Até que a Morte nos Una escrita por Nuwandah


Capítulo 20
Erro


Notas iniciais do capítulo

Olá, pessoas! Estamos nos aproximando do último capítulo que já escrevi até agora. Boa sorte para nós :'D

Comentários, comentários, onde estão? Aqui estão! Eles se saúdam, eles se saúdam, e se vão! E se vão!
~gente, por que fiz isso? Até eu não sei. Não usem drogas, comentem na fanfic do amiguinho ao invés disso, seus energúmenos -qqq~



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— Espera aí. – Interrompi Naruto antes que ele começasse sua narração. – Se eu saber disso era importante, por que não me disseram nada antes?

— Não que saber disso seja importante. – Ele respondeu pacientemente. – Mas já que você se mostrou interessado por essa parte da história do Colégio Seiko, não tem por que eu não te contar.

— Entendi. – E fiquei quieto, esperando que Naruto retomasse ao seu raciocínio anterior.

— Bem, eu presenciei boa parte da história, se não posso dizer que foi toda ela, já que fui um dos primeiros do nosso grupo a estudar no Seiko.

Suigetsu me contou uma vez sobre a história de Naruto, era um pouco semelhante à minha, mas em proporções diferentes. Seus progenitores não mais viviam, também. Resumindo, o pai do Naruto era californiano e, a mãe, escocesa; os dois construíram família em Nova York, onde puderam estabilizar uma pequena empresa que fundaram juntos. O escritório deles ficava em uma bela sala alugada no 85º andar da torre sul do World Trade Center... Bom, já se pode adivinhar o final nada feliz da história. Após a tragédia, Naruto, que ainda era um bebê, ficou com seu padrinho, que mora aqui, em Tokyo. Basicamente, Naruto não conheceu seus pais. Além do mais, a mistura do sangue dos pais e o crescimento em uma terra do lado oposto da Terra faziam de Naruto um exímio mestiço em Tokyo – meio estadunidense, meio escocês e meio japonês –, algo bem apropriado para uma cidade como aquela.

— Eu lembro que o Toya sempre foi metido por causa da posição que o pai tem no Seiko. – Naruto continuava sua exclamação. – Sim, sim... – Ele começou a coçar o queixo enquanto tentava se lembrar de mais detalhes. – Desde pequeno, ele sempre foi o escroto-mor da escola. Apesar de ele ser um ano a frente, não era raro eu ouvir outros alunos reclamarem dele. Achava-se um imperador, que podia fazer o que bem entendesse, já que ninguém tinha coragem de enfrentá-lo. Odeio admitir isso, mas aquele infeliz parece ter nascido com o dom de intimidar as pessoas. No início, eram apenas ameaças, o Toya precisava apenas abrir a boca e dizer a palavrinha mágica para o dinheiro do seu almoço ir embora: pai. “Vou dizer pro meu pai que você fez isso, que fez aquilo e você vai ser expulso da escola” e blá, blá, blá... – Ele afinou a voz e fazia careta de deboche enquanto falava a última frase. – Com o tempo, as ameaças começaram a não surtir mais o efeito que Toya desejava e algumas de suas vítimas tentaram “ousar” contestar o poder que Toya imaginava ter na escola... Digamos que ele achou bem rápido um modo de reafirmar o seu status e partiu para a violência. Foi aí que a situação foi de mal a pior. Em pouco tempo, Toya notou que poderia conseguir mais que alguns trocados, e expandiu o “negócio”; juntou seus amigos e outros maus elementos, e logo tinha sido formada uma gangue.

“A escola se tornou um inferno para os estudantes, e até hoje me pergunto como o Toya consegue dar uma de bom menino e nunca ser pego por nenhum funcionário. É quase como se fosse uma dupla personalidade. Ele deveria virar ator ao invés de delinquente... Enfim, alguns estudantes, principalmente os que tinham alguma coragem de enfrentar Toya antes dele começar sua gangue, não aguentavam mais tanta opressão.”

— “A opressão nunca conseguiu suprimir nas pessoas o desejo de viver em liberdade.” – Deixei escapar uma citação que me veio à cabeça na hora.

— Quê? – Naruto me olhou confuso.

— Esquece. Continue. – Cortei-o logo, evitando uma breve discussão sobre Naruto não prestar atenção em nenhuma aula e acabar sendo incapaz de reconhecer a frase de Dalai Lama que o professor citara na semana anterior.

— Hm... Ok... – Os lábios de Naruto se contorceram, provavelmente em uma tentativa dele de não perguntar sobre minha fala e desviar do assunto principal. – Uns apenas ignoravam, como o Shikamaru fez e ainda faz muito bem. Alguns contestaram de modo mais politizado, como fez Neji logo que entrou no Grêmio Estudantil; e outros enfrentavam e até debochavam do Toya apesar das consequências, como era o caso de Suigetsu, Kiba e eu.

