Até que a Morte nos Una escrita por Nuwandah


Capítulo 14
Por mais uma vez




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/673321/chapter/14

Desconcertante.

Se tivesse que descrever aquela cena em uma palavra, seria essa. Desconcertante.

Aquela garota... Não, aquelas garotas ali, na minha frente, haviam me beijado. Uma, declarara-se para mim e, deixando levar-se pela emoção, acabou por roubar-me um beijo. A outra foi sem querer. Ela tentou me fazer evitar algo que sabia que aconteceria – instinto feminino? -. Mas, por causa disso, ela acabou por fazer também o que queria impedir. Mas foi um beijo mesmo? É, é óbvio que não. Ela não me beijou porque não possui um corpo, apenas uma alma. Um fantasma.

Então, tecnicamente, apenas Maya me beijou, certo? Tinha motivos bastante lógicos para acreditar que sim.

Mas, então, por que eu me impressionei somente com o “beijo” de Sakura? A que verdadeiramente havia me beijado, Maya, não me importava nem um pouco naquele momento. Ela ficaria – talvez – gravada na minha mente como outra garota que beijei na vida – digamos que, quando eu morava em Nakai, me aproveitava um pouco do sucesso que eu fazia com as meninas... Mas claro, os tempos mudaram. Mudaram muito.

Sakura parecia um tomate, seus olhos arregalados. Maya estava avermelhada, com a cabeça caída em um ângulo envergonhado. Ela me olhava, esperando uma resposta.

Ia ter que tomar uma atitude já que, aparentemente, eu era o único ali capaz de fazê-lo.

— Sinto muito. – Tirei o lenço lilás do bolso do meu terno e o estendi para Maya. – Mas não posso aceitar os seus sentimentos.

A garota assentiu. Adquirindo um tom mais rubro, apertou os lábios e, de modo quase relutante, pegou o lenço que eu estava devolvendo e apertou-o entre os dedos das mãos.

Maya inclinou as costas e a cabeça.

— Desculpa pelo beijo... Foi um mal-entendido. – Ela andou, passando por mim, enquanto colocava uma mexa de cabelo para trás da orelha, e saiu do corredor.

Naquele momento só com a Sakura, virei-me para ela. Ainda tinha que acabar com qualquer resquício de tensão ou vergonha entre nós. Ela, diferente da outra, convivia comigo praticamente 24 horas por dia. Não precisava de um clima hostil entre nós por tempo indeterminado.

— Esqueça o que aconteceu. Foi só um acidente, não precisa esquentar a cabeça com isso.

Sem mais nada a dizer, dei meia-volta e fui para a sala destinada à troca de roupas para tirar aquele terno. Ele já estava me incomodando. Sentia uma anormal sensação de quentura no corpo. Talvez o tecido fosse mais grosso do que eu estava acostumado.

— Ei, Sasuke, é verdade? – Suigetsu me perguntou em um tom curioso e abismado. O festival já estava, finalmente, chegando ao final e todos se reuniram na quadra poliesportiva para o anúncio dos resultados dos concursos.

— O quê?

— Que você deu um fora naquela garota que dançou com você... Logo depois de flertar com ela.

Ah, mas como as notícias correm rápido. Mas eu sabia já que Suigetsu estava se engraçando com as meninas do Seika. Claro que ele devia tê-las ouvido fofocando algo.

Espera ai... “Depois de flertar”?!

— O quê? Mas eu não flertei em momento algum! – Mas que coisa! Até que ponto essas fofocas inventariam sobre mim?

— Também estranhei quando disseram isso. Não tem muito a ver com você. Mas ouvi que você ficou cheio e sorrisinhos pra garota enquanto dançavam.

Isso era impossível. Eu nem sequer olhava para Maya quando dançávamos, minha atenção era sempre unicamente dirigida para... Sakura.

Não... Isso também não tinha nexo. E não ficava sorrindo para Sakura, ficava? Eu não gostava de dançar, mas aquela garota acabava deixando-a mais suportável, até um pouco divertida.

Ah, droga. Eu sorria para Sakura! E Maya, não sabendo da companheira invisível achava que os sorrisos eram todos para ela. Como fui lerdo, nem notei isso.

