Arborescente escrita por nywphadora, nywphadora


Capítulo 26
Capítulo vinte e seis




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― Onde esteve? São quase 10 horas! ― Karen veio me bombardear de perguntas, assim que entrei no dormitório.

― Fui ver o pôr do sol... Espairecer um pouco ― dei de ombros.

― Tradução: você não dormiu ― interviu Mischa.

― Trudie fez algo? ― cortei-a, nervosa.

― Não! Ela nos deixou descansar para hoje... ― Mischa respondeu.

― Menos mal ― suspirei.

― Certo... Vamos! Mais tarde, quando tiver tempo, você tira esse suor do calor ― ela puxou-me para fora.

Karen tomou a dianteira, indo até a sala de estar.

― Sabe para onde está indo? ― perguntei, hesitante.

Ela me ignorou.

“Tá, ela sabe” pensei.

― Ah! Aí estão vocês! ― Trudie exclamou, em uma pilha de nervos ― Onde estavam? Bem! Não importa! Entrem na fila.

Olhei de olhos arregalados para ela, mas obedeci, ela torcia as mãos ansiosamente.

― Hoje é o grande dia de vocês. A Revelação Completa ― ela começou a dizer, esfregando as palmas das mãos na calça ― O líder ouviu falar muito bem de todos vocês, e ele estará lá para ver a introdução dos novos membros. Entretanto, eles não acreditam em minha capacidade de lhes lecionar sem a ajuda de Holden.

Ela parecia frustrada por isso, então entendemos seu nervosismo.

― A Revelação Completa não será apenas para revelarem seus segredos mais íntimos, eles também podem fazer perguntas sobre as leis de nossa facção ― ela continuou a dizer, fazendo uma pausa depois ― A pontuação será divulgada logo após. Boa sorte!

***

Parecia que toda a facção estava naquela sala imensa. Eram muitas pessoas, deixando espaço apenas no centro, onde tinha uma cadeira estofada com encosto e braços.

― O objetivo é relaxar? ― murmurou Reilly.

Karen deu de ombros, ela parecia muito nervosa, o que me surpreendeu. Ela sempre foi segura de si, e sabe da Franqueza mais que qualquer outra de nós. Teria criado segredos durante o tempo de nosso treinamento? Afinal, ela cresceu aprendendo a não escondê-los.

― Vocês serão chamados em ordem alfabética, a partir do sobrenome ― anunciou uma mulher que não era Trudie, perto da cadeira.

― Eles fazem isso para evitar que a treinadora nos ajude ― Karen murmurou para nós, entendi que se referia à mulher.

― A Audácia faz a simulação antes do final do dia ― disse Jesse.

― É para nos adaptarmos, porque começamos a trabalhar amanhã ― explicou Karen.

― Mischa Altreider ― chamou a mulher, interrompendo nossos sussurros, e de outras pessoas.

O lado audacioso da Mischa saiu à luz nesse momento, ela ficou com uma expressão vazia, negando todo o medo que sentia. Eu entendia como ela se sentia... No começo, parecia fácil deixar minha facção para trás. Depois do que aconteceu com Petal, ter conhecido Evan e Rachel, e Austin e Eleonore me contatarem novamente... É como se meu lado franco tivesse desaparecido. Era como um instinto de sobrevivência, colocar uma máscara neutra no rosto.

Eu costumava fazer muito isso na Amizade, para não me ferir. Eu afastava as pessoas de mim, porque já tinha sofrido demais, me iludido demais com a ideia de ter amigos verdadeiros, que fariam o mesmo que eu fazia por eles.

― O que é habeas corpus? ― perguntou a mulher, segurava uma seringa, mas ainda tinha todo o líquido lá dentro.

― A possibilidade de um réu responder um processo em liberdade, mas são raros os casos em que isso ocorre ― quase não reconheci Mischa quando ela disse isso ― Não podemos confiar que as pessoas não vão tentar fugir para junto dos sem facção, ou algo assim.

― Afaste o cabelo do pescoço ― instruiu a mulher.

Mischa, rapidamente, puxou o cabelo para o lado direito. A mulher empurrou o êmbolo, fazendo o líquido entrar pelo furo feito na pele.

― Na Audácia, tem uma simulação que mostra quais são os seus maiores medos ― ela começou a dizer, sem incentivo. Parecia que aquele soro da verdade era diferente dos outros ― Eu tenho 17 medos. Eu tenho medo de ficar cega, de produtos ácidos, de perder a memória, de desmaiar, de fracassar, do tempo, de ficar trancada em algum lugar, de eletricidade, de lugares estreitos, de cruzar pontes, de ser envenenada, de enlouquecer, de cozinhar, de doença incurável, do fogo, de gravidez e medo da morte.

Imaginei que ela fosse tentar impedir expor todos os seus medos, principalmente na frente de Jesse e Nolan, mas ela parecia tranquila, inexpressiva. Definitivamente, aquele soro parecia diferente do que Evan e Rachel foram expostos no tribunal. Talvez eles obrigassem a pessoa a dizer, sem precisar se envergonhar.

― Eu saí da Audácia por isso. Lá não se pode ter medo da morte, e a maioria dos meus medos levam à morte. Ácidos podem matar, o tempo passa rápido demais, veneno sem cura, a ponte cair, eu quase queimei minha casa quando cozinhei da última vez, doença incurável, fogo mata, e pessoas podem morrer em um parto.

Eu não a culpava, na verdade. Eu também tinha muitos medos... Sorte que não escolhi a Audácia, não sobreviveria ao ver meus medos sendo expressados. Principalmente por minha religião... Meus medos do mal, e de pecar, eram grandes e irracionais demais. Eu precisava sempre desviar meus pensamentos disso, ou eu tinha um ataque de pânico.