“Boa parte desses alunos não aguentou mais as ameaças e as agressões e pediram transferência sem dar explicações oficiais à escola, e acabou que sobraram apenas poucos dos que ainda resistiam. Foi meio idiota, mas notamos o óbvio apenas quando ele aconteceu.”

Naruto deu uma pausa e ajeitou-se, levantando o corpo um pouco em meio a um gemido de dor sufocado em sua garganta, ficando meio deitado e meio sentado na minha cama.

— O que era óbvio? – Tentei adiantá-lo.

Naruto apenas me encarou triunfante e deu um sorriso do mesmo modo.

— Simples: a união faz a força. Foi numa vez que aquela gangue de merda me encurralou no intervalo para pegar o meu dinheiro. Claro que neguei, mas você já deve ter percebido que a palavra “não” não existe no vocabulário de Toya. Então já dá pra imaginar o que aconteceu. Na verdade, o que quase aconteceu. Como eu disse, foi quando aconteceu o óbvio. Ah, mas que cena! Foi como nos filmes, Sasuke! – O olhar dele ganhou um brilho de animação com a memória que deveria rodar na sua cabeça naquele momento. – Acho que nem quando você enfrentou sozinho o Toya no festival supera aquele dia. Kiba se meteu entre Toya e eu bem na hora, arrastando Shikamaru junto a ele, que tentou um diálogo apenas para enrolar e ganhar tempo para bolar um plano para livrar todos que já tinham se metido ali. Suigetsu, que era novato na época, mas já tinha criado inimizade com Toya, entrou na roda ao nosso favor. Acho que ele mal sabia do que se tratava exatamente, mas, já que topava qualquer coisa que fosse contra Toya, ele resolveu ajudar. Neji, que sempre observava de longe os movimentos da gangue para conseguir algumas prova de sua existência, também resolveu dar a cara à tapa.

Naruto gesticulava sem se conter – como de costume –, balançando os braços e sinalizando como se a cena estivesse sendo projetada na nossa frente através de um holograma conectado à sua cabeça. Quase não notava os momentos em que ele retomava o ar dos pulmões para continuar sua história.

— Assim, ficaram cinco contra seis, isso sem contar as pessoas que se aglomeravam em volta de nós para ver o que estava acontecendo, o que ficou chamativo o suficiente para algum professor notar que havia algo de errado. Final da história: Toya ficou intimidado pelo número de pessoas que se juntaram contra ele simultaneamente e, como o bom covarde que é, meteu o rabo entre as pernas e nos deixou em paz. E foi nesse dia que entendemos que, para se ver livre de Toya e até conseguir bater de frente com ele quando necessário, precisamos andar em grupo, ou melhor, em bando. E assim nasceu o nosso grupo de resistência. Alguns imitaram nosso método e, todo começo de período, colegas de turma já se juntam em grupos para manter sua segurança. No seu caso, você deu azar, já que você entrou no Seika no segundo semestre. Neji foi informado de sua transferência para lá no primeiro de dia de volta às aulas. Não me lembro por que, mas acho que foi por sua transferência ter sido requisitada nos últimos dias de férias... – Ele entortou a boca e as sobrancelhas em uma careta enquanto se esforçava para lembrar-se dos detalhes.

Prendi a respiração brevemente, um pouco tenso com aquela parte e temeroso com uma possível indagação sobre aquilo por parte de Naruto, porque o motivo da minha transferência ter sido feita às pressas não era nada confortável para mim de se pensar: meu irmão Itachi sequer sabia se eu estaria lúcido e apito novamente para poder voltar a uma “vida normal de estudante”.

Para minha sorte, Naruto desfez a cara de pensativo e voltou a ser um divertido contador de histórias.

— Mas enfim, eu não me lembro de ter visto Neji correr pelos corredores da escola senão naquele dia. No início, caçoamos dele, mas depois que soubemos o motivo da pressa dele em nos achar... Sasuke, você não imagina o alvoroço que a sua chegada repentina no Seika causou, dattebayo! Toya estava sem agir tanto quanto antigamente por causa do “sistema” que criamos contra ele, ele meio que tava “na seca” de bancar o valentão com alguém na escola tão facilmente, e você era um aluno do interior transferido no meio do período que não conhecia ninguém e aceitaria a aproximação de qualquer um, a vítima perfeita! Nós andamos que nem loucos pelos corredores atrás de você e, por sorte, te encontramos bem a tempo. Um pouco mais atrasados, e nem sei o que poderia ter acontecido...