— Eu não ficava sorrindo para Maya, era para... outra coisa.

Suigetsu não pareceu acreditar muito.

— Aham, sei... Pode dizer, Sasuke. Não precisa ter vergonha. Aquela garota é bonita pra caramba. – E ele acrescentou, com um sorriso maroto. – É mesmo difícil não resistir...

Desviei logo o olhar para Sakura, ela pareceu constrangida e horrorizada com o comentário que Suigetsu fez. Aquilo me incomodou um pouco. Não é algo que se deva dizer exatamente na frente de uma garota, mesmo não se sabendo que ela está presente.

Tá, viajei agora. Devia acrescentar na minha lista de tarefas algum convívio com pessoas com um teor de sanidade mais elevado.

— Olha, Suigetsu, eu não dei em cima daquela garota. Ela apenas imaginou coisas. Vai acreditar em mim ou no que terceiros disseram?

 Ele estava prestes a responder quando nossa atenção foi tomada pela voz do diretor do Amabane. Ele ia anunciar o colégio vencedor no quesito geral logo depois de anunciar o segundo e o terceiro lugares.

— Por um lado, eu até ficaria feliz se nossa escola perdesse. – O garoto de cabelos descoloridos à minha frente disse, sorrindo de canto.

Ergui uma sobrancelha com aquele comentário esquisito.

— Por quê?

Outro sorriso nada santo.

— Eu vi o Toya discutindo com uns moleques de outra escola, e eles acabaram apostando alto sobre qual escola venceria.

Ri internamente dele. Suigetsu estava mais parecendo uma mulher, sabendo de tudo e que devia e não devia saber.

— Quanto cada lado apostou?

— 10.000 yenes. (N/A: Cerca de 330 reais atualmente [início de 2016].)

Juntei-me a ele no sorriso. Dez mil eyenes é bastante dinheiro para um estudante. Qualquer coisa desfavorável para Toya já era sinônimo de felicidade para mim.

— Então, ganhando ou não, saímos bem na história. –Concluí.

Suigetsu assentiu, rindo.

— ... e o colégio vencedor do 27º Festival de Inverno de Tokyo é... Montessori! – Hm... Era o colégio que dançou logo depois do meu, o que dançou Street Dance. A quadra foi tomada por aplausos e, apenas quem estava mais perto, pôde ouvir, ao fundo, a risada, não, melhor, gargalhada incessante e maléfica de Suigetsu. A alegria dele em saber que Toya iria perder dinheiro e moral chegou a me surpreender. Ele devia odiar aquele infeliz com todas as suas forças.

Depois da entrega dos troféus e medalhas, o festival foi encerrado e todos os alunos participantes tiveram de ficar para arrumar as coisas, e isso me incluía.

Eram tantas coisa para levarmos de volta para nossa escola, que precisamos usar os carros dos professores. Fantasias, espumas, tábuas, tecidos, mesas, cadeiras, balcões de madeira, baldes de tinta e até minicarros alegóricos para desfile estavam na lista.

Tirando as mesas e cadeiras, que haviam sido alugadas, todo o resto foi feito pelos alunos e tiveram que ficar na escola mesmo em um galpão já reservado para acumular tralhas que o diretor achava que um dia ainda teria a oportunidade de reutilizar. Pode-se pensar nele como um depósito de coisas inúteis que ficariam bem melhor em uma usina de reciclagem.

Demoramos um bocado arrumando tudo, acabei chegando em casa depois do “toque de recolher” que Itachi havia estabelecido para mim.

— Onde estava? – Como previsto, Itachi estava sentado no sofá da sala esperando eu chegar e me surpreendeu logo que abri a porta da entrada. – Fiquei preocupado, o seu celular só dava caixa postal.

Eu cheguei a abrir a boca para responder a primeira pergunta, mas o comentário sobre o meu celular fez-me dirigir minha atenção a ele. Peguei o aparelho do bolso da minha calça e confirmei minha suspeita:

— A bateria acabou. – Disse a ele, mostrando-lhe a tela negra, sem nenhuma iluminação.

— Precisa tomar mais cuidado. – Ele me advertiu em um tom sério. – Onde estava? – Retornou a perguntar.

