Obscure Grace escrita por Ahelin


Capítulo 28
Epílogo




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Plié. Relevé, arabesque. Aponta esse pé! Deturné, pasé. Primeira posição, segunda posição, grand plié. Um último salto, queda sem fazer barulho. O equilíbrio é essencial. Mais um giro, tem que ser perfeito.

A música alta invade meu corpo e o leva da forma que quer, como se eu nadasse no mar ao sabor das ondas. A sensação é indescritível. Cada célula minha se move junto com o som dos violinos, pegando carona na melodia, o coração batendo ao mesmo tempo e na mesma intensidade que os tambores. Há um floreio inesperado antes do silêncio, que me faz improvisar uma pirueta. Não estava na coreografia, mas, dane-se, ficou bom. Ajoelho, à medida que o violoncelo dá seu sussurro final, e termino na posição inicial. Joelho no chão, braços para cima, ponta no pé. Silêncio.

Um lampejo atravessa minha mente e me lembro de ter dançado no Truféu Vaudeville. Parte de mi m ainda grita que aquilo não foi um sonho, afinal naquele dia meu peito palpitava de uma forma tão real quanto agora.

Levanto para o agradecimento e faço uma lenta reverência. As oito pessoas sentadas à mesa de jurados, bem perto do palco, estão impassíveis. Nenhum sorriso, nenhum traço de aprovação — nem desaprovação. Eu, por outro lado, estou plenamente satisfeita com o espetáculo.

O primeiro homem da fila de cadeiras demora um segundo para pegar sua caneta.

— Muito bem, Melissa — elogia. Odeio quando me chamam pelo nome, não por um apelido. É quase como se a pessoa estivesse brava comigo por alguma razão. — Peço que nos dê licença, vamos nos unir e discutir sua apresentação. Ligaremos amanhã cedo com a resposta.

Os outros assentem, submissos. Esse deve ser o chefão.

— Certo — concordo. — Muito obrigada!

Enquanto eles saem do auditório, me sento na beira do palco para tirar as sapatilhas de ponta. Ah, olha só, um novo calo. Olá, calo! Meus All Star — agora bem surrados — descansam no chão, bem perto. Alcanço um dos pés e calço, depois o outro.

Assim que amarro os cadarços e fico de pé (me sinto andando sobre uma nuvem), um Rafael sorridente vem me cumprimentar.

— Você arrasou! — grita ele, provocando um eco inacreditável no ambiente. — Primeiro foi, tipo, uau, e depois giros, saltos, aquele negócio lá com as pernas...

— Uma abertura? — Dou risada. Ele está incrivelmente animado.

— Não tenho nem ideia. Vou ter que passar o vídeo em câmera lenta pra entender tudo que você fez mais tarde. — Ao dizer isso, ele ergue triunfante seu celular novinho, onde provavelmente filmou tudo.

— Acha mesmo que foi bom? — pergunto. Ele pega minha mochila do chão antes de responder.

— Bom? Não, Lis. Foi sensacional. Pena que o pai e a mãe não puderam vir, eles iam adorar.

Sorrio. A voz dele está transbordando orgulho e ouvi-lo assim é a melhor sensação do mundo.

— Obrigada, Rafa. — Abraço-o com toda a força que tenho e ele finge que engasga.

— Também te amo, mas acho melhor a gente voltar. É um longo caminho se quisermos almoçar no seu Obiderlan.

Não acho que um sorvete/café/bombom/seja lá o que for de gorduroso que ele vai pedir conta como almoço, mas nós dois merecemos isso, então deixo o comentário pra outra hora. Apenas concordo com a cabeça e o sigo para o estacionamento. Um arrepio percorre meu corpo quando toco na maçaneta do carro, mas passa em pouco tempo. Nas primeiras semanas, eu tinha um ataque de nervos toda vez que imaginava andar de carro de novo. Isso derrubava meu irmão. Sei que ele não teve culpa, mas não tenho certeza de que ele também saiba disso. Coragem, Lis, vai dar tudo certo.

— Ei, sabe quem mais ia ter orgulho de você? — pergunta ele depois de um tempo, quando já estamos na estrada. Espero pela resposta, que vem acompanhada de um sorriso maroto. — O Will!

Rio e suspiro ao mesmo tempo. Meu irmão está me shippando com alguém que pode nem existir.

— Será que teria? — Olho pra janela, talvez assim ele não note que fiquei um pouco triste.

