A sensação de que alguém a olhava, mais do que os raios de sol lhe invadindo as frestas dos olhos, foi o que fez Hermione acordar na manhã seguinte. Os olhos de Ron pareciam duas grandes bolas de gude azuis cristalizadas. Estava apoiado ao cotovelo com um sorriso tonto no rosto. Ao vê-lo, Hermione cobriu-se até o pescoço, sentindo-se como se estivesse servindo de escultura em uma exposição de nudismo. Ao todo, apesar de demorar a dormir, a noite foi bem tranquila, Ron havia colocado almofadas no meio da cama para delimitar o espaço e isso funcionara,nenhum dos dois ultrapassou os limites dessa vez. Mas para ela, mesmo com todas aquelas almofadas entre eles, não mudava o fato de que ele estava ali, tão perto, e desde o beijo a mínima proximidade do amigo lhe atormentava.
Ron havia acordado cedo e aproveitara o pouco tempo que teve para olhar Hermione dormir, se dando conta de que o sentimento que antes tinha por ela, e que pensou ter acabado ha muito tempo, ainda existia nele. Hermione sempre foi mais do que uma amiga para ele, e ele sempre soube disso.

— Bom dia. – disse Hermione com a voz um pouco rouca. Tinha os olhos semi-abertos devido à claridade que entrava pela janela.

— Bom dia, dorminhoca. – o tom da voz de Ron foi daqueles que se usava para acordar uma garotinha de 5 anos. Ele se sentia feliz por ter Hermione por perto e não fazia o mínimo esforço pra lhe esconder isso.


— Como está o seu nariz? – Hermione queria se levantar mas se sentia envergonhada. Com o calor que fazia, havia dormido com uma camisola extremamente curta, mas Ron não havia visto seus trajes na noite anterior, pois ela vestiu-se no banheiro e só saiu de La quando se certificou de que as luzes estavam apagadas. Mas agora haveria luz o suficiente.

— Melhor, obrigado. – ele sorriu e começou a se levantar. Hermione corou ainda mais quando viu que Ron estava sem camisa, na verdade a única peça de roupa que vestia era uma daquelas cuecas boxer preta. Ron saiu da cama e caminhou pelo quarto como se não houvesse mal nenhum naquilo. Afastou a cortina da janela e olhou para lado de fora. – A vista daqui é muito bonita.

— O senhor só pode estar brincando comigo, não é? – murmurou Hermione olhando para o teto como se desse um sermão em Deus. “Ele é meu melhor amigo. Ele é meu melhor amigo.”, repetia mentalmente. Por fim disse em um duplo sentido – É, uma ótima vista.

— Vamos ter um dia agitado hoje, é aniversário do Harry. – disse voltando a se sentar na cama e colocando as calças. Hermione tentava desviar os olhos dele.

— Porque não me disse isso antes? Eu não comprei nada para ele. – ela se encolheu ainda mais em baixo dos lençóis quando o olhar de Ron a encarou. Ela sentia calor, muito calor, mas algo dizia que nada tinha a ver com o dia ensolarado. Olhava para o corpo bem trabalho de Ron tentando descobrir como ele o havia conseguido, já que ele era sempre tão preguiçoso e comilão.


— Não se preocupe. Veja, eu sou o melhor amigo dele e nem por isso lhe comprei um presente. – ele riu. Procurou por uma camisa em sua mala e ia começar a vesti-la quando notou os olhos de Hermione fixos nele e não pode evitar demorar mais do que o necessário para se cobrir. – Hey, vai ficar aí o dia todo?

— Não... Eu. – sua explicação foi interrompida por batidas na porta.

— Gina. – murmurou Ron desgostoso. – Essa garota tem algum problema. O que você quer, Ginevra?

A cabeça de Gina apareceu na fresta da porta.

