Arborescente escrita por nywphadora, nywphadora


Capítulo 27
Capítulo vinte e sete




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― Em alguma hipótese, um réu pode ser preso sem julgamento? ― preguntou a mulher a Reilly.

― Não ― ela disse, firmemente.

Aquela foi a pergunta mais fácil de todas...

Mas ela não tinha terminado.

― Certo... Pode se aplicar uma multa no lugar de uma ordem de prisão? E pode ter fiança? ― perguntou, novamente, a mulher.

― Dependendo do crime e das circunstâncias, pode-se aplicar uma multa, sim. Entretanto, isso não costuma ocorrer, seria ganhar dinheiro sobre os outros ― Reilly disse, tranquila ― A fiança não é aprovada. No máximo, pode acontecer do preso ser mantido apenas um dia na prisão, mas a fiança não ensina como é...

A mulher pareceu satisfeita. Reilly estava de rabo-de-cavalo, portanto, ela não precisou afastar o cabelo, antes de aplicar a seringa.

― Eu era muito gorda, quando menor. Todos sabem disso ― ela deu uma risada seca ― No colégio, eu era humilhada pelos audaciosos, no colégio.

Pude perceber como Mischa engolia em seco, Nolan desviava o olhar, e Jesse parecia incomodado, atrás de mim.

― Até pelos eruditos... ― continuou Reilly, sem se importar ― Então... Eu decidi emagrecer do modo mais fácil. Eu comecei a comer menos, a vomitar, depois de comer. Eu parei, mas ainda vomito, quando fico nervosa.

Eu jamais imaginaria que os meus amigos passavam por tantas coisas. Mischa contou os segredos mais lights até agora, mas eu sabia que tinha sido horrível para ela, divulgar os seus medos.

― Obrigada por sua sinceridade e bem-vinda à nossa facção!

Eu já odiava aquele mantra. “Obrigada por sua sinceridade” parecia quase um deboche. E ela já fazia parte da facção, assim como Karen.

― Jesse Maldani.

Ele demorou alguns segundos para se mover, ainda em choque por Nolan. Esperava que, como amigos, ele soubesse, mas nem Mischa sabia. E ela era boa em descobrir segredos. Gostava de sabê-los para ameaçar as pessoas ao redor. Ou, pelo menos, ela fazia isso, quando era uma audaciosa.

― Podemos interferir em outras facções? E elas podem interferi na nossa?

― Não! Cada facção tem suas leis e regras. Entretanto, tem situações em que precisamos fazer isso, mesmo que possa causar problemas. Somos uma sociedade, e devemos trabalhar, em conjunto, para que ela fique em paz.

Seringa.

― Uma vez, a Mischa gostava de um garoto, e eu joguei ela na frente dele, de propósito. Quando acordei, no dia seguinte, o meu cabelo estava rosa.

Não aguentei, e comecei a rir, junto com algumas outras pessoas. Mischa fez uma reverência, Karen dobrou-se na cadeira de tanto rir.

― Nunca mexam com ela ― ele finalizou, sorrindo divertido.

Novamente, aquela frase de boas vindas.

― Aeryn Mitchell.

Meu coração pulou dentro do meu peito, e senti minha mão começar a suar. Era agora.

Respirei fundo, tentando me acalmar, mas era impossível. Karen já olhava-me estranhada, assim com os outros, eu estava demorando demais.

Senti minhas pernas se moverem para a cadeira, sem que eu mandasse.

― Como uma pessoa pode se tornar uma sem facção?

A mulher parecia debochar de mim com aquela pergunta.

― Nascendo assim, não completando o treinamento da facção que escolheu, ou desertando. Um sem facção não tem direito de fazer teste de aptidão, ir ao colégio, ou fazer treinamento com uma facção ― respondi, minha perna batia incontrolavelmente no chão.

― É permitido fazer busca e apreensão nos prédios abandonados, onde os sem facção moram? ― ela voltou a perguntar, olhando fixamente para a minha perna, que não conseguia parar quieta.

― Só se houver uma denúncia formal ― disse.

Ela fez sinal para que eu afastasse o cabelo, e assim o fiz.

― Estou apaixonada por um sem facção.

A frase soou tão naturalmente, que eu mesma me assustei. Era como se não controlasse a minha boca.

