As Desventuras do Caos escrita por Reet


Capítulo 2
CAPÍTULO II — OFERTA DE ABRIGO DE UM CASO PERDIDO


Notas iniciais do capítulo

BETAGEM: Ladybug (ID: 693356).

(22/07/16) EDIT: Edição de diálogos e descrições.

(04/12/16) EDIT: Diálogos.



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Eu estava sozinha. E molhada. No corredor do prédio de ciências humanas da Universidade de Bournemouth, onde eu cursava Jornalismo, por uma bondade da parte do zelador Jeffrey em me deixar entrar, um velho com uma perna menor do que a outra que andava mancando e morava no campus em um armário de vassouras. Talvez eu pudesse ficar com o armário de produtos químicos qualquer hora dessas.

Como última esperança, imaginei que acharia no quadro de avisos o número de algum estudante, dono de república, desesperado por alguém que estivesse disposto a pagar, na mesma noite, duzentas pratas pela mensalidade de um quarto, mesmo quando os quartos da redondeza custavam, no mínimo, quatrocentas libras por mês.

Meu corpo estremecia de frio com as peças de roupa coladas à pele e os fios de cabelo em minha cabeça gotejavam traçando um caminho pelo corredor. Encarei o quadro de avisos de república sem realmente procurar alguma, meu pensamento estava em outra coisa — as falsas previsões do meu futuro passavam diante dos meus olhos. Necromante? Cigana? Mendigo? Eu não sabia falar com os mortos, ler mãos ou pedir esmola. Até para ser nômade, eu estava ferrada.

— Humpf… Eu vou morrer de frio — suspirei, passando a mão pelo rosto e tirando o excesso de água da chuva dos olhos.

— Procurando vagas em repúblicas?

Para confirmar que o vulto falante não era coisa da minha imaginação, e sim uma pessoa de verdade, virei-me na direção do corredor. A frágil iluminação provinha da janela que focalizava, engenhosamente, o quadro de avisos, deixando o restante do corredor, um breu. O garoto, estupidamente mais alto que eu, com uma voz não tão grave, parecia envolto em neblina, eu não podia ver seu rosto.

— Desesperadamente — respondi, piscando em sua direção por um breve instante e tornando a fitar o quadro. Continuei: — Mas a menos que você conheça alguém aceitando qualquer um por duzentas libras, eu sou um caso perdido.

Após um longo minuto, o cara se aproximou. O capuz lhe cobrindo a cabeça trouxe a conclusão de que a neblina que o envolvia era procedente de cigarros. O cara respondeu, com a voz rouca:

— Somos dois casos perdidos, porque eu estou aceitando qualquer um por duzentas libras.

Eu deveria ser louca por estar prestes a dizer aquilo, mas arranjar um lugar para dormir se tornou uma necessidade desesperadora:

— Tá brincando?! — exclamei. — Por favor, não esteja!

O extrato de nicotina ambulante se aproximou mais e apontou no quadro, com o dedo indicador, um pequeno bilhete escrito em folha de caderno amassada, que passaria despercebido por qualquer um, onde era possível ler uma caligrafia torta:

1 quarto individual disponível

078 6431 7035

— Sem pré-requisitos, preferência, nada? — ao que perguntava, o garoto balançava a cabeça em negação. — Você é um assassino em série ou estuprador, por acaso?

— Eu não diria se fosse — respondeu, guardando a mão no bolso do moletom. — Você tem algum problema com nudez parcial, cigarros ou porta de banheiro sem maçaneta?

— Acho que posso me acostumar com a porta — disse, pensando por um breve momento em contestar a porta sem maçaneta, porque privacidade era uma das coisas que eu mais prezava, mas como aquela vaga era o que tinha para hoje, continuei: — Que tipo de nudez parcial?

— O tipo de um cara como eu, com o meu corpo e a minha cara andando pela casa sem camisa ou outras peças de roupa.

O cara puxou o capuz da cabeça e eu pude enxergar suas características. Seu cabelo era loiro escuro, cheio de mechas claras, com o caimento até o ombro — particularmente, me lembrava o Kurt Cobain. O maxilar era definido e marcado, combinando com sua estrutura forte, mas, ao mesmo tempo, magro. Os olhos, demarcados por manchas escuras ao redor, eram cor de cobre, e as sobrancelhas grossas e escuras davam às feições um ar exótico. Ele era... céus, ele era um pedaço de mal caminho. Que tipo de idiota se incomodaria com nudez parcial dele?

