As Desventuras do Caos escrita por Reet


Capítulo 3
CAPÍTULO III — DUPLA PERSONALIDADE


Notas iniciais do capítulo

Deusas e deuses do meu coração, gostaria de agradecer a todos os lindos comentários (devidamente respondidos) ♡ Já escolhi o que recebeu a estrelinha, mas queria poder escolher todos.
Betagem: Ladybug (ID: 693356).
Espero que gostem, boa leitura ♡

(22/07/16) EDIT: Descrições, diálogos.

(05/12/16) EDIT: Diálogos, erros.



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Por incrível que pareça, Cold era bastante... quente. E eu tive essa conclusão após ele tirar o moletom molhado e entrar no Pizza Hut com uma fina camisa branca, completamente molhada e justa, definindo o corpo que ele tinha. Eu tentei desviar o olhar, juro que tentei.

De qualquer forma, o nome parecia se encaixar muito bem. O garoto de pele pálida, loiro e ossudo, um quê de insensível ao falar com o atendente da pizzaria com extremo desprezo — o que me deixou ligeiramente incomodada, mas eu sabia que se começasse a procurar problemas eu acabaria sendo jogada no meio da rua, sem abrigo, sem chuveiro quente, cama e internet wireless.

Sem falar que ele destacou uma fatia de pizza assim que recebeu a caixa para viagem, mordendo um pedaço e me oferecendo — oferecendo, não, enfiando na minha boca. Ele terminou de comer a fatia no carro, colocando as caixas no meu colo.

— Aqui — disse, e quando eu virei o rosto, ele levou o polegar ao canto da minha boca, limpando um pouco de molho de tomate e lambendo do próprio dedo. Contive a vontade de gritar você sabe o quanto isso foi nojento?

— Então... Cold, a temperatura — murmurei. — O que você está cursando? — perguntei.

— Eu comecei Comunicação e segui a habilitação em Jornalismo. Negócios de família.

— Sério?! — Pigarreei. Havia deixado escapar mais emoção que o necessário. Não queria que ele pensasse que eu estava nervosa porque ele era absurdamente lindo. O que não deixava de ser verdade. — Quero dizer, eu nunca te vi nas aulas. Eu também escolhi Jornalismo, estou naquele período em que você escolhe o estágio, mas o estágio não te escolhe.

— Estou no limbo, aquele período em que preciso cumprir horas eletivas e minha vontade de ir à aula não existe.

Eu soltei uma risada fraca, mas após ele ter ficado em silêncio, juntei os dedos com as mãos entre as pernas. Eu conseguia ouvir meu coração martelando contra o peito, e a consciência gritando que aceitar abrigo de um estranho não era nada, nada seguro e ainda assim, eu não havia conseguido resistir.

— Então toda sua família trabalha com Jornalismo?

— Eu não gosto de falar sobre a minha família — cortou. Eu prendi a respiração, assim como o lábio entre os dentes. Cold me olhou de soslaio. — É só um assunto que me dá nos nervos — explicou. — E você?

— Eu? O quê?

— Sua família. Seu pai te expulsa de casa, eu tomo que você não é uma boa garota.

— Na verdade, ele decidiu entre minha madrasta e eu. E eu estou aqui agora, então você sabe qual foi a resposta.

— Ela é gostosa? — indagou Cold sem tirar os olhos da estrada.

— Ela... o quê? — Franzi a testa. — Isso importa?

— Talvez ele tenha um bom argumento.

— Não, ele, ele escolheu ficar com uma mulher manipuladora, ele não tem amigos ou família, e agora também não tem filha, ele... — Eu olhei para Cold que mantinha uma expressão de quem não estava acreditando em mim, então suspirei, levemente irritada. — Tem razão, eu também não gosto de falar da minha família.

Cold riu. Eu mordi o lado interno da minha bochecha.

— Eu provavelmente escolheria você.

Eu notei seu olhar vagando dos meus pés à minha cabeça, abrindo um sorriso que desapareceu tão rápido quanto surgiu. Senti meu rosto ficar um pouco vermelho.

— Você precisa de um convite formal para me responder se está solteira, ou o quê?

— Eu... — Prendi a respiração, sem saber o que responder. Eu não namorava há anos, mas despejar aquela informação iria me fazer parecer patética. Eu apenas não era muito extrovertida, socialmente falando, e eu gostava de evitar problemas. Dei de ombros. — Estou.

Cold abriu outro curto sorriso mirando a estrada.

— Pelas algemas e cordas, eu suponho que você tenha uma namorada — sugeri. Espiei Cold pelo canto do olho e ele estava rindo, negando com a cabeça. — Namorado?

— Eu não namoro.

A velocidade diminuiu ao chegarmos à Vila dos Estudantes, o bairro residencial universitário próximo ao campus. Os prédios não tinham mais de cinco andares, estavam identificados com letras e eram todos de tijolos vermelho envelhecido, com escadarias de incêndio e pouca iluminação. Cold estacionou em frente ao prédio D e descemos do carro correndo, tentando proteger a pizza da chuva.