— Hoje foi o Festival de Inverno. Tive que ficar depois da hora para arrumar as coisas.

O cenho de Itachi franziu naquele momento.

— Festival? – Perguntou em um tom surpreso.

— É. E como qualquer outro aluno, eu tive que participar. – Expliquei de modo lento, como se estivesse falando com alguém de Q.I. bem baixo.

— Por que não me falou nada? Eu teria ido te ver...

— Tá, Itachi, já chega. – Cortei-o de vez e ele me encarou por um certo momento.

— Já chega o quê?

— De fingir que se importa, droga. – Já estava perdendo a paciência. Por que ele não me deixava de me encher?

Itachi enrugou mais ainda a testa.

— Não estou fingindo nada, Sasuke.

Sabia que estávamos começando mais uma discussão, e discussões com Itachi, geralmente, resultavam em vitória esmagadora para o lado dele, mas já estava saturado de todo aquele teatro dele de “irmão preocupado”. Estava me soando tão... falso. Era como se ele fizesse aquilo tudo como se estivesse com pena.

— Não, imagina. Está fazendo isso por hobby. – Disse sarcástico. Sentia que tudo o que eu pensava, que tinha acumulando por todos aqueles meses, estava subindo e se acumulando em minha garganta, pedindo passagem para fora. – Me diga, como é possível alguém estudar na Universidade de Tokyo, trabalhar com liberação de papelada da Fan’s sempre que nosso tio pede e ainda ficar em casa cuidando das coisas sem reclamar de nada? Você não é um robô, é claro que é fingimento! Prefere manter a aparência de “gênio” a admitir que isso tudo é demais pra você! – As palavras apenas saíam da minha boca, nem pensava no que estava dizendo. Tudo aquilo eram coisas que já pensei algum dia a guardei para mim.

— Eu faço tudo isso por nós, Sasuke, para manter o que os nossos pais deixaram para nós! Não é algo tão sacrificante quando se pensa assim. – Ele rebateu.

— Viu? É apenas para manter as aparências! Para mostrar que você é capaz de manter uma empresa depois que os pilares dela se foram!

— Só há uma pessoa que está aqui vivendo de aparências, Sasuke, e é você! – Ele se levantou do sofá branco quando eu engoli em seco. – Você finge ser uma pessoa distante e fria enquanto, na verdade, é exatamente o oposto! Você criou essa barreira entre você e todas as pessoas para que ninguém veja como você realmente está, o quanto está machucado. Mas você não vai admitir isso nunca. É orgulhoso demais para isso. Eu te conheço muito bem.

Quando consegui decodificar todas aquelas palavras proferidas contra mim sem nenhum pudor, pude me defender.

— Você não sabe merda nenhuma de mim! Se quiser ficar criando desculpas idiotas para o que faz, ótimo! Eu não ligo! Apenas quero que me deixe em paz! Seria demais pedir isso de um irmão “tão bonzinho” como você?! – Disse, já gritando com ele. Meu sangue fervia de tanta raiva.

E, antes que Itachi tivesse a oportunidade de responder, andei depressa até o cômodo intitulado “meu quarto”, fechei a porta e a tranquei, instantes antes da maçaneta ser girada inutilmente do outro lado por Itachi.

— Sasuke! – Ele me chamou, com a voz ainda alterada.

Mas não o responderia mais. Se continuássemos a discussão, ficaria muito mais possesso, até chegar ao ponto de explodir de vez. Essa era uma pequena falha na minha família, se um Uchiha ficasse com os nervosos ao extremo, não vinha coisa boa em seguida. Digamos que não pensamos bem de cabeça quente.

Olhei em volta do quarto ao acender a luz, Sakura não me seguiu daquela vez. Devia ter se assustado ao ver pela primeira vez uma discussão minha com Itachi. Ótimo. Era melhor desse jeito. Realmente queria ficar sozinho daquele momento em diante – até a eternidade, se fosse possível.

Ignorei o que Itachi dizia lá da sala e fui tomar um banho demorado o suficiente para que eu saísse dele sem querer simplesmente pegar uma mochila e dar o fora dali. No caminho, dei um murro na parede ao lado da porta do banheiro, tentando canalizar meu estresse com o ato bruto, e até mesmo com a dor que ele causou. Nunca tive tanta raiva de Itachi assim.

