As Desventuras do Caos escrita por Reet


Capítulo 4
CAPÍTULO IV — GÊMEO


Notas iniciais do capítulo

Betagem: Ladybug (ID: 693356)

Queria dizer que Desventuras recebeu a ✧ PRIMEIRA RECOMENDAÇÃO ✧ e eu to bem morta, porque é linda demais e foi feita pela Luceana (ID: 387831), então esse capítulo é em homenagem a ela. Se quiserem, deem uma passada lá no perfil da moça, ela tem uma história chamada Mil Maneiras de Encontrar o Cafajeste Perfeito e é muito boa!
Espero que gostem, boa leitura ♡

(28/09/16) EDIT: Edição de rotina para corrigir erros achados ao longo do tempo.



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— Cold! Você pode me explicar o que está acontecendo? — brandiu o próprio Cold para, aparentemente, ele mesmo.

Ao chegar à sala, a cena seguinte quebrou meu cérebro em duas partes. Figurativamente. Havia dois Cold. Um estava encarando o outro. Enquanto o Cold do banheiro estava sem camisa e com o cabelo preso, o Cold da universidade estava molhado e com o cabelo solto. Mas, fora isso, os Cold eram réplicas exatas, eram clones.

— Quantas vezes eu já disse que não quero que traga suas garotas, diga-se de passagem, gostosas, para o apartamento?

— Em primeiro lugar: Dawn Firewood não é minha garota — declarou Cold, o cachorro molhado. — Em segundo lugar: desde quando eu dou a mínima para o que você quer? Ela vai ficar, eu aluguei o quarto vazio.

— Ela vai morar com a gente? — gritou o Cold seminu. — Quando foi que eu concordei com isso?

— A política da Vila dos Estudantes não se importa com o que você concorda ou deixa de concordar. Está nas regras, todos os quartos devem ser ocupados!

— Quem se importa com a política? E mais: por que uma das suas-

— Ela não é uma das minhas!

— Você sabe do que eu estou falando.

— Alguém pode me explicar que porra está acontecendo aqui? — vociferei, cortando-os. Ambos se viraram para notar minha presença e antes que começassem a falar em uníssono, disse: — Quem é Cold e por que tem dois de você?

Até ontem eu achava que a biotecnologia afirmava como crime hediondo a clonagem de seres humanos, mas eu já não tinha certeza disso no momento em que os dois rapazes tinham a mesma cor e comprimento de cabelo, feições, altura, tipo físico e até o timbre de voz. Eu descartei inteiramente a natural possibilidade de serem gêmeos, afinal, até irmãos univitelinos tinham suas sutis diferenças, mas eles, não.

— Eu sou Cold — respondeu o Cold molhado e continuou, mantendo a calma: — Dawn, esse é Shannon. Talvez eu tenha me esquecido de dizer que tenho um irmão gêmeo.

Um irmão gêmeo. A frase ecoou na minha cabeça como se alguém houvesse gritado em minha orelha e agora meu cérebro latejava. Eu achei que estivesse tonta e tudo começou a se duplicar ao mesmo tempo em que meu coração disparava.

— É completamente plausível que você se ESQUEÇA DE MIM! — berrou Shannon, o seminu. — Você simplesmente se achou no direito de alugar um quarto do nosso apartamento sem me avisar!

— Por que você não me disse que tinha um irmão gêmeo? — Não que aquilo fosse extremamente ruim, que isso. Eu ficaria muito confortável com a existência de uma cópia do cara gostoso que eu conheci, se a cópia não estivesse surtando de raiva por causa da minha presença.

— Me pareceu irrelevante — Cold concluiu ironicamente.

— Irrelevante?! — Shannon gritou furioso. — A sua existência é irrelevante!

O irmão número dois me encarou com um pouco de ódio evidente e saiu da sala a passos largos. A batida de uma porta foi escutada de longe. Cold permaneceu em um tipo desafiador de silêncio olhando para o chão. Eu estalei a língua para quebrar o clima, mas sentia que a situação estava toda em cima de mim.

— Isso é tudo por minha culpa? — perguntei.

