Obscure Grace escrita por Ahelin


Capítulo 6
Capítulo 5


Notas iniciais do capítulo

Hey, pudim!
Como vão as coisas na Terra?

Queria agradecer a todos os comentários e favoritos e acompanhamentos e a todo o apoio de vocês!
Sem mais delongas, até lá embaixo o/



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Às vezes, no recreio da escola, eu me deitava na grama e ficava observando o céu. Gostava de ver as nuvens brancas formarem desenhos e se desmancharem, e me esforçava pra ficar de olhos abertos, pois perderia mil maravilhas a cada vez que piscasse. Algumas meninas riam de mim e ficavam apontando para a garota gorducha deitada na grama com a cara virada pro sol, mas eu não me importava. Elas não entendiam o quão puro e simples aquilo era, a felicidade intrincada em ouvir apenas o silêncio e encontrar padrões no fundo azul com desenhos brancos.

Às vezes, meu amigo Leo deitava do meu lado e ficávamos quietos, um ouvindo apenas a respiração do outro e aproveitando o momento. O sol aquecia toda a minha pele e a sensação era de paz. Ele, por sua vez, preferia os dias frios, quando podia usar seu moletom de Monstros SA.

Pensando bem, acredito que Leo foi meu primeiro amor. Toda vez que estávamos juntos, eu roubava olhares discretos para seus olhos verde-esmeraldas e a franjinha que caía sobre os olhos como uma cortina castanho-avermelhada quando ele inclinava a cabeça. Sempre que, por algum motivo, nossos corpos se tocassem, uma sensação parecida com um choque elétrico me percorria da cabeça aos pés.

Quando eu tinha nove anos e ele doze, ganhei meu primeiro beijo de um garoto. Certo, foi um beijo na bochecha, em agradecimento aos dez centavos que eu tinha emprestado a ele para comprar chicletes, mas isso não me impediu de ouvir passarinhos assobiando My Heart Will Go On durante o resto daquela tarde ensolarada.

Porém, na memória em que estou agora, Leo não aparece pra se deitar comigo. Pelo contrário, Melissa sai da sala de aula bem depois do sino tocar e se joga na grama a apenas alguns metros de distância de nós. Enfim entendo que dia é esse.

— Foi quando meu melhor amigo morreu — digo a Will, baixinho, e ele assente sem dizer nada. — Ele teve leucemia, e descobriram tarde demais. Gostaria de poder mudar isso...

Ele me olha com uma expressão que identifico como pura pena. Ou talvez seja compaixão. Bom, às vezes é difícil entender o que se passa na sua cabeça, ele pode até estar com dor de barriga.

— Mesmo se mudasse isso aqui, não ia fazer diferença na realidade — diz, mordendo o lábio em seguida. — Eu sinto muito.

Balanço a cabeça e consigo dar um leve sorriso, subitamente pensando em como não reparei nas camisas de manga comprida dele. Em todas as vezes que o vi até agora (foram poucas, mas isso continua peculiar), usava mangas compridas. Infelizmente, não tenho coragem de perguntar o porquê.

— Ei, tudo bem? — Pergunta uma linda moça que senta ao lado de Lis. Reconheço-a como minha professora do quarto ano, Paula. Ela foi a melhor professora que já tive, quase uma mãe... Se preocupava com seus alunos como se fossem sua família, estava sempre interessada em tudo que acontecia com eles e fazia com que fossem crianças boas. Ah, eu gostava demais dela, da sua pele negra e seus traços delicados, tendo quase quarenta anos e aparentando vinte. — Não fique assim, meu anjo — ela acaricia os cabelos de Lis, que começa a chorar. Isso aconteceu cerca de uma semana depois que Leo não acordou de manhã para ir pra escola, nem nunca mais. — Às vezes, pessoas partem de nossas vidas, pra um lugar melhor que esse. Se ele te visse agora, o que diria?

— Pare de chorar, sua boboca — responde, dando uma leve risada ao tentar imitar a voz do nosso amigo. — Coma uma coxinha e tudo vai ficar bem! — Dessa vez ela ri de verdade, e não deixo de sorrir com isso, porque é uma boa lembrança apesar de tudo. — Leo amava coxinhas. A frase dele era "Já viu alguém triste comendo coxinha?" — ela ri ainda mais alto, e puxo Will pra sentar comigo no degrau do pátio. Quero muito ver como vai terminar.

— Oh, querida — Paula ri, e seus cabelos encaracolados se agitam. — Ele pode estar olhando pra você agora, do céu.