Passaram-se quatro dias desde o festival, e Sakura não teve coragem nem de me cobrar a ida ao parque, já que o meu humor estava pior do que nunca. Fiquei até feliz com isso, mas só foi a nuvem negra sair de cima da minha cabeça que Sakura veio com tudo:

— Sasuke-kuun, hoje é o último dia! – Ela chegou para mim com os olhos pidões e infantis.

— Último dia do quê? – Perguntei automaticamente, enquanto passava mais uma página de um livro de H. G. Wells, A Máquina do Tempo.

— Do circo, esqueceu? – Ela pareceu estar indignada.

— Hm. – Respondi, mais interessado na história do que no que Sakura dizia. – E que horas eles apresentam?

— Nesse instante. – Tirei os olhos daquela escrita surreal e encarei a garota de cabelos rosados a minha frente.

Só agora que ela me falava isso?

Suspirei de modo pesado, peguei o marca-página que estava enfiado no livro e o coloquei na página que parei de ler.

Fechei o exemplar com as duas mãos, fazendo um barulho mais alto ainda por causa da capa dura.

— Me dá cinco minutos. – Anunciei, saindo com desgosto da minha cama. Só não disse nada contra porque tinha prometido que iria com ela ver um monte de gente fazendo coisas bisaras e inúteis.

— Tá. Te espero lá fora. – Sakura disse com um enorme sorriso e saiu praticamente pulando, até alcançar a parede da janela, voltada para a rua, e sumir.

Enquanto me perguntava como aquela criatura podia se alegrar tanto com tão pouco, peguei uma calça jeans escura, uma blusa branca e vesti. Quando estava prestes a sair do quarto, cogitei que apenas aquelas roupas não me esquentariam com o inverno chegando, e apanhei uma jaqueta preta. Pronto, estava arrumado em menos de três minutos.

Andei com Sakura algumas dezenas de metros até pegar o metrô. Em poucos minutos, saltamos na Linha Oedo e, com mais dois minutos a pé, chegamos ao tal Parque Shiba.

A entrada era em estilo tradicional, com grandes portões vermelhos que se repetiam algumas vezes. Entre um das colunas que passei, jazia um cartaz escrito “Proibida a entrada de animais”.

— É, Sakura. Pelo visto, hoje você não vai ver cachorros pulando corda. – Curti um pouco com a cara dela. Tinha que me divertir ali de algum jeito, né?

— Ah... – Sakura fez, com a expressão um pouco desanimada.

Passamos pela entrada que dava já direto para um belo de um pátio a céu aberto, claro. Tinha uma quantidade de pessoas consideravelmente grande aglomeradas ali, apenas com exceção do centro daquela loucura, que estava livre para os artistas de circo fazerem suas apresentações. Chegamos a tempo.

Andei em direção à multidão, tomando certo cuidado para passar longe de quatro crianças agitadas. Uma mulher tentava contê-las em vão. Talvez estivesse passeando com os filhos e sobrinhos. Dois meninos judiavam de uma garotinha do grupo – que vestia um casaco muito maior que ela, mal dava para ver os seus pés, estava claro que era uma roupa de estimação –, segurando uma boneca esfarrapada o mais alto que conseguiam para que a garotinha não alcançasse. Pobre menininha.

Mas a garota restante no grupo, um pouco maior que a outra – talvez a irmã mais velha – se aproximou do usurpador de bonecas por trás, agarrou os cabelos dele e puxou sua cabeça para baixo com força. Enquanto o menino gritava, ela arrancou a boneca da mão dele e devolveu para a garotinha, ficando ao lado dela protetoramente.

Ri com aquela cena. Essas brincadeiras de criança me eram bastante melancólicas, principalmente aquela garotinha que pegou a boneca de volta. Lembrava-me de já ter feito algo assim um dia... Parecia mais com um déjà vu ou uma lembrança perdida.