Um sinal anormal e tenso estava na sala. Olhei para Karen, que me dava um olhar preocupado e presumido (algo como “eu te disse”).

Era a verdade mais curta, mas a que carregava maior peso ali.

― Obrigada por sua sinceridade e bem-vinda à nossa facção! ― a mulher gaguejou, pela primeira vez, olhando um pouco nervosa para o líder.

Não atrevi-me a olhar para alguém, sentei-me ao lado de Nolan.

― Steven Oppitz.

***

― O que você vai fazer agora? ― perguntou Karen, puxando-me para o banheiro, na primeira oportunidade.

― Eu não sei ― disse, torcendo o meu cabelo nervosamente.

― Você parecia segura mais cedo ― ela observou.

― Eu tinha acabado de sair com ele! ― exclamei.

― Espere! Você estava com ele? Disse que tinha ido ver o pôr do sol ― acusou-me.

― E foi o que fui fazer! ― defendi-me ― Mas ele encontrou-me...

― Aeryn, você pode até levar isso para a frente por um tempo, mas não vai durar ― ela disse, segura ― Você tem uma facção, vai começar a trabalhar... Enquanto ele vai estar lá!

― Ele também trabalha ― retruquei, irritada.

― Aeryn, você o conhece há quanto tempo? Menos de um mês! E vocês mal se vêem! Como pode estar apaixonada assim? ― ela perguntou, exasperada.

― Me diga você!

Não esperei pela sua resposta, saí do banheiro e fui direto para o refeitório, onde o resto estava, dando berros de alegria, abraçando-se. Olhei no centro e vi um mural escrito: ”classificação”.

1º lugar - Karen.

2º lugar - Pacey.

3º lugar - Reilly.

4º lugar - Aeryn.

5º lugar - Todd.

6º lugar - Steven.

7º lugar - Mischa.

8º lugar - Nolan.

9º lugar - Jesse.

10º lugar - .

4º lugar era bem mais do que eu esperava... Todd e Steven nasceram ali, eu deveria estar em 6º, no lugar de Steven. O vazio ao lado do 10º lugar era horrível. Eles esperavam 10 iniciandos. No final, só teriam 8.

Talvez a mãe de Karen cedesse, se Todd estivesse entre os cinco melhores. Eu não pude fazer nada para ajudar a Eleonore e Austin, mas não atrapalharia Karen e Todd.

Andei de costas, aproveitando que ninguém percebeu minha presença, e segui para o lado de fora.

Meus olhos passaram pelos arbustos e árvores, tentando identificar qualquer pessoa, mas não encontrei-o. Só se ouvia o som de cigarras. Sentei-me nas escadas de frente ao hall, os olhos fixos na lua, aspirando a brisa da noite, e tentando organizar a minha vida.

Se ele queria me ignorar, ótimo!

Levantei-me, voltei correndo para dentro, em direção ao nosso, em breve, antigo dormitório. Sem me importar, fiz a saia preta deslizar pelas minhas pernas, colocando a minha antiga saia da Amizade, no lugar. Resolvi deixar a camiseta social branca, mas minhas botas estavam de volta, e voltei a descer, sem parar para que notassem a minha desobediência ao código de vestimenta.

Corri para fora do prédio, deixando meu cabelo voar atrás de mim, sem importar-me em ser vista. Tanto fazia para mim se eu fosse punida ou expulsa. Eu não era divergente, mas me sentia incontrolável.

Nas outras vezes em que passei por aquele trecho, eu não parei para reparar na sede da Erudição, tão imponente quanto a da Franqueza. Qualquer um que me visse, vestida daquela forma, pensaria que era uma sem facção, mas não me importei com aquilo.

― Aeryn!

Rachel olhava-me com os olhos arregalados, estávamos perto dos prédios abandonados, nem reparei no tempo que passou.

― Cadê o Evan? ― perguntei, sentindo um pouco de raiva correr por minhas veias.

― Não deveria estar aqui ― ela disse, sem me responder.

― Eu posso ficar aqui até de manhã, se ele quiser agir assim.

Rachel suspirou, largando o saco preto que segurava.