— Como sabe que sou eu?
— Ah, por que será? Nem imagino. – disse Ron, sendo obrigado a terminar de se vestir.
— Se interrompi algo, me desculpe. Mas a culpa não é minha se são dois insaciáveis. Podiam fazer isso de noite, enquanto estamos dormindo... Bom, se é que já não estão nisso desde ontem...
— GINA. – guinchou Hermione.
— Ah, é com você mesmo que eu queria falar. Anda, levanta daí, eu preciso da sua ajuda Mione. – Gina aproximou-se da cama arrancando o lençol de Hermione.

— M-mas... – Hermione arregalou os olhos, tentando alcançar algo para se cobrir. Gina arqueou as sobrancelhas e Ron a olhava com uma cara de tonto. A Camisola* de Hermione era de seda rosa, o que facilitava muito para que esta se erguesse com facilidade, mesmo com o mínimo movimento. A ultima coisa que os olhos do Ron pensava em olhar era os olhos de Hermione, o resto do corpo lhe parecia mais interessante no momento. Ela puxou o travesseiro para se cobrir.

— Uau! Hermione tem que me dizer onde eu compro uma dessas, Harry iria adorar. – disse Gina apontando para a camisola, deixando Hermione ainda mais sem graça. Ron que até então continuava a olhar a amiga, desviou o olhar para a irmã com uma cara nada amigável.


— Eu ficaria muito feliz se você parasse de dizer essas coisas na minha frente, não quero saber da sua vida intima com o quatro olho do Harry. Mesmo que vocês se casem, para mim você ainda é.... Pura.

— Por Deus Ronald, acha mesmo que depois de 10 anos, eu continuaria “pura”? Pobre do Harry.

— Eu já disse que não preciso de tantos detalhes, Ginevra. Obrigada.

Gina ignorou os sermões do irmão e encarou Hermione, ainda agarrada ao travesseiro de Ron.

— Hermione, preciso que você venha comigo. – Gina começava a puxa-la pelo braço.
— Espera... Gina, deixa eu me trocar e...
— Não precisa.

Gina puxou Hermione para o lado de fora sem nem permiti-la colocar alguma roupa apresentável.

— GINA! – gritou Ron atrás delas, mas Gina o ignorou arrastando Hermione tão depressa pela escada que ela estava prevendo a hora em que levaria um tombo e veria sua cara colada no chão e seus dentes espalhados pela sala.


— Você tem que me ajudar... Mamãe está ocupada com as coisas do aniversário e as outras estão cuidando dos filhos e, bom, não quero que meus irmãos saibam... – Gina falava tudo muito rápido e quase nem pausava para tomar ar. Arrastou Hermione pela cozinha, levando-a para a parte externa da casa. Hermione tentou retornar para dentro assim que viu um grupo de trabalhadores que foram contratados pela Sra. Weasley e que montavam a tenda para o aniversário de Harry. Sentia-se totalmente exposta e sua camisola, é claro, não passara despercebida.

— Gina, pra onde é que estamos indo? Eu nem ao menos estou vestida. – dizia tentando se esconder atrás de Gina, mas esta andava rápido demais.

— Não se preocupe Hermione... Ninguém vai notar e... – ouviram o assovio de um dos trabalhadores a suas costas. – Bom talvez esse aí tenha notado.

— GINA. – ouviram um berro que Hermione sabia bem de quem era.
— O que esse bocó quer agora?

Ron aproximou-se olhando Gina com uma expressão um tanto raivosa.

— O que foi Ronald? Não vê que estamos com pressa? – disse Gina já voltando a andar, porem Hermione foi impedida de prosseguir por Ron.
— Problema é seu. Por mil demonios Gina, da pra não trazer a Hermione para passear com esses trajes?
— Ah, não começa com seus ciúmes neuróticos, ninguém nem ia reparar se você não estivesse berrando.
— Ninguém ia reparar? Não está vendo esse bando de urubu olhando pra ela como se ela fosse um monte de carniça?