Voltei a minha atenção para a cena. No centro da roda, uma criança equilibrava um prato giratório apoiado no meio por uma vareta. Ela estava em pé nos ombros de uma mulher que, por sua vez, estava em cima de um homem. Deixei de lado aquela cena bizarra e mirei Sakura.

Os olhos verdes dela pareciam brilhar mais. Um sorriso bobo pairava em seu rosto. Que graça ela via naquilo?

Olhei ao redor. A quantidade de crianças era bem maior do que a quantidade de adultos ou jovens, mas todos pareciam estar gostando do que viam.

No final, mal prestei atenção na participação, que só demorou mais uns vinte minutos, para a minha sorte. Quando um homem gordo de cartola explicou que aquela era uma divulgação do circo, que estaria se apresentando nas redondezas e agradeceu a presença de todos, a multidão começou a ser dispersar.

— Não foi legal?! – Sakura me perguntou excitada, os olhos enormes.

— Ah, claro. – Respondi, pouco forçando alguma animação. – Divertidíssimo.

Ela me mostrou a língua, fingindo estar ofendida com o meu sarcasmo.

Observei as pessoas que permaneceram naquele lugar: os artistas de circo ainda guardavam suas bugigangas; duas ou três famílias compravam lanches em uma loja próxima à entrada; crianças corriam para tudo quanto é lado, supervisionadas por parentes; e aquelas crianças que chamaram minha atenção logo quando eu chegara ao parque corriam sem rumo pelo gramado.

A menorzinha, do casaco gigante, devia ter por volta dos cinco anos, acabou se afastando um pouco de seu grupo para escalar um amontoado de pedras que formava uma parede de mais ou menos um metro e meio. Aquilo tinha tudo para não dar certo.

— Hunf. – Dei meia-volta para andar para fora dos portões do parque. – Vamos embora. – Disse à Sakura.

Dei os primeiros passos, esperando ouvir a queda da menina, seguido de um choro.

Mas o que eu ouvi foi algo pior.

— Oba-chan, olha! – Ouvi a vozinha infantil dizer. – Aaaaah! – Ela gritou e, logo depois, explodiram vários gritos desesperados.

Desesperados, não preocupados. Se ela tivesse caído, seria a segunda opção, então, aconteceu algo mais grave.

Virei-me para a direção do tumulto imediatamente, em alerta. A garota estava caída no chão, afinal de contas, mas o motivo do pânico estava parado mais adiante: um cachorro enorme, com mais de um metro de comprimento, pelos brancos e dentes bastante afiados, que estavam bem à mostra para as pessoas a sua frente, ameaçadoramente.

Provavelmente, ele devia ter-se sentido ameaçado pela garotinha que subiu na sua “parede protetora”, derrubado-a do alto e, naquele momento, considerava todos uma ameaça. Nada bom. Nada bom mesmo.

Apenas deu tempo para que eu entendesse a situação, para que o cachorro mudasse de estado de “ameaça” para “ataque”. A confusão foi geral. As pessoas começaram a correr de um lado para o outro aos berros. Pensei em correr para fora, mas algo me impediu, eu tinha que ficar ali.

A garotinha.

Olhei para onde ela havia caído. Estava ainda lá, segurando o calcanhar. Devia tê-lo torcido.

Não pensei em mais nada além de ajudá-la. Saí correndo em meio a empurrões e esbarrões alheios. Podia ouvir os latidos do cachorro a poucos metros de mim. Acelerei mais ainda a corrida, deixando Sakura para trás. Anos de prática de baseball ainda eram úteis.

Alcancei logo a criança e me ajoelhei na frente dela.

— Você está bem? – Perguntei.

Ela estava com lagrimas penduradas nos olhos.

— Sim, mas tá doendo muito...

Ela não ia conseguir andar daquele jeito. Não tinha outra opção a não se carregá-la. Coloquei um braço por trás das costas dela e o outro braço por trás dos joelhos.

— Sasuke-kun!!! – Sakura me gritou.

Girei a cabeça sobre o ombro. Sakura corria em minha direção. Logo atrás dela, pude enxergar os orbes negros do cachorro me encarando fixamente. E então me toquei que estava dentro do seu território.

Ele deu a partida, e eu era o ponto de chegada.

