Arborescente escrita por nywphadora, nywphadora


Capítulo 5
Capítulo cinco




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O caminho para o Merciless Mart foi curto, não era muito longe dali, e o motorista do ônibus não tinha mais onde parar, já que éramos os únicos ali. Olhei para trás e contei, éramos dez, o que já podia ser considerado uma vitória para a Franqueza, considerando o número total desse ano.

Tentei pensar em algo para puxar conversa, mas nada me veio à cabeça. Não era à toa que eu era péssima em fazer amigos, minhas vestes coloridas eram a lembrança constante deste fato. Pude ouvir os burburinhos de conversa atrás de nós, mas Karen permaneceu em silêncio, olhando para o ambiente através do vidro da porta.

O ônibus parou em frente ao meu novo lar e, ao me levantar da cadeira, pude ver uma mulher parada na frente do edifício. Ela tinha os olhos castanhos levemente puxados, os cabelos da mesma cor eram presos em um coque, vestia uma camiseta social branca e calças pretas, equilibrava-se em um salto alto da mesma cor das calças. O uso do salto era claramente opcional, já que a mulher não era pouco alta.

As conversas diminuíram, assim que descemos e chegamos perto da mulher.

― O meu nome é Trudie Kadletz, e eu serei responsável pelo treinamento de vocês ― ela apresentou-se, antes de virar de costas ― Acompanhem-me.

Seguimos atrás dela em silêncio, o céu já estava em um tom azul escuro.

Não agitei-me, pois nem uma facção começava o treinamento no mesmo dia da Cerimônia de Escolha. O primeiro dia era para reconhecimento de nosso novo lar e apresentação de algumas regras, como o toque de recolher.

O edifício todo parecia ser feito de vidro. Uma vez, vi uma imagem antiga sobre um lugar onde as pessoas faziam compras, chamado shopping. O Merciless Mart talvez fosse um lugar desses.

― Agora vocês irão se reunir junto aos outros para jantarem ― instruiu Trudie ― Como podem ver, o Merciless é um lugar cheio de salas, mas não se preocupem com isso, não demorarão a se acostumar. Muitos lugares não terão utilidade a vocês, mesmo quando se formarem.

― Um mapa seria mais fácil ― um dos garotos murmurou.

Trudie parou no mesmo instante, virando-se para nós, seu rosto inexpressivo.

― Quem disse isso? ― perguntou.

O garoto engoliu em seco, mas levantou o braço.

― Omissão é uma forma de mentira ― disse a instrutora ― Quando vocês contém uma expressão, um sentimento, um pensamento... Estão omitindo. Da próxima vez, fale mais alto, Todd.

Ela voltou a caminhar e, apesar do nosso torpor, precisamos segui-la para não nos perdermos.

― Como ela sabe o nome dele? ― murmurei para Karen.

― Quando você entra na Franqueza, aprende a ser observadora ― disse Karen ― E Todd não é transferido, apesar de parecer...

― Eu ouvi isso ― reclamou Todd, parecendo mal humorado. Seus amigos, porém, começaram a rir, sem se importar em esconder, e isso me lembrou o que Trudie disse. Nada de reprimir reações.

Deixei um sorriso tomar conta do meu rosto, contagiada pela risada dos garotos atrás de nós.

Depois de andar por tantos corredores e descer algumas escadas, chegamos ao enorme refeitório. Todd, Karen e mais alguns outros sorriram, conforme passamos pelas mesas. Provavelmente para seus familiares.

O modo de refeição ali era parecido com o da Amizade, mas não tinha pessoas por trás do balcão. E eu, aparentemente, não teria de me preocupar com as moscas no café da manhã.

― Você deve estar acostumada com comida cem por cento fresca ― disse Karen, repentinamente ― Senta aí! Eu vou pegar algo para comermos.

Antes que eu pudesse dizer algo, ela foi para o balcão. Contentei-me em me sentar na mesa em que Trudie nos deixou, antes de ir para junto de seus colegas de classe e superiores. Vi como Todd empurrava a Karen pelo ombro, o que a fez jogar um punhado de comida na direção dele, como vingança. Abaixei o rosto, rindo, quando vi um cara mais velho correr na direção deles.

― Duas crianças ― disse um dos amigos de Todd, sentando-se ao meu lado ― Meu nome é Steven.

― Aeryn ― apresentei-me.

― Vai pro lado ― reclamou uma morena com a bandeja, ao lado de Steven. Fui mais para o canto do banco e Steven me seguiu, dando espaço para ela. Reconheci-a da Cerimônia, Mischa Altreider.

― Ouvi dizer que os dormitórios são juntos ― disse Steven, fazendo uma balançada com as sobrancelhas.

― Com dez iniciandos, você queria o que? ― retrucou Mischa, começando a comer de seu prato.

― O que os da Amizade comem? ― ele perguntou, dirigindo sua atenção novamente para mim.

