Arborescente escrita por nywphadora, nywphadora


Capítulo 14
Capítulo catorze




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Eu estava irreconhecível.

O meu cabelo parecia ter adquirido uma nova aparência com o escasso tempo que passei na minha nova facção. Os vidros do prédio impediam que o vento batesse, então meus cabelos já não eram tão bagunçados quanto antes.

Eu, que estava acostumada com cores claras e quentes, agora havia de me contentar com roupas pretas e brancas, cores neutras. Provavelmente, abandonar a saia longa seria a coisa mais difícil que eu faria na minha vida...

Do outro lado, só pude escutar Pacey ficando impaciente.

― Qual é! É banheiro feminino ― protestei.

― Nolan está monopolizando o outro ― reclamou Pacey.

― Não posso fazer nada ― retruquei.

― Ele sequer vai descer! ― continuou.

― Cai fora, cara! ― ouvi Mischa gritando para ele.

Terminei de me arrumar e voltei para o dormitório. Karen e Reilly já tinham saído, eu teria que descer sozinha. Passei por alguns grupos de advogados, que pareciam discutir alguma coisa, embora rissem, indicando não ser nada sério. Travei um pouco no topo da escadaria principal, mas desci, sentando-me nos primeiros degraus.

Pude ver Karen com sua família em um canto, Reilly não estava à vista e tinha uma mulher sozinha, olhando para os lados. Uma tatuagem era visível pela gola da blusa, e os piercings na orelha deixavam claro de onde pertencia. A mãe de Mischa, supus.

Trudie passou por lá em um momento e, vendo a mulher solitária, foi conversar com ela. Vi quando elas vieram em direção à escada, onde eu estava sentada. Arrastei-me mais para o lado, deixando espaço suficiente para elas passarem, embora fosse desnecessário pela largura dos degraus.

― O horário ainda vai demorar a passar ― disse Trudie, olhando para mim ― Não se preocupe, eles virão.

― Certo ― murmurei, mantendo meu olhar no chão.

Karen apresentou-me os seus pais e ficamos conversando. Foi depois do horário de almoço que eu vi a minha tia e avó ali, me esperando.

― Seus pais não puderam vir ― minha tia disse, me abraçando.

Precisei me conter para não devolver o abraço, eu não era mais daquela facção, embora fosse a melhor sensação ser abraçada pela minha família. Só por minha família. Eu me sentia estranha quando abraçava a outras pessoas, nunca sabia se estava apertando ou demorando demais.

― Vó, deveria estar descansando ― disse, preocupada.

― Só um dia, isso não vai me matar ― minha avó fez descaso ― Trouxe uma coisa para você. Foi difícil de conseguir a linha, mas eu dei meu jeito.

Ela tirou da bolsa um amontoado de lã, e percebi que era um moletom das cores da minha nova facção.

― Obrigada! ― disse, um pouco desconfortável pela situação.

Estava feliz que elas estavam ali, mas sentia falta de meus pais. Não era a mesma coisa.

― Não ficaremos por muito tempo. Sua avó precisa descansar e eu preciso voltar ao trabalho ― minha tia também parecia incômoda com a situação.

― Como está indo o tratamento? ― perguntei.

― Bem, suponho ― ela respondia ― Por enquanto, nada.

― Talvez o problema seja do tio, não? ― perguntei, duvidosa ― Quero dizer, você já tentou de tudo.

― Querida, não são muitas as pessoas que tem o mesmo problema que eu ― minha tia murmurava, como se fosse uma vergonha não conseguir engravidar.

Lembrei-me do que Petal e Reilly disseram, dias atrás, e supus que, talvez, fosse mesmo uma vergonha. No seu lugar, eu me sentiria frustrada, não envergonhada.

― Se ainda não aconteceu, é porque Deus não quis ― minha avó se pronunciou, olhando com carinho para minha tia ― Tem rezado, Aeryn?

Confirmei com a cabeça. Eu me sentia um pouco incomodada ao rezar nas refeições, já que parecia a única a fazer isso, mas depois decidi que não me importava com isso. Facção não definia as crenças religiosas, e eu estaria fingindo ser outra pessoa.

― Ótimo! ― minha avó me olhou satisfeita ― Vou procurar saber se tem algum culto aqui na cidade e lhe aviso, sim? Não pode deixar de ir à missa.

― Eu posso rezar sozinha ― disse.

― Não é o mesmo ― senti o suave tom de repreensão na voz dela ― Entendo que esteja em um novo lar agora, mas não abandone as suas crenças.