Meus braços em volta da criança, prontos para suspendê-la, envolveram-na mais, de modo protetor, encurvei-me um pouco sobre ela, escondendo sua cabeça em meu peito.

Se fosse para alguém dali ser atacado, que fosse apenas eu. Não iria permitir que aquela criança se machucasse. Fechei bem os olhos, pronto para receber o ataque do animal.

— Pare!!! – Ouvi Sakura gritar atrás de mim em um tom que eu jamais a imaginaria usando. Forte, alto, autoritário.

Olhei para trás, ainda segurando firme aquele corpo pequeno e frágil contra mim. Sakura estava bem próxima a mim, com os braços um pouco levantados, em gesto de bloqueio. Na frente dela, jazia um cachorro grande e de olhar dócil.

Não consegui acreditar que era o mesmo cachorro que segundos atrás me olhara como se fosse me estripar. Levantei-me abismado, segurando a garotinha no meu colo.

Já tinha visto aquilo em filmes, mas não sabia que era verdade. Agora estava mais do que confirmado. Animais são sensitivos, podem ver fantasmas, sentir a presença deles, até suas intenções. Por isso que o cachorro parou quando Sakura jogou-se entre nós e gritou. Ela só queria proteger a criança... e a mim também. Mas não tinha certeza. Talvez só fosse presunção minha. Talvez.

Ah, não fazia diferença. A questão mais importante naquele momento é que ela tinha salvado aquela menina e eu. E eu... por mais uma vez.

É, meu débito com Sakura cresceu mais um pouco.

— Yanko-chan! Ainda bem! Yanko-chan! – Uma mulher disse, aliviada, aproximando-se rápido de mim.

— Oba-chan! – A menina gritou de volta, estendendo os braços para a tia, que os segurou logo em seguida e puxou a criança para o próprio colo, já a abraçando.

— Você quase me matou do coração! Se machucou?!

— Só o pé, mas acho que quebrei ele! – A Yanko disse, exagerando um bocado e acrescentou, com os olhos cheios de lágrimas. – Será que ele vai cair?

— Não, minha querida. – Ela respondeu, rindo.

— Oba-chan, eles me ajudaram. Me protegeram do cachorrão! – Ela apontou para o pequeno espaço entre Sakura e eu.

— Ah, muitíssimo obrigada por ajudar minha sobrinha, garotinho. – A mulher fez uma reverência.

Mas nem a respondi, estava mais envolto com o que a criança disse. Eles me ajudaram. Ela tinha visto Sakura também?

Quando a senhora deu as costas para ir embora e só a criança me olhava do colo da tia, apontei para Sakura e perguntei:

— Consegue vê-la?

A pequena Yanko abraçou o pescoço da tia e, sorrindo, fez que sim com a cabeça.

Meu queixo caiu naquela hora.

— Teve algumas vezes que crianças olhavam diretamente para mim. Eu não sei por que, mas algumas conseguem. – Sakura disse ao meu lado.

Aquilo, com certeza, era mais novidade para mim do que animais sensitivos.

Notei que o cachorro não estava mais lá. Talvez tivesse fugido.

Enquanto olhava ao redor procurando pelo animal, pude atestar o pequeno estrago que ele fizera. Algumas pessoas estavam com mãos, cotovelos ou joelhos ralados pela decorrência de quedas, mas não encontrei ninguém mordido. O cachorro até que foi camarada comparado ao que ele podia ter feito. Ele apenas assustou as pessoas e nada mais.

— Sasuke-kun, vem cá! Você precisa ver isso. – Sakura me chamou, empoleirada no alto da pilha de pedras.

— O que você está fazendo ai? – Ergui uma sobrancelha.

— Vem cááá!! – Ela chamou com a mão, movendo-a para frente e para trás freneticamente.

Revirei os olhos e subi aquele monte de pedras – não tão estáveis quanto eu gostaria que fossem – até seu ponto mais alto.

— Que foi?

Ela apontou para baixo, para o lado que era oculto pela parede, e então entendi o porquê de todo aquele tumulto que fora causado por aquele cachorro momentos atrás.

— Então, foi isso... – Disse a mim mesmo.

Continua...


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Até que a Morte nos Una" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.