Em busca da verdade escrita por Lua Lima


Capítulo 3
Capítulo 3 - Realmente devo minha vida à isso?!


Notas iniciais do capítulo

Olá ^^
Bom, a boa notícia é que existe alguma esperança de que eu terminar a história a tempo pro desafio. A má notícia é que, para isso, vou precisar tirar um capítulo que eu achava bem interessante. A outra boa notícia é que farei uma one-short com esse capítulo que não vai ter tempo de ser feito.
Ha, e devido a mudança no roteiro vou retirar o gênero "Ecchi", o aviso de sexo e vou voltar a classificação +13.
Boa leitura!



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Estou sentada no beiral do terraço do hotel em que estou hospedada. Meus pés se sentem confortáveis balançando descalços à mais de 7 metros de altura e minha barriga se sente confortável com o redemoinho que olhar para baixo causa nela. De modo que posso pensar tranquila, com o vento da noite batendo forte no meu rosto e fazendo os pedaços do meu cabelo castanho chicotearem o ar e tudo que estivesse no caminho.

Tecnicamente essa área é restrita, mas não pretendo roubar nada, muito menos me jogar daqui. E considerei que esses fossem os únicos motivos de manterem pessoas afastadas daqui. O murinho não tinha mais de um tijolo de espessura, e machucava minhas nádegas, mas não me importei com isso.

Martínez está dormindo profundamente na cama à direita do meu quarto. E eu estou aqui.

Tânia é uma pessoa realmente desagradável. Toda a satisfação que tive por ter o lindo abrigo como parte do meu passado murchou quando conheci a pessoa que me levou para lá.

Me sinto meio culpada de criticar a mulher a que devo minha vida. Mas veja bem, além de ter um cheiro ruim e uma aparência imunda, ela simplesmente não consegue ser simpática com ninguém. Tem as ações mais puras, porém não foi capaz de ser gentil nem com o Mart! Jamais havia visto alguém sendo rude com ele.

Mas o importante foi que ela lembrava o hospital de onde me trouxe. Não lembrava de ter visto minha mãe, nem de saber do meu diagnóstico de AIDS antes de me levar para o abrigo. “Se soubesse que você ia morrer de qualquer jeito porque é condenada, não ia ter feito o sacrifício de te trazer aqui. Espero que não esteja espalhando essa sua verminose pelo ar!”

Eu ri, sozinha, me lembrando da fala dela. É vergonhoso como as pessoas não tem instrução nenhuma sobre o HIV. Eu, por exemplo, definitivamente não gosto de biologia, corpo humano e estudar doenças, mas conheço o básico. E sobre a AIDS tem tanta informação... A parte mais irritante é o medo de ser contagiado “pelo ar” ou por outras coisas nada a ver.

Para começar, HIV é um vírus que destrói os soldadinhos da defesa, – considerem que aprendi o que era isso aos 4 anos e a primeira vez é a que fica – nada de verminoses, bactérias, fungos ou qualquer outra coisa. Além disso, só é possível ser infectado se tiver contato com o sangue, com a mucosa vaginal ou esperma, – essa última parte o Dr. Marcio esperou um pouco mais para me informar – nada pelas lágrimas, suor, espirro, saliva, xixi.

Já a AIDS são os dodóis que ficamos porque o exército do nosso corpo está morto. Mas os dois não são a mesma coisa! Apesar de eu ter desenvolvido a doença muito rapidamente, sei a diferença. Sabe, acho que descobri porque tive AIDS logo que fui contaminada pelo vírus: “Quando os bebês são largados nos hospitais a gente guarda por duas semanas antes de entulhar eles em abrigos lixo. Mas tu era bixada’ e pegou alguma verminose antes de te jogarem fora, aí tiveram que ficar contigo. Sempre que achavam que iam se livrar de você, viam outra coisa estragada.”. Acho que, talvez, meu frágil sistema imunológico tenha ajudado a manifestar a AIDS mais cedo. Terei muito a conversar com o Dr. Marcio quando voltar.

Espero que isso acabe logo. Tenho medo de estar me cuidando mal sem minha mãe. Liguei para ela quatro vezes de ontem para hoje, não tenho contado muita coisa para não assusta-la, mas estou com muito medo. Nunca tinha viajado sozinha e isso já é bastante assustador, mas ter que procurar algo como a mãe biológica... É bem difícil.

