Obscure Grace escrita por Ahelin


Capítulo 4
Capítulo 3


Notas iniciais do capítulo

Hey, pudim!
Como vão as coisas na Terra?
Perdoe a demora, por favor. Começaram minhas aulas e esse é o maior inferno para uma escritora :(
Nesse capítulo vocês vão saber um pouco mais sobre o Will, e talvez um pouco mais sobre o céu. Mas só um pouco, viu? Ainda tenho muito pra contar pra vocês. Então sentem, lá vem história.
Até lá embaixo o/



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É inacreditável o quanto um dia pode mudar toda a sua vida.

No meu caso, esse foi o meu aniversário de dez anos. Meus pais tinham gasto muito dinheiro em uma festa na piscina, alugando decorações da Barbie e balões em forma de coração para que tudo fosse perfeito! Mas, três dias antes do tão esperado momento, aconteceu algo que mudou meus planos para sempre.

Digamos que, na época, eu era uma bailarina "meia boca". Não muito ruim, mas também não muito boa. Tinha preguiça de fazer tudo direitinho, apesar de querer muito me tornar um destaque nas aulas. Tudo isso deu uma guinada fantástica por causa de apenas um segundo de descuido.

Rafael, ao se virar para ver minha alegria ao encontrar um real na rua, não percebeu o carro que se aproximava em alta velocidade. Foi inútil o motorista tentar freiar, e ele foi jogado no para-brisas com tal força que perdeu a consciência na mesma hora. Então, escorregando e caindo no chão enquanto os passageiros do carro estavam parados, em choque, ele acabou batendo a nuca em cima de um monte de cacos de vidro.

Seu médico disse que foi praticamente um milagre ele ter sobrevivido, e não teve nenhum trauma grave, apenas cortes e escoriações. Mesmo assim, não me deixaram ficar com ele porque eu só era uma criança.

Assim, no meu aniversário, ele implorou pros nossos pais deixarem que eu fosse vê-lo. Acredite, foi o melhor presente que já ganhei. Admito que fiquei com medo de chegar lá e ver meu irmão em pedaços (drama de criança é incrível), mas isso acabou no segundo em que parei na porta do quarto e os olhos azuis de Rafa sorriram pra mim juntamente com seus lábios.

— Ora, ora, ora — disse ele. — Olhem só quem está aqui, se não é Melissa Oliveira.

Fechei a cara na hora. Ele me chamou de Oliveira.

— Por acaso eu tenho cara de pé de azeitonas? — Reclamei, mas mesmo assim fui rapidamente me sentar com ele, que por sua vez se ajeitou na cama para me dar espaço.

Fiquei um pouco desconfortável, porque não sabia o que dizer. Ver meu irmão naquele estado me deixou muito triste, porque apesar de ninguém ter me dito isso, eu sabia que a culpa era toda minha. Acho que ele percebeu, adivinhando meus pensamentos como se fôssemos um par de gêmeos, porque sentou direito e deu outro daqueles seus sorrisos gentis e calorosos.

— Lis... Eu posso te pedir uma coisa?

Arregalei os olhos, surpresa. Rafael nunca me pedia nada, nem que fosse pra passar o sal na mesa do jantar. Na verdade, ele nunca pedia nada pra ninguém. Hoje, depois de tantos anos, percebo o quanto ele queria demonstrar ser independente e como isso o fazia se sentir sozinho às vezes.

Me deixando boquiaberta, ele simplesmente se levantou, desvencilhando o corpo dos lençóis e ficando de pé no meio do quarto. A visão daquele corpo magricela, que o fazia parecer muito mais novo do que realmente era, vestindo uma daquelas camisolas de hospital me deu uma vontade enorme de rir. E, claro, foi o que eu fiz: gargalhei histericamente por tanto tempo que a minha barriga doeu.

— Ei, é sério! — Rafa disse, fazendo biquinho.

Me levantei também, indo pra perto dele.

— O que é? — Perguntei, inclinando a cabeça sem nem tentar fingir que não estava curiosa.

— Você me ensina a dançar? — Ele corou. Rafael Augusto Oliviera corou. — É que, sabe, você dança tão bem, e tem uma menina que eu gosto, e ela...

— Fique quieto! — Falei, subitamente feliz. Lá estava meu irmão, o garoto mais orgulhoso que eu conhecia, me pedindo para ensiná-lo a dançar.

Com mais orgulho do que podia caber em mim, ensinei-o a fazer passos simples que sempre praticava nas aulas, e até arrisquei a dançar junto com ele (mesmo que eu tenha pisado mais em seus pés do que ele nos meus).

Meu irmão mais velho queria a minha ajuda pra impressionar alguém, porque achava que eu o impressionava. Foi nesse dia que decidi, de uma vez por todas, que seria uma bailarina de verdade. Esse dia me levou a ser tudo que sou hoje.