— O quê? — Cold se virou e fez uma careta para a minha pergunta, demonstrando o quanto ela havia sido patética, só na cabeça dele. — Não! O Shannon é um encosto. Você não é a primeira e nem a última garota com quem ele vai criar problemas. Ele detesta garotas.

— Ele é gay?

— Ah, não. — Cold soltou uma gargalhada sarcástica e dessa mesma forma, eu imaginei que sua resposta não fosse inteiramente verdadeira. — Ele só não gosta das garotas que eu trago para casa.

Aquela afirmação implicava em duas situações: a primeira, que Shannon tinha ciúmes ou inveja do irmão. A segunda, e mais óbvia, Cold trazia muitas garotas para casa. E ele não namora.

— Você deveria ter me avisado! — resmunguei passando os dedos pelos cabelos numa tentativa falha de ajeitá-los. — Eu tinha que me preparar psicologicamente para isso.

— Avisar o quê?

— Que havia dois de você! — Revirei os olhos.

— E você iria se preparar de que forma? Vestindo uma roupa? — perguntou com grande naturalidade.

Senti meu pescoço e minhas orelhas esquentarem, denunciando que eu estava completamente corada como uma pimenta. Virei-me e segui para o quarto, encostando à porta.

Gêmeos! Gêmeos altos, fortes e atraentes. O dobro de testosterona e uma parcela significativa de problemas. Eu pressentia que algo não iria dar certo, mais do que já não estava dando.

Vesti as roupas quase secas, um short de pijama rosa e uma regata cinza. Peguei lençóis de cama e fronhas para arrumar onde eu iria dormir, mas antes que eu pudesse me deitar na cama, ouvi um pedaço de metal vibrar contra a mesa de estudos. Eu só podia estar ficando louca. Quem, em sã consciência, me ligaria a essa hora da noite?

Bisbilhotei o ecrã do celular. Gail.

— Tudo bem — informei ao atender o celular —, eu abro uma exceção em atender a essa hora da madrugada a pior melhor amiga de todas. — Revirei os olhos, mesmo sabendo que Gail West não veria. — Como está sua noite sabendo que, se fosse por você, eu ficaria jogada na rua enfrentando uma tempestade?

Desculpa! — suplicou a menina. — Eu já disse, não tinha como te deixar ficar aqui! E, aparentemente, você arranjou um lugar para ficar.

— É. — Suspirei, apreensiva. — Arranjei. Não por você.

— Quando você vai me desculpar? — perguntou. — Eu mudo a senha da minha Netflix se você não o fizer.

— Você está desculpada. — Soltei uma leve risada junto com minha amiga. — É um apartamento, caso você queira saber. Quarto individual — falei, observando em volta —, um banheiro para dividir. Sujo.

— Dividir com quem?

— Ah, essa é a parte mais engraçada! — esbravejei, rindo de uma forma irônica. — Gail, eu posso lhe assegurar que aceitar abrigo de um estranho, alto, forte e com tendências homicidas no olhar, multiplica seus problemas por dois!

— Parece atraente — murmurou. Isso era previsível vindo de Gail. Qualquer ser que se mova e respire pode ser atraente para ela. — Ele tem um pau grande?

Tem — respondi, pensando na traumatizante cena que eu havia presenciado há pouco. — Digo... Não! Gail, não é como se eu ficasse olhando para a abundância de volume na calça dos outros. E esse não é o maior dos problemas...

— Se esse não é o maior, me pergunto qual seja — murmurou me fazendo rir. — Você está reclamando?

— Reclamando? Imagina — ironizei. — Eles são completamente lindos! Porém, estranhos. E desorganizados. Mas pelo preço que eu vou pagar daria tudo para ficar aqui...

— Daria tudo? — A parte mais engraçada é que eu estava prestes a responder de forma coerente até me dar conta de que não havia sido Gail quem disse aquilo. Eu dei a volta e me deparei com Cold parado no batente da porta.

Eles quem? — Ouvi a voz feminina soar pelo telefone e me lembrei de que ela estava sem resposta.