Todas aquelas informações me deixaram surpreso. Eu não imaginava que tivesse ocorrido tudo aquilo nos bastidores, mas também, nunca me senti curioso e nem tinha me sujeitado a pensar a respeito.

— Mas tem uma coisa que ainda não consegui aceitar... Se o Toya já atua há tanto tempo, como ele não foi pego ou denunciado uma única vez?

Naruto apenas torceu a boca e deu de ombros.

— É como se fosse uma ditadura causada pelo medo e a incerteza. Não sabemos até onde o Toya se envolve seriamente com esse papo de gangue; por isso, o máximo que fazemos contra ele é nos defendermos, nunca atacamos, pois não temos ideia de como pode ser o contra-ataque dele. – Ele tirou a mão e a bolsa de gelo de cima de si, indicando seu abdômen sugestivamente com o gesto. – Eu derramei ramen encima dele e olha o que me aconteceu.

— Entendo... – As palavras de Naruto me fizeram pensar no quanto eu estava me arriscando ao desafiar Toya do jeito que eu estava. Naruto havia sido ameaçado no dia do festival, e pensar naquilo me lembrou de que o mesmo aconteceu comigo no primeiro dia de aula. Toya disse que ainda iríamos terminar a briga que tivemos naquele banheiro. Eu estava marcado do mesmo modo que Naruto esteve.

O som do telefone residencial ecoou da sala. Levantei-me da cadeira descontente com a interrupção inconveniente e fui logo atender a ligação. Antes de tirar o telefone do gancho, chequei o número do remetente na tela da bina e, apesar de ter previsto tal acontecimento, senti um pouco de nervosismo ao reconhecer o número do meu professor responsável. Era a maldita ligação que eu receberia caso faltasse à aula outra vez, e o professor obviamente iria querer falar com Itachi a respeito... Merda, merda!

Deixei que o telefone tocasse. Que o professor pense que não tem ninguém em casa, e que ele se esqueça de tentar ligar novamente. A última coisa que precisava era de Itachi mais preocupado comigo e ainda por cima pegando no meu pé.

Permiti que aquele toque, já soando mais irritante que o normal, continuasse a sua inútil insistência. Enquanto isso, resolvi aproveitar a saída do quarto para pegar mais um bolsa de gelo para Naruto. Ele ainda precisava colocar aquilo nas costas.

— Da escola? – A voz de Sakura veio ao meu lado de repente. Perguntei-me mentalmente se ela queria alcançar tão rápido o Nirvana, porque se ela continuasse me assustando desse jeito, iria conseguir logo, logo.

— Sim. – Apenas respondi.

— Xi... – Ela fez como se dissesse que eu estava ferrado. Aquilo era implicância ou apenas o jeito dela de simplesmente ser irritante?

— Acho esse Toya muito mimado, merecia que o pai soubesse de tudo que ele faz! Aí, sim, ele teria uma boa lição. – A velocidade com a qual Sakura mudava de assunto também me surpreendia.

— Concordo, mas depois do que o Naruto contou, vou ter que pensar melhor sobre o que vou fazer. – Disse enquanto tirava a fôrma de gelo do freezer e, quando me virei para ir à pia, deparei-me com uma Sakura de cenho franzido.

— Pretende fazer algo? – Ela perguntou em um tom não muito natural. Desviei-me da imagem dela e continuei meu percurso.

— Alguém precisa fazer alguma coisa para deter aquele babaca.

— Mas isso não pode ser perigoso?

— Depois do que aconteceu hoje, tenho certeza absoluta da minha decisão.

— Apenas não faça uma loucura. – A voz dela ganhou um tom de preocupação.

— Apenas vou fazer o que ninguém teve coragem de fazer até hoje. – Exclamei, já terminando de colocar os cubos de gelo dentro de outra bolsa.

— E o que seria? – Terminava de girar a tampa quando Sakura falou.

— Simples: vou falar para o diretor quem o filho dele realmente é. Mas agora sei que não vou poder deixar que descubram quem fez a denúncia.

Dito o meu pequeno plano, andei de volta para o meu quarto com a outra bolsa de gelo em mãos. Abri a porta que havia deixado entreaberta e pude constar que a atenção de Naruto estava tomada novamente pela televisão.

— Trouxe gelo para você pôr nas costas, e não me venha com frescura. – Naruto me olhou assustado quando ouviu minha voz ressoar no cômodo, quase como quando uma criança que é pega no meio de uma travessura. Fiquei sem entender a reação dele e entortei as sobrancelhas enquanto estendia o saco de gelo para ele.

— Que foi? – Devagar, Naruto estendeu a mão e apanhou o saco de tecido azul revestido. Sua boca estava entreaberta, hesitante em falar. – O que foi? - Persisti, prolongando um pouco mais as palavras, ressaltando minha pergunta.