― Eu não vou abandonar, vó ― interrompi-a, sentindo-me ofendida.

― Deixe-a, mãe ― minha tia pareceu perceber a possível discussão que viria. Agradeci-a por isso, a última coisa que queria era brigar ― Nos atrasamos, todos os veículos estavam ocupados.

― Hoje é dia de trazer as mercadorias, certo? ― perguntei, para confirmar, mesmo sabendo a resposta.

― Sim, acho que só vocês e a Abnegação já fizeram o Dia da Visita mais cedo esse ano ― ela comentou, olhando em volta.

― Se tinha três iniciandos, foi demais ― minha avó voltou a falar, mais tranquila ― O que é estranho, Abnegação e Audácia são os que mais tem filhos.

― Mamãe! ― minha tia murmurou, segurando o riso.

― O que? ― vovó perguntou, confusa.

― Acho que os ares da Franqueza estão lhe afetando, é melhor irmos ― sugeriu, pegando na mão de sua mãe.

― Espere! Por que a Abnegação adiantaria o Dia? ― perguntei, curiosa.

― Deve querer que os iniciandos se despeguem o mais rápido possível ― minha avó respondeu, novamente.

― Não creio que seja isso, a Abnegação se trata de amor ao próximo ― minha tia discordou ― Talvez queira mostrar que eles estão bem onde estão.

― Encontrou algum garoto bonito? ― minha avó me perguntou, depois de algum tempo.

― Tchau, Aeryn! Se cuida ― minha tia abraçou-me novamente, a voz levemente mais alta.

Tive certeza de que estava corando. Enquanto minha tia tinha a decência de esconder o riso, minha avó dava boas gargalhadas.

― Não pode mais mentir, querida! ― ela lembrou-me.

― Se cuidem vocês também ― disse, ignorando a última fala dela.

Vi como minha avó e tia saíam pela porta dupla da sede.

― É sua avó paterna? ― Karen assustou-me.

― Não, é materna ― respondi.

― Sua tia a chamou de “mãe” ― observou, franzindo cenho.

― Como você chamaria a sogra do seu irmão? ― fiz a pergunta retórica ― Elas meio que se dão muito bem, são realmente como mãe e filha.

― Seu pai é de outra facção, não é? ― perguntou ― Você nunca fala sobre seus avós paternos...

― Eu acho que sim ― respondi ― Despediu-se de seus pais?

― Eles foram entregar uns documentos na Abnegação e fazer atendimento à domicílio, alguma coisa assim ― ela respondeu, enquanto começávamos a subir as escadas.

― Pensei que nosso trabalho se baseava a ficar aqui dentro ― disse.

― Isso vai depender das qualificações que tirarmos, e é uma questão de confiança. Precisa provar que merece o cargo, sabe... Ser promovido ― explicou Karen.

Continuamos conversando, e fomos mexer nas apostilas. Parecia que íamos mexer naquelas apostilas por um bom tempo... Estava doida para alcançarmos a 4ª fase. Considerando que teria de decorar as leis primeiro, não tinha tanta certeza dessa vontade.

― Acho melhor darmos uma revisada na tabela de leis, ainda vamos mexer muito nessas apostilas ― sugeriu Mischa, sentando-se ao lado delas.

― Encontrei sua mãe lá embaixo ― comentei.

― Sim ― foi o único que ela disse, mas pude perceber sua preocupação.

Estava bem mais observadora em relação às pessoas desde que vim para a Franqueza, era importante para me dar bem ali.

― Trudie disse que amanhã iremos visitar a Petal, mas não poderemos ficar muito, pois perdemos muito tempo hoje com as visitas ― disse Mischa.

― Ela quem quis adiantar o Dia da Visita ― reclamou Karen ― Eu posso visitar os meus quando quiser.

― Perceberam como Pacey ficou afetado com isso da Petal? ― perguntei.

― Todos ficamos ― argumentou Mischa.

Karen me olhou e entendi que ela percebeu a mesma coisa. Talvez ser da mesma facção tivesse criado uma ligação entre eles, embora não estivesse tão segura quanto a isso.

― Nolan e Jesse estavam certos? ― mudei de assunto.

―  Sim, ninguém além de minha mãe veio da Audácia ― disse Mischa.

― Qual a pena para homicídio culposo?

Viramo-nos para Karen e percebi que ela pegou a tabela de leis.

Não pude não lembrar de Petal, falando sobre isso, minutos antes de passar mal no corredor.


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