— Obrigada pela comparação Ronald. – disse Hermione fingindo-se de brava, mas achado graça na cena do amigo mesmo sem saber se aquilo era ou não parte do fingimento. – Gina, ele tem razão.... Bem, menos na parte em que me chama de monte de carniça. Eu não me sinto bem vestida assim. Eu me troco rápido e já te encontro, Okay?


— Dez minutos. – gritou Gina, já que Ron já começava a arrastar Hermione de volta para a casa.

Hermione subiu para o quarto seguindo Ron e se permitiu soltar a risada contida quando sentiu a segurança das quatro paredes.

— Onde é que vocês iam? – perguntou Ron sério.

— Não sei, Gina não me disse.– disse parando de rir e encarando o amigo.– O que foi?

— Como o que foi? Não viu aqueles pangarés comendo você com os olhos?

— Espera, você está mesmo com ciúmes?

— Eu só não acho legal você andar desse jeito por aí.

— Eu não estava andando por aí, eu estava sendo arrastada. O que queria que eu fizesse?

— Você poderia ter dormido mais coberta.

— Ah olha só quem fala... – disse lembrando-se dos poucos trajes que Ron usava quando acordaram.

— Mas homens não dormem de pijama, isso seria muito gay.

— Ótimo, e eu tenho que dormir feito uma mulçumana enquanto você fica esparramado na cama como se estivesse se bronzeando em uma praia de nudismo? ... Olha, não vou discutir sobre como eu devo me vestir com você. Eu vou me arrumar.


Ron não disse nada. Hermione foi até sua mala procurar alguma roupa confortável para aquele dia quente e foi até o banheiro se trocar. Vestiu um pequeno short jeans com uma regata que foram logo reprovados por Ron que fazia cara feia para a roupa curta da amiga.

— Você não quer que eu saia de burca não é?
— Podia pelo menos por uma calça.

Ela olhou com o olhar de censura que ele sabia o que significava.

— Eu tenho que ir. Sua irmã está lá embaixo...
— Já parou pra pensar que você está passando mais tempo com a Gina do que comigo?
— Ron, o que você tem hoje? – Ela não conseguiu não rir da birra do garoto. Caminhou até ele e lhe deu um beijo carinhoso na bochecha. – Não vou demorar, prometo. Que acha de irmos comprar algo para o Harry depois que eu voltar? Assim passamos um tempinho juntos.

Ron abriu um sorriso na cara marrenta.

— Ótimo, bem melhor. Mas se demorar muito com a Gina, eu vou lá te buscar... – beijou a testa de garota. – Vou dar uma volta pela praia enquanto isso.
— Nos encontramos aqui então... Bom, é melhor eu ir antes que ela volte.


Hermione desceu as escadas para se encontrar com Gina que aguardava parada no mesmo lugar. Passou rapidamente pelo grupo de trabalhadores ainda se sentindo envergonhada e quando Gina a avistou aproximou-se dela e entrelaçou um braço no de Hermione, caminhando lado a lado.
Levou Hermione até um canto mais sossegado da casa, em um baquinho de jardim aos fundos, e la se sentou.

— Hoje é aniversario do Harry… – começou Gina.
— Sim, Ron me disse.

— Bom, queria que me ajudasse em algo. – o sorriso de Gina, embora feliz, transmitia nervosismo, algo um tanto estranho já que Gina era uma garota muito segura de si.

— E em que posso lhe ser útil? – perguntou Hermione.

Gina olhou para o céu soltando um suspiro, e logo voltou seu olhar para Hermione.

— Há alguns anos atrás... Quando eu era bem mais nova, eu gostava de cantar e, modéstia a parte, eu o fazia muito bem. Era o que eu mais gostava, eu me sentia bem. Mas um tempo depois mamãe ficou gravemente doente. Cá entre nós, mamãe é o coração dessa família, não sei como seria sem ela por aqui. – soltou outro suspiro e logo retomou. – Bom, o caso é que eu tinha feito uma promessa de que eu não cantaria mais se ela ficasse bem. Parece uma coisa boba, eu sei... Mas na época, eu não conseguia pensar em mais nada. Eu era pequena, não havia muitas coisas que eu pudesse sacrificar não é?