― Sinceramente, esses são os meus segredos mais íntimos. Não há nada mais que eu possa dizer!

A mulher olhou para o lado, e percebi que esperava a permissão de um asiático. Ele aparentava bastante poder entre as pessoas ao redor dele. Seria o líder?

― Obrigada por sua sinceridade e bem-vinda à nossa facção! ― a mulher voltou seu olhar a ela, sorrindo.

― Bem-vinda! ― os outros murmuraram.

Mischa levantou-se e sentou-se, agora, em uma fileira de cadeiras vazias, logo na frente, como na Cerimônia de Escolha.

― Karen Cumming.

Ela olhou diretamente para a direção onde o líder estava, um pouco mais ao lado, e reconheci sua mãe. Talvez estivesse nervosa por isso, queria agradar à sua mãe. Quem sabe, alcançar o mesmo cargo.

― O que é corrupção? Existe? Qual a pena para quem faz? ― a mulher perguntou.

― Aumentou a dificuldade? ― murmurou Nolan.

― Parecem temas divididos para cada um de nós ― dei de ombros ― Ou, talvez, seja aleatório.

― Talvez ― disse Pacey, não muito seguro disso.

― Corrupção é deixar se corromper. Não seguir a lei ou deixar outra pessoa o fazer, sem punição, em troca de dinheiro ou favores. A corrupção é um mal da sociedade, mas sempre existirá, embora em pouca quantidade ― Karen começou a discursar ― A pena é ser preso e perder a sua facção.
― Afaste seu cabelo ― disse a mulher.

Antes mesmo que ela terminasse de dizer a primeira palavra, Karen já tinha o cabelo jogado para um lado. Mais uma seringa foi esvaziada.

― Eu sei que deveria agir sempre com sinceridade, considerando que nasci aqui. Mas eu escondi sentimentos ― ela começou a dizer, os olhos cristalizados ― Eu sempre sinto um peso nas minhas costas, como se eu devesse chegar ao nível da minha facção, o nível da minha mãe, e... Parece que eu só faço tudo errado! Eu quero ser juíza, porque ela é juíza, e sei que vai ficar orgulhosa de mim, se eu fizer isso.

Olhei para a mãe dela, parecia ser uma mulher rígida, mas observava boquiaberta para a filha, como se nunca imaginasse que sua rigidez causasse isso em sua filha.

― Além disso, eu... Odiava o Todd, mas de uma hora para a outra... As coisas mudaram ― agora ela olhava para ele ― Eu não sabia se minha mãe gostaria que eu namorasse um garoto menos... Sei lá! Sério. Então, a gente escondeu isso...

― Obrigada por sua sinceridade e bem-vinda à nossa facção! ― disse a mulher.

― Bem-vinda ― desta vez, nós dos iniciandos nos unimos.

Karen não olhou na direção de sua mãe, sentou-se rapidamente ao lado de Mischa.

― Nolan Denski ― chamou.

Ouvi-o soltar um palavrão, antes de avançar, indo sentar-se na cadeira.

― O que são divergentes? Qual é o procedimento em relação a eles? ― perguntou a mulher.

Equilibrei meu corpo com a perna esquerda. Quando eu sentia-me nervosa, eu mudava o equilíbrio para um dos lados, de segundos em segundos.

― Divergentes são pessoas que não se aplicam a uma facção. Quero dizer, a apenas uma facção, eles tem aptidão para mais de uma ― Nolan enrolou-se ― Mas não tem uma lei que os proíba de existir. Não é crime ser divergente!

Troquei para o lado direito, observando se a mulher diria algo. Ela apenas aplicou a seringa no pescoço dele, sem precisar pedir para que afastasse o cabelo, já que ele o tinha raspado.

― Eu sou bissexual.

Vi como Mischa arregalava os olhos, claramente adorando que ele expusesse os seus segredos assim. Não virei-me para ver Jesse, mas apostava que ele estava tão chocado quanto a amiga. Eu não estava entendendo nada.

― Esse foi o motivo pelo qual eu saí da Audácia. O meu pai descobriu, e... Eu nunca apanhei tanto na minha vida ― ele disse, a voz ligeiramente baixa ― As outras facções jamais aceitariam alguém como eu, embora neguem isto. Mas eu sei que aqui as coisas são diferentes, eu vi que elas são. Eu devia ter tido coragem para dizer isso antes.

― Obrigada por sua sinceridade e bem-vindo à nossa facção! ― a mulher mostrou-se inflexível.

― Bem-vindo! ― Jesse não abriu a boca, e eu tampouco.

― O que é um bissexual? ― murmurei para Steven.

― Explico depois ― ele disse, parecia um pouco desconfortável.

― Preconceituoso! ― Reilly reclamou com ele.

― Não é preconceito! ― Steven olhou-a, irritado.

― Reilly Esigg ― a mulher chamou.

Reilly lançou um último olhar irritado para Steven, antes de ir pelo mesmo caminho dos outros.

― Meu Deus! Quando isso vai acabar? ― murmurei, já cansada.

― Só foram quatro até agora! ― disse Todd, divertido.

― Eu sei, é só que... Ah! Minha nossa! Como você está? ― perguntei-lhe, preocupada ― Quero dizer, seus pais não vão interromper o que você e Karen tem, certo? Nem os pais dela?

― Eu não sei ― confessou, olhando para a frente ― Mas não vou desistir.

Essa frase foi como uma facada em mim. Olhei para a frente, pensando, finalmente, no meu maior segredo.

Eu era capaz de largar minha facção pela minha paixão por Evan?

Sim, eu estava apaixonada.

E isso era loucura.


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