Expresso escrita por moonabel


Capítulo 1
Capítulo 1




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Ele não perdia um dia. Quinze minutos a mais ou a menos, mas no horário habitual da rotina, ele entrava pela porta dupla do Café, fazendo meu coração disparar.
   Ruby, curvada com o decote à mostra, perguntava-lhe sobre a vida, família e trabalho, mas eu não me dava ao luxo estar perto. Me limitei ao lado oposto do balcão, atrás de uma parede de tijolos, cheia de fotos de clientes antigos e cartazes, secando pratos com os fones ligados ao máximo. Aparentemente seu charme de homem mais velho não me agradava exclusivamente.
   Todos os dias, mesmo não tendo coragem de chegar perto, eu me arrumava para ele no banheiro como um tolo, em esperanças vazias. Muito magro. Muito afeminado. Eu pensava, abraçando meu própio corpo.

Coloquei a água para ferver, com as pontas dos dedos encostadas na máquina a fim de se aquecerem. Nevava, cobrindo a rua com uma fina camada branca, diminuindo o movimento do café. Cocei o cabelo, encostando-me na parede.
— Gab, vou precisar sair - A ruiva disse, se aproximando de mim pelas costas - você cuida daqui um pouco? Não devo demorar, não se preocupe.
Olhei para o relógio por instinto. 5:30. Merda, tinha que ser agora?!
— V-você não pode esperar uns quarenta minutos? - perguntei, não escondendo o nervosismo.
— Vou demorar menos que isso - a moça respondeu, tirando o avental e dando-me um beijo na bochecha. Colocou seu sobre-tudo, saindo. Fiquei paralisado, sem conseguir fechar a boca. O que eu faço? Andei em círculos, com os pensamentos a mil.
5:45. Servi um cliente, apertando o chantili com as mãos trêmulas.
5:55. Pensei seriamente na possibilidade de fechar o café por alguns minutinhos.
6:00. Minha mente ficou vazia, ao morrer por dentro ao ouvir o sino da porta.

Boa tarde.

Me arrepiei, de costas para a voz que parecia ter o poder de derreter a neve.
— O que vai querer? - minha voz falhava, enquanto eu fingia mexer nos grãos da máquina.
— O de sempre, por favor.
  O balcão se situava no centro da loja, e as mesas completavam o espaço restante. Algumas altas com apenas duas cadeiras, outras baixas para mais pessoas. Ele, porém, gostava de sentar-se no balcão.
Eu me viciei no cheiro de café, adorava-o. Principalmente por que eu estava terrivelmente apaixonado por seus olhos dourados, que eu poderia apreciar por causa do trabalho. Por pouco deixei o café transbordar, distraído.
— Aqui, senhor - entreguei a xícara de porcelana em um pequeno prato acompanhado de água com gás, de cabeça baixa.
Ele deu uma risada rouca:
— Você tem uma marca de batom na bochecha - disse, apontando na sua onde eu deveria limpar.
  Senti meu coração derreter. Rapidamente arranjei um guardanapo, desesperado para limpar. Olhei de canto, ele ria baixinho, com o queixo apoiado na mão. Ele falou comigo? Sério? O tempo pareceu parar.
— Pelo jeito, você faz sucesso com as garotas.
— Quê? - minha voz desafinou - É só uma amiga.
— Amiga, sei - ele estreitou os olhos, com um sorriso.
— Não sou bonito nem nada, por que eu faria?
  Ele limpou a garganta, descansando a xícara na mesa, sem falar mais nada. Voltei ao meu celular, desconfortável. A situação se tornou um pouco tensa. Boa, Gabriel, é assim que se conversa.
— Sabe, minha filha iria adorar esse seu cabelo azul - tentou quebrar o gelo.
Casado. Minhas chances abaixo de 5% foram para negativo.
— Ah? Quantos anos ela tem? - perguntei, com os braços cruzados.
— Vai fazer dez mês que vem - disse, tirando do bolso sua carteira e me mostrando uma foto 3x4. Morena, seus olhos faziam uma perfeita sincronia com o lindo sorriso, igual ao pai.
— Ela é bem bonita - cocei o braço, ainda não me acostumando em falar pela primeira vez com minha paixão platônica. Ele sorriu, com dentes incrivelmente brancos para quem tomava  tanto café.
— Mas, me responda uma coisa, fiquei curioso - ele arqueou uma sobrancelha - Como sabe qual era meu pedido de sempre, se eu nunca te vi no balcão, muito menos me servindo?
Me segurei na quina do balcão para não desmaiar.
— R-Ruby me contou...antes de sair - senti meu rosto ferver.
— Ah, explicado. Você faz um café tão bom quanto o dela, espero te ver mais vezes - disse, tomando o conteúdo da xícara em um único gole.
  Se despediu sorrindo, saindo com as mãos no bolso depois de deixar uma nota de um dólar sobre o balcão, deixando me sem palavras. Meus joelhos se renderam as emoções, e eu desabei no chão de madeira, não segurando as lágrimas de felicidade.


  - O de sempre - ele me pediu, dando um sorriso de lado que me arrancava suspiros. Servi-lhe sem hesitar, bem menos nervoso. Apoiei meu braço no balcão, de frente para ele, tirando o celular do bolso. Mechi aleatoriamente, para tentar evitar algum diálogo. Suspirei, encolhendo os ombros.
— Então... - ele levantou os olhos da bebida, me encarando. Lhe respondi o olhar, com curiosidade - Ainda não sei seu nome - continuou.
G-Gabriel— reparei meu avental, percebendo que meu crachá estava apagado. Tirei-o, colocando no meu bolso da calça.
— Sou Richard - estendeu-me a mão.
O cumprimentei com a cabeça, tímido demais para fazer contato físico, com o cenho franzido. Ele disfarçou o vácuo da mão, coçando a cabeça. Escondi a risada.
— Nossa, como estou cansado - tombou o pescoço para o lado, fechando os olhos - meu trabalho me esgota.
— Com o que você trabalha? - me aproximei, com interesse.
— Sou professor. Você deve ter sorte de ter um trabalho tão divertido.
Era divertido sim, se não fosse uma tortura emocional, que me deixava louco.
— Eu jamais conseguiria dar aula - retruquei - Você é obrigado a passar o dia com um bando de garotos que ou te odeiam profundamente ou te bajulam para conseguir nota.
— Isso é verdade. Mas é a unica coisa que consigo fazer, falar duas horas todo dia sobre coisas que eu gosto - ele riu, tomando a água.
— Eu só estou aqui para ganhar algum dinheiro e ir estudar - havia alguma coisa em sua voz que me acalmava, deixando-me perigosamente vulnerável. Virei-me para um cliente que chegou, atendendo seu pedido. Abri o armário acima da máquina, pegando um recipiente. Comecei a vaporizar leite, movendo o copo para baixo.
  Despejei o conteúdo na ordem que eu já estava cansado de saber, com indiferença.
— O que é isso? - olhos curiosos se voltaram para minhas mãos trabalhando.
Capuccino— respondi atravessado, com vergonha.
— Vou querer um.
Bufei, voltando minha atenção à maquina novamente. Eu passava tanto tempo mechendo nela que criei uma certa afeição. Ruby cuidava dos clientes, conversava e se divertia, e eu me ocupava... Organizando as sacas de café por tipo e número. Divertido pra caramba.

 - Nossa,que gostoso - ele parecia surpreso.
     - Para ti é melhor o café puro, o leite suaviza os efeitos da cafeína - expliquei-lhe.
Ele apenas abaixou os olhos e sorriu.
E eu continuava vidrado em seu jeito.

 

 


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