Então meu pensamento voou para Rúbia, minha nutricionista. Já estou a dois dias sem me exercitar, bebendo muito refrigerante e comendo bobagens. Fiz uma promessa mental em homenagem a ela dizendo que amanhã ia caminhar e para de comer besteiras.

Acho que preciso dormir. É muita coisa para absorver, preciso me manter atenta as coisas. Estou descendo as escadas na ponta dos pés para meu quarto no fim do corredor do terceiro andar. Mart nem se mexeu na minha ausência. Deitei com cuidado e tentei relaxar.

O último pensamento que me lembro é o Dr. Marcio na minha casa dizendo que eu tinha que comer todos os legumes para fortalecer meu exército de defesa contra dodóis.

E aí, Mart beijando meu colo até o começo dos meus seios. Mesmo quando toda a consciência veio a mim permaneci parada, absorvendo seu toque.

— Vamos acordar, Bela Encantada?

Resmunguei e virei de lado, esticando o pescoço, na esperança de mais beijos. Então ele me puxou da cama delicadamente e me colocou no chão, pegou o violão, sentou na cama e começou a tentar tocar uma música de rock pesado. Corri para o banheiro praguejando, tentando me livrar do som horripilante.

Saí do banheiro enrolada na grande toalha do hotel.

— Eu sei que disse que queria ir logo cedo no hospital, – Ele me olhou com a testa franzida – mas queria muito dar uma caminhada hoje. Já estou a alguns dias sem fazer exercício e me alimentando mal, preciso me cuidar.

— Por que alguém com o corpo tão bonito quanto o seu é tão grilada’ com essas paradas’ de corpo? – Ele ainda parecia desconfiado.

— Não é questão de estética, mas de saúde. Preciso manter a saúde forte. – Fiz pose de super-heroína com os punhos fechados na cintura e expressão firme.

— Se você diz... – Ele não estava tão convencido – Só estou te acompanhando, você é que manda.

De manhã tomei um café da manhã bem saudável com quatro cores e sai para uma caminhada leve com o Martínez pela cidade, até paramos no parque para alguns exercícios diversificados. Quando chegamos de volta no hotel já eram 11h, por isso preferimos nos arrumar e almoçar antes de ir para o hospital.

Agora estou sentada com Martínez em um restaurante ao lado do hotel que estamos hospedados. No meu prato tem oito cores, como Rúbia exigia. Claro que pequenas quantidades. O almoço está sendo bem silencioso. A comida não me cai bem com a perspectiva de saber o lugar que eu nasci.

Acabamos de almoçar e estamos indo para o carro. Adoro especialmente como Mart respeita meu espaço nesses momentos, não tentando puxar assunto ou me questionar. O caminho está sendo bem chato. Várias pequenas casas velhas, uma ou outra praça, igreja ou lojinha. O chão era quase sempre de terra e havia pouco movimento de pessoas.

Depois de mais de 2h no carro finalmente chegamos ao hospital São Vilibaldo. Posso dizer que o hospital refletia a personalidade de Tânia. Agora que pensei bem ela provavelmente não é enfermeira, tendo com tão pouco conhecimento sobre doenças. Tenho que tirar isso a limpo.

As paredes descascavam, letras caiam do letreiro, ambulâncias sem rodas aguardavam o ferro velho na frente do hospital e uma poça de sangue seco estava na rampa de entrada. Cerca de quinze pessoas aguardavam atendimento na recepção apertada.

Me senti imediatamente mal por estar ali por causa um motivo tão fútil, quando havia tanta gente precisando de atendimento por motivos de doenças. Meu estomago embrulhou.

Estou. Em. Uma. Sala. Cheia. De. Doenças.

Corri para fora prendendo a respiração – como se isso realmente de protegesse de qualquer doença ali. Do lado de fora fiquei ofegante.

— Pamela! O que aconteceu? Pam, me diz o que foi! – Mart segurava em meus ombros e falava, muito nervoso.

— Estou... Enjoada... Preciso... De um minuto. – Ele esperou por um tempo, muito apreensivo.

— Pam, tudo bem?

— Sim, Mart. Tudo bem. – Estiquei o corpo, só agora percebendo que estava apoiando as mãos no joelho e que Martínez estava ajoelhado para me olhar – Pode pegar uma senha pra mim?

— Está passando mal? – Ele pareceu ter levado um choque.

— Não! Não, se acalme – Ele relaxou um pouco – Só que preciso falar com a atendente e me sinto culpada de furar fila.

— Acho que você precisa se sentar, Pam. Vamos lá pra dentro. – Ele estava preocupado.

