Em busca da verdade escrita por Lua Lima


Capítulo 2
Capítulo 2 - Será que alguém pode me ajudar?!


Notas iniciais do capítulo

Olá, pra quem leu até aqui. ^^
Estou sinceramente preocupada de não terminar a história no prazo para o desafio do Nyah!, mas aviso conforme for.
Bom, espero que gostem! Boa leitura.



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Estou sentada no beiral da janela do meu quarto. Meus pés se sentem confortáveis balançando à mais de 2 metros de altura e, apesar da falta de apoio para as minhas costas, posso pensar tranquila, com o vento da noite batendo no meu rosto.

O jantar com a família do Martínez tinha sido ótimo, o pai dele sempre era muito engraçado, a mãe sempre gentilíssima e os irmãos mais novos... Bom, eles ficavam lindos dormindo. Não que eu não gostasse da Carlota e do Ramírez, os gêmeos de 6 anos, mas eles costumavam fazer muita agitação e me deixar em situações embaraçosas.

Como mais cedo, quando perguntaram porque o irmão deles trancava a porta do quarto quando eu estava lá. Todos acharam engraçado, mas eu fiquei constrangida me lembrando da última vez que havíamos ficado no quarto. Tínhamos ficado os dois sem camisa – mas com sutiã – numa pegação’ bem quente.

A mãe do Martínez, Renata, me deu milhões de recomendações para tomar conta do filho dela e passamos a maior parte da noite conversando sobre livros, viagens e lugares em que ela ia me levar. Não fiquei sozinha com o Mart, ficamos só com a família dele. Depois ele me trouxe para casa, já as 22h e me deu um beijo mais quente de despedida.

Meus pais estavam na sala quando cheguei, perguntaram que horas deviam me acordar e me deram “boa noite”. Agora estou aqui, sem sono, ansiosa sobre as coisas que eu posso descobrir. Mas acho melhor voltar para cama e tentar, pelo menos, tirar um cochilo.

Mal percebi que tinha adormecido quando senti beijos gostosos no meu pescoço. Quando fiquei consciente suficiente para ver que talvez fosse alguém que não deveria estar fazendo aquilo, também percebi que eram os inesquecíveis beijos de Mart. Demorei mais uma camada de inconsciência para pensar no que ele estava fazendo ali. Sentei na cama, assustada, me cobrindo com o cobertor.

— Já são 20 pras 7, princesa adormecida. – Ele estava com um sorriso largo.

— Bom dia. – Cocei os olhos e bocejei.

— Vou te esperar lá em baixo. – Ele me deu um selinho, pegou minha mala pesada e desceu.

Peguei a roupa que tinha separado e corri para o banheiro. Desci  com minhs mochila e a bolsa que eu tinha usado na noite anterior. Meus pais já estavam arrumados para o trabalho, tomando café com Mart. Me juntei a eles e tomei um café reforçado. Meu pai comeu correndo e saiu as 7h, mas minha mãe ainda nos explicou o caminho com detalhes, anotando instruções e explicando a rota pelo Google Maps.  Quando estava certa de que não nos perderíamos, saiu conosco de casa. Me deu um forte abraço e acenou enquanto seguíamos pela rua com o carro da mãe dele.

A viagem foi tranquila. Ficamos ouvindo música e conversando sobre os lugares que passávamos e os lugares que deveríamos visitar. Eu ficava um pouco deprimida de fazer tantos planos para o futuro sem saber realmente se haveria um futuro. Um futuro que ele me quisesse ou um futuro saudável.

Essa semana iria sair da minha rígida dieta, mas tentaria manter o máximo possível, assim como algumas caminhadas e exercícios. Tudo isso - cuidados com a alimentação e práticas de atividade física – eram cuidados primordiais para garantir minha saúde. Além de tomar o remédio todos os dias no horário certo.

Fazia alguns anos que eu não ficava realmente doente. Tinham 4 anos que conseguimos controlar bem todas as doenças que eu tive. Mas qualquer mal-estar, febre ou dor eram internação garantida até que se soubesse do que se tratava.

Já eram 10h31min quando passamos para parte rural. Haviam poucas casas, poucas placas e menos ainda pessoas. Começamos a prestar realmente atenção no caminho e ficar alertas para encontrar o lugar. Minha mãe tinha nos indicado diretamente o abrigo em que eles me encontraram e lá perguntaríamos onde ficar e onde comer.

Enfim, entramos numa rua de terra com mata dos dois lados. A estradinha era de mão única, mas haviam ruas paralelas em alguns pontos. Seguimos nela por mais de 40min sem ver uma alma viva. A internet já não pegava mais, àquela altura, e não tínhamos como confirmar se estávamos no caminho certo. Mas, por fim, chegamos.

