Arborescente escrita por nywphadora, nywphadora


Capítulo 4
Capítulo quatro




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― Tem certeza de que está bem, querida? ― perguntou a minha mãe, ajeitando o meu cabelo ― Não quer que eu prenda o seu cabelo?

Geralmente, a Amizade mantinha seus cabelos soltos, apesar do calor constante. Alguns membros ignoravam isso, argumentavam que a ideia era se sentir confortável, seja com roupas ou aparência. Em minha família, prendia-se o cabelo para datas importantes, e aquela era uma data importante.

― Está bem ― concordei, embora não gostasse da ideia.

― Rabo-de-cavalo ou... ― ela começou a perguntar, pegando o elástico.

― Pode ser uma trança ― interrompi-a.

Ela concordou com a cabeça, indo pegar mais um elástico.

Nesses dias, cada detalhe estava sendo uma comparação entre facções.

Quanto aos cabelos, por exemplo, as mulheres da Abnegação sempre tinham-nos presos em coques colados na cabeça. As mulheres da Erudição e Franqueza também os prendiam, mas não era uma ordem, já que vi várias com os cabelos soltos, fossem curtos ou longos.

Olhei para o meu reflexo no espelho, meu loiro sem graça na altura da cintura. Havia vezes em que pensava em corta-lo, para não ter que sofrer tanto com o calor. Agora eu não teria mais tanto o sol em cima de mim, mas ir para a cidade significaria mais calor, por causa do cimento. Seria uma ótima forma de me desapegar de vez de onde vim, embora não seria uma transição fácil.

Minha mãe voltou e eu calei minha mente, culpada, como se ela pudesse ler meus pensamentos. Ela trançava meus fios com habilidade, as mãos delicadas e carinhosas, seu olhar concentrado... Os pais nunca falam das facções de onde vêm, essa é uma regra geral. Mas, talvez hoje, pudéssemos conversas francamente.

― Você sempre foi da Amizade? ― perguntei, timidamente.

― Sim ― ela respondeu, sem se desconcentrar ― Mas seu pai não.

― De que facção... ― comecei a perguntar, mas minha tia entrou na sala e minha trança foi feita.

― Prontinho, querida ― minha mãe sorriu, fazendo um carinho em meu ombro, para não bagunçar meu cabelo.

― É melhor irmos! Será um longo caminho ― minha tia se pronunciou.

Não prestei atenção às despedidas enquanto nos afastávamos da fazenda. Naquele momento, a última coisa que queria pensar era aonde eu estava indo e o que estava prestes a fazer. No entanto, uma dúvida me assolou: por que meu teste tinha dado Amizade?

***

Tivemos que esperar um pouco para conseguir ter o elevador vazio para nós. Consideramos a opção de subir as escadas, como os da Abnegação, mas eram 20 lances até o andar da sala. Apesar de trabalharmos na terra, muitos de nós não costumávamos carregar peso.

Sentei-me no meio de toda a massa amarela, vermelha, verde e laranja. Do nosso lado direito, uma massa cinza; do lado esquerdo, a massa azul da Erudição e, logo ao lado dela, a massa preta e branca da Franqueza. Como não consegui alcançar a visão pela distância, supunha que a Audácia ficava do outro lado.

A cada ano, um líder de uma facção era escolhido para fazer o discurso de todos os anos. Naquele ano, era um cara tatuado da Audácia, o que só fez com que as palavras soassem forçadas demais para os meus ouvidos.

Na frente de todos nós, dentro do círculo formado pelas cadeiras, estava a mesa com os cinco ingredientes, cada qual representando uma facção. A água representava a Erudição, a pedra representava a Abnegação, a terra representava a Amizade, o vidro era a Franqueza e o carvão era a Audácia. Eu teria que cortar a palma de minha mão e deixar meu sangue bater em um daqueles recipientes.

Agora que estava ali, o meu pânico crescia. E se eu devesse mesmo ficar na Amizade? E se eu não fosse boa o suficiente, e me tornasse uma sem facção? Talvez tudo o que diziam sobre os sem facção fosse mentira, mas eu não era corajosa o suficiente para ir a caminho do incerto, sem saber o que iria encontrar.

A primeira garota a ser chamada, Mischa Altreider, derramou seu sangue por cima do vidro. Franqueza.

Olhei em volta enquanto outros nomes eram chamados. O sobrenome “A” pulou rapidamente para o “C”, o que me fez perceber que éramos o menor grupo de garotos de 16 anos em muito tempo. Talvez a Erudição até tivesse considerado que adiássemos um ano para as coisas voltarem ao normal. Se tivesse números iguais para cada facção, seríamos o que? 6 ou 7 para cada? Mas é claro que não haveria igualdade.