Um pouco maiores do que o normal, os olhos tensos de Naruto deslizaram um pouco para a direita. Segui a direção e encontrei a tevê. Vi apenas uma repórter entrevistando um homem fardado – aparentemente um delegado ou algo semelhante – sobre algum tema que não reconheci de primeira, mas quando uma foto apareceu no painel ao lado dos dois, senti meu sangue gelar. Era uma foto amadora que focava um Honda Fit Hybrid preto na parte mal iluminada do acostamento de uma rua e de portas abertas; sacos negros recheados e de tamanho considerável estavam espalhados pelo chão; ao fundo, ambulâncias, policiais e paramédicos se destacavam em frente a um aglomerado de curiosos, iluminados mais ainda pelas sirenes das viaturas tapadas pelo povo.

Como não reconhecer aquele carro, se eu mesmo andara nele incontáveis vezes? Como não reconhecer a foto, se ela era a imagem mais famosa relacionada ao Caso Uchiha – nome adotado pela imprensa –, se ela estava estampada na capa de cada jornal, de cada revista e na chamada de todos os telejornais meses atrás? Como não reconhecer a minha tragédia?

Senti-me paralisado, sem coragem de me mover. Tinha esperanças de que a mídia já tivesse esquecido aquilo, que não precisaria mais ter que fugir dos noticiários, mas, pelo visto, eu estava terrivelmente enganado.

Amargamente iludido.

— O caso já está completando seis meses e até agora os suspeitos sequer foram identificados e ninguém foi preso. Por que ainda tantas perguntas sem respostas? – A repórter começou a dizer quando me recuperei do meu choque inicial, cerca de menos de dois segundos depois.

— A principal causa tem sido a falta de pistas, já que os únicos dados que temos até o momento são as balas extraídas das vítimas e algumas deduções. – O homem respondeu, tendo seu tom de voz e suas emoções distanciadas por quilômetros. – Também há a deficiência de informações vindas da única testemunha, que é o filho caçula das vítimas e também o único sobrevivente, Uchiha Sasuke.

A imagem no painel mudou para uma fotografia caseira de família. Lembrava de quando tiramos aquela foto, era aniversário da minha mãe – o seu último. Itachi já não morava mais conosco por causa da faculdade e, por isso, ela pediu a recordação de um dos poucos momentos que tínhamos em família naquele período. Nossas poses eram formais, bem contrárias à descontração da foto que Itachi mantinha em seu quarto; meus pais estavam sentados e Itachi e eu em pé ao lado de cada um. Um sorriso contido em nós dois era perceptível. Estávamos felizes.

A imagem de uma família alegre por oposição à sua tragédia... Aquele sensacionalismo me doeu.

— Delegado, nos foi dito que até hoje o adolescente Uchiha Sasuke não prestou novo depoimento sob a alegação médica de que sofreu amnésia e não possui nenhuma informação útil para o caso. Procede essa informação? – A repórter tornou a perguntar, tendo sua voz como a do entrevistado, mantendo-se distante dos fatos emocionalmente e falando todas aquelas coisas sobre mim, sobre meus pais com toda a frieza que eu apenas imaginaria ver em serial killers.

— Procede, sim. Entramos regularmente em contato com a família do jovem para saber se houve alguma evolução no quadro, mas nada até o momento.

“A família do jovem”... Se não fosse tão trágico, eu iria até rir um pouco, de tão irônico que aquelas palavras soaram aos meus ouvidos e ao meu persistente sentimento de luto.

Porque quase todos que eu considerava minha família já estavam mortos.

A raiva, o rancor, a melancolia e a dor me assolaram de uma só vez com aquelas simples palavras, inofensivas para qualquer um. Menos para mim. E aquela foi a gota d’água, não que ver pela primeira vez por tanto tempo uma notícia sobre a tragédia da minha família não mexesse comigo, mas senti ser atingido de uma forma mais que pessoal, até porque aquelas palavras nada mais me faziam lembrar de que eu não tinha mais um família em si. Ela estava desmembrada.

Senti dor brotar nas palmas das minhas mãos, e só então eu notei que serrara os punhos em algum momento, e os apertava tão forte naquele momento que cheguei a achar que havia rompido, pelo menos, a epiderme. A pressão que também passei a perceber na mandíbula indicava que meus dentes estavam se comprimindo um contra o outro sem nenhuma dó. Mas, naquele momento, pouco me importava a minha integridade física.

Não suportando mais ver aquela entrevista, andei para fora do meu quarto, pisando forte no assoalho, sentindo cada centímetro da sola do meu pé pressionada contra a madeira, agora parecendo tão mais fria contra a minha pele aquecida pela raiva.