― Arroz, frango e milho. Tem comida natural também, mas o gosto é horrível ― respondi.

― Não comem carne? ― perguntou uma loira, sentando-se na frente de Mischa, ao mesmo tempo que um outro garoto.

― Só em ocasiões especiais ― dei de ombros ― Elas são para a cidade.

A garota parecia realmente perturbada pelo fato de eu não comer carne todos os dias. Atitude pontuada pelo pedaço de carne moída em seu prato.

― Eu não preciso da sua ajuda ― ouvi Karen resmungar para Todd, antes de colocar uma bandeja na minha frente e sentar-se no lugar ao lado do garoto.

― Parece que alguém vai ter que comer na outra mesa ― o garoto sem nome deu um sorriso debochado.

― As mesas não são presas no chão, sabia? ― retrucou Todd.

― Mas seu ego podia ser ― resmungou Karen, pegando no garfo.

Olhei para o meu prato e tentei não rir quando vi um pedaço de carne lá, o pessoal da Franqueza realmente gostava.

― Termina de comer logo para podermos pegar a sobremesa ― murmurou Karen, cúmplice.

― Termina muito rápido ― concordou Steven.

Olhei desconfiada para eles, e voltei a comer normalmente. O máximo de sobremesa que já tive foi uva, fiquei curiosa quanto a sobremesa daquela facção. Da minha nova facção.

Todd e Karen levantaram ao mesmo tempo, quando viram que as bandejas do balcão foram substituídas, e foram correndo em direção às novas. O resto de nós ficou onde estávamos, rindo deles.

― O que é isso? ― perguntei, rindo, quando Todd ganhou a corrida de volta para a nossa mesa e sentou-se no lugar em que Karen estava antes.

― Espere! Você nunca comeu sorvete? ― perguntou Mischa, incrédula.

― Ela é natureba ― disse Steven.

Eu nunca tinha feito isso, mas já vi membros da Audácia fazendo. Então, escondi o meu braço cuidadosamente nas costas dele, sem toca-lo, e peguei impulso, erguendo com força e rapidez, fazendo a minha palma dar com a parte de trás da cabeça dele.

Mischa engasgou da risada quando Steven deu de cara na mesa.

― Sorte sua que eu não tinha colocado o seu pote ainda ― observou Todd ― Ou tomaria banho de sorvete.

― Já que ele gosta tanto... ― dei de ombros, debochada, enquanto pegava um pedaço do meu com a colher.

― Vai ter volta ― reclamou Steven, mexendo no nariz com a mão.

― Olha lá o que você vai fazer ― ameaçou Karen.

O sorvete era rosa e o gosto era muito bom, percebi que o de todos tinha essa cor. Seria o único sabor ou era diferente a cada dia?

― Morango ― disse Karen, como se tivesse lido a minha mente.

― Bem melhor que a fruta, convenhamos ― brinquei.

Eles deram de ombros, e me perguntei se eles já tinham provado a fruta, sem conservantes ou coisas do tipo.

A conversa seguiu, até que todos do refeitório começaram a sair. Trudie veio até nós para nos instruir, embora alguns não precisassem.

― Deixem as coisas aí. Os empregados cuidarão disso ― disse, ao ver que eu já tomava a bandeja em minhas mãos ― Levarei-os para o dormitório. Geralmente, haveriam dois: para os transferidos e para os de casa. Não nego que fico feliz com o número de vocês, mas a divisão será desnecessária.

Fiquei mais aliviada ao saber que ficaria perto de Karen.

― Tem algumas mudas de roupa em cima de suas camas. Mais tarde poderão trocar, caso não lhe agradem ― continuou ― Caso desejem, fiquem à vontade para dormir com as roupas que estão, mas, de manhã, o uso será obrigatório. O toque de recolher é a partir de agora, às 21. Não é um toque opcional. Só poderão circular pelos corredores com a permissão e acompanhamento de um instrutor, ou quando ocorrer alguma atividade neste horário.

Seguimos por vários corredores e subimos dois lances de escada, antes de encontrarmos com a simples porta que abrigava o enorme dormitório, cheio de beliches.

― Fico na parte de cima ― Karen pronunciou-se e correu para um dos beliches, antes mesmo que Trudie pudesse se despedir, recebendo um olhar repreensor desta.

― Boa noite a todos ― ela acenou a cabeça para o restante de nós ― Serão acordados às 9 da manhã para começarem o seu treinamento. Sejam pontuais!

Fui para a parte debaixo do beliche em que Karen se apossou, encontrando as roupas da Franqueza, mas preferindo permanecer com as minhas. Um dos garotos, evidentemente transferido da Audácia, foi para um dos dois pequenos banheiros dali, trocar de roupa. Abstive-me a ir no outro, dei um chute na parte de cima como um “boa noite” a Karen, antes de virar na cama e cair no sono.


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