parar, mãe. — Ginny mostrou a língua e tomou o resto do vinho, saindo do jardim, lentamente, sentindo a grama em suas sapatilhas finas.

...

— O Prêmio Pulitzer de Melhor Crítica vai para... — Ginny sorriu para James a sua frente, nervosa. Nunca ficou triste a perder premiações, diferente de Hermione. Ela gostava mesmo era da comemoração após a premiação e de poder conseguir alguns autógrafos de grandes figuras do Jornalismo. — Ginevra Potter.

Os holofotes focaram nela a tempo de vê-la gargalhar, cobrindo a boca com a mão. Manchou a boca de Harry com batom vermelho antes de levantar-se, segurando seu vestido verde em direção do palco. Havia mais de quatro mesas com seus amigos, e mais umas sete com seus familiares, então ela foi extremamente aplaudida no caminho. Não conseguiu preparar nenhum discurso coerente, e não estava crente de que iria ganhar um prêmio tão importante como aquele. Cumprimentou o apresentador e segurou o pesado prêmio, sem conseguir parar de sorrir. Chegou mais perto do microfone, rindo.

— Merlin, eu gostaria de ser mais elegante como minha querida amiga Hermione, mas... ISSO É INCRÍVEL! — gargalhou, levantando o prêmio, sem acreditar. — Mas eu gostaria de fazer alguns agradecimentos... Ao... Meu...

Ela não conseguia se lembrar o nome de seu chefe. O pânico se transformou em pequenas gotículas de suor em seu rosto enquanto observava o local extremamente cheio. O fato de ainda estarem aplaudindo conseguiu disfarçar o fato dela estar completamente perdida. Ela estava olhando para o rosto dele, sabia quem ele era, sabia até mesmo quantos filhos tinha, mas seu nome era um quarto em branco. Apontou o prêmio para ele e deu um sorriso sincero, descendo do palco.

Harry a abraçou novamente assim que chegou a mesa, mas Ginny queria chorar.

E não era de emoção.

...

— Ginny, onde você estava?

— Com meus amigos.

— Que ótimo, só que convidamos Hermione e Ron para jantar, esqueceu?

— Sim, eu tenho Alzheimer, você se esqueceu? — empurrou Harry para fora de seu caminho e abriu a geladeira, pronta para preparar o jantar. Seu marido respirou fundo e colocou as mãos na cintura, parecendo exausto.

Ela estava com raiva há semanas. Foi praticamente obrigada a fazer o exame. Ela assistiu durante anos a degeneração de sua mãe, de vê-la chegar ao ponto de sequer conseguir se comunicar. Esqueceu até mesmo as palavras. Fitou Harry a panela de água fervente a sua frente, decepcionada consigo mesma. Harry começava a descascar cenouras ao seu lado, em silêncio. Ele adorava sua inteligência. Como poderia amá-la com essa doença?

Harry largou a faca, parecendo irritado.

— Você precisa parar de descontar sua raiva em mim.

— Se você não tivesse me obrigado...

— Te obrigado a que, Ginevra? Você acha que essa doença ia passar despercebido com um histórico familiar como o seu?

— É tudo muito fácil para você, Harry, que sabe que não vai esquecer o próprio nome antes dos sessenta...

— Fácil? — Harry parecia profundamente magoado. — Fácil, Ginny? Eu quase tenho infarto toda vez que você sai de casa. Tudo aqui é um perigo agora. Desde o fogão a uma simples tomada... Está sendo tudo, menos fácil.

Ginny o seguiu até o jardim. Harry fingiu ajeitar a vassoura quebrada de Lily, escondendo o rosto, mas ela sabia que ele estava chorando. Abraçou suas costas, sentindo-se um pouco mais segura.

— Ginevra...

— Mal consigo respirar quando penso que um dia não vou te reconhecer.

Ambos ficaram em silêncio por um bom tempo.

...

On the Sea - Beach House

— Ok, fiquem todos juntos! — gritou Ginny, ajeitando seu celular para fotografar seus sobrinhos. Grande maioria estava dentro da casa, apenas os mais jovens estavam aproveitando o fim de tarde do mar de frente para o Chalé das Conchas. Registrou o momento e sorriu, assistindo todos correrem para a água.

A doença de Alzheimer era um monstro de um tipo completamente diferente. Não havia armas capazes de matá-lo. As poções não eram milagrosas, mas elas dariam tempo a Ginny. Para despedir-se de suas próprias memórias.

Ela andou até a beira da água e deixou o mar engolir seus pés. Ondas mornas lamberam-lhe as pernas. Tirou seu vestido e jogou longe, junto como celular. Entrou devagar, abraçando seu maiô de forma fraternal. Contemplou a limpa e clara da água. Forte e saudável, seu corpo a mantinha flutuando, movendo-se pela água, com todos os instintos lutando pela vida.

Observou o céu, perguntando-se onde estava sua mãe. Queria perguntar a ela se segundos antes de morrer, ela se lembrou de algo. Nem que fosse o próprio nome. Ela nunca gostou de saber do futuro, ou como diria seus sobrinhos, nunca gostou de spoilers.

Bem, ela recebeu um grande spoiler do futuro.

Mas a melhor parte é que ela ainda pode esquecê-lo.


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Notas finais do capítulo

Roupa da premiação: http://www.jn.pt/Storage/JN/2015/big/ng3884803.jpg



Apenas Ginny e Percy tem Alzheimer, nenhum dos outros irmãos tem.

Visivelmente inspirado em Still Alice, não consigo imaginar outra pessoa que não seja a Julianne Moore para uma Ginny mais velha.

O que acharam?