Obscure Grace escrita por Ahelin


Capítulo 1
Parte I — Prólogo


Notas iniciais do capítulo

Hey, pudim!
Como vão as coisas na Terra?
Primeiramente, obrigada por dar uma chance à minha fic.
Segundamente (ao inferno o português), espero que goste.
Até lá embaixo!



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Plié. Relevé, arabesque. Aponta esse pé! Deturné, pasé. Primeira posição, segunda posição, grand plié.

Essas são as palavras que a professora Mirela grita sem parar pra respirar. Minhas panturrilhas queimam, mas faço cada um dos exercícios que ela manda.

Tenho certeza de que meu dia será ótimo. Vou ver minha família, meus antigos colegas. Sei que eu deveria focar no exercício, mas é tão empolgante pensar nisso! Minha mãe deve estar dando pulos de alegria. Será que meu pai consertou a prateleira quebrada no meu quarto? Meu irmão mais velho Rafael, que também é meu melhor amigo, vem me buscar, e estou com tantas saudades!

— Melissa — chama a professora, cruzando os braços e torcendo a boca do jeito que faz quando está brava. Chamou o nome inteiro, ai.

Merda.

— Me distraí — explico, baixinho. Por favor, não para a aula. Por favor, não para a aula.

— Pessoal — ela chama mais alto, apertando o botão de pause no rádio. O silêncio toma conta da sala antes preenchida pela música suave, e tudo que ecoa é a respiração de dezesseis bailarinas furiosas comigo. Droga, estou muito ferrada. — Parem os exercícios, nossa amiga Melissa tem algo mais importante do que a aula pra se preocupar.

— De novo — algumas garotas começam a resmungar, enquanto param aos poucos o que estavam fazendo. Em minha defesa, isso raramente acontece.

Não dava pra Mirela pintar minha bunda de vermelho e me jogar de um helicóptero? Chamaria menos atenção.

Suspiro, xingando mentalmente enquanto faço a sequência de três oitos que ela me dita. Evito olhar na parede espelhada à minha frente o máximo possível, para não perder perder a concentração. Em vez disso, fixo o olhar no chão de piso claro. O pior castigo, na opinião de Mirela, é que todos saibam que você está errada. Todo mundo está olhando, mas não ligo, já que não é como se fosse a primeira vez.

É algo simples, então tento não ficar preocupada, pois me considero uma boa bailarina. Quando termino, elas já pararam de me olhar, o que é um bom sinal; Se eu tivesse feito algo errado, estariam soltando risadinhas.

E essa é a realidade de uma escola de ballet: é a versão de collant dos Jogos Vorazes.

— Que isso não se repita — Mirela me fuzila com o olhar, voltando a ditar sua sequência original.

Pouco tempo depois, a aula enfim acaba. Um ano todo, treinando três horas por dia na academia de artes mais conhecida do estado, haja fôlego!

Me dirijo ao vestiário pela última vez e, uau, é estranho saber disso.

Pensando bem, até que vou sentir falta desse lugar... Parece que foi ontem que guardei minhas coisas no quarto enorme e predominantemente cor de creme.

Se eu pudesse escolher um dia favorito entre todos os outros, seria aquele primeiro de fevereiro, três anos atrás. Eu estava oficialmente no primeiro ano do Ensino Médio e tinha conseguido uma vaga num ótimo colégio interno, como bolsista. Me lembro de não estar nem um pouco animada pra começar a rotina de fazer novos amigos outra vez, mas isso mudou assim que abri a porta azul celeste do dormitório 218.

Lá dentro, estava uma moça um pouco mais alta do que eu, que usava headphones enormes tão vermelhos quanto a comprida cabeleira cor de cobre e impecavelmente lisa que lhe chegava até a cintura, cobrindo parcialmente um par de covinhas na base de suas costas finas e brancas.

Tinha uma garota ruiva dançando de roupa íntima no meu quarto.

Seu rosto delicado emoldurado por uma franja bem cheia se abriu num sorriso assim que me percebeu lá.

— Olá, querida! — Ela gritou, por cima da música que eu podia escutar até de onde estava. Nunca tinha ouvido ninguém ouvir Beethoven tão alto! — Você deve ser a Melissa — sorriu ainda mais, arrancando os fones despreocupadamente e vestindo uma camisola qualquer.