— Preciso de um pouco de ar puro, por enquanto. Pode pegar pra mim? Vou me sentar aqui. - E sentei num banco muito sujo no lado da porta do hospital.

Martínez voltou rápido e se sentou ao meu lado, tenso de preocupação. Não que eu não frequentasse hospitais, longe disso, mas normalmente eles tinham melhores condições de higiene. Mart ficou prestando atenção aos números, indo ver de tempo em tempos. Depois de cerca de meia hora, entramos porque faltavam apenas dois números para minha vez. Um casal de idosos, uma mãe com dois filhos e outras duas pessoas sozinhas tinham entrado enquanto eu aguardava do lado de fora, mas muitos dos que estavam antes continuavam na sala.

Só há uma atendente e ela é bastante nova e tem cabelos cacheados bem pretos-, talvez 19 anos. Minha vez chegou.

— Boa tarde, meu nome é Pamela. Eu nã-

— Nome completo, por favor. – Seu tom não era rude, só neutro.

— Na verdade, não estou doente. Eu vim porque preciso saber uma informação. Eu nasci aqui, mas fui levada pra um abrigo sem nenhum registro, preciso de algumas informações pra documentos e-

— Tem que falar com a responsável. Vou chama-la. – Ela ainda era muito neutra quando se levantou e saiu andando.

Eu pretendia mentir sobre meus motivos, ocultar o que pudesse. Sei que, legalmente, as informações desse tipo são sigilosas. Espero não ter problemas com isso.

Ela voltou com outra mulher bem rápido. A mulher que ela trouxe era um pouco mais velha, - 30 e poucos anos, eu chutaria – tinha cabelos muito loiros, tingidos, era bem alta e usava um jaleco branco-amarelado.

— Olá, sou Andrew. Em que posso ajudar?

— Bom, preciso saber alguns dados meus. Eu nasci nesse hospital, mas saí daqui sem registros e gostaria de ver se pode me-

— Você nasceu aqui? – Ela parecia bastante surpresa.

— Sim. Até onde sei, sim. – Odeio essa mania de interromper, mas me mantive neutra.

— Bom, isso é bem incomum porque temos uma maternidade que fica há dois quilômetros daqui. Vai ser bem fácil encontrar seus registros. Qual ano?

— 1998.

— Certo, venha comigo.

Mart, que estava andando atrás de mim quieto pelos corredores branco-encardidos do hospital, parou quando cheguei com a mulher em uma sala com uma placa escrito “Laudos” na porta. Quando percebi que ele não me seguia assenti para ele em agradecimento.

Era uma sala bem grande com incontáveis estantes que ficavam assustadoramente próximas. Cada estante tinha uma década escrita na lateral. Fomos a que havia um “90” e seguimos até quase o final do corredor que ela formava com outra estante para encontrar o ano “98” gravado em um grupo de caixas. A sala seria até bem iluminada, se as estantes não ficassem a poucos centímetros do teto.

Andrew deu uma rápida olhada nas etiquetas das caixas antes de encontrar o mês que informei a ela que nasci. Ela pegou a caixa e levou, com minha ajuda, para fora da sala. A caixa era grande, pesada e por pouco não passaria no estreito espaço entre as estantes.

Mart carregou para nós a caixa até uma sala bem pequena com um sofá de três lugares e uma mesa de centro. Porém Andrew foi chamada para resolver algo e só voltou meia hora depois pedindo muitas desculpas. Eu estava muito, muito apreensiva. Mart aguardou atrás da porta fechada, novamente, enquanto procurávamos os registros do dia que eu nasci.

Encontrei a pasta do dia e a entreguei. Ela folheou por um tempo que me pareceu muito, muito longo.

Não encontrou.

— Bom, talvez o dia esteja errado. – A mulher tentou ajudar.

— Sim, talvez.

Ela começou a procurar no dia anterior.

— Achei. – O sorriso dela foi de uma felicidade extrema.

Jamais pensei que conseguiria informações que deveriam ser sigilosas com tanta facilidade. Não havia mostrado um documento, dado um centavo ou implorado. Achei curioso como Andrew era tão gentil. Quem diria que ia ficar tão grata de ter nascido em um hospital tão capenga’?

— Então? – Perguntei, chorando um pouco, ansiosa.

— O que precisa saber?

— Tudo.