*

— Aposto que você não ganha de mim! — Rafa sai do carro em disparada assim que tira a chave do contato. Quem vê algo assim pode com certeza afirmar que somos crianças de oito anos de idade, sem contar o fato de que ele estava dirigindo.

— Ah, tenho certeza que não ganho...  — Um único quarteirão nos separa do nosso destino, então nem me preocupo em correr; ele simplesmente não consegue ir rápido até lá. Mal dá conta de lavar a louça sem ficar ofegante! Ele é uma espécie desconhecida de animal preguiçoso que deveria ser estudado.

Minha previsão se completa quando meu irmão chega à metade do caminho e se apoia em seus joelhos, resporando pesadamente. Agora é minha vez. Levanto e vou até ele com toda a calma do mundo.

— Não é justo — reclama, fazendo bico depois que o alcanço. Ironicamente, eu devo ser duas vezes mais gorda que ele. Universo, pare de pregar peças em nós. — Eu sou sedentário.

— Então não devia apostar corridas, meu caro — brinco. — Volta lá pro carro, eu levo algo cheio de calorias pra você.

Rafa ergue os ombros e dá meia-volta, marchando (dessa vez devagar como uma tartaruga) até o confortável assento de motorista.

Obider-Wan Kenobi junta as mãos — ou a mão e a prótese — e se curva para mim quando me aproximo de seu balcão. Faço o mesmo. É nosso cumprimento jedi.

— O que vai ser hoje, Liske? — graceja ele, ao que respondo com uma risada gostosa. Não tenho certeza se Luke Skywalker gostaria de ser comparado a mim.

— Pra mim, o de sempre — peço, debruçando no balcão. — Só café preto. Pro Rafa, pode colocar umas vinte e nove colheres de açúcar e chantily, do jeitinho que ele gosta. Ainda não sei por que ele simplesmente não pega uma barra de chocolate e enfia no...

— Ei — sensura ele, antes que eu termine a frase, mas está rindo. O sorveteiro se vira e volta alguns minutos depois com meu pedido. — Que tal uma rosquinha? — oferece, com uma piscadela marota. — Para o seu irmão, é claro.

— Duas — concordo. — Hoje eu vou realmente levar uma rosquinha pra ele. Obrigada, Obider-Wan! — Sorrio e pago a compra. O velho me cumprimenta outra vez antes que eu saia. Adoro vir aqui.

Meu celular vibra no bolso de trás e começo a fazer alguns malabarismos para tentar pegá-lo. Com um café em cada mão e duas rosquinhas dentro de suas devidas embalagens de isopor equilibradas em cima dos copos, é uma tarefa bem difícil. Preciso segurar um dos copos entre o antebraço e o corpo pra ter alguma chance.

Estou tão concentrada na tarefa que o homem que acabou de esbarrar em mim poderia ter derrubado café quente em nós dois. Se fosse um centímetro para a esquerda, poderia ter desequilibrado as rosquinhas em suas embalagens de isopor. Talvez isso desse oportunidade para ele pegar as duas, num reflexo surpreendente. Depois olharíamos nos olhos um do outro, como num desenho da Disney em que eu sou a princesa e ele é o príncipe encantado, trocaríamos um olhar repleto de juras de amor e então...

Seria um perfeito cliché. Felizmente, nenhuma dessas coisas acontece. Sou rápida o suficiente para afastar minha comida do ponto de impacto, deixando-a sã e salva.

— Desculpa! — pede ele, visivelmente arrependido. Identifico um certo sotaque estrangeiro e fofo, mas não tenho nem ideia de sua origem.

— Tudo bem — murmuro. Minha voz quase não sai porque estou ocupada demais olhando para seus olhos.

   Não são como os de Rafael; tão claros quanto a água de uma piscina. Os do cara misterioso são azuis escuros como o céu noturno. Se eu procurasse bem, tenho certeza que veria estrelas brilhando neles.

— Tá tudo bem mesmo? — Ele ri. — Parece que você tá voando um pouco. Derrubei suas coisas?

William não dá nenhum sinal de me reconhecer. Tenho vontade de sacudi-lo e gritar como uma louca até ele lembrar.

— Tá tudo certo — respondo, ainda um pouco perdida no rosto dele. — É você mesmo, Will? — Talvez ele esteja só brincando.

— Desculpa, não sei se nos conhecemos — diz, começando a parecer um pouco ansioso. Ah, merda.