— Isso é meio impossível — Will cochicha no meu ouvido. — Pessoas mortas não podem ver as vivas.

— Mas você me mostrou o Rafa — cochicho de volta.

— Mas eu sou um ceifeiro. Tenho alguns privilégios — sorri, e eu o acompanho. — Por que estamos sussurrando?

— Você que começou — empurro de leve seu ombro, e algo mirabolante me vem à cabeça. — Ei... Você pode me mostrar como estão eles?

Will morde o lábio inferior com força e fecha os olhos, imagino que esteja pensando se faz ou não o que eu pedi. Acho que ele vai dizer que não pode e ir embora de novo.

— Eu vou me ferrar muito se descobrirem — ele pega seu celular e liga, soltando uma risadinha. — Que emocionante.

Rio também, e sinto um enorme desejo de abraçá-lo quando ele me encara por uma pequena eternidade, mas apenas fico sorrindo como uma boba. Ele abre um aplicativo cujo nome não consigo ler, e digita "Rafael Oliviera" numa barra de pesquisa. Nem vou perguntar como ele sabe o nome do meu irmão.

O rosto de Rafa aparece sorridente na tela, o que faz meu peito ficar oito quilos e seiscentos gramas mais leve, por conta do alívio. Ver esse sorriso me diz que as coisas vão realmente dar certo.

Então, Will afasta a imagem e Rafa aparece sentado em um banco na praça (que parece com a praça na frente do hospital) com seu violão no colo, enquanto alguém agita papéis na sua frente e ele cai na gargalhada.

— Quem é a pessoa com ele? — Pergunto. Só posso ver suas mãos, e ainda assim estão borradas.

— Sinto muito, não dá pra afastar mais que isso. Só dá pra ver seu irmão. Sem som, só imagem — ele dá de ombros, se desculpando, e logo depois digita "Cibele Menezes" na barra de pesquisa.

— Como sabia? — Arregalo os olhos. Ou ele é um stalker psicopata muito bom, ou lê mentes.

— É sua melhor amiga, não é? — Ri ele. — Como eu disse, sei muito sobre você.

Acho que meu coração devia ficar gelado agora, mas isso estranhamente não acontece. Estou me acostumando com a ideia de Will saber mais sobre mim do que eu mesma.

— Certo, me deixe ver — peço quando ele encara a tela com uma expressão confusa, e espio o celular pra saber o que tem ali. Cibele também aparece rindo, agitando um monte de papéis na frente de outro rapaz, cuja imagem está embaçada. Ela está de pé em frente ao banco no qual ele está sentado, na praça.

Na praça em frente ao hospital. Cibele e Rafa estão juntos!

— Eles não se suportam! — Digo, ainda pensando se devo acreditar. Meus olhos estão vendo, mas meu cérebro duvida. — Bom... não se suportavam — o pensamento dos meus dois melhores amigos no mundo se dando bem me faz abrir um sorriso grande o suficiente para as bochechas doerem.

— Devem ter passado muito tempo juntos desde o acidente — sorri Will.

— Uma vez estávamos juntas e ele perguntou sobre um filme de terror que podia assistir — chego a rir com a lembrança. — Cibele disse "O Reflexo". Rafa quis saber onde ele podia ver e ela respondeu pra procurar no espelho. Acho que nunca ri tanto na vida.

Ele ri também e parece querer dizer algo no exato momento em que seu celular toca.

— Ops, mais trabalho — diz, conferindo as mensagens e levantando. Ok, eu admito que espiei e quem mandou foi o Traste. — Você se vira por aqui?

Assinto, e meu olhar para em suas mangas compridas, mas ainda assim não digo nada.

— Você tem sobrenome? — Pergunto em vez disso. A ideia de que Will teve uma vida antes de tudo isso, provavelmente muito antes, ainda me é estranha.

Um pequeno sorriso escapa do canto de seus lábios, o suficiente pra exibir a covinha.

— Tenho — responde. — Mas não vou te contar!

E, assim que pisco, ele não está mais lá, outra vez.

— Por que é que você está me ajudando, William? — Minha pergunta fica pairando no ar, mas sua resposta não vem.

Onde ele morava, e quando? Tinha família? Ele aparenta não ter mais que dezoito ou dezenove anos, mas quantos será que tem na realidade? Por quê as malditas mangas compridas, é um tipo de uniforme? Só quero ter alguém que me responda todas essas perguntas.