— Isso não me parece nada bobo Gina, muito pelo contrario. Eu faria qualquer coisa pra ter meus pais de volta. – Hermione sentiu um nó na garganta e tentou fixar sua atenção em alguma coisa que não fosse tão digno.

— Desde que ficamos juntos, Harry sempre me pediu para voltar a cantar… E... Eu queria fazer isso por ele hoje. Afinal, é o ultimo aniversário dele como um homem solteiro e, eu queria que você me ajudasse... A ensaiar alguma coisa.

— Ele tem sorte por ter você, Gina. Você será uma ótima esposa. – Hermione a abraçou. – Bom, é melhor irmos logo com isso ou seu irmão virá me puxar pelos cabelos como um eximio homem das cavernas.

— Falando nisso, como fez para ele te deixar sair assim? Ron é impossível. Estou feliz em saber que tenho alguém para dividir aquele ciúme doentio. Com você aqui, ele para de me encher.

Hermione riu.

— Ele não fez uma cara muito boa na verdade. – disse se lembrando do ciúme do amigo. – E ainda disse que eu estou passando mais tempo com você do que com ele. Tive que prometer a ele que não demoraria e que iria sair com ele para comprarmos algo para Harry.

— Ótimo! Mas por favor, não deixe ele comprar nada que seja de futebol. – pediu Gina.
— Sim senhora.


Hermione ficou por volta de uma hora ensaiando com Gina e logo depois foi se encontrar com Ron para que juntos pudessem comprar algo para Harry.

Foram até a vizinhança de Hyson, pois lá as variedades eram muito maiores. Andaram um tempo apenas para conhecer o local, tomaram um sorvete e conversaram antes de irem escolher alguma coisa que pudessem dar a Harry. Os dois se tratavam normalmente e tudo parecia estar bem, mas no fundo, cada gesto de carinho ou um olhar mais prolongado, tinha um significado muito maior do que antes. Ambos ainda se lembravam do beijo que deram na balsa, mas eram de fato orgulhosos demais para admitir, e muito mais teimosos para aceitar que dariam qualquer coisa para repeti-lo.

Uma suave brisa balançou os cabelos de Hermione e Ron ficou apenas a observando. Ron gostava de olhá-la, isso não era novidade para ele. Hermione sempre foi bonita aos seus olhos, mas desde que eles chegaram a Londres, ela parecia ter algo diferente no olhar.

Entraram em varias lojas e por fim, acharam a certa. Ali havia varias coisas que poderiam facilmente agradar a Harry. Ron já tinha em mente que compraria a nova camisa dos Cannons, time de futebol favorito dos dois, mas não contava com a desaprovação de Hermione que logo que o vira na fileira de esportes, caminhou até ele e lhe tirou das mãos a camisa laranja berrante que ele segurava.

Após escolher o que iria comprar, Hermione deixou Ron escolhendo seu presente e foi até a sessão de livros, ver se havia algum entre aquelas prateleiras que ela já não tivesse.


Alguns instantes depois de escolher o que comprar, Ron aproximou-se dela sem fazer barulho. Olhou para a amiga sentada em um pequeno puff onde as pessoas costumavam ler os livros disponíveis na própria loja. Durante anos ele tentava se convencer que Hermione era apenas sua melhor amiga, e que ela nunca viria a olhá-lo como algo além disso. Ele lhe deu um suave beijo na bochecha fazendo-a sobressaltar e olhar para ele com um sorriso que fez suas pernas estremecerem. Seis anos tentando se conter, primeiro por um motivo, depois por vários outros... Mas estava chegando ao fim de suas forças. Ele era irreversivelmente louco pela sua melhor amiga.