Fiquei feliz por ter vivido naquele lugar por um tempo. Havia uma casa de um andar muito, muito grande. Além de um grupo de três casinhas menores de cada lado da principal, também havia um pequeno campo de futebol, uma piscina e um parquinho, em frente as construções. Crianças brincavam por todo lado e uma grade cercava todo o lugar. No portão de ferro estava escrito “Lar de Amor Para Crianças”.

— Que lugar lindo! – Martínez falou, descendo do carro.

Não havia lugar visível para estacionar e a estrada ainda era estreita até o portão. Descemos do carro, demos as mãos e tocamos o interfone.

— Quem deseja? – Uma voz feminina atendeu.

— Olá, eu vim fazer uma visita ao abrigo.

— Deseja adotar alguma criança?

— Não. Na verdade, eu fui adotada aqui e gostaria de conhecer o local.

— Há, claro. Entrem com o carro e sigam pelo caminho pro estacionamento.

— Certo, obrigada. – Fui quando percebia as câmeras de vigilância.

Seguimos um caminho pela direita que ia paralelo as torres. Haviam muitas pessoas cuidando das crianças que brincavam, algumas outras seguravam bebês no colo. Atrás das casas havia um pequeno estacionamento com três carros e duas vãs. Estacionamos, peguei minha bolsa, os papeis que minha mãe havia me dado e fomos para a casa principal, por trás.

Uma mulher baixa que parecia ter mais de 50 anos nos esperava. Ela tinha cabelos grisalhos e olhos escuros que demonstravam muita firmeza.

— Bom dia, senhora. – Comecei falando.

— Bom dia, – ela sorriu calma – Eu sou Anastácia, coordenadora deste abrigo. Em que posso ajuda-los?

— Meu nome é Pamela Pankson. Fui adotada a 16 anos pela senhora Julieta e o senhor Ângelo Pankson. – Ela cerrou os olhos, tentando me reconhecer ou se lembrar – E esse é Martínez, um amigo. – Ela sorriu para ele e apertou nossas mãos.

— Entrem, entrem.

Havia uma pequena sala com dois sofás de dois lugares e uma mesa de centro na primeira sala que entramos. Seguimos por uma porta na parede contrária a que entramos e seguimos por um longo corredor, apertei a mão do Mart, nervosa. Contei 5 corredores paralelos de cada lado até chegarmos novamente em uma sala. Desta vez era um pouco maior, com três sofás de dois lugares, mesa com quatro cadeiras e uma estante. Anastácia nos indicou as cadeiras e nos sentamos, os três.

— Bom, em que posso ser útil?

No mesmo instante percebi que não podia perguntar tudo que precisava com o Martínez do meu lado.

— Mart, acho que preciso fazer isso sozinha. – Cochichei de modo que só ele ouvisse.

— Desculpe, mas – ele pigarreou – posso esperar lá fora?

— Se importa de aguardar na parte da frente da casa? – Ela indicou com a cabeça a porta que dava para a frente. Pelas janelas grandes podíamos ver as crianças que brincavam lá fora.

— De modo algum. – Ele me deu um selinho discreto e saiu.

Não prestei atenção na parte externa da casa, me voltei para a mulher.

— Então? – Ela não estranhou a situação, parecia estar com uma máscara de indiferença e profissionalismo.

— Eu vim pra cá porque quero descobrir quem é minha mãe biológica. Eu não tive nenhum registro antes de chegar aqui, com seis meses. Fui traga por uma enfermei-

— Posso ver seus registros do Lar?

Abri a pasta e encontrei facilmente o papel branco que o abrigo havia dado aos meus pais quando fui adotada. Constavam muitos dados meus, além de uma extensa lista de cuidados médicos que eu havia recebido. Entreguei a ela e ela só demorou dois segundos para arregalar os olhos. Provavelmente chegou na parte que consta que sou soropositivo.

— Pamela, foi o nome que eles escolheram? – Ela sorriu par mim e me olhou com ternura, parecia emocionada.

— Sim... – Respondi, cautelosa.

— Na noite que você chegou eu era a chefe responsável. Chovia muito. A mulher que te trouxe era a Tânia. Ela trabalhou conosco por um período depois de você ir pra casa. Ela era enfermeira auxiliar em um hospital numa cidade vizinha. – Ela refletiu um instante e eu aguardei ansiosa – Não, não me recordo o nome da cidade. Só sei que ela andou a pé por mais de 2 horas com você no colo pra chegar até aqui. No meio do caminho caiu a chuva e ela achou que você fosse morrer. Todos achamos. Você deu sorte do Carlos estar no plantão médico. Os outros médicos provavelmente não estariam tão bem preparados para cuidar de você. Você deve imaginar que, sendo tão isolados, precisamos de um serviço de emergência particular. Mas normalmente o caso mais grave que temos é uma fratura.