Levanto, observando tudo à volta, tentando encontrar o que está errado. Nenhum detalhe vai escapar dos meus olhos, me chame de Sherlock Oliviera. Talvez eu esteja ficando boa nisso!

Ninguém se incomoda com a adolescente vagando em meio às crianças, devem achar que estou fazendo estágio para inspetora ou algo assim. É bem comum ver pessoas da minha idade fazendo isso em escolas para ganhar um dinheiro extra.

Caminho pelo pátio, observando as paredes e o piso de ladrilhos amarelos onde Leo e eu brincávamos de Dorothy e o Mágico de Oz. Nada parece errado aqui, e tento puxar minhas memórias mais antigas do fundo da mente para não perder nada daquele lugar. Até os rostos das crianças são vagamente familiares, mas é óbvio que nenhum deles vai me reconhecer; estou quinze centímetros mais alta e vinte centímetros mais magra. Droga, espero que não reconheçam... Seria bizarro. Algumas crianças menores me pedem pra abrir o refrigerante delas ou pra furar a caixinha de suco, então presumo que meu disfarce funcionou.

A cada minuto que passo aqui, pelas minhas contas, doze minutos se passam no mundo onde Rafa e Cibele estão conversando como pessoas civilizadas, até rindo e brincando juntos, onde minha mãe deve estar se descabelando e meu pai provavelmente nem quer mais comer. Quero tanto voltar pra eles...

Acabo me perdendo em pensamentos por um instante, e nem percebo a pessoa na minha frente até que ela bata em mim. Murmuro um pedido de desculpas e ergo o olhar para encontrar o dela.

— Desculpe, meu anjo — a professora Paula sorri pra mim, mostrando seus dentes perfeitamente brancos e alinhados, que eu levei três anos usando aparelho pra conseguir igual, e o brilho de ternura nos olhos. Que irônico, penso. Meu anjo.

— Não tem problema, eu não estava prestando atenção — sorrio de volta, e ela fica me encarando por um momento antes de falar de novo.

— Lis, é você? — Arregalo os olhos. Como ela pode ter me reconhecido?

Um flash de memória atravessa minha mente. A professora Paula morreu três anos depois de eu sair da escola, de uma doença que nunca descobriram qual era. Será possível que ela esteja aqui? Pelo jeito, sim, já que ela me reconheceu.

— Sou eu... — digo, baixinho, e sorriso fica triste.

— É bom te ver por aqui, meu anjo — ela estende sua mão e brinca com meus cabelos. — Mas não tão cedo — completa, puxando minha orelha de leve. — O que aconteceu?

Então eu conto a ela. Conto tudo, sem esquecer nenhum detalhe, e ela não se pronuncia enquanto não termino.

— E era isso — suspiro, no fim da história. Ela parece pensar um pouco sobre o assunto e, por fim, diz:

— Bom, você não pode ficar presa aqui.

— O quê? — Junto as sobrancelhas. Ela exibe um sorriso divertido, como se soubesse de algo que eu não sei. Dãã, claro que ela sabe.

— Depois de tanto tempo aqui, eu aprendi algumas coisas... — ela me puxa delicadamente pelo corredor da escola. — Dá pra fazer o que você quiser nesse lugar. Estar onde quiser, e quando quiser. Você até pode fazer nevar no Rio de Janeiro! — Paula coloca a mão sobre a maçaneta de uma porta que eu não tinha visto antes. Aliás, eu nunca vi essa porta, porque ela não estava lá. — Você vai pro próximo estado — termina, confiante.

— Estágio — corrijo, com uma risadinha, mas tudo isso perde o sentido quando, atrás da porta, vejo a familiar luz branca intensa que quase me deixa cega. — Você conseguiu mesmo!

Sem responder, ela me puxa pra um abraço.

— Cuide-se, meu anjo — se despede de mim com beijos nas duas bochechas, parecendo muito contente. — E boa sorte! Você consegue, eu sei disso. Sempre foi uma garota admirável.

— Obrigada... — aceno para ela e me viro, encarando a porta aberta à minha frente.

Vá para a luz, Melissa, meu cérebro ironiza. E, por incrível que pareça, dessa vez eu sigo suas instruções e dou mais um passo em direção à minha vida.


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Notas finais do capítulo

GENTE GENTE
Eu criei uma página pra Obscure Grace :3 Lá vou postar pôsteres, dreamcast, informações sobre os capítulos, curiosidades e muito mais!
Olhem lá :3
Link: https://m.facebook.com/Obscure-Grace-728859727213658/

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E era isso. Beijinhos ♡