Audácia era a facção mais escolhida, já a Abnegação era a menos escolhida. Um contraste claro...

Quando Soren foi chamado, percebi que nunca soube o sobrenome dele, e era bem irônico descobrir agora, quando não compartilharíamos do mesmo ambiente tão cedo. Era Cooper.

― Aeryn Mitchell.

Ter um sobrenome com “M” era um pouco complicado. Se fosse na ordem alfabética, iria no meio. Se fosse em ordem alfabética inversa, iria no meio, do mesmo jeito.

Levantei-me, recebendo sorrisos encorajadores de minha família, o que só fez com que me sentisse pior, com que meu estômago embrulhasse.

O homem, que eu não fazia questão de saber o nome, ofereceu-me a faca, sorrindo debochadamente. Provavelmente, isso me faria ter vontade de lhe socar, mas ignorei essa vontade. Peguei a faca, tentando não tremer minha mão. Não precisava provar a alguém que era corajosa, mas queria me acalmar. Quanto mais nervosa ficasse, mais doeria o corte.

Dirigiu-se para perto dos recipientes, ignorando os olhares atrás de mim. Dei um beijo discreto na palma de minha mão, como se isso anestesiasse o local, e passei a ponta por ali, fechando os olhos com força para tentar ignorar a dor.

O sangue não demorou a alcançar a superfície, deixei a faca em cima da mesa e aproximei-me mais da mesa, querendo adiar este tempo o máximo possível. Estendi a mão direto, sem enrolações, não querendo arriscar que caísse uma gota no lugar errado.

A gota juntou-se às outras sobre a superfície invisível e transparente, e eu só podia pensar o quanto aquilo seria catastrófico dentro de uma pessoa (vários tipos de sangue misturados).

Ouvi aplausos da minha nova facção, e dirigi-me para lá, evitando levantar o olhar para a minha família. Afinal, “facção antes do sangue”, e quanto mais cedo eu me desapegasse, melhor seria.

― Seja bem-vinda à Franqueza, Aeryn ― a voz foi seguida por uma mão estendida, assim que eu sentei ao seu lado.

Ao levantar o olhar, reconheci imediatamente a garota, era a mesma que eu defendi de Elspeth. Apertei a mão dela de volta, embora não estivesse acostumada com um cumprimento tão frio.

― Obrigada ― murmurei, tentando passar despercebida enquanto outro nome era chamado.

― Karen ― ela murmurou de volta, antes de afastar nossas mãos e ajeitar-se na cadeira.

Senti meu rosto corar levemente, eu não tinha prestado atenção em quase ninguém ali.

― Oh! Não se preocupe com isso ― Karen pareceu perceber meu desconcerto ― A maioria fica nervoso demais para assimilar os nomes.

― Você não ― retruquei, um pouco espantada por ela saber ler tão bem o meu rosto.

― É ― ela concordou, sem parecer culpada por isso.

Seria tão bom conquistar essa confiança. A Amizade empregava a confiança para que não dessemos bola às ofensas dirigidas a nós. Entretanto, eu nunca consegui conquistá-la o suficiente, o que diziam sempre me afetou.

Nalla Scott, da minha mesma... Antiga facção, deixou seu sangue cair na água já vermelha pelas gotas anteriores. Alison Owl, mais tarde, foi pelo mesmo caminho. Desperdício de água... Senão me enganava, a Amizade recolhia a terra, depois da Cerimônia, e jogava de volta em seu lugar. Peguei-me imaginando os membros da Erudição comemorando seus novos recrutas, enquanto bebiam calmamente da jarra de água com sangue.

Karen me acordou de meu transe, segurando meu braço. A Audácia já tinha ido embora, correndo pelas escadarias, como faziam todos os anos. A Abnegação ficaria até que todos fossemos embora. A Erudição seguiria a pé até o lugar deles, que não era tão longe dali. A Amizade seguiria do mesmo modo que veio, com as caminhonetes.

Nós, da Franqueza, teríamos que pegar um ônibus. Por sorte, estava vazio. Sentei-me ao lado da minha nova amiga (se é que eu já podia chama-la assim), na cadeira ao lado da janela, e vi a paisagem passar, ansiando para chegar ao meu novo lar.


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Notas finais do capítulo

Nalla Scott é minha pequena homenagem a Nalla da staff do PD. Alison Owl, em contrapartida, é homenagem a Argent. Essa menina que, em tão pouco tempo, se tornou uma das pessoas mais importantes da minha vida.