— Não! Eu não daria tudo — respondi apressadamente e, com a voz um pouco mais baixa, disse a Gail: — Falo com você amanhã.

Eu desliguei o telefone e vi o sorrisinho debochado de Cold pintar seu rosto como um quadro em branco tomado por expressão. De repente, eu estava preocupada com o que Cold poderia ter escutado da minha conversa. Eu nem me lembrava da porta estar aberta.

Cold não estava mais molhado. Ele trajava um roupão preto e de seu cabelo loiro escorriam algumas gotas de água até o chão de madeira. Eu até consideraria sua aparição sexy, mas a caixa de pizza com os dois pedaços restantes fez meu estômago ressoar como uma bateria de escola sinfônica.

— Há quanto tempo você está aí? — indaguei.

— Não muito — respondeu parecendo sincero. — Suficiente para saber que eu sou estranho e desorganizado, e que esses pedaços de pizza de calabresa não vão se comer sozinhos.

Que bom que ele só sabia da parte do estranho e desorganizado.

Eu soltei um suspiro de alívio e avancei na sua direção com um olhar de gratidão, estendendo as mãos para a caixa de pizza, mas quando eu estava perto de tomá-la, Cold a tira do meu alcance — o incrível alcance de alguém com um metro e meio, comparado a... O quê? Um metro e oitenta? Ele estalou a boca em negação.

— Vai ter que passar pelo teste do “estranho e desorganizado” — disse, abrindo um sorriso provocativo. Ele pegou um pedaço inteiro de pizza com dedos que eu não sabia onde os tinha enfiado e ofereceu na minha direção.

— Ah, não — contestei, balançando a cabeça e tentando evitar uma cara de nojo.

— Ou morde, ou estará eternamente admitindo ser uma maníaca por limpeza. — Enquanto eu avaliava as chances de contrair uma hepatite A ou algo como mononucleose, Cold pareceu ter uma nova ideia e então, propôs: — Ou nós podemos rever o seu “daria tudo para ficar aqui” e acertar as contas no meu quarto.

Mononucleose parecia, repentinamente, mais atraente que qualquer probabilidade de transar com meu novo colega de apartamento que poderia me dar, no dia seguinte, um pé na bunda. Ou pior. Outras coisas na minha bunda. Eu mordi o pedaço de pizza em sua mão.

Não que eu não garantisse minha performance. Eu garantia. Mas não queria jogar pelos ares a política de boa vizinhança tão cedo.

— Boa garota — sussurrou com muita satisfação e devolveu a pizza para a caixa, entregando-me. — Agora eu posso dormir em paz, sabendo que a abundância de volume na minha calça não é o maior dos problemas.

Engasguei. É claro que engasguei. E sua mão engordurada bagunçou meu cabelo. Cold saiu do quarto, batendo a porta. Imediatamente, eu estava com nojo do meu cabelo. Esfreguei a toalha, mesmo sabendo que não iria adiantar muita coisa, afinal, Cold tinha ouvido a conversa inteira e meu cabelo poderia ser lavado no dia seguinte.

Caminhei pelo quarto com a caixa de pizza, mordiscando as pontas do pedaço. A janela acima da cama estremecia com o vento, então a abri. Havia parado de chover e o vento refrescou o quarto. Apoiei-me no parapeito pensando em toda aquela situação. Eu ainda não havia pagado a Cold as duzentas libras do aluguel, e embora o dinheiro estivesse dentro da minha carteira à prova d’água, apressei-me em direção à mochila para separá-lo.

Duzentas libras era tudo o que eu tinha. Não sabia como iria sobreviver sem aquele dinheiro — eu tinha que arranjar um emprego de meio período o mais rápido possível. Então eu separei as notas e coloquei em cima da estante, fechando a carteira e enfiando na bolsa. Naquele instante, um vento forte entrou pela janela. Como eu havia previsto, a quantidade de infortúnios não acabava por aí. As notas seguiram o fluxo do vento e voaram para fora da janela. Ah. Céus. Não.