— Sua mãe se chama Paloma Salladric. Que bonito, seu nome ser parecido com o dela. – Ela sorria para mim, falando devagar e, agora, eu só chorava alto – Ela tinha 16 anos quando deu entrada no hospital. Hó! Isso explica porque de um parto aqui. Ela teve uma overdose de drogas e estava morrendo. Foi preciso retirar o bebê com urgência. Você nasceu com apenas 7 meses. Sua mãe se recuperou e recebeu alta duas semanas depois do seu nascimento. Ao que parece ela não te registrou ou tentou levar você com ela. Aguardamos as duas semanas referentes ao período que devíamos esperar até que ela viesse te buscar, mas você adoeceu e mantivemos você aqui. Recebeu alta dois dias antes de completar seis meses de vida.

Eu não conseguia parar de chorar. Minha mãe havia realmente me abandonado, ela era uma criança drogada.

Senti Martínez me pegando no colo e se sentando comigo, me fazendo carinho enquanto eu tremia e chorava. Ele deve ter entrado quando me ouviu chorar. Ouvi ele falar com Andrew:

— Desculpe, ela está muito emocionada.

— Falei algo de errado? Devia ter poupado ela de algo?

— Não, Andrew, se disse a verdade é tudo que ela queria ouvir. Só está nervosa. Desculpe. Não precisa se preocupar, fico com ela e a levo até a saída.

— Tudo bem. Mas fique um pouco, volto para vê-la logo.

Drogada. Mãe adolescente. Aidética. Talvez até prostituta. Me abandonou.

Estou com sono... Tanto sono...

Sinto uma pressão incomoda no braço e algo é colocado com gentileza na minha boca. Comida.

Ainda estou no colo de Mart. Ele está me dando um iogurte de morango. Uma mulher está medindo minha pressão, mas não presto atenção nela.

— Desmaiei? – Minha voz está rouca.

— Acho que só dormiu. – Ele me respondeu, sorrindo de um jeito doce.

— Está normal. – A mulher falou e saiu antes que Martínez terminasse de dizer “Obrigada”.

— Preciso falar com a Andrew.

Me levantei rápido. Mas, então, vi o meu laudo e o da minha mãe em cima da mesinha e relaxei. Ela ia me ajudar.

— Toma o iogurte, vai. Já são quase 18h e você não comeu nada desde o almoço.

Tomei o iogurte, comi um pedaço de bolo que ele havia ido comprar para mim e bebi bastante água antes que Andrew voltasse. Agora ela usava roupas casuais, o que me fez crer que ela já não estava mais em serviço.

— Obrigada por tudo, Andrew. Só preciso saber como faço pra encontrar minha mãe. Teria algum número ou endereço?

— Sinto muito, Pamela, não temos nada. Nem mesmo nomes dos pais dela.

— Há, tudo bem. Obrigada. – Martínez também agradeceu.

— Gostaria de uma carona? – Oferecemos e ela aceitou.

Ela guardou as pastas e nós a levamos de carro para uma casinha simples no meio de muitas iguais a ela. Dei a ela uma quantia de dinheiro que ela se recusou a aceitar até que eu dissesse que era um presente. Pareceu que presentes eram algo sagrado para ela, pois ela parou de reclamar, se despediu e foi para casa.

— E agora? – Mart dirigia para o hotel quando me perguntou.

— Jantar e google.

— Paloma Salladric?

— Salladric. – Confirmei.

Tomei meu remédio e comi minha refeição de oito cores, como tinha que fazer. Mas não liguei para minha mãe como de costume. Só mandei uma mensagem dizendo que não queria conversar hoje, que estava bem e que ligaria depois.

No jantar, Martínez conseguiu me fazer sorrir contando histórias engraçadas da família dele. Depois tentamos pesquisar no google sobre minha mãe biológica.

Não encontramos nada.

Nem mesmo só no sobrenome. Não achamos nada.

— Pam?

— Oi. – Estava estática olhando para a tela do computador, respondi Mart por impulso.

Será que já é hora de parar? Já posso deduzir que ela engravidou sem querer e que talvez nem estivesse se importando com isso. Talvez nem soubesse que tinha AIDS.

Não.

Enquanto eu ainda tiver que formular hipóteses, enquanto houver um “talvez”, ainda não vai ser a hora de parar.

— Acho, Pam, que devíamos procurar em delegacias, hospitais, casas de recuperação, cemitérios e qualquer outro lugar do tipo. Isso se você quiser realmente encontrá-la.

— Sim. Quero acha-la.


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Notas finais do capítulo

Espero que acompanhe até o final de amanhã ^^
Beijinhos!



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