Arborescente escrita por nywphadora, nywphadora


Capítulo 29
Capítulo vinte e nove




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Minhas roupas ainda estavam lá, no guarda-roupas, como se eu nunca tivesse ido.

— Querida, não quer ficar aqui? — perguntou minha mãe, sorrindo-me com carinho.

— Eu escolhi ir embora daqui — eu disse, olhando triste para ela — Não posso voltar atrás.

— Você sempre pode, querida — ela retrucou, pondo minha cabeça em seu colo, estávamos na minha antiga cama. Ela aproximou a boca do meu ouvido, sussurrando, como se fosse um segredo: — Te escondemos, como se fosse uma criminosa.

Comecei a rir, olhando para o teto de madeira acima de nós. Ela ergueu-se, começando a passar a mão pelos meus cabelos, e eu fechei os olhos, apreciando o carinho.

— Eu já tinha a sua vida inteira planejada — minha mãe disse — Você seria cantora, sua tia te ensinaria a tocar violão... Você queria tanto quando pequena.

— Mãe... — murmurei, sentindo as lágrimas começarem a descer.

— Mas eu esqueci que você é uma mulher independente — ela continuou falando — Eu não perguntei a sua opinião. Eu cometi o erro de toda mãe... Querer te manter perto de mim.

— Isso não é verdade! — eu disse, tentando conter o choro.

— É verdade, sim. Quando você puxou conversa comigo, perguntando sobre a minha facção e de seu pai... Eu já sabia.

Engoli em seco, sentindo a culpa sobre meus ombros, mais forte do que nunca. Ela passou os dedos por baixo de meus olhos, antes de voltar a acariciar meus fios.

— Deve parecer muito fácil mudar de facção — minha mãe voltou a falar, depois de alguns minutos de silêncio — A gente se identifica com uma facção, mas não é fácil mudar, apagar todo o resquício de nosso antigo lugar.

Abri meus olhos, tentando me acostumar com a visão embaraçada de minha mãe.

— Como sabe disso? Você nasceu aqui! — eu disse.

— Mas seu pai e sua tia não.

Em outra situação, eu ficaria, no mínimo, interessada naquela conversa. Mas eu desconfiava daquilo há um tempo.

— De qual facção? — perguntei.

— Digamos que você tem isso no seu sangue — ela disse, vagamente.

— Então, por que ninguém me reconheceu?

— Você era apenas a novata, filha. Quando começasse a trabalhar, iriam começar a notar. Além do mais, não creio que as facções gostem de lembrar de quem decidiu ir embora.

Assenti com a cabeça, pensativa.

— Quem é o rapaz? — ela perguntou, desviando o olhar de mim para a janela aberta — Para você decidir abrir mão de tudo... É mais difícil do que trocar de facção.

— Eu sei o que pensa sobre isso — disse, erguendo-me para me sentar — Sei o que todos pensam sobre isso, mas as coisas não são assim. Eu vi! Eu estive lá! Eles se ajudam. Passam por dificuldades, sim, mas não é o que todos pintam. Não é tão ruim...

— Quanto se está apaixonada, nada é tão ruim — ela deu uma risada leve.

Desviei o olhar, mordendo o canto do lábio.

— Mas você já tomou sua decisão — ela disse, olhando fixamente para mim.

— Não é assim, mamãe — murmurei — Eu não quero que fiquem bravos comigo. Deveria ter lhe dito sobre a Franqueza, mas... Acho que ninguém cria coragem para falar disto com seus pais.

— Tem razão — ela me deu um sorriso de canto.

Olhei para a janela, que já refletia um céu escurecendo-se.

— É melhor que eu vá — disse, sem me mover.

— Te ajudo — ela suspirou, antes de levantar-se para fazermos o que viemos fazer ali.

Coloquei as roupas que cabiam na mala. Depois, descemos as escadas.

— Seu pai não gosta de despedidas — disse minha mãe, quando viu que eu estava procurando-o na casa — Nem tente.