Sem pensar duas vezes — e esse foi o meu erro — pulei direto para a escadaria de incêndio, agarrando o máximo de notas possíveis, mas quando a maior parte do dinheiro escapou voando, eu me dei conta de que eu estava no quinto andar de um prédio velho em uma escadaria de incêndio enferrujada — e eu sempre tive medo de altura. A vertigem me atingiu e eu me segurei no corrimão, sentindo imediatamente muito nojo daquela decisão. Sem contar que estava chovendo.

Puta. Que. Pariu. Eu não tinha mais dinheiro nenhum. Agora eu estava no fundo do poço. Enquanto eu assistia minha vida desabar, eu tinha plena consciência de que podia piorar. E piorou. As desgraçadas forças da natureza trouxeram o vento de volta e quando eu ouvi um banque surdo, soube que a madrugada amaldiçoada só havia começado. Tentei abrir a janela, mas o trinco havia se fechado com a batida. Quinto andar, escadaria enferrujada, pijamas, pegando chuva. O universo não conspirava a meu favor.

Vamos lá, Dawn, pensa. Não era uma opção descer os cinco lances de escada, a não ser que estivesse nos meus planos escorregar, bater a cabeça, abrir o crânio e morrer. A escadaria ligava todas as janelas do andar, então comecei a me arrastar e torcer para conseguir sair dessa. A próxima janela estava, estranhamente, lacrada com tábuas de madeira pelo lado de dentro. Eu concluí que só podia ser o quarto do louco do irmão do Cold, o que só me restava a do próprio Cold.

Caminhei pelo chão de metal que balançava e rangia e, segurando no corrimão, dei a volta até o outro lado em busca de mais janelas. A próxima janela também estava fechada, mas uma cortina marrom e um pouco transparente possibilitava-me de observar o que havia dentro do quarto. Contemplei duas estantes cheias de livros de frente para a janela. Céus. Livros. Cold gostava de livros! Aquilo era simplesmente perfeito, significava que tínhamos algo em comum e nós poderíamos trocar recomendações e emprestar nossos favoritos um para o outro!

Ainda surpresa, vasculhei o quarto com os olhos e notei a presença do homem loiro com o cabelo preso, trajando apenas uma calça de moletom, dando uma ótima visão dos músculos das suas costas. Apressei-me em bater à janela. Ele tomou um susto e enquanto seus olhos vagavam pelo quarto, fiquei ansiosa para que o vidro fosse logo aberto. Ele parou em frente à janela e me olhou dos pés à cabeça, abrindo apenas a cortina.

— O que você está fazendo?

Meu olhar despencou pelo seu corpo, notando a tatuagem que atravessava sua clavícula, seu peito definido, o tronco, os músculos convidativos de sua cintura traçando um caminho para dentro da calça de moletom... Ele cruzou os braços.

— Meu dinheiro saiu voando e eu fiquei presa ao tentar pegar — respondi, um pouco nervosa com sua reação.

— Então você vai embora?

— Eu acho que sim, a não ser que-

— Ótimo, boa noite. — Cold deu as costas e eu fiquei plantada com uma feição de incredulidade.

— Espera... Eu preciso, hm, pegar minhas coisas e está um pouco tarde para ir agora. — O que deu nele? — Você não vai abrir a janela?

— Não.

— O-o quê? — Encarei-o incrédula. — Cold, por favor, eu-

— Eu não sou o Cold. — Ele se virou irritado. Ah, agora fazia sentido. — Por que você não desce a escada e sobe o prédio como uma pessoa normal faria?

— Porque eu, hm... — Mordi meu lábio antes de deixar escapar que eu tinha medo de altura para Shannon. Ele não precisa saber daquilo. — Está chovendo e ventando aqui fora!

— Eu pareço a mãe natureza para você? Não é da minha conta.

— Shannon! — gritei, batendo meus punhos contra o vidro da janela. — Abra a janela! Eu não posso descer a escada!

— O quê? Você não consegue descer a escada?

— É claro que eu consigo! — cortei, sentindo um pouco de raiva subir a minha cabeça. Eu não acreditava que estava discutindo com ele! Ele podia abrir a droga da janela e tudo estaria resolvido! Por que ele precisava me testar? — Eu só... — Olhei a escada. Os degraus estavam molhados, eu iria bater a cabeça, eu sabia que iria. Engoli em seco. — Merda...

