DeBrassio escrita por Lola Baudelaire


Capítulo 4
Capítulo 4 - Antes


Notas iniciais do capítulo

Hey,



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Depois de limpar a casa, me jogo no sofá e ligo a televisão. É pouco mais que nove da noite e não tive notícias de ninguém. Shawn costuma chegar por volta das dez, então eu espero que ele esteja com a minha mãe e que ambos estejam de barriga cheia porque não tem comida — me ofereci a ajudar Gwen a limpar a casa dela, aproveitando, por mera coincidência, para experimentar um pouquinho do frango no jantar.

Não há muito o que possa ser feito. Ninguém ligou, e tenho a leve sensação de que meu celular não tocará tão certo. Sinto um aperto forte na garganta, tenho que me esforçar muito para não chorar. Eis a minha realidade: minha mãe sumiu, mas não posso ligar para polícia, porque eles vão ligar para o serviço social, e eu não quero ir para o Arizona, morar com minha irmã. Sinto que deveria falar algo para Gwen, talvez ela possa me ajudar. Ou eu deva esperar mais um pouco e ver se Shawn tem alguma notícia.

Zapeio pelos canais sem muita opção para assistir. Que tal CSI? Detetives procuram assassinos, na maioria bem excêntricos, em Las Vegas. Ou a reprise Pretty Little Liars? Não, Gwen odeia pll. Posso ouvi-la martelando nos meus ouvidos: “Porque eles não podem seguir a história dos livros? Incompetentes, não sabem fazer nada que preste”. Não que seja ruim assim. Não, Gwen está certa, é uma porcaria em comparação aos livros. E eu não tenho outra escolha, decido assistir Emily Fields — que teve a sua grande família esquisita completamente apagada da série — beijar outra garota. Enquanto a atriz praticamente engole a outra garota, fico me perguntando porque a Emily não é ruiva como nos livros. É bem mais fácil pensar em como seria legal vê-la com o cabelo esverdeado por causa do cloro, do que tentar imaginar o que realmente aconteceu enquanto eu dormia.

De repente, nada faz mais sentido. Transformaram Hanna Marin em uma loira burra, Toby Cavanaugh não morre e a família da Spencer não é desregulada como deveria ser. Ah, claro, Erin. Essas coisas acontecem. Produtores de TV podem acabar personagens preferidos, desdenhar dos detalhes importantes do livro e transformar Alison DiLaurents em coadjuvante da própria história e no fim vai estar tudo bem. Não vai deixar de ter milhões de fãs que ainda têm a coragem de dizer é igualzinho aos livros. E adultos podem chegar bêbados em casa e ir embora abandonando suas filhas de dezesseis anos em casa. Porque sempre vai haver outro adulto para justificar. O discurso será repetido incessantemente: Nós erramos tentando fazer o melhor.

Logo percebo que o episódio já acabou e minha raiva aumentou mais ainda. Estou começando a ficar com fome e não há sinal de ninguém. É difícil não chorar e suprimir a vontade de ligar para Gwen e contar tudo. Porque é tão complicado guardar segredo? Eu não deveria ter escondido, nós somos praticamente irmãs e ela iria me ajudar. Bem, talvez desse um pequeno escândalo primeiro. Deitei de bruços e afundei o rosto na almofada. Eu também não poderia correr o risco de ela contar para alguém.

O barulho de chave, que parece ser na porta da frente, me traz de volta ao mundo real. Ouço, prendendo a respiração a porta ser aberta e os passos vindo em direção a sala. É Shawn, eu sei pelo jeito bruto que suas botas pesadas tocam o piso. Então os passos cessam.

— O que têm para o jantar? — pergunta ele, com seu leve sotaque sulista.

— Nada — minha voz sai abafada pelo tecido.

Ele não se move, e nem fala nada por alguns minutos. Eu sei que está com raiva; trabalhou o dia inteiro e agora não encontra nada para comer. Posso sentir sua frustração pairando pela sala. Ou talvez seja raiva, quem sabe.

— Sua mãe já chegou? — pergunta mais uma vez.

Ah, perfeito. Ele também não sabe.

Levanto o braço e faço que não com o dedo indicador.

Os passos voltam e os ouço subindo a escada. Rapidamente sento-me no sofá e desligo a televisão. Será que Shawn sabe de alguma coisa e não pode contar? Ele pode se sentir culpado por algo que fez e não consegue falar. Aguardo em silêncio, mas mal consigo conter a ansiedade.

Imagino-o entrando no quarto e acendendo a luz ao lado da porta. A penteadeira está intacta, pelo menos por cima. Então, ele abre os armários e não encontra o vazio. Puxa as gavetas com fora e as deixa cair no chão (sim, eu posso ouvir). A segunda gaveta do criado-mudo, onde fica os documentos, é revirada violentamente. Depois de sentir a mesma raiva que eu, ele dispara pelas escadas e para, sentando no outro sofá, perto da parede.