— Só Lis, na verdade — disse e sorri de volta, tentando ser simpática com aquela que seria minha colega de quarto o ano todo (e também, como eu descobriria depois, pelos dois próximos).

— A cama da esquerda é minhaaaa — cantarolou ela, se jogando em sua cama.

— Direita é sucesso! — Gargalhei, espalhando minhas coisas por cima da cama que sobrava.

A garota ruiva também riu.

— A propósito, eu sou Cibele. — O sorriso fofo voltou a seu rosto cheio de sardas, e os olhos cor de mel esverdeados se iluminaram quando ela me estendeu a mão, de unhas perfeitamente pintadas. — Prazer em conhecê-la.

— O prazer é todo meu — respondi, apertando sua mão e marcando o início do que seria uma grande e bela amizade.

Nos últimos meses, o companheirismo com a ruiva foi um ponto importante da minha vida, uma vez que ela é minha maior confidente.

Um Rafa dentro do colégio, eu diria.

Também me lembro de nossas poucas aulas juntas, de seu namorado estrangeiro muito gentil e da minha alegria ao saber que ela era pianista. Somos um ótimo par!

A Academia Hollister Para Meninas, além de ser uma escola feminina (como consta no nome), é também um estúdio de artes que te dá a possibilidade de escolher sua atividade extracurricular. Você pode optar por teatro, música e dança, todos em suas diversas modalidades. Quando ingressei, escolhi ballet clássico porque... Bom, não sei bem. Apenas escolhi. As palavras saltaram da minha língua antes mesmo que eu pudesse pensar num porquê para elas estarem ali.

— Alô, aqui é Houston chamando Lis. — Cibele bate na minha testa com os nós dos dedos, como se dissesse "Toc toc", me tirando de meu devaneio. — Você conseguiu parar a aula no último dia, uau. Toda a Hollister já sabe!

Sorrio pra ela.

— É meu dom especial.

Ela sorri de volta, sentando num banquinho e alisando os cabelos soltos. A franja que a deixava tão fofa já não está mais em sua testa há muito tempo.

Ficamos em um silêncio constrangedor, e não consigo deixar de observar o rosto dela por mais tempo que o necessário. Ambas odiamos despedidas, e veremos uma a outra com a maior frequência possível, por isso estou tentando adiar o momento inevitável.

Como uma ideia para escapar mais um pouco, solto os cabelos do coque apertado e sinto meu couro cabeludo gritar "Aleluia!" por causa do alívio.

Amanhã à tarde, tenho uma entrevista para a maior faculdade de Dança do país. Depois disso, se eu passar... Tenho a vida toda planejada, e cada dia depende desse resultado.

Boa sorte pra mim.

Entro no banheiro apenas pra conferir o batom e sorrio. A menina do outro lado sorri de volta, ajeitando num rabo de cavalo não muito apertado, por Deus, os cachos negros e piscando os olhos castanhos.

Essa sou eu. Lis Oliviera.

Pego meu celular e digito uma rápida mensagem para Rafael.

A aula acabou, vou te esperar no ponto de ônibus.

Em segundos, a resposta chega:

Tô saindo da Starbucks, te pego em 5 minutos. Pode ser no estacionamento mesmo. Quer alguma coisa?

Penso por um instante. Café é uma ótima ideia. Digito:

Café, o de sempre. Vem logo!

O celular vibra um instante depois:

Ok, eu sei. Sem leite, sem açúcar. Te levo uma barra de chocolate LIGHT, até mais tarde.

Sorrio. Ele me conhece muito bem.

— Quem era? — Cibele chega sorrateiramente e espia por cima do meu ombro, e guardo o aparelho em meio segundo. — Aquele gostoso do seu irmão?

Arregalo os olhos.

— Você tem namorado!

— Isso não torna seu irmão menos gostoso — diz ela, como se fosse óbvio. — Diz aí, se você não tivesse os mesmos pais que ele, dariam uns pegas?

Jogo a cabeça pra trás e gargalho.

— Doente! — Rimos ainda por um bom tempo, mas o momento passa. Sem que nenhuma de nós espere, simplesmente nos abraçamos. — Vou sentir sua falta, Cibele.

— E eu a sua — diz ela, sorrindo. — Mas, se acha que vai se livrar tão fácil de mim, se engana muito.