— Você está com medo? — provocou. Merda. Merda. Merda.

— Não! Claro que não, eu vou descer a escada!

Segurei o corrimão como se estivesse segurando a minha vida — e eu, tecnicamente, estava —, arrastei-me até o primeiro degrau e coloquei o primeiro pé, sentindo a sandália deslizar levemente. Contive um grito de susto. Fechei os olhos e contei até 10. Você vai conseguir, Dawn. Aquele idiota não vai levar o melhor.

— Espera, você tem medo de altura? — Shannon perguntou com um súbito tom de preocupação. Eu desci mais um degrau, fechando os olhos antes de responder.

— ... Não?

— Você tem certeza? — Mais um degrau. Respirei fundo.

— Não — respondi.

— Firewood, você não vai conseguir. — Então ele assumiu um ar de quase desespero. Qual era o problema dele, algum tipo de bipolaridade?

— É claro que eu vou, idiota! — grunhi, sentindo meu pé deslizar mais uma vez ao tentar descer outro degrau. — Merda!

Shannon abriu a janela.

— Ok, você pode entrar! Anda, volte para cá!

— Não, eu posso descer essa escada idiota, volte para sua caverna de egoísmo!

— Oh, você está me chamando de egoísta? Cold teria pego um balde de pipoca para te assistir descer, sua louca.

— O quê... — Agora ele estava passando dos limites. — Cold teria me ajudado! Ele não me deixaria na chuva como você está fazendo!

— É, espera sentada por isso — disse, revirando os olhos. De repente, Shannon esticou um braço na janela como se oferecesse ajuda. Eu desviei o olhar e tentei me concentrar em não escorregar. Meu corpo estava completamente encharcado de água. — Firewood! Você não vai conseguir, anda! Eu entendo de medos!

— Eu não me importo, eu vou descer essa droga e vou mostrar que eu não dependo da sua piedade e eu-

Meu pé escorregou. Eu segurei o corrimão com uma das mãos, mas com a outra tentei manter o equilíbrio que me foi perdido, em vão. Eu assisti à minha queda. Seria lenta, dolorida, péssima forma de morrer. Se não fosse pelo braço que contornou minha cintura no último momento e me puxou para cima. Um grito escapou da minha garganta enquanto a vertigem me atingia mais uma vez ao olhar para cinco andares abaixo. Envolvida por dois braços fortes, eu estava de costas para Shannon, seu tronco completamente colado às minhas costas, aquecendo minha pele que a chuva já havia esfriado. Céus, aquilo foi por pouco.

— Você é tão idiota! Como Cold consegue escolher garotas assim?

— Me SOLTA! — gritei, desvencilhando-me de Shannon. — Eu não, hm, em primeiro lugar, eu não fui escolhida pelo Cold, porque não tenho nada com ele! E em segundo... — Meus olhos vagaram pelas minhas roupas molhadas, um sentimento de alívio me atingindo por eu não ter caído do quinto andar. — Você não precisava ter me salvado! Eu estava completamente bem, não preciso de você!

— O quê?! Você é louca? Você é louca. — Shannon balançou a cabeça como se estivesse convencido. — Você sabe que está errada, você iria cair.

— Não estou! Apenas... fique longe de mim! — Escalei a janela de Shannon e entrei em seu quarto, minhas roupas pingando no chão.

— Como não consegue aceitar isso? — Shannon riu em deboche, levemente irritado, seguindo-me para dentro do apartamento. — Não seja tão teimosa!

— Eu não sou teimosa e eu não estou errada! — grunhi em passos largos até a porta do quarto, minhas mãos fechadas em punhos. — Céus, você é tão diferente do seu irmão!

— Essa é outra coisa que você está errada — disse com casualidade. — Cold não é o cara que você acha que é.

— Pare de mentir!

— Pare de defendê-lo! Você não o conhece.

— Eu conheço o suficiente para perceber que você é horrível! — acusei, apontando o dedo para Shannon, que soltou uma risada sarcástica.