É, Will realmente não estava brincando quando disse "momentos importantes pra tornar você, quem você é". E, agora, estou parada encarando o que parece ser a prova de que eu estraguei tudo isso. Giro a moeda entre o indicador e o polegar, olhando atentamente para ela. Eu sei de cor tudo o que aconteceu nesse dia, mas agora isso mudou. Pra onde é que eles iam mesmo?

Pra sorveteria. Isso.

Sigo pelo caminho que devo ter trilhado mil duzentas e quarenta e nove vezes até a sorveteria do seu Obiderlan. Sim, esse é o nome dele. Obiderlan.

Quando chego, Rafa e Lis estão sentados nas cadeiras grandes em frente ao balcão, tomando dois milkshakes de chocolate com morango. Na época eu comia qualquer porcaria! Não vou fingir que não gosto de sentar nelas até hoje e que não tenho vontade de voltar a comer as porcarias...

Autocontrole, Lis. Paz interior.

Entro sorrateiramente, me esgueirando na direção do banheiro de modo que não me vejam.

Paro na frente do espelho, e não posso deixar de me conferir assim. Os cachos negros estão mais desarrumados e rebeldes do que eu lembrava, mas eu pareço estranhamente... Não sei que palavra usar. Talvez radiante seja a correta. Tudo em mim parece brilhar como o sol, e até estar mais colorido que o normal.

É como se fosse o quarto dia do meu ciclo. Ah, mulheres entenderão a referência.

Nada aqui me parece diferente ou fora do lugar. Imagino que a saída seja algo fora de seu lugar no ambiente, e não no que acontece nele. Como um fio solto no tapete. Tento até mesmo roçar os dedos dos pés no carpete do corredor , porém não tenho sorte.

Volto para perto da porta, de onde posso ouvir o que eles disserem, e me sento em uma das mesas que está de frente para a janela. Uma moça ruiva vem me atender, e ela me faz lembrar de Cibele, com seu sorriso divertido e as bochechas rosadas. Ia ser legal tê-la comigo.

Peço um capuccino com todo o chocolate a que tenho direito e uma bomba de cereja com brigadeiro. Sério, eu já morri, o que pode acontecer de pior?

Por anos a fio, me preocupei com o que as garotas na escola achavam de mim. Então, sendo vencida por tudo isso, comecei uma rotina incansável de exercícios e aulas avançadas de ballet, e isso continuou até que eu estivesse satisfeita me olhando no espelho apenas de biquíni. Não entendam do jeito errado, não fiquei com um corpo escultural. Meus pneuzinhos ainda dão olá toda vez que me sento ou me inclino pra frente, mas agora tenho uma coisa que não tinha antes.

Descobri que gosto do meu corpo assim. Estou realmente feliz.

— Seu Obiderlan — Rafa chama o senhor de idade que está lendo uma revista em quadrinhos por cima dos óculos de tartaruga, me tirando dos meus devaneios. Com o braço esquerdo, que abaixo do cotovelo é apenas uma prótese muito realista substituindo a parte que ele perdeu em um acidente, ele vira as páginas completamente concentrado. — Obider-wan Kenobi? — Meu irmão tenta de novo, ao que o velho sorri e ergue a cabeça para encará-los.

Esse é o apelido carinhoso que demos a ele, em homenagem a Obi-wan Kenobi, de Star Wars. Sim, eu sou muito nerd desde sempre.

— Não mereço esse apelido — diz ele, se aproximando de nós com um sorriso amável brotando em seu rosto. — Obi-wan tinha os dois braços.

— Na verdade, Darth Vader arrancou o braço dele no segundo episódio — Lis diz, largando o canudinho só pra dizer isso, e recebe uma cotovelada do Rafa.

— Não era pra contar pra ele! — Ri, ficando levemente vermelho.

— Ah, seus pestinhas! — Seu Obiderlan solta uma gargalhada. — Então é por isso que me chamam assim? Achei que fosse por causa do meu nome.

— É por causa do seu nome, também — ela retruca, e Rafa lhe dá outra cotovelada.

— Será que você não sabe calar a boca? — Mas ele está rindo, e não com sua expressão zangada.

Os dois pagam, depois de terminar de beber, e vão se encaminhando para a entrada da sorveteria. Minha vontade é de pular em algum arbusto para que não me vejam, mas acho que não seria muito natural, além do fato de que alguém ia me prender por sair sem pagar. Estar morta já é ruim o suficiente, ainda vou pra cadeia?

Eles passam. Sorria e acene, Lis, sorria e acene.

Rafa me vê ali e acena, parecendo feliz. Meu modelo mais jovem faz o mesmo. Depois de meio segundo parados assim, ambos se viram e vão embora correndo.

Estou sozinha de novo, e não faço ideia de como sair daqui.

— Está com problemas? — Dou um pulo de susto e quase caio da cadeira ao ouvir a voz de alguém atrás de mim, me virando pra encontrar Will.

— Estou — suspiro. — O que aconteceria se eu, hipoteticamente, tivesse mudado uma coisa muito importante pro meu futuro?

Ele senta na cadeira à minha frente, observando a bomba e a enorme xícara de café em minhas mãos, mas não faz nenhum comentário irônico como eu esperava que fizesse.