— Sasuke...! – Ouvi Naruto tentar mover-se da cama para me alcançar, mas do modo debilitado em que estava, escutei logo em seguida o que já esperava: um som que estava entre um grito e um gemido, contido ainda em seu início. Aquele tolo tentou se mover rápido demais mesmo estando com o corpo todo ferrado, claro que nem conseguiu colocar a segunda perna para fora da cama.

Sem reduzir o ritmo de minhas passadas, passei do meu quarto para a sala, puxando a porta junto comigo. E, em nenhum momento, olhei para trás para ver como Naruto tinha ficado.

Andei para o meio do cômodo, indeciso sobre o que fazer com a bola de raiva e amargura que estava presa em minha garganta. Levei uma das mãos até a cabeça, jogando os cabelos para trás; quando foi que eu comecei a suar? Ao ver o sofá, joguei-me nele, ajeitando as costas no suede depois da queda, o perfume de Itachi, impregnado no móvel, invadindo minhas narinas. O teto branco serviu de escapatória para os meus olhos semicerrados, que logo foram parcialmente tapados pelo meu antebraço.

Mas que droga... aquela sensação outra vez...

Aquela mesma sensação agonizante que eu sentia enquanto estava em recuperação no hospital, aquele quarto totalmente alvo e apenas eu ali, sozinho. Sozinho com a crescente culpa e o luto durante um penoso e doloroso mês, simplesmente o pior da minha vida. Logo estava com os dentes trincados novamente, aquele nó apertando mais...

O branco do teto, que ainda estava ao alcance de minha visão, foi substituído pelo rosa. Ah, aquele rosa...

— Sasuke-kun... – Tratei logo de tapar o resto dos meus olhos, abaixando mais o braço no meu rosto, não queria conversar, principalmente por me sentir daquele jeito deplorável outra vez.

— Por favor, Sakura... – Senti minha boca dormente ao finalmente afrouxar a mandíbula, minha voz soou um pouco rouca. – Agora, não.

Não ouvi nenhum protesto da parte dela, e quase suspirei de alívio por não ter que aquentar um monólogo ou discutir com Sakura naquele momento.

Ah, mas como eu continuava ingênuo...

— Gosta de filmes? – Ela retornou a falar depois de algumas dezenas de segundos. Mas por que raios ela tinha que fazer uma pergunta tão descabida? Senti-me confuso com a iniciativa dela, e destapei o olho direito para conseguir vê-la e tentar descobrir o motivo daquilo.

Só encontrei a cabeleira rósea no meu capo de visão. Sakura havia sentado no chão ao meu lado, com as costas apoiadas no sofá. Não conseguia enxergar o seu rosto.

— O quê?

— Filmes clássicos, para ser mais exata.

— Sakura! – Repreendi-a, meu braço direito saiu de cima do rosto em revolta, ela não conseguia entender que aquela não era hora de jogar conversa fora?

— Chaplin uma vez disse que há apenas uma coisa tão inevitável quanto a morte: – Ela continuou e deu uma pequena pausa para proeminência, ignorando-me completamente. – A vida.

Fiquei estatelado, uma vez que não esperava por aquilo, que Sakura diria uma coisa daquelas, que demonstrasse, em poucas palavras, que entendia perfeitamente o que se passava na minha cabeça. Engoli em seco, não sabia nem como responder.

Sem dizer mais nada, Sakura simplesmente se levantou e caminhou até o meu quarto e passou pela porta fechada, jamais olhando para trás, jamais olhando para mim.

Em algum lugar de mim eu sabia, ou apenas depois eu entendi, entendi que ela me deixou sozinho ali para que eu pudesse pensar por mim mesmo sobre o que ela disse. A “parte dela” já havia sido feita. O resto teria de ser comigo mesmo.

E permaneci ali, deitado, retomando aqueles acontecimentos e pensando nas palavras de Sakura, sabe-se lá por quanto tempo.

 

Já fazia horas que estávamos na estrada. Eu já me sentia enjoado de toda aquela monotonia, o silêncio quase que constante dos meus pais à frente. O banco do carro, tão convidativo e confortável de início, já incomodava o meu tronco há um tempo; minhas pernas e pés começavam a formigar, necessitados de alguma movimentação descente, ao menos uma pequena andada. Toda a paisagem, belamente mesclada entre a natureza, o histórico e o moderno não eram mais um atrativo para os meus olhos, pelo contrário, apenas aumentava a minha agonia de estar encarcerado naquela prisão metálica.