— Quer saber de uma coisa? Que bom que você está indo embora. Menos um problema.

— É! Para mim, porque o problema é você!

Abri a porta de seu quarto e me lancei ao corredor, batendo-a com toda minha força. Céus! Eu não estava acreditando o quanto ele conseguia ser um canalha! Eu preferia dormir com Jeffrey, o zelador da faculdade, a passar por tudo isso de novo, o que provavelmente era o que iria acontecer, porque eu estava na miséria. A curta convivência com aquele garoto havia sido demais para o próximo meio século! Amanhã de manhã, além de solteira e desempregada, eu estaria desabrigada.

* * *

Não foi fácil de dormir naquela noite. Os problemas com meu pai podem ter sido sufocados pelos acontecimentos seguintes, mas deitar a cabeça no travesseiro fez o sentimento de abandono me atingir como um caminhão. Meu pai era realmente um lixo ambulante e havia me trocado de novo por mais uma mulher. Eu não deveria me importar com aquilo, a verdade era que eu não me importava com ele, mas com a figura de progenitor que ele carregava.

Quando eu, enfim, senti que estava dormindo, acordei.

A luz de uma manhã incerta entrava pela janela — trancada, desde a noite anterior — e iluminava o quarto, tornando impossível a tarefa de voltar a dormir. Eu não sabia quantas horas havia dormido, mas a sensação era de minutos, o que me levava a crer que aquela fora a pior noite nos últimos anos da minha vida. Todo o meu rosto estava colado e eu me sentia nojenta. Eu precisava de outro banho! Eu precisava comer alguma coisa, pois meu estômago roncava, eu precisava arranjar dinheiro, eu precisava... ir embora.

A realidade se jogou em cima de mim como um caminhão de cimento. Eu não tinha mais nada. E eu tinha que ir embora, pois eu não tinha como pagar o aluguel. E nem voltar para casa. O desespero estremeceu meu corpo e me fez ter vontade de chorar, mas eu evitei que as lágrimas escorressem.

Levantei da cama e peguei mais algumas peças de roupa na mochila, que, mesmo que continuassem um pouco úmidas, serviriam para o resto do dia. Após me vestir, guardei meus pertences de volta na bolsa e abri a porta do quarto.

Por sorte ou não, não havia nenhum odor recente de cigarros na sala, logo, significava que Cold Lane ainda não estava acordado. Cogitei a possibilidade de deixar o dinheiro na mesa de centro e fugir, afinal, alguém tinha que cobrir os gastos da pizza, janela e lavanderia, mas uma sensação de lixo humano me atingiu e eu decidi deixar um recado, arrancando uma folha de um bloco de notas esquecido. No que eu termino de escrever, ouvi passos atrás de mim. Virei-me, pronta para encarar o olhar irritado de Cold.

Pela feição de satisfação estampada no rosto do loiro à minha frente, eu soube que não era o Cold quem eu estava encarando. Só podia ser aquela sósia desprezível e arrogante. Ele vestia apenas uma calça confortável e, obviamente, diferente de mim, seca.

— Já vai tarde — murmurou.

Meu sangue ferveu de raiva e eu amassei a nota em minhas mãos, jogando o bolo de papel em cima do sofá. Dei as costas ao rapaz e fui em direção à porta. Eu já nem devia estar ali.

— O que está acontecendo? — A mesma voz disse, mas em um tom sonolento.

— Menos uma, e essa foi relativamente fácil — Shannon retrucou com um sorriso sarcástico brincando com seus lábios. — Qual vai ser a próxima?

— O que você disse a ela, Shannon? — Cold engrossou a voz com o irmão, que deu de ombros.

— Eu não disse nada — respondeu. — Ela vai embora, porque ela não tem como te pagar o aluguel do quarto. O dinheiro dela saiu voando.

— É sério? — Cold perguntou, passando o olhar de Shannon para mim.

— Não comece com esse sentimentalismo forçado — resmungou Shannon, dando a volta e entrando no corredor. — Você não está comendo, você não se importa.


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Notas finais do capítulo

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