Mas ao invés de dizer isso, eu apenas me engasguei e respondi:

— Não, nem um pouco.

— Então você é perfeita — concluiu o homem-fumaça. — Como disse que se chamava, mesmo?

— Dawn. Dawn Firewood.

— Como o amanhecer? — Eu afirmei lentamente com um leve sorriso para o que ele concluiu. — Me chamo Cold. Cold Lane.

— Ok. Cold, a temperatura. — O garoto deixou uma risada baixa escapar, balançando a cabeça.

— Eu sei o que você está pensando, mas minha mãe gostava da sonoridade. E ela é alemã — ele respondeu, dando de ombros. — Ela sempre escolheu nomes com significados, embora o meu seja o mais...

— Frio? — brinquei. Cold piscou algumas vezes e abriu um sorriso de canto.

— Engraçada. E o que te levou a procurar um apartamento nesse estado, devo me preocupar? Fugindo de algum ex-namorado ou algo do tipo?

— Algo do tipo — respondi. — Estou fugindo do meu pai ou, melhor, ele está fugindo de mim. — Tentei disfarçar meu sofrimento psíquico com um sorriso falho. — A verdade é que eu acabei de ser expulsa de casa — admiti, sacudindo a cabeça e espirrando água para todo lado, devido ao meu cabelo ser curto demais para torcer. — Eu só tenho algumas libras em mãos e nenhum emprego. Não estou certa de que conseguirei pagar o próximo mês, tem certeza de que não há nenhum problema? Eu posso ficar com o zelador algumas noites…

— O zelador não parece muito amigável. — Fumaça, mais conhecido como Cold, apontou para a saída da faculdade e caminhamos naquela direção. — Quer uma carona? O apartamento fica a três quadras daqui, na Vila dos Estudantes.

— Nessa chuva, eu daria tudo por isso.

Tivemos uma curta caminhada até o estacionamento, onde não foi difícil reconhecer o sofisticado veículo automotor de adolescente vagabundo do Cold. Meu grande vazio de conhecimento por carros me mostrava que era apenas um carro achatado e preto, mas eu sabia ler, portanto vi que era uma BMW M6. Eu não era tão idiota a ponto de não perceber que o carro era caro, mas tentei não duvidar do fato de um estudante procurar por colega de apartamento com um veículo caro.

O cara destrancou o carro e, ao abrir a porta, o cheiro tóxico de cigarros machucou minhas narinas, acarretando uma crise de espirros. Pulei uma poça de água e me sentei no banco do passageiro distraidamente enquanto Cold tirava algumas pastas e papel timbrado de cima do couro, enfiando tudo no porta-luvas.

Ao examinar o banco traseiro para colocar minha mochila de roupas, a luz de fora da Universidade estava vagamente iluminando o carro, mas o suficiente para me deparar com um saco de dormir, um rolo de fita isolante, cordas, um pé de cabra e algemas. Organizando direitinho, dava para elaborar um perfeito homicídio com tudo aquilo.

Se aquilo não era estranho demais para uma proposta de apartamento, eu não sabia o que era.

— Oh, merda — sussurrei. Cold levou a atenção para onde eu estava olhando. Eu o encarei, procurando sua reação, mas ele apenas abriu um sorrisinho amarelo.

— Se eu te contar, terei que te matar — disse, o que foi suficiente para despertar a desconfiança em mim.

— Acho que eu posso ficar na chuva hoje, obrigada — respondi, sentindo meu coração dar um salto e todo meu corpo esquentar. Chutei a porta do carro e me atirei para fora, agarrando minha mochila comigo.

— Espera!

Foi a última coisa que ouvi antes de ser arremessada na poça de água que eu havia acabado de pular, batendo a cabeça.

Eu estava completamente morta. Não que fosse possível estar parcialmente falecida, mas uma parte de mim já havia aceitado o fato de que meu corpo seria encontrado em alguma caçamba de lixo com evidências de estupro e agressão e nenhuma perícia criminal saberia o que aconteceu. Meu legado iria por água abaixo, e caso você esteja se perguntando: “que legado?”, eu admito que essa seja uma ótima pergunta.