— Eu também não gosto — dei uma risada sem graça.

— Eu sei — ela disse, sorrindo — Se cuide, querida!

Ela deu um beijo na minha testa, antes de voltar para perto de sua tela.

— O que está pintando? — perguntei, hesitando em ir embora.

— Tive um pedido um pouco incomum — disse, colocando o avental — Não é um quadro, pediram para eu fazer um esboço de tatuagem.

— Audácia — revirei os olhos.

— Mas gostei da ideia, então decidi fazer um quadro sobre isso.

— Saindo do estereótipo de pintar paisagens?

Ela me deu um olhar metade divertido, metade repreensor.

— Desculpe — ri, levantando os braços.

— Vou te visitar, assim que tiver um tempo — prometeu-me.

Isso fez com que meu coração se acalmasse. Estava tudo bem.

Larguei a alça da mala, e fui para perto dela, abraçando-a de surpresa.

— Você vai se manchar! — ela tentou afastar o pincel e avental de mim.

— Aí eu estarei na moda sem facção: toda colorida — brinquei, antes de soltar-me dela.

Ela encostou o pincel no meu nariz, fazendo-o ficar da cor vermelha. Franzi o nariz, e ela riu.

— Nunca me esquecerei de quando fez uma guerra de tintas na aula de artes, e a professora te expulsou — me disse — Se não fosse por isso, poderia ter sido uma ótima pintora.

— Seria uma ótima pintora se aprendesse de você — ressaltei — Não daquela mulher lá.

— Você pegou uma implicância incrível...

— Ela te xingou!

— Sei me cuidar!

Quando saí pela porta da frente, vi minha tia, conversando com uma mulher. Talvez estivesse fazendo alguma simpatia para engravidar, ela gostava dessas coisas.

Revirei os olhos, sorrindo, e caminhei até a linha de terra, que ficava no meio.

— Ei! Estive te procurando! Precisamos ir! — Soren encontrou-me.

— Certo, desculpe — murmurei.

Caminhamos até o portão. No meio do caminho, vi meu pai com outros agricultores. Acenei, antes de voltar meu olhar para a frente, não queria chorar na frente de toda aquela gente.

Soren começou a gesticular para mim. Olhei-o, confusa.

— Você tá com uma mancha, no seu nariz — ele disse, constrangido.

— Eu sei, foi a minha mãe — expliquei.

Foi outro guarda que nos permitiu sair, mas ele também ficou olhando estranhado para a mancha vermelha em meu rosto.

— Obrigada, eu não sei o que faria se você não estivesse aqui — agradeci a Soren.

— Provavelmente, você se disfarçaria ou pularia o muro — ele deu de ombros.

— Ei! Eu não faria uma coisa dessas! — indignei-me.

— Talvez não, mas bateria boca com o guarda.

— Okay, isso eu faria.

Ele olhou para o seu relógio de pulso, e depois voltou seu olhar para mim.

— Preciso ir. Boa sorte, Aeryn! — ele disse, solenemente, dando um aceno com a cabeça.

— Até mais! — despedi-me.

Observei como a sua silhueta cinza desaparecia no meio de tantas cores, quase invisível.

Olhei para o portão fechado mais uma vez, antes de seguir o caminho.

***

— Você não fez isso!

Mas Rachel não parecia zangada por me ver ali, de mala pronta.

Dei de ombros, ela deu um gritinho, e correu na minha direção, me abraçando.

— Ah, meu Deus! Ah, meu Deus! Ah, meu Deus! — apenas pude entender os gritinhos que ela dava.

Antes que pudesse dizer algo, ela afastou-se bruscamente de mim, um sorriso enorme no rosto.

— Vamos ser melhores amigas, você vai ver! Sem querer te roubar da Lenny, claro, mas... Ah! Você vai ser como uma cunhada para mim — ela começou a tagarelar.

— Rachel! — reclamei, sentindo o meu rosto corar.