Rio, contente com o rumo alegre que as coisas tomaram. Troco o uniforme por uma calça jeans surrada, um moletom de Hogwarts e um par de All Star novos em folha, que seriam a dor em sua essência se eu não estivesse acostumada às torturantes sapatilhas de ponta. Agora sim pareço comigo mesma.

Pego o resto de minhas coisas no armário, xingando mentalmente por ele ser tão alto. É complicado estar no último ano do Ensino Médio e ter 1,62m. Cibele chega um pouco tarde demais e me ajuda com isso sem fazer nenhum comentário, mas percebo seu discreto sorriso irônico que só comprova que ela é uma verdadeira girafa.

Guardo o que peguei em uma grande e pesada bolsa, onde agora está toda a sorte de bugiganga que acumulei em três anos por aqui. As duas enormes malas com roupas foram pelo correio ontem à tarde.

Pego meu par de sapatilhas da sorte e dou a ela. Ela, por sua vez, me dá um conjunto de partituras.

— Pro caso de querer tentar. Até logo, baixinha. — Cibele enruga seu pequeno nariz e me lança uma piscadela.

E assim, ela faz uma reverência e vai embora. Com um último olhar, fazemos o pacto silencioso de manter contato.

— Vem aqui! — chamo, me jogando em seus braços. Ela ganha em altura, mas perde em força e largura para meu abraço de urso.

— Se não me esmagar eu vou pra sua casa almoçar no natal, semana que vem — murmura ela, sufocada, e a solto.

Pego um casaco grosso e jogo sobre os ombros, por cima do moletom, pra amenizar o frio de três graus que faz lá fora.

— Então até logo, Cibele.

— Até, Miliça.

Rio, olhando como está o tempo lá fora. Ao menos já parou de chover, e é um ótimo sinal, só que é verão, não devia fazer tanto frio. O clima anda muito estranho, mas é o que se pode esperar do Rio Grande do Sul.

Ouço um barulho de buzinas frenéticas lá no estacionamento, e sei o que significa (assim como todas as estudantes da AH sabem): Rafael chegou.

Saio, depois de acenar umaúltima vez pra Cibele, lutando contra a vontade de correr até ele e derrubá-lo no chão de tanto abraçar. É a primeira vez que o vejo esse ano, o primeiro e doce dia do verão. É uma tortura sem tamanho sair daqui no meio de dezembro, mas... Posso dizer que valeu a pena.

Às vezes, estudar em um colégio interno, por mais interessante que seja, é um belo pé (lá mesmo).

Então, como a entrevista da faculdade é a dez minutos de carro da cidade em que minha família mora desde sempre, resolvi aproveitar pra matar as saudades, e vou passar as férias na casa dos meus pais e do Rafa. Admito, estou ansiosa demais.

Assim que piso fora da escola, o vento frio praticamente congela meu nariz em dois segundos, por isso puxo a gola do casaco mais pra cima.

Procuro Rafael com o olhar, e... Nada. Nada. Achei ele! Está encostado no carro, com o cabelo negro como a noite todo bagunçado pelo vento e os olhos azuis (que inveja) me encarando. Segura um copo enorme de café que provavelmente tem mais chantily que um bolo de aniversário. Claro, todas essas calorias não descem direto pra bunda dele. Maldito sortudo.

Seus lábios finos e compridos estão curvados em um meio sorriso, e um resquício de barba por fazer cobre seu queixo perfeitamente quadrado.

Se controla, sua louca, não corre. Ele não vai sair dali. Não corre.

Largo qualquer vestígio de sanidade que ainda existe e deixo minha enorme bolsa com porcarias no chão, correndo até ele e me jogando em seus braços. O mesmo moletom quentinho, o mesmo perfume gostoso, a mesma mão enorme bagunçando meu cabelo. O mesmo Rafa de sempre.

Me afundo em seu abraço. Não ligaria de ficar horas assim, só sentindo o peito dele se mover com a respiração. Rafael, além de ser meu querido irmão, é meu melhor amigo no mundo.

— Que saudade! — Ele gargalha, encarando meu rosto. — A mamãe fez o que deve ser o melhor bolo da vida dela e não me deixou cortar nem um pedacinho, porque é pra você. Vamos logo pra casa porque quero comê-lo o mais rápido possível.

Rolo os olhos, rindo também.

— Senti sua falta, Rafa.