Ela parou de falar um instante, refletindo, então me ofereceu água. Aceitei e ela saiu da sala rapidamente. Peguei uma folha em branco e rabisquei com um lápis esquecido na minha bolsa: “Tânia – Enfermeira auxiliar (2hrs) / Carlos – Médico / Anastácia – Chefe responsável”. Ela voltou com uma jarra e dois copos, encheu os dois copos e tomou toda a água antes que eu tomasse meu primeiro gole. Ela encheu seu copo novamente.

— Ela saberia quem era minha mãe?

— Não tenho certeza, mas acredito que, quando ela prestou atenção em você, você já estava na UTI do hospital morrendo sem nenhum acompanhante. Ela contou que você com estava com tuberculose e que não parava de ficar doente e que você nunca tinha saído do hospital e que te trouxe quando você recebeu sua primeira alta, com seis meses de vida. Ninguém havia feito sua certidão de nascimento ou registrado alguma coisa no hospital.

— Como faço pra encontra-la?

— Quem? A Tânia? Bom, ela aparece aqui pra ajudar, as vezes.

— Ela já trabalhou aqui, vocês devem ter alguma informação sobre ela. – Eu estava séria, mas a mulher ainda parecia nostálgica.

— Temos, sim. Mas você realmente quer ir atrás dela?

— Sim, quero sim.

— Bom, façamos assim. Vou tentar ligar pra ela e pedir que ela venha aqui amanhã, pode ser?

— Preferia resolver isso rápido, Dona Anastácia, se não se importar.

Ela me analisou um momento, bastante séria. Quase zangada.

— O que pretende com isso?

— Encontrar minha mãe biológica. – Fui sucinta.

— Pra que?! Ela te abandonou morrendo em um hospital! E Julieta é uma pessoa maravilhosa, levava jeito com as pessoas, todos a adoravam por aqui. Por que quer encontrar alguém que nunca te fez nada de bom?

— Não quero conhece-la. Só quero saber o que aconteceu comigo e com ela. Quero conhecer minha história.

— Então deve falar comigo. Cuidei de você com um carinho especial, sabe? Fui eu que liguei pra sua mãe e disse que tinha um novo bebê aqui. Eu que ajudei seu pai no processo de adoção.

Respirei fundo.

— Anastácia, eu agradeço muito tudo que você fez por mim. Agradeço a todos que ajudaram a me levar pra melhor família que eu podia ter, agradeço a Deus e a vocês por isso todos os dias da minha vida. Mas agora quero descobrir algo importante pra mim e seria muito grata se você pudesse me ajudar.

Ela me analisou mais um momento e pediu que eu aguardasse, mas que podia ir lá fora se quisesse. Resolvi ver o que o Mart estava fazendo. Ele estava sentado em um banco com duas adolescentes que pareciam ter a minha idade, – uma loira de olhos castanhos e outra de cabelo castanho claro e olhos cinza - um garoto que parecia ter 16 – só podia ver seus cabelos pretos - e um casal que parecia ter 13 anos – ambos eram loiros e tinham olhos claros.

— Pamela! – Martínez me viu antes de todos e fez eles olharem para mim – Tudo certo lá?

— Sim, claro. – Sorri para ele.

As garotas murcharam com a minha presença e o garoto mais velho não conseguia parar de encarar meus peitos. O garoto mais novo foi o único que pareceu curioso com a minha chegada.

— Você quer ficar por aqui mais um pouco? Ela só foi resolver algo pra mim, tenho que aguardar.

— Vou com você. Mas acho que você vai querer conhecer alguém. – Ele sorria como uma criança.

Eu fiquei meio chateada pela crítica da Anastácia, ainda estava meio abalada, mas a animação dele me contagiou. Acenei para os adolescentes e deixei ele me puxar pelo pulso até perto de um banco do parquinho. Uma senhora muito idosa segurava um bebê. Ele pegou o bebê com destreza, sem medo algum, e trouxe para perto de mim.

— Pamela, essa é a Celina.

Celina tinha a pele branca, olhos escuros e nenhum cabelo. Ela se parecia muito comigo quando bebê. Quase uma cópia. E Celina é o nome que que daria para minha filha, caso algum dia pudesse ter uma. Uma lágrima solitária escorreu pelo meu rosto enquanto eu tentava pegar a bebê, desajeitadamente.