Não havia porteiro, campainha ou câmeras. O único elevador do local estava velho e os cantos enferrujados. O tapete parecia molhado e criava fungos, o espelho, completamente sujo de líquidos com cores variadas e texturas nojentas. E para piorar, a luz do elevador piscava e me causava uma sensação de agonia. Ele travava em andares como se fosse dar defeito a qualquer momento.

O fumante abriu a porta de um dos apartamentos sem precisar de chave. As luzes estavam apagadas enquanto caminhávamos por um hall, e, assim que ele as acendeu, podia afirmar que eu estava dentro de um lixão.

Os dois sofás de camurça bege dispostos no fundo da sala tinham manchas de várias cores pela superfície e eu não queria saber o que era aquela gosma embranquecida com aparência recente em um deles. O complemento para pés do sofá estava cheio de pilhas de roupa que eu não saberia dizer se eram sujas ou não. No canto, uma poltrona estava coberta por um lençol. Não tinha interesse em descobrir que manchas estavam estampadas nela.

A mesa de canto havia virado mil e uma utilidades e além de livros e jornais amassados, comportava copos, pacotes de biscoitos vazios e pratos sujos. E um vaso de planta, embora eu não soubesse que motivação um universitário teria para cultivar uma planta.

No chão, um tapete com listras tinha muitas marcas de sapato e eu imaginei que ele nunca houvesse sido lavado. Uma cortina branca — a única coisa verdadeiramente branca no recinto — estava disposta na frente da janela. Fora toda a bagunça, a iluminação do ambiente não era muito forte, o chão era de tacos de madeira, as paredes eram claras e a cozinha era separada por uma meia parede com bancos. Do lado de uma das bancadas, havia um corredor com algumas portas de madeira.

— Desconsidere a bagunça — disse Cold, adentrando o espaço e colocando caixas de pizza em cima da meia parede.

Ele realmente achava que isso era possível?

— Tarde demais — murmurei sem conseguir conter meu olhar assustado para a sala. Cold soltou uma leve risada.

— Aqui nós arrumamos o apartamento aos domingos.

Nós. De quem ele estava falando?

— Faz tanto tempo assim que não passa desinfetante no chão? — perguntei ao adentrar a casa e sentir a sola do meu tênis grudar no piso. Preferi imaginar que eu havia pisado em um chiclete na rua, ao invés de acreditar que o chão estava literalmente grudando.

— O quê, você é algum tipo de maníaca por limpeza? — indagou, encarando dos pés à cabeça. Analisava onde iria acertar o pé de cabra em mim, eu supus.

— Não, eu, bem, não é que... — gaguejei, tentando encontrar as palavras certas. Eu era, mas não exatamente da forma que ele estava pensando. Eu não iria surtar se ele não lavasse a louça ou tomasse no mínimo um banho por dia. Bem... talvez eu iria. — Eu realmente preciso de um banho.

— Só temos um banheiro. Você vai ter que tomar banho comigo.

O banheiro devia ser um horror. Aposto que esse pedaço de desleixo não deve saber o que é uma garrafa de cloro. Com certeza, tudo estaria nojento a ponto de eu não conseguir tomar um banho direito.

— Que cara é essa? — perguntou Cold. Eu deveria estar fazendo uma cara horrível.

— Pelo o que eu vi da sala, o banheiro deve ser um pântano.

— Eu acabei de sugerir que você tome banho comigo, e você está pensando na bagunça?

Cold estava certo. Eu não conseguia resistir, era mais forte do que eu.

O garoto pegou um maço de cigarros em cima do sofá, prendendo um entre os lábios franzidos, tateou os bolsos procurando um isqueiro e o acendeu. O primeiro trago encheu a casa de fumaça.

— Você é louca.

— Alguém já me disse isso hoje — respondi, desviando meu rosto da fumaça. — O que te faz pensar que eu iria querer tomar banho com você?

— Eu tenho meus motivos.

Ego. Esse provavelmente era o motivo.

Passamos pela cozinha onde todas as bancadas eram feitas de madeira com tampo de granito escuro e sobre elas, lixo e mais lixo. Em cima do fogão, várias panelas sujas ou cheias de coisas que eu não tinha certeza se eram comestíveis. A geladeira estava cheia de ímãs grudando anotações, xérox de algo que parecia geografia, cardápio do Pizza Hut e contas de luz. Também tinha uma camisinha com um alfinete no meio. Eu não quero saber quem é o idiota que vai pegar aquilo. Seguimos por um corredor mal iluminado com duas portas à esquerda, duas à direita e uma ao fundo.

— Essa primeira porta é a área de serviço — disse Cold com naturalidade: — Nós não usamos essa área.

— Era o que eu temia — sussurrei mais para mim mesma que para Cold.