Então é isso. Ele está aqui e não faz ideia de quem eu sou. Quais são as chances de isso acontecer? Volto a analisar as duas teorias de Rafa:

a) nada aconteceu, foi só coisa da minha cabeça. Tudo aquilo. Devo ter visto alguma foto dele no Facebook aleatoriamente, naquelas sujestões malucas de pessoas do outro lado do mundo que “você talvez conheça” só porque ambos curtem a página da Nike e guardado a lembrança, afinal o rosto dele é bem recordável. Só um crush-relâmpago, como a Cibele chama. “Olha, que cara lindo” e, cinco minutes depois, é como se ele nem existisse mais.

b) tudo aquilo foi de verdade e os anjos querem que eu esqueça e desacredite.

Qual das duas está certa? Não sei. No momento, a primeira me parece mais provável. É quase como se a minha favorita fosse só um sonho distante do qual terei que acordar em breve.

— Devo ter te confundido, perdão. — Dou meu melhor sorriso de "vamos fingir que nada aconteceu" e, sentindo um vazio que não dá pra explicar, sigo em direção ao carro. O café vai esfriar e meu irmão está morrendo de fome. Talvez eu precise parar de criar fantasias.

— Moça, espera! — Sinto alguém segurar meu ombro, e dessa vez as coisas quase caem. Me viro de volta para encarar um Will com a expressão mais confusa que já vi na vida. — Você vai achar esquisito.

— Já vi muita coisa esquisita — brinco, ainda um pouco triste.

— Eu tenho uma coisa pra te falar... — recomeça, lentamente. — Não sei por que, é só algo que me veio à cabeça agora.

— Pode falar. — Presto atenção nele, acho que para guardar suas feições. Está um pouco vermelho.

— É que seus olhos são bonitos. Eles têm cor de brigadeiro.

Abro a boca e fecho, depois faço outra vez, sem saber o que dizer em seguida. Seria muita coincidência que tantas coisas se encaixassem dessa forma. Isso é exatamente o que ele supôs que me diria se um dia nos encontrássemos na rua como duas pessoas normais. Vivas.

Essa simples frase me enche de esperança outra vez. Talvez seja possível…

Preciso dizer algo inteligente. Algo que não faça ele sumir outra vez.

— Obrigada — respond, depois do que pode ter sido uma pausa longa demais. — Talvez você queira sair e comer brigadeiro comigo qualquer dia desses. — Ah, meus parabéns, chama o cara pra sair. Assim mesmo, na lata. Eu consigo ser bem boba sem nem fazer muito esforço.

— Seria muito legal. Eu sou Liam — sorri ele. Comemoro secretamente, porque gosto muito mais de Liam do que de Will, se é que isso faz algum sentido. — Quer dizer, William, mas o apelido é... Você entendeu. Pode me chamar como quiser.

Ele parece nervoso e fica tocando as pontas dos dedos disfarçadamente. É tão fofo que tenho vontade de rir. Ele não mostra mais toda aquela frieza de antes.

— Sou Lis. Que tal me dar seu número pra gente combinar isso mais tarde? — Já que eu comecei, tenho que terminar direito. Não dá pra marcar um encontro sem pedir o contato dele.

Sinto um frio na barriga que não parece querer me abandonar tão cedo. Será que estou fazendo o certo? Tudo isso que eu disse até agora se parece muito com algo que Cibele diria. Só tenho medo de a qualquer hora não saber mais o que dizer e ficar encarando ele como uma tonta. Ah, espera, fiz isso há dois minutes.

Ele assente e abre um enorme sorriso, revelando uma apaixonante covinha na bochecha. Só então me dou conta de que ainda estou com os cafés. Peço licença para deixar tudo no carro com Rafa, e ele está me encarando com aquela famigerada expressão satisfeita de ‘eu vi isso’ enquanto me observa descaradamente.

— Eu te disse — ri ele. — Tô observando vocês dois descaradamente.

Exatamente o que eu imaginei. Irmãos são tão previsíveis.

— Você é terrível, Rafael — debocho. Ele está com uma cara estranha. — Conhece ele?

— O nome é William e ele faz intercâmbio na minha faculdade — conta ele. — Algum país chique. Cursa Estudos Sociais, eu acho. Pode me chamar de jornal de fofocas. Disponha. Agora já pode voltar a dar em cima dele.

Quase tenho um ataque. Acho que ele percebe, porque assopra meu rosto como se eu fosse um gato.

— Rafa, como você não me contou isso? — Reclamo. Ele vai demorar muito a entender?