― Vem comigo ― ela disse, derrotada ― Escuta... Ele tá mesmo te ignorando, mas acho melhor ele te explicar isso. Para mim, é uma idiotice, mas eu não vou me meter... Aquele lá é cabeçudo. Espero que você seja também.

Entramos em um prédio diferente do da última vez.

― Voltei! ― ela gritou, e eu afastei-me ligeiramente, para não ficar surda.

― Mas já? ― ouvi um sussurro, audível pelo silêncio do lugar, e sonoridade das paredes.

Evan apareceu de outra porta, o cenho franzido, mas parou ao me ver.

― Ela quem apareceu. Só pra esclarecer! ― Rachel defendeu-se, mas não me senti ofendida, já a considerava uma amiga ― Eu vou voltar lá, fazer as minhas tarefas...

Ela foi correndo para a porta de onde viemos.

― Muito legal me ignorar depois do que aconteceu ― ironizei, cruzando os braços.

― Estou fazendo justamente por isso! ― Evan disse, irritado.

― Se não gostou, era só dizer ― murmurei.

― Você não entende nada, não é mesmo? ― ele gritou ― Você acabou de completar o seu treinamento, vai seguir a sua profissão, a sua vida, e eu vou seguir a minha.

― É isso o que você quer?

― Não! Droga! Mas eu não posso estragar a sua vida.

― Estragar a minha vida?

― Qual foi sua pontuação?

― O que isso tem a ver?

― Qual foi?

“Diga a verdade”.

― Sétimo lugar ― menti.

― Mentira! ― ele exclamou, no mesmo instante.

― A minha pontuação não importa ― retruquei.

― Você vai poder ajudar as pessoas.

― Eu não sou a única naquele lugar!

― Mas mais ninguém se importa conosco.

Fiquei em silêncio, não era como se eu pudesse criar novas leis, isso era função do líder. Eu já tinha pensado muito nisso, durante aquelas horas, quando voltei para a sede. Meu plano era passar um tempo lá, tentando ajuda-los, para depois desertar.

― Esteve procurando a sua vida inteira um lugar onde se identificasse ― ele disse, mais calmo ― Você arrumou novos amigos, um lugar... Vai abrir mão disso tudo?

― Eu pensei que tinha encontrado meu lugar, mas não encontrei ― eu disse ― Sempre terá uma parte de mim que será reprimida.

Ele não retrucou, e eu tampouco.

Virei as costas e saí do prédio, com a mesma rapidez com a qual eu fui.

― Seremos levados para outros lugares amanhã ― disse Pacey, quando eu entrei no dormitório ― E começaremos a decidir nossas profissões e tudo o mais...

― Certo ― disse, jogando-me na minha cama.

― Por que está com a saia da Amizade? ― ele perguntou ― Não deixe que Trudie veja isso!

― Tanto faz ― murmurei, escondendo minhas botas debaixo da cama, e jogando o lençol por cima do tecido amarelo.

Não vi quando os outros entraram, eu virei na cama, e dormi.

Abri os olhos e não demorei a perceber que era um sonho. Estava em uma sala com vários espelhos ao meu redor. Olhei para baixo, eu vestia a roupa da Amizade, mas o meu reflexo refletia-me com as roupas da Franqueza. Olhei para o lado direito, as roupas cinzas caíam péssimas em mim. Do lado esquerdo, eu estava com as roupas azuis da Erudição. Atrás de mim, as roupas justas e escuras da Audácia.

Olhando de soslaio, percebi que a minha versão erudita e abnegada sumiram, virei-me para a frente e vi que eu estava vestindo as roupas misturadas, como uma sem facção.

― Falta audácia em você, e isso pode fazer a diferença ― a minha versão audaciosa sussurrou, em meu ouvido.

Virei-me, mas ela não estava mais lá. Virei para a frente, com medo do que poderia ver, e não tinha mais ninguém. Comecei a girar, mas os espelhos não tinham mais reflexo. Chutei um dos lados, e ele sequer tremeu. Eram paredes normais, eu estava fechada em algum lugar. Olhei para cima, era a mesma coisa. Olhando para baixo, percebi que estava com a mesma roupa com que fui dormir.

Ouvi uma porta se abrindo atrás de mim, fazendo a luz entrar pelo lugar. No momento em que virei-me, eu acordei.


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