Por que a gente não pegou o trem-bala ou um avião? Seria muito rápido, já teríamos chegado a Tokyo há horas. Mas claro, meus pais tinham que querer “curtir” alguma parte dessa viagem, já que quem iria aproveitar o aniversário de Itachi seria apenas ele e eu. Mas que culpa eu tenho? Eles que não gostam de rock. Esperava que eles estivessem apreciando a vista (que, para mim, parecia ser praticamente a mesma há muito tempo, salvo algumas cidadezinhas isoladas no meio do nada), porque eu não aguentava mais. Na próxima vez, iria em um transporte a minha escolha. Eles que façam essa besteira sozinhos.

Gemi em desconforto, tentando achar uma posição que já não estivera naquele espaço tão limitado. Girei o corpo sobre o banco, podendo assim olhar através do vidro traseiro e observar uma das poucas coisas que mudavam ali: os carros e seus também entediados ocupantes. Reconheci dois ou três veículos da última hora que tentara me entreter com aquelas pessoas desconhecidas.

Apesar de já estar perto de escurecer, ainda conseguia ver bem através do vidro fumê do meu primeiro alvo – o carro que seguia bem atrás de nós, na mesma pista. Perguntei-me se aqueles três homens carrancudos lá dentro estariam indo para o centro de Tokyo também e, por que não, o mesmo show que Itachi e eu estaríamos indo. Seria legal encontrar fãs antes mesmo de chegar à área do espetáculo... Talvez não. Aquelas caras de poucos amigos não eram as de fãs prestes a ir a um show.

Fiquei cabisbaixo com a besteira surreal de minha cabeça que nunca se realizaria. Chame de sexto sentido, impressão ou o que for, mas senti que atenções estavam sendo voltadas para mim. Voltei a focar a visão, confirmando minha suspeita de que aqueles três homens me encaravam.

Constrangido pela troca de olhares não desejada, voltei rápido para a minha posição original no banco, sendo protegido visualmente pelo encosto de cabeça deste.

Talvez por alívio de alguma coisa – qualquer coisa – ter acontecido ou apenas pela situação, ou até mesmo as duas opções juntas, mas uma pequena risada brotou de minha garganta e não consegui contê-la, nem mesmo com uma mão tentando imobilizar os lábios.

— O que foi, Sasuke? – Olhei para a frente e me deparei com a cabeça da minha mãe girada por sobre um dos ombros e seus olhos um pouco curiosos.

— Nada, okaa-san. – Respondi ainda com um sorriso.

Uma das extremidades da boca dela subiu, juntamente com uma sobrancelha, formando uma expressão de desafio.

— Sei... – E ela simplesmente volto-se para a frente outra vez, encarando o asfalto que vinha a sua frente, deixando-me sozinho com o meu tédio e roubando minha esperança de matá-lo com uma conversa.

Joguei o meu corpo pesadamente para o lado, apoiando-me com toda a lateral direita do meu corpo na porta e amassando minha bochecha contra o vidro da janela. Uma placa se aproximava naquele momento, fiquei atento para lê-la quando fosse possível.

VOCÊ ESTÁ CHEGANDO EM

SHIROYAMA

KANAGAWA ---- 55 KM

TOKYO ----------- 80 KM

Oitenta quilômetros de Tokyo... Isso dava mais de uma hora de viagem ainda! Precisava fazer ao menos fazer uma parada, comer, beber algo... daquele jeito, eu iria acabar enlouquecendo.

Logo após a placa, entramos em uma curva e, nesta, havia um letreiro:

Circle K a 4 km!

Mal pude acreditar nos meus olhos, era como uma resposta divina a todas as minhas preces! Logo que me recuperei do êxtase de alegria, saltei do banco, pondo-me entre os bancos dos meus pais, que não esperavam aquela reação.

— Circle K! Circle K! Vamos parar ali!

Minha mãe não conseguiu conter uma risada, exatamente do mesmo modo que eu fizera instantes atrás (um dos muitos jeitos que eu herdara dela), provavelmente por causa da minha total perda de compostura. Virei a cabeça para o meu pai, já esperando alguma bronca por estar inapropriadamente quase entre os dois, mas o encontrei sorrindo – algo não muito chamativo, apenas um repuxar dos lábios, mas mesmo isso era fenomenal para o meu pai e sua personalidade séria.

— Tudo bem, paramos lá, mas sente-se direito. – Mas claro que o meu pai continuava sendo o meu pai.

— Ok! – Joguei-me de volta ao banco. Agora satisfeito, meus olhos brilhavam.

Não tardou muito para que o Circle K entrasse em meu campo de visão e eu me deleitasse com o pensamento de logo sair daquele carro. Finalmente, aquela agonia iria se dissipar.