— Eu deveria te avisar sobre cada homem que aparece na cidade? — Ele ergue as sobrancelhas. É, vai demorar pra entender. Anoto mentalmente que preciso explicar com cuidado os detalhes da história pra ele.

Ou posso guardar segredo e preservar a magia de tudo isso que está acontecendo.

Quando volto, Will está esperando no mesmo lugar.

— Me empresta o celular? — pergunta. Tiro do bolso e entrego a ele, percebendo a idiotice do gesto só depois de já ter feito. Foi quase automático. E se ele largar correndo com o meu celular na mão?

— Dezessete doze — instruo quando ele se depara com a tela da senha. O dia do acidente. Acabei de dar meu celular e a senha para um estranho. Melissa, sua idiota.

— Obrigado. — Seus dedos percorrem o teclado numérico por alguns segundos e ele me entrega de volta, para o meu alívio. Então ele não é um ladrãozinho qualquer. Depois, tira o próprio celular do bolso. Para a minha surpresa, é o mesmo iPhone. — Pode me dar o seu?

Ele me entrega e desbloqueio com facilidade, porque não tem senha. Anoto meu número com o simples "Lis". Não demora muito para ele se despedir e seguirmos cada qual o seu caminho. O tempo todo, não consigo parar de sorrir.

Meu irmão não faz nenhuma pergunta, só fica com um daqueles sorrisos irritantes dele enquanto dirige. Não me incomodo; também estou com meu melhor sorriso irritante. Nenhum de nós precisa dizer uma palavra até chegarmos, os olhares abobalhados que ele percebe em mim já confessam o suficiente.

Mal chego em casa e meu celular vibra. Nem preciso ler o nome na tela para saber quem é.

— Ah, oi — diz a voz que ouvi dez minutos atrás. — Só queria ter certeza de que a moça bonita da sorveteria me deu o número certo.

Ele pronuncia "sorveteria" de um jeito engraçado. Posso facilmente me acostumar a esse sotaque.

Sorrio na hora enquanto algo no meu peito se aquece. Nada mais falta. Talvez tudo possa dar certo.

Quem sabe?


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Notas finais do capítulo

Hey, pudim!
Como é que vão as coisas na Terra?
Sim, eu migrei pra notas finais haha mas isso é porque eu trago diretamente de Júpiter...
AGRADECIMENTOS
Antes de mais nada, obrigada por estar aqui. Só ter lido a minha história já te faz um grande amigo meu. Você, pudinzinho, compartilhou comigo alguns dos meus pensamentos, minhas ideias, meus momentos... Acho que, de alguma forma, te mostrei um pouquinho de como funciona minha cabeça confusa. Você me arrancou vários sorrisos em horas difíceis quando elogiou as coisas que eu faço ou quando me deu apoio pra melhorar, me deixou orgulhosa de mim mesma e me fez crescer, e isso não tem preço.
Se eu for citar aqui o nome de todo mundo que me ajudou nesse caminho, vai dar outra fic hahaha são muitas pessoas e tenho medo de esquecer de alguém... Simplesmente saiba que eu te amo por estar aqui.
Um obrigada muito especial a Vick, Leeh, Sr.Pacman, Stella, João Pedro, Mel, Lira Pevensie, Gabriel, Biel, Maria Clara, Akhanta, TayGeek, Ju, Ana Coelho, Maria Eduarda, Conor Hawke, e Giovanni (O CARA DA FOTO DO CACHORRINHO). Vou colar uma estrelinha na testa de vocês.
Pode aguardar aí que ainda tem spin-offs sobre vários personagens! Entre eles (SPOILER): o que aconteceu com a Liv, com a mãe do Will e com o Rafa enquanto ele tava no quarto com a Lis!
Se quiser ser avisado quando eu postar, comenta aqui ou me manda uma MP, que eu te contato :3
Me sinto feliz e triste ao mesmo tempo, mas a história da nossa Oliviera ainda não chegou ao fim. Tenho várias surpresas pra vocês ainda...
Acabei tendo vários problemas com a câmera e não saiu o Mare Responde do jeito que eu queria, mas me adiciona no Facebook que eventualmente ele vai sair.
Gostaria de coração que você me dissesse o que achou da história. Eu não mordo, juro haha obrigada por fazer parte desse pedacinho tão especial da minha vida. Sentirei sua falta!
Tô chorando um pouquinho, mas vai passar :’)

E era isso.
Beijinhos ♡

— Mare di Stelle



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