— Eu sei — ele pisca pra mim. — Vamos pra casa agora, ok? Hoje eu sou seu chofér — acrescenta, abrindo a porta do passageiro pra mim com um ar divertido.

— Tenho que buscar meus tesouros, sua besta — digo e rio, voltando até onde tinha jogado a bolsa enorme, pego e levo até o porta-malas do carro, jogando-a ali. — Pronta pra viagem! — Entro, do lado do passageiro. Rafael toma seu lugar ao meu lado e afivela o cinto.

— Você não trouxe todas aquelas porcarias de lá, trouxe? — Ele estreita os olhos.

— São lembranças! — Finjo estar ofendida.

— Ok, acho que sobrevivo. Mas se a minha alergia atacar por causa de toda essa poeira e eu morrer, saiba que a culpa será toda sua. Quem aqui está pronta pra oito horas de estrada com o irmão? — pergunta, parecendo animado.

— Eeeeeu! — Ergo as mãos, e ele ri. — Nada de correr pra chegar mais rápido, mocinho.

— Eu não faria isso. — Ele dá de ombros. — Os freios estão ruins há alguns dias. É perigoso.

— Devia mandar consertar.

— Vou fazer isso assim que chegarmos — sorri ele, como se pedisse desculpas.

O mesmo Rafa de sempre.

Ligo o rádio. A música ecoa, rapidamente enchendo o carro, e nós dois começamos a cantar.

Os minutos correm, as horas passam.

Eu, cantando a plenos pulmões. Ele, mais baixinho, prestando atenção na estrada à nossa frente. Estamos passando pela serra, nem parece que a viagem já está quase no fim. Foi até rápido demais.

Meus pais moram no litoral, faltam poucos quilômetros.

A paisagem aqui é linda.

Está tudo perfeito. Exatamente como tem que ser.

Cedo demais, Lis. Cedo demais.

Logo à frente, percebo algo imprudente da parte de um motorista. Uma ultrapassagem perigosa, e ambos os carros estão vindo de encontro ao nosso.

Então é como se tudo acontecesse em câmera lenta.

Tem uma fina camada de gelo na estrada, consequência da combinação de chuva forte e clima tão frio.

Está muito perto.

Os pneus do carro que ultrapassa derrapam. O motorista freia bruscamente, fazendo um barulho horrível.

Tarde demais.

Rafael percebe e também freia.

Os freios estão ruins há alguns dias. É perigoso.

Tudo se repete várias vezes em minha mente, como um filme que você volta a imagem pra entender o que aconteceu.

O carro à frente vira de lado.

Nosso carro tomba e logo estamos girando. Rafael não emite nenhum som, apenas tenta agarrar minha mão.

Mas ele não consegue.

Girando.

Girando barranco abaixo.

Até que, tão rápido quanto começou, o mundo para de girar.

Olho pro meu irmão, e ele olha pra mim. Caímos no nível inferior da estrada.

— Tudo bem? — pergunta, assustado.

Checo minhas mãos, e todos os dedos estão ali. Minhas pernas, meus pés. Salvo alguns arranhões, eu estava ilesa, e ele também.

Cedo demais, Lis, outra vez.

Do nada, surge o caminhão. Um caminhão enorme que bate do lado que estou.

O estrondo que ouço é muito alto, e segue-se de barulho de vidro estilhaçando.

Sinto algo gelado na pele, depois a dor de mil agulhas perfurando meu rosto. Quando abro os olhos, só vejo o céu acima de mim.

Tento me situar. Estou caída no chão, perto do carro, mas não tenho ideia de como vim parar aqui.

Ouço vozes gritando, berrando. Chamam meu nome.

Uma delas é a de Rafael.

Mas eu só consigo ver o céu, as nuvens brancas me encarando de volta.

Não posso me mexer sem que sinta aquela dor de novo.

Meus olhos pesam, estou cansada.

Muito cansada.

Então tudo fica escuro.


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Notas finais do capítulo

Deixe seu comentário, ele vai me motivar e me deixar feliz!
Roteiro pra comentar:
Gostou?
Se sim, do quê?
Se não, o que posso melhorar? O que achou do enredo e dos personagens? Lembrando que foi apenas uma introdução. Tem muito mais por aí. Enfim, foi isso. Comente, faça meu dia!
Beijinhos ♡