Seu rosto está vermelho, a respiração um tanto ofegante. Shawn não deve ter mais que trinta e cinco, mas nesse momento parece ter envelhecido décadas. Dos quase dez anos em que morou com a gente, nunca o vi tão agitado. Suas mãos frenéticas percorrem o cabelo castanho. Ele parece com medo e um tanto confuso. SUSPEITO. Eu espero calmamente que ele diga as quatro palavras possivelmente pode explicar tudo: EU MATEI SUA MÃE.

Mas não, o que ele não afirma. Usa apenas três palavras. É o que nós temos em comum. A mesma incógnita que nenhum dos sabe como encontrá-la:

— Onde ela está?

— Como eu posso saber?— retruco, cruzando os braços.

— Você chamou a polícia?

— Não. Por que eu chamaria?

— E porque não chamaria? — se coloca de pé e me encara, também de braços cruzados — Você tem algo a esconder, Erin?

Ah, Miserável! A desconfiança é mútua, eu sei. Seus olhos escuros parecem muito mais sérios que o normal. Ele sabe de algo e insinua que eu tenho culpa.

— Não comunique a polícia. É o melhor a ser feito. — parece tentar convencer mais a si mesmo do que a mim.

Eu observo seus movimentos até desaparecer na cozinha. Por um tempo o abrir e fechar dos armários é só o que ouço. Mais do que nunca sinto vontade de ouvir seus pensamentos. Shaw sabe de algo, não há dúvidas. De repente não é seguro ficar aqui. E se ele tiver machucado minha mãe, pode me machucar também.

Levanto-me do sofá bruscamente. Talvez Gwen me deixe dormir na casa dela. Eu posso dizer que... bem, eu ainda tenho que pensar. Tenho medo de ficar. Procuro pelos meus tênis, mas encontro apenas um, perto da mesa de centro. Por que as coisas não podem ficar um instante aonde eu as deixo. Abaixo aos pés do sofá em que estive deitada, e tenho que usar a lanterna do celular para conseguir enxergar alguma coisa. Me assombro ao ver que mesmo embaixo do sofá — lugar que eu raramente dava atenção — tudo parece limpo. Não tem poeira, nem cabelo embolado. E lá no fundo está ele, meu All Star cano médio, completamente desbotado e sujo.

— Onde você pensa que vai?

Eu não estou em uma posição favorável. Meu braço esquerdo está completamente embaixo do sofá, quase alcançando o sapato.

— Vou pegar meu tênis, não vê?

Enfim consigo pega-lo e começo a calçar as meias. Eu me lembro de quando o vi pela primeira vez. Shawn, não o tênis. Ele era bem mais magro e parecia legal. Mamãe nos disse que deveríamos nos comportar porque ela estava feliz. Eu estava feliz também, Shawn nos levava ao parque. Mas Laurel nunca pareceu gostar, na maioria das vezes ficava emburrada em casa e quando minha mãe a obrigava a sair Laurel sempre fazia um vexame. Ela o apelidou de sr. Crápula. Na época eu me irritava com essa grosseria. Como minha irmã poderia ser tão rude com alguém tão gentil.

Talvez Laurel estivesse certa.

— Você não vai sair dessa casa — Shawn ordena com toda a sua superioridade [que ele acha que tem] de padrasto, tentando esconder a aflição — eu vou sair e você vai ficar aqui quietinha.

Gostava mais de quando me pagava um sorvete.

— Ah, claro. Você vai sair e eu vou ficar aqui. Muito bem, Shawn. Então esse é o seu plano? — questiono, tomando cuidado para não ficar próxima demais. Laurel poderia estar aqui e me ajudar a sair dessa, mas ela preferiu fugir para faculdade e se casar aos vinte.

— Eu vou comprar comida, Erin. Caso não tenha visto, estamos sem nada. — a mudança no seu tom de voz é violenta. Parece exausto, confuso. Inocente. Ele caminha até a porta e eu o sigo.

— Se você for, eu chamo a polícia! — grito alto, fazendo minha garganta doer.

Ele segura a maçaneta da porta e para. Parece calcular alguma coisa. Eu paro também; estou pronta para me virar e correr. Se eu subir as escadas correndo, posso me trancar no meu quarto e fugir pela janela. Então ele ri. Uma risada fria que me gela meu sangue. Não consigo me mover.

— Você não vai querer a polícia revirando essa casa. — ele diz, antes de sair e bater a porta.


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Notas finais do capítulo

Obrigada por ler