Então a semelhança me fez ter uma ideia maluca.

— Ela tem registros? – Perguntei para a senhora.

— Claro. A mãe dela trabalha durante o dia e a deixa aqui. Mas a mãe, coitadinha, é só uma criança. A família a expulsou de casa, teve a Celina com 16 anos, acredita? O pai sumiu e a família mandou ela embora. Aí ela veio pra cá, mas faz questão de trabalhar. – A senhora sorriu.

— Há, sim. Obrigada. – Devolvi a menina com cuidado.

Peguei a mão do Martínez e fomos para sala da frente. Sentamos em um dos sofás e ficamos abraçados, esperando. Ele fazia carinho no meu cabelo quando a coordenadora chegou.

— Consegui falar com a Tânia. Ela disse que está trabalhando, mas que pode passar aqui a noite.

— Obrigada, Anastácia. Pode me indicar algum lugar pra dormirmos e comermos?

Ela pegou alguns panfletos na estante e um cartão e me entregou.

— Obrigada novamente. Posso deixar meu número com você para caso precise de algo?

— Claro. -  Ela pegou uma agenda na estante e uma caneta, anotei meu número na letra “P” e devolvi.

— Obrigada por tudo. – Mart pareceu sincero ao falar com ela, a abraçou com força e segurou a porta para nos dar passagem.

Ela sorriu e nos guiou de volta até o carro.

— Apareçam quando quiserem. Sempre faz bem as crianças conhecer gente nova.

— Obrigada novamente. – Mart agradeceu. Eu ainda disse um obrigada enquanto ela acenava para nós.

Seguimos para fora do lugar deixando alguns adolescentes suspirosos para trás.

— Então, pra onde vamos? – Ele me perguntou enquanto estava distraída pensando como seria minha vida se eu não tivesse meus pais.

Teria eu ficado de graça para cima de qualquer visitante? Não. Não sou como as outras garotas. Tenho AIDS, não me aproximaria de alguém daquela forma.

Peguei os panfletos e encontrei um restaurante que ficava logo na entrada para estrada que estávamos.

Enquanto almoçamos contei a ele tudo o que tinha conversado com a Anastácia, incluindo até mesmo minhas doenças. Não havia por que guardar mais segredos. Uma coisa era certa: quando voltasse para casa ele saberia que tenho AIDS.

Saímos de lá e fomos para um hotel próximo. Que surpresa não tive quando cheguei no quarto e me deparei com duas camas de solteiro.

— Bom... Nã-não precisava disso. – Fiquei corada, acenando para as camas em lados opostos do quarto.

Eu queria dormir na mesma cama que ele? Com certeza. Estava pronta para transar com ele? Sim. Resistiria na mesma cama? Não. Poderia transar com ele sem contar a minha doença? De nenhuma forma. Estou pronta para contar? Não.

Achei fofo ele ter essa sensibilidade, mas uma parte de mim não gostou nada das pretensões dele serem mais puras que eu pensava.

— Ah’, eu sei. Minha mãe me fez prometer que faria assim. – Ele sorriu de um jeito doce.

Não tinha nada a ver com a mãe dele, tinha a ver com respeitar meu espaço.

— Certo. E aí, o que faremos?

Demos uns bons pegas’.

Matamos as saudades um do outro, relaxamos, abaixamos o fogo. Ou talvez só tenhamos aumentado este.

A tarde foi divertida, depois de nos curtimos. Martínez tentava me ensinar a tocar violão. Mas ele é simplesmente péssimo. É quase doloroso ouvi-lo tocar, porém me fez rir muito. Principalmente porque sei tocar violão bastante bem, é o tipo de luxo que pais como os meus me garantem.

As seis horas nos arrumamos. Liguei para o abrigo com o número que estava no cartão que Anastácia me deu. A própria mandou que me informassem que Tânia chegaria as 19h e que a Luzia seria a chefe do plantão da noite.

Meu alarme tocou no caminho para o restaurante em que decidimos jantar, antes de ir para o abrigo. Mart não me perguntou do remédio e eu preferi não inventar nada. Ele estava respeitando meu espaço e tudo estava bem.

No jantar conversamos sobre temas mais nostálgicos, falando dos amigos do Ensino Médio, professores e situações engraçadas. Estávamos com roupas bem informais, mas ele chamou de encontro e abriu uma lata de refrigerante de limão como se fosse champanhe. Nos divertimos bastante e acabamos saindo do restaurante já 7h50min, atrasados.


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Notas finais do capítulo

Comentários são sempre bem vindos ^^
Obrigada por ler. Até breve!



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