Nas paredes, porta-retratos estavam cheios de poeira e fotos de Cold com várias pessoas, sendo que um cara de cabelos escuros e undercut estava em praticamente todas elas. Ele tinha um estilo alternativo, várias tatuagens que adornavam o braço, mas em algumas fotos seu rosto estava riscado com caneta permanente. Acho que Cold estava preocupado com a cara que eu estava fazendo, pois se adiantou em dizer:

— É um amigo nosso.

Céus. Cold estava indo longe demais com essa brincadeira de conversar no plural.

— Você risca a cara de todos os seus amigos assim?

— Bem, não. — Cold avançou na minha direção e eu senti meu coração pulsar mais rápido, mas quando seu corpo molhado e gelado se encostou ao meu, ele estendeu o braço e abriu uma porta atrás de mim, acendendo a luz. — Apenas os mais íntimos.

Virei-me, nervosa, deparando-me com um quarto. Não era nada extravagante, o piso de tábua corrida continuava lá dentro, o diferencial eram as paredes brancas. Tinha uma mesa de estudos de madeira clara com uma cadeira de ferro que parecia desconfortável, um guarda-roupa branco e uma cama de solteiro, sem lençóis. Uma janela estava próxima da mesa, fechada com gotas de água correndo pelo vidro e vento batendo, fazendo um barulho suave.

— O banheiro é na próxima porta, pode pegar uma toalha no armário. Se você precisar de algo, me chame. — E assim, Cold se afastou de volta para a sala, declarando por último: — E não entre no meu quarto. A não ser que eu te convide.

Apressei-me para pegar uma toalha branca e felpuda, deixando a mochila molhada no chão. Eu sabia que as roupas estavam em grave estado de umidade, então puxei algumas peças do meio que não estavam tão molhadas. Eu segui para a porta ao lado da minha.

O banheiro era todo de azulejo branco, mas esse mesmo estava encardido. A toalha de rosto estava molhada e com manchas de sujeira, como se estivesse lá há semanas; o sanitário estava com a tampa levantada e sem descarga — a escova de limpá-lo parecia nunca ter sido usada. A cortina da banheira provavelmente tinha colônias de bactérias se proliferando. E a banheira! Os cantos estavam sujos de alguma coisa verde-escuro e asquerosa. Céus, eu queria morrer. Ah, e a porta não tinha como ser fechada, para complementar meu sofrimento.

Abaixei a tampa do vaso com o pé e rapidamente apertei a descarga. Com muito nojo da situação, pendurei a toalha de banho em um gancho ao lado da banheira e arrastei o cesto de roupa suja — cheio de roupa — até a porta, para mantê-la encostada. Entrei na banheira com os chinelos e aos poucos, tomando coragem para me despir, pendurei a roupa molhada no suporte da cortina. Felizmente, a água era quente.

Foi a melhor sensação do mundo quando a água quente percorreu meu corpo que estava a uma temperatura similar a sensação térmica de 0°C. Ainda com muito nojo de encostar no sabonete em barra, peguei espuma para me limpar. Não havia condicionador, e o único shampoo era anticaspa para homens. Meu cabelo era curto e castanho — o shampoo em questão iria ressecá-lo, mas eu não tive outra escolha.

Quando já havia perdido a conta de quanto tempo estava aproveitando a água, ouço o barulho do cesto de roupa suja se mexendo. Ah. Não. Por favor, não! Coloquei o rosto para fora da cortina, enquanto dizia:

— Com licença, eu estou...

Cold estava sem camisa, exibindo um físico mais forte do que eu imaginava que tivesse, algumas tatuagens, o cabelo loiro preso em um coque, com o objeto funcional à mostra. Eu perdi a linha de pensamento com aquela cena, até notar que Cold me encarava como se nunca tivesse me visto na vida e, portanto, estava horrorizado. Assim que ele gritou, eu gritei duas vezes mais alto. Imediatamente, ele guardou aquela coisa toda na calça e saiu correndo do banheiro, berrando:

— COLD! — Ele... ele estava falando com ele mesmo? — MAS QUE PORRA É ESSA?

Agora eu tinha certeza: Cold tinha dupla personalidade e esquizofrenia. Era pior do que eu imaginava. Por um instante, refleti se um maníaco sexual era mais assustador que um esquizofrênico e conclui que: não. Então desliguei o chuveiro rapidamente, me enrolei na toalha e corri para fora do banheiro.


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Notas finais do capítulo

Amores, espero que tenham gostado do capítulo e de conhecer um pouco mais sobre Cold e o apartamento dele. O que estão achando da escrita?
Vamos fazer uma dinâmica de perguntas e desafios para os comentários.
1) Me envia a sua música favorita para eu escutar e eu lhe enviarei outra ♡
2) Escreva no comentário uma pequena carta para o Cold ou para a Dawn, falando diretamente a um deles algo que você queira dizer e o personagem vai te responder ♡
3) Qual a média de palavras por capítulo vocês leem? Até 1k, 2k, 3k ou mais?
Aguardo a resposta de todos ♡ e obrigada por acompanharem!