As Desventuras do Caos escrita por Reet


Capítulo 1
CAPÍTULO I — A DELINQUENTE


Notas iniciais do capítulo

(05/12/16) EDIT: Diálogos.

Betagem: Ladybug (ID: 693356)

EPÍGRAFE:

"Toda grande mudança é precedida pelo caos." (Deepak Chopra)



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A linha que separava a calmaria da tempestade sempre foi muito tênue para mim. Com uma variedade — ou o que se pode ter dela — de manequins de maquiagem como madrastas e um velho alcóolatra com pai, já era de se esperar que eu surtaria a qualquer momento.

Mas dessa vez, William havia se superado.

A ideia de expulsar a única filha de casa era tão assustadora quanto real, e se algum dia já duvidei de que ele fosse capaz disso, eu tive a proeza de descobrir com meus próprios olhos naquela quarta-feira chuvosa em Bournemouth.

— DAWN! — Escutei de longe a voz estridente de Lindsay Cook, causando-me um sobressalto e interrompendo minha leitura. Revirei os olhos, tentando ignorar. Eu não tinha cara de babá para ficar aguentando aquela mulher.

Às sete horas da noite, eu estava aconchegada no divã da sala com um exemplar surrado de um romance em mãos e eu pretendia continuar daquela forma. O convívio com o silêncio me animava, mas Lindsay era o oposto do silêncio, e por mais que minha capacidade de evitar problemas fosse excepcional, ela não evitava Lindsay.

O par de salto agulha de bico pontudo entrou no meu campo de visão, após fazer um grande barulho ao se arrastarem pelo ambiente. Um fato muito interessante sobre os saltos é que eles devem ser usados por quem sabe andar, e a nova mulher do meu pai não sabia. Ela parecia um primata andando em uma corda bamba, de vestido florido e colar de pérolas.

William Firewood era meu pai, mas o sobrenome era a única coisa que tínhamos em comum. Eu não tinha uma única lembrança boa vinda dele e até mesmo sua famigerada obrigação paternal ele não era capaz de cumprir. Ele tinha problemas com álcool. Por causa da empresa que ele gerenciava, o dinheiro e as mulheres vinham fácil em sua vida e iam embora da mesma forma. Por volta dos seus 50 e poucos anos de vida, eu já havia perdido a conta do número de madrastas.

E agora era a vez de Lindsay Cook, a mais desprezível de todas, com certeza. O que tinha de busto e quadril, faltava-lhe em inteligência. Além de tudo, era arrogante. Ela tinha, o quê, 23 anos? 24? Poderia ser a minha irmã mais velha se meu pai não estivesse brincando de enfiar o pau nela. Aquele pensamento me causava náuseas.

— Eu estou falando com você! Por que você não larga esse bloco de papel inútil e vai se arrumar? Se não estiver pronta em cinco minutos, vamos te largar em casa — reclamou com a voz tão chiada que eu poderia jurar que parecia um rádio velho.

— Eu não estou interessada, obrigada — respondi, voltando a atenção aos parágrafos do livro. 

Lindsay aproximou-se e colocou os dedos no dorso do meu exemplar de Anne Rice. Eu prendi a respiração e fui obrigada a olhar na cara dela.

— Queridinha — sibilou, esboçando um olhar cínico e completamente detestável. — Você está enchendo meu saco! É melhor fazer o que eu mandei. Agora.

Ela puxou o livro das minhas mãos e no momento seguinte ele estava no chão, amassando a orelha e a maior parte das folhas. Naquele momento, algo dentro de mim explodiu. Talvez a paciência.

— VOCÊ FICOU MALUCA?

Veja bem: ninguém toca nas minhas coisas. Era muito organizada e possessiva com tudo que era meu, além de carregar nas costas o peculiar vício por limpeza que me impedia de ficar quieta quando algo estava fora do lugar. E isso significava que Lindsay, naquele momento, havia passado dos limites. Limites que sempre estiveram a um quilômetro de distância da minha intimidade. A minha relação com minha madrasta e meu pai era, e sempre seria, estritamente obrigatória. Enquanto ele me sustentasse eu estaria debaixo de seu teto, mas o passado nunca me deixaria esquecer o homem que ele era. 

Levantei-me do sofá e me coloquei à sua frente. 

— Você não tem o direito de mandar em mim, muito menos de encostar nos meus livros! Você não é minha mãe, esqueceu? É uma vagabunda desabrigada!

— O que foi que você disse? — Lindsay semicerrou os olhos com raiva.

Antes que eu tivesse tempo de responder, ouvimos um barulho de passos vindo do corredor. Lindsay fez uma cara de injustiçada, como se estivesse com o coração completamente despedaçado. Ótimo. Eu sabia que tinha algo errado. Eu sabia que alguém estava examinando minhas costas. Virei-me, pronta para encarar meu pai, parado ao arco de entrada da sala. Ele cruzou os braços em desaprovação. 

— Com quem você pensa que você está falando? — William estava irritado e levemente embriagado, como de costume. 

— Com essa louca que você pôs em casa, quem mais? 

— Lindsay é minha mulher! — gritou. Eu notei que seus olhos estavam avermelhados e sabia que discutir com um alcoólatra era a pior coisa que eu poderia fazer agora. — Você precisa respeitá-la como tal, nós vamos gerar uma família.

— Como você fez com todas as outras que colocou aqui em casa? Sua única família era a mulher que você matou! — Minhas palavras saíram frias e cortantes. Ele se enfureceu. 

— Você tem que aprender a medir suas palavras! — grunhiu.

— Ou o quê? Vai me por de castigo? Francamente, Will, eu tenho 20 anos, você acha que eu sou idiota? Você traz essa vagabunda analfabeta para dentro de casa e eu tenho que ficar ouvindo essas coisas? — brandi, gesticulando com os braços. 

— É suficiente para mim, Will. — Lindsay choramingou e se pôs ao lado dele. — Você não vê que ela não tem conserto? Sua filha é uma delinquente, veja como ela me trata! — enquanto ela proferia suas palavras com um falso ar de melancolia, eu arregalei os olhos para aquela besteira. — Eu não queria ter que pedir isso, mas pelo nosso bem, ou ela, ou eu. 

Ele não vai ceder a essa chantagem, pensei.

Mas eu estava errada. E dessa mesma forma, eu me tornei a vagabunda desabrigada.

Ir embora de uma casa que eu detestava morar com pessoas que eu detestava conviver poderia parecer a melhor coisa do mundo na emoção do momento. Mas não era e nada cooperava para que fosse, como a previsão de tempestade, a falta de um lugar para ficar, a recusa da minha melhor — e única — amiga em me deixar dormir na casa dela um dia sequer e todas as seguintes desventuras que estavam prestes a acontecer. 


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Notas finais do capítulo

Oi... [grilo plays softly in the background] Vocês já podem começar a jogar os talheres, tomates e tudo que há de bom em mim, por conta do meu sumiço em relação a The Roommate, mas agora que eu reformei a história da cabeça aos pés, espero que gostem. De verdade. Está mais coerente dessa forma. Eu uso esse tumblr aqui para postar fotos de personagens, trailer e outras coisas relacionadas a fanfic (http://desventurasdocaos.tumblr.com/).