Minha testa latejou e eu achei que tivesse desmaiado, por um momento, deixando de fazer esforços para me mover. Evidentemente, eu já estava encharcada de água, mas assim que a mão da sabedoria — e da organização e limpeza — tocou minha consciência, eu me ergui pelos braços e soltei um grunhido de raiva. Agora, além de encharcada, eu estava imunda.

Se aquele era o maior dos problemas? Provavelmente não, mas eu estava ocupada demais cuspindo água suja e sentindo nojo até da minha própria alma para pensar em possíveis assassinos e suas BMWs atrás de mim.

Limpei o rosto, na medida que era possível limpar, e assim que minha mão estalou ao tentar se livrar da sujeira, meu pulso foi agarrado. Eu ergui o rosto, já sabendo de quem se tratava.

— A medalha de caso perdido do ano é definitivamente sua — disse de olhos arregalados. — É sério, o que deu em você?

— Olha... eu agradeço sua proposta, mas... eu prefiro ficar longe... de problemas — manejei de explicar enquanto arfava e me levantava do chão.

— O quê, você está falando das algemas? — Cold revirou os olhos. — Se achou aquilo estranho, então nem deveria ver meu quarto.

— Eu estava falando do pé de cabra, mas — disse, olhando para Cold, incrédula — obrigada pela informação. Eu acho que já vou indo.

Então, ajeitei a mochila no ombro e me virei, mas não consegui dar nem dois passos antes que Cold agarrasse meu braço.

— Onde você pensa que vai?

— Procurar um abrigo.

— Eu tenho um abrigo — disse e após isso, ele se dirigiu ao carro e abriu a porta. Eu observei por um momento enquanto ele ligava o veículo e os faróis, iluminando a chuva que castigava a noite. — Chuveiro quente, cama, Wi-Fi e pizza. É a melhor oferta que você vai ter. — Eu senti meu corpo estremecer de frio e o meu estômago roncou com a menção do fast-food. — Pizza de queijo ou calabresa, você escolhe.

Mordi o lábio inferior, olhando para o banco vazio do carro e em seguida para minhas vestes e o quanto estavam molhadas. O moletom cinza que eu trajava já era. Iria direto para o lixo. Aquela oferta era tentadora. Eu iria pro inferno se aceitasse?

— Você parece um assassino de aluguel — eu admiti, cruzando os braços, mas já estava quase certa de que iria aceitar.

— Eu não vou te matar — respondeu ele com um sorriso no canto dos lábios que parecia vagamente cheio de segundas intenções. — Só de prazer. Se você quiser. — Sim, eu definitivamente iria pro inferno.

Concluí que as algemas, cordas e a fita não tinham nada a ver com homicídio, mesmo. Soltei uma risada que era mais um deboche do meu próprio azar. Cold não passava de um cara normal, com algumas pastas de ofício normais, um emprego bom o suficiente para sustentar um carro e gostos excêntricos.

Suspirei e me joguei no banco acolchoado, direcionando as saídas do aquecedor para mim e abraçando minhas pernas com meus próprios braços para conter o frio.

— Eu acabei de deixar você arruinar meu estofado de couro. — Cold tossiu e não se virou para me encarar, apenas acelerou. — Sinta-se privilegiada.

— Agradeço — respondi. — Calabresa.

— Ótimo. Nós sempre escolhemos calabresa.

Nós?, tive vontade de perguntar, mas a merda já tinha sido feita. Eu tinha cinco segundos para decidir o que mais valia a pena: pular do carro em movimento ou ser levada para o apartamento de um possível maníaco sexual.


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Notas finais do capítulo

Obrigada por chegar até aqui! Espero que esteja gostando de acompanhar! Se você vai comentar, toma um beijo: ☆ ~('▽^人)
E se você não vai comentar, eu vou te dar dois motivos para isso!
1) Qual é o seu signo solar? E, se você souber, passa o ascendente também! (Se não souber, rápido, faz seu mapa aqui: https://www.personare.com.br/astrologia/mapa-astral)
2) Qual o significado do seu primeiro nome?
Mais um beijo para você que gostou: (*¯ ³¯*)♡ Até o próximo!