Que ingênuo eu, achando que ficar algumas horas trancado dentro de um carro era agonizante. A verdadeira agonia eu estava a instantes de conhecer naquele momento.¹

Estávamos bem perto já, meu pai ligou a seta para a esquerda e foi transpondo para o acostamento², logo entrando no estacionamento praticamente vazio do local que no momento era, para mim, o oásis no deserto.

Antes mesmo que o carro parasse completamente em sua vaga, eu já abria a porta e pulava para fora, sentindo os efeitos da dormência nas extremidades inferiores ao firmar os pés no chão, mas aquilo não me incomodou, era apenas um bilhete que lembrava que eu finalmente poderia andar livremente! Joguei a cabeça para trás e apoiei as mãos na bacia, formando um arco com o meu tronco e estalando a coluna. Ah, como era bom... Quando senti o meu corpo enfim hábil a se mover como eu desejava, corri em direção ao estabelecimento para ver o que poderia comprar, mas parei no meio do caminho e girei sobre os calcanhares. Meus pais tinham acabado de sair do carro e fechavam as portas. Ha! Velhice é uma droga.

— Andem logo! – Incentivei-os.

— Sasuke, controle-se. – Meu pai pediu enquanto trancava o carro. Revirei os olhos e, nessa ação, notei que dois dos carros que eu observara instantes atrás também entravam no estacionamento.

Todos deviam estar se sentindo como eu também, já que, por uma obra demoníaca, não havia nenhuma loja de conveniência descente – só aquelas 24h pequenas de posto de gasolina – a quilômetros. Através do vidro fumê forte, vi que os homens carrancudos de outrora usavam máscaras distorcidas, do tipo que é muito comum de se ver em... mal pude acreditar, então eu estava certo desde o início e eles iriam no show também? Mas que coincidência agradável! Depois que eu fizesse o que tinha que fazer naquele lugar, certamente iria falar com eles. Aqueles caras eram, sem dúvida, o tipo de fã que já começa a curtir antes da programação.

Pare de ser hiperativo, garoto. Preste atenção no que acabou de perceber e veja que tem coisa errada aí! Inútil!

Meu estômago roncou, tirando a minha atenção dos homens e me lembrando de que eu tinha que aproveitar o meu pequeno momento de liberdade fora do carro. Meus pais já estavam para me alcançar, sendo assim, voltei ao meu antigo percurso e entrei no restaurante.

Egoísta! Não pense apenas em si mesmo, entre no carro com nossos pais e saia daí. Chame a polícia!

Posso afirmar com veemência que me fiz dentro daquele lugar, pude comer um bom lanche e ainda comprei algo para levar para Itachi comer caso saísse da faculdade com fome; separei alguns petiscos para ir beliscando no resto do caminho e também me aliviei no banheiro. Aquele local realmente era a solução dos meus problemas naquele instante.

Realmente, “naquele instante”, porque depois...

— Já pegou tudo que queria? – Meu pai tentou me tirar da hipnose causada pelos muitos produtos disponíveis a escolha naquele lugar. Já devia carregar uns cinco itens entre os braços, segurando como se ninguém fosse conseguir tirá-los de mim.

— Hã? – Balbuciei meio atordoado por aquele universo colorido de conservantes e outras dezenas de aditivos químicos.

— Vamos logo para o caixa, não podemos nos atrasar. – Minha mãe surgiu ao lado do meu pai, que vincava as sobrancelhas pela minha reação retardada.

— Ah, sim. – Finalmente voltei a mim.

Levamos o que cada um tinha separado para pagar e logo fomos para o carro. Eu, todo feliz pelo mimo de meus pais em me deixar comprar o que quisesse, sorria de orelha em orelha, porém, já colocando uma perna para dentro do carro, lembrei que, em meio a tantas coisas para comer, não havia comprado nenhuma bebida, nem para mim, nem para Itachi.

— Esqueci de comprar algo para beber! Pode deixar que compro com o meu dinheiro, mesmo. Volto logo. – Larguei a sacola de compras no banco e saí em disparada de volta ao mercado, antes que qualquer um dos meus pais se manifestasse a respeito.

Escolhi a primeira coisa que vi e sabia que agradava ao gosto de nós dois: chá verde. Peguei logo as duas garrafas de vidro mais próximas de meu alcance e fui para o caixa pagar. Nem coloquei as garrafas em sacolas, já que poderia colocá-las nas que já estavam dentro do carro.

Voltei correndo para o carro e entrei nele sem pestanejar, sem notar que havia mais gente dentro dele... Só quando eu entrei e fechei a porta que notei que algo estava fora do normal ali. Senti que tinha alguém do meu lado e, quando olhei, dois daqueles homens que tinha visto mais cedo estavam sentados ao meu lado, suas máscaras deformadas, que eu ingenuamente achei que fossem para o show, continuavam a tapar seus rostos. De primeira, não entendi o motivo de eles estarem ali, mas meu sangue veio a gelar quando eu o entendi ao ver que eles tinham em mãos armas de fogo.