— Amigos não abandonam facções uns pelos outros — ela deu uma piscadela para mim.

Dei uma risada envergonhada, enquanto ela me arrastava para dentro do prédio abandonado.

— Que gritaria é essa, Rachel? — ouvi uma mulher gritar.

— Eu disse para você! — ela gritou de volta — Eu disse que ela voltaria! E você não acreditou!

Entendi que minha vida virou motivo de aposta, de repente.

Vi Evan olhar por cima das escadas, curioso pelo barulho. Ele paralisou ao me ver, e eu desviei o olhar, sentindo o já costumeiro embrulho no estômago.

A mãe de Rachel, a mulher ruiva que já tinha visto de longe, apareceu da outra sala. Ela olhou-me surpreendida, mas logo abriu um sorriso.

— Olá, Aeryn! — cumprimentou-me.

— Oi, senhora Ward — murmurei.

— Vai dividir o quarto comigo — Rachel interrompeu-nos, pegando a minha mala — Ah! Sem discussões.

— Desculpe por minha filha — a ruiva logo começou a desculpar-se.

— Não tem problema — disse, nervosa por ser a primeira vez que falava com ela.

— Eleonore vai ficar contente de lhe ver aqui.

Embora tenha dito o nome da minha velha amiga, percebi que ela não queria dizer exatamente sobre ela.

— Quando fui para a Franqueza, pensei que nunca mais nos veríamos — pensei em voz alta — Parece que a vida gosta de dar voltas.

— Uma amizade tão antiga não poderia acabar assim — ela deu de ombros.

— Não éramos tão próximas... Acho que a culpa era minha — dei de ombros também.

— Isso é ótimo! Quero dizer, agora vocês se falam bem mais que antes.

— Sim...

Inconscientemente, olhei novamente para cima.

— Acho que alguém está em estado de choque ainda — ela murmurou, como se fosse segredo, me dando uma piscadela.

Ela virou-se, indo para a sala, onde estava antes do escândalo de Rachel.

Pude escutar uma discussão lá de cima, e meu estômago revirou-se. Rachel e Evan.

— A propósito, — a mulher chamou-me a atenção — me chame de Laney, por favor. Nada de senhora.

— Tudo bem... Laney — forcei-me a dizer seu nome.

Ela sorriu em aprovação.

Logo depois que ela sumiu, Rachel desceu as escadas correndo.

— Eu vou na Abnegação, falar com meus avós — ela disse em voz alta.

— Eu te acompanho — ofereci-me.

— Não! Você fica aqui! — ela quase gritou, enquanto jogava um casaco azul por cima de seus ombros.

Assim que a porta bateu, senti o nervosismo aumentar. Ia virar-me para olhar novamente para a escada, mas senti uma mão no meu ombro.

— Não acredito que você fez mesmo isso.

— Não fiz isso por você — menti, virando-me. Ele olhou-me, incrédulo — Foi por mim.

— Mas você nunca teria tomado essa decisão normalmente — observou.

— Talvez... Pensou no que eu disse ontem?

— Não tenho como te fazer mudar de ideia.

— Que coisa terrível...

Virei-me, sentindo-me frustrada, mas ele segurou meu braço.

— Eu só não queria que... — ele começou.

— Eu sei — interrompi — Mas isso foi uma escolha minha, não sua.

Laney apareceu na porta, abrindo a boca, mas fechou-a rapidamente ao nos ver, e voltou de onde veio, de fininho.

Tentei segurar a risada, mas não consegui.

— Só vamos ver como... — ele começou a dizer.

— Eu não vou a lugar algum — declarei.

Evan aproveitou minha distração para juntar os nossos lábios.

Pelo que eu tinha escutado de Karen, em nossas conversas, aquilo não era um beijo.

Sinceramente, se aquilo não era beijo, eu não tinha ideia do que poderia ser.

 


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Notas finais do capítulo

Eu tô muito em dúvida se faço um epílogo... Eu vou ver se consigo escrever algo satisfatório.