— Então, hipoteticamente, você teria ferrado com tudo — ele diz. — Não ia mudar nada no mundo real, mas ficaria trilhões de vezes mais difícil sair daqui.

Dou um tapa na minha própria testa.

— Merda! — Xingo, pensando no que eu vou fazer da minha vi... Uh, sei lá.

— Ué, mas não era uma situação hipotética? — Will ergue uma sobrancelha, irônico. Ahá! Eu estava esperando por isso.

— Foi um tapa hipotético — retruco, e ele começa a rir. O som parece com o de uma foca engasgada, o tipo de risada que te faz querer rir junto. Incrivelmente, comecei a achá-lo mais legal depois disso. Era como se o tornasse mais normal, não um príncipe. — E ei, por que voltou tão rápido?

— Cinco minutos aqui equivalem a uma hora no mundo lá fora — ele responde, e deixa um dinheiro em cima da mesa ao ver que acabei de comer. — Quanto custa isso?

— Onze — respondo, e foi mais difícil do que eu imaginava fazer essa conta.

— Falta um real — ele começa a vasculhar os bolsos.

— Não seja por isso — sorrio, triunfante, e coloco minha moeda em cima da mesa. Ele me encara com uma expressão confusa, mas não manifesta sua opinião.

Assim, saímos da sorveteria em silêncio. Apenas o acompanho, sem saber onde ele quer ir.

— Eu sou de humanas — rio, depois de um tempo em silêncio, e ele me encara fixamente por apenas um segundo. — Cinco minutos equivalem a uma hora, certo?

— Um dia aqui equivale a doze dias lá — diz, por fim. — É por isso que chamam de eternidade. Mas você precisa voltar rápido. Seu corpo está saudável e vazio, sabe o que significa isso? — Pergunta ele, ao que balanço a cabeça negativamente. — Significa que qualquer um que chegue antes de você pode ocupá-lo.

Arregalo os olhos, assustada.

— Quem ia querer fazer uma coisa dessas?

Will dá de ombros.

— Anjos ou ceifeiros insatisfeitos, ou mesmo uma outra alma como você.

— Os anjos não são felizes, Will? — Quando ele ouve isso, fica novamente com a expressão triste. — Você também não é feliz?

— Digamos que eu não escolhi meu emprego dos sonhos — ele explica, vagamente. — É um pouco mais complicado do que parece. Os anjos não nascem, eles simplesmente... Existem. Quanto a nós, estamos aqui fazendo o trabalho de colheita por algum motivo — seu olhar se torna distante, como se ele falasse para algo além de mim. — Mortais que cometeram algum crime imperdoável.

— Como o quê? — Junto as sobrancelhas, no que meu pai chamaria de "cara pensativa".

— Tentar escapar.

Demoro um segundo para entender o que ele diz, e depois desejo não ter entendido. Dói pensar nele sendo encontrado pelos anjos, apenas um homem como eu que não conseguiu sair porque estava sozinho. Não digo nada pelo simples fato de não saber o que dizer.

Então eu bocejo, subitamente com sono. É fim de tarde, e eu só quero uma cama para poder fechar os olhos e fingir que isso não é verdade por alguns minutos.

Do nada, ele para e entra em uma casa aparentemente aleatória.

— Entra, você vai poder dormir — diz, abrindo a porta com toda a confiança e adentrando a sala, como se fosse a casa dele. — Você não devia ter sono, claro, mas isso tudo é feito pra parecer real — ele se vira, me observando parada aqui fora, e abre um sorriso debochado. — Melissa, vem logo. Sempre tem uma casa vazia.

Entro, imaginando se vai sair uma velhinha de um dos quartos e me expulsar à base de vassouradas. Felizmente, isso não acontece.

Encontro um quarto que parece confortável e ajeito a cama, na qual me sento timidamente. Will para na porta do cômodo, indeciso sobre entrar comigo ou não, e isso me faz imaginar quantos anos ele tem.

— Eu ainda posso sair daqui? — Pergunto, com cuidado.

— Pode — é a resposta, que me faz suspirar de alívio. — Talvez a história tenha mudado, mas não o universo. Amanhã você pode ir ao lugar no qual estaria se não tivesse mexido com tudo.

Assinto, em silêncio, e Will me lança um sorriso mínimo antes de se virar pra ir embora.

— Ei — chamo, observando o cabelo cacheado e rebelde dele se mexer quando vira o rosto para saber o que quero. — E você? Ainda pode voltar?

Percebo seus ombros ficando tensos, e ele fica de costas novamente. Tenho a impressão de que é pra que eu não possa ver o que se passa em seu rosto.

— Não com vida — diz ele, por fim, e no segundo seguinte não está mais lá. Estou de novo por minha conta.


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Notas finais do capítulo

E então, gostaram? O que acharam dessa revelação do Will?
Ah, esse céu... Acham que a Lis realmente estragou tudo?
Comentem o que acharam, vou buscar sempre melhorar :3
E era isso. Beijinhos ♡