Agi por impulso, por instinto de sobrevivência, queria sair dali, e foi o que meu corpo fez, sem que eu realmente o mandasse, sem que eu raciocinasse. Joguei minhas costas contra a porta do meu lado, tentando me afastar o máximo deles e minha mão começou a tateá-la rapidamente, procurando a maçaneta para abrir a porta. Tão rápido quanto eu fiz tal movimento, ou mesmo até mais, o homem do meio, cuja máscara esboçava um sorriso longo e vermelho, puxou o meu braço para perto dele, impedindo-me de conseguir escapar.

— Não! – Tentei gritar, porém, apenas saiu um som abafado, pois a outra mão dele, a que segurava a arma, já estava sobre a minha boca e meu nariz, sufocando-me. A arma gelada imprensada sobre a minha bochecha e meu nariz, o silenciador quase se encostando ao meu olho.

Se meu sangue já estava gelado, então meu coração petrificou com aquela arma, a visão e sensação da morte, tão perto de mim.

Dando por falta do ar em meus pulmões, tentei tirar a mão que estava sobre o meu rosto, dando também um pequeno solavanco para trás, senti que a minha mão tremia um pouco.

— Sasuke! – Minha mãe chamou, talvez tentando fazer com que eu parasse de reagir.

— Quieta! – O outro homem, o que se encontrava na ponta oposta do banco onde eu estava, apontou a sua arma para o rosto de minha mãe, talvez achando que ela fosse tentar algo além daquilo. Não conseguia ver sua máscara naquele momento, o homem que me segurava tapava a minha visão.

Ver minha mãe sob a mira de uma arma me enlouqueceu. Mais uma vez, agi irracionalmente, esticando a mão até o punho dele e abaixando-o. Consegui livrar a minha mãe da mira da pistola, porém, tanta ousadia assim pareceu ter enraivecido aquele homem. Ele saiu bruscamente de meu toque, recolhendo o braço para junto de seu corpo já em um impulso de um movimento contra mim. A coronha de sua pistola, envolta pelo seu punho, veio de encontro à minha testa, perto da têmpora. O choque jogou minha cabeça contra o encosto e ela pendeu para o lado logo depois, junto com o meu corpo, que perdeu as forças com a coronhada.

Enquanto a vista embaçava, senti uma das garrafas de chá, que eu nem notei que derrubara em meu colo no início, rolar com o aumento da inclinação de minhas pernas que pendiam para o lado, acompanhando o movimento do meu corpo. A última coisa detectada pelos meus sentidos foi o barulho da garrafa se quebrando no seu encontro com o piso do carro.

 

Meus olhos depararam-se com o branco, perdidos, correndo para os lados com rapidez, buscando algo além da cor alva. Meu peito subia e descia pesadamente como se tivesse algo por cima dele, procurava repor logo o ar em meus pulmões, como se o oxigênio nunca fosse suficiente. Os braços estavam erguidos no ar protetoramente contra um novo ataque daqueles homens mascarados, todos os meus membros tremiam quase no mesmo ritmo das batidas aceleradas do meu coração.

Senti que estava deitado, mas não era no banco daquele maldito carro, apesar de seu relevo também me ser familiar. A textura era de suede, igual ao sofá de Itachi...

Foi então que percebi que eu não estava na beira da estrada, sendo sequestrado junto com os meus pais, eu estava no apartamento de Itachi, deitado em seu sofá em segurança. Ciente de tal fato, meu corpo relaxou, levei as mãos à testa, aliviado, sentindo o frio suor que brotara dela.

Aquela lembrança... eu não a tinha, era um fragmento da minha memória perdida daquele dia, um fragmento que eu acabava, infelizmente, de recuperar, graças àquela maldita entrevista, provavelmente.

Sakura disse que a vida – a minha vida – era algo inevitável, algo que estava no destino, mas fui eu que, com esse “destino”, fui egoísta a ponto de pensar apenas na minha própria segurança, e pus a vida de minha própria mãe em risco.

Na verdade, eu não coloquei a vida dela em perigo como também sou responsável pela sua morte, tal como a de meu pai. Eu os coloquei naquele carro, naquele dia, naquele lugar, eu os deixei expostos àquelas pessoas mal intencionadas e perigosas. Eu matei os meus pais.

Minha vida não é nada de especial para ser a única poupada, ela é uma espécie de maldição parricida. Chaplin estava errado. Sakura estava errada.

 

Continua...


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