DeBrassio escrita por Lola Baudelaire


Capítulo 20
Capítulo 18 - Antes - Parte 2


Notas iniciais do capítulo

Oi, resolvi terminar aquele antes porque senti que deveria



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— Sabe, eu adoraria... — começo puxando a coberta — que você parasse de fazer minha vida um inferno.

Cruzo os braços e encaro seu rosto confuso. Não queria estar fazendo isso, juro de verdade. Mas pelo amor de deus, como alguém pode ser tão implicante. Sempre vi Gwen implicar com as pessoas na escola, mas nunca foi tanto quanto ela é agora.

— Me deixa dormir, garota! — ela protesta — são duas da manhã.

Dou de ombros e jogo a coberta no chão. Tento não tremer muito, tento não socar a cara dela. Jesus, como isso é difícil.

— Agora você quer dormir? Não, você vai levantar e me dizer qual é o seu problema com isso.

Sinto meu peito queimar e os braços tremerem. Eu preciso ficar calma. Calma! Ai meu deus, eu não consigo ficar calma.

— Eu não sei do que você está falando, sua maluca.

Gwen suspira e senta com as costas apoiadas na parede verde claro. Seu cabelo forma um emaranhado de fios castanhos. E seus olhos estão mais selvagens do que de costume. Sim, é claro que ela sabe. Sabe muito bem.

— Ah, então você nem se lembra de ter espalhado para a escola inteira que eu coloquei fogo na minha própria casa só para vir dormir com seus irmãos? — elevo meu tom de voz e a mágoa fica mais evidente do que eu gostaria.

Hoje pela manhã foi a primeira coisa que ouvi ao entrar no banheiro feminino do ensino médio. “Erin DeBrassio é doida, por isso a mãe dela foi embora.” Eu encarei bem de perto a garota que falava. Eu quis sentir o cheiro da mentira saindo da boca dela; eu queria chorar, na verdade. Mas a fiz dizer aonde ela tinha ouvido essa história e saber que foi da boca da própria Gwen, que Grace Cohen escutou no início da semana, acendeu um incêndio mais intenso do que o que consumiu a minha casa.

Gwen faz algo com a boca que se parece um sorriso e eu juro que se não tivesse alguém segurando meu braço eu teria apertado o pescoço dela. Olho para um Seth embaçado pelas lágrimas e sinto vergonha. Sim, ele escutou cada palavra. Agora todos sabem. Engulo o choro e tento escapar.

— Erin, para!

Não adianta me segurar. Eu vou me perdendo, escorregando no ódio. Agarro o braço dela e a trago para perto de mim. Quero olhar seus olhos azuis, ler o ódio de perto e entender por que essa implicância toda em cima de mim? Pra que tanta perseguição.

— Eu só falei para Grace, eu juro. Erin, não! Por favor.

Não, não tem favor, ela quer destruir o resto da minha vida. Estava todo mundo falando disso na hora do almoço e Grace Cohen me perguntou como era dar para alguém mais velho. Passei o restante da aula trancada na sala do diretor tentando explicar que não, eu não faço sexo com qualquer um que aparece. Não, eu não provoquei a droga do incêndio. Agora vão chamar minha mãe e a sra. Whalen para esclarecimentos.   

Vou matá-la.

Seth não é capaz de me segurar e logo sinto a pele de Gwen sob meus dedos. Ela grita e tenta se afastar. Me arranha e chora, eu acho. Não há som, estamos afundando. Meu corpo é puxado com força para trás e Ricky me segura, prendendo meus braços embaixo dos seus. Sou arrastada com violência para fora do quarto e a porta se fecha num baque, me trazendo de volta.

— O que deu em você? — ele pergunta, segurando meu rosto com as duas mãos.

Seus olhos castanhos estão vermelhos e ele tem cheiro adocicado. Tento me afastar, dando passos para trás rumo ao fim do corredor. É culpa dele também. Eu deveria ter feito tudo sozinha. Deveria ter morrido quando aquele homem apontou o revólver na minha direção.

Meu peito dói e acho que vou desmaiar. Se Alexandra estivesse aqui ela me expulsaria daqui e nunca mais olharia no meu rosto. Estaria sozinha mais uma vez e desta vez sem lugar para onde ir.

Eu não sei como responder.

Apenas me afasto e corro.

...

Eu queria estar morta. Silenciosa como minha tia Marla foi enterrada quando eu era criança. Acho que não chorei, nem minha mãe, nem a vovó. Apenas Laurel chorou como se tivesse perdido parte de si. Afinal todas nós perdemos um pedaço naquele fim de semana. Laurel foi a primeira a reconhecer que aquilo realmente havia acontecido no final de semana antes das férias de verão. Em um dia tia Marla estava lá e no outro os paramédicos tentavam reanimar seu coração bondoso. Laurel também foi a primeira a aceitar e seguir em frente.

As semanas que sucederam sua morte foram envoltas de uma névoa deprimente. Até para uma garotinha de dez anos. Tudo parecia andar em câmera lenta e a minha mãe sempre olhava para o nada no meio das conversas. Acho minha mãe foi embora naquela época, o que estava aqui foi só o que sobrou.

Mais uma vez deito no granito gelado e choro.

Eu não planejava perder o controle daquela forma. Após ser liberada da sala do diretor, corri direto para o que sobrou da minha casa. O porão. Chorei até cair no sono com os olhos inchados. Eu tive vergonha de sair de lá até sentir que precisava resolver essa bagunça. Mas eu só piorei as coisas.

Abraço meu corpo para me aquecer. As mangas compridas da blusa de tricô que Alexandra me deu antes de viajar para D.C. não são capazes de aquecer meus braços; minhas pernas se encolhei sob a calça de moletom. Eu não estou nada agasalhada; isso não importava naquela hora. Bem, não importava até pouco tempo. Quando a adrenalina foi abaixando pouco depois da corrida ter acabado eu comecei a sentir muito frio. Afinal, é madrugada.

Sento e abraço os joelhos para me encolher.

Acho que não posso voltar agora. Não quero voltar nunca mais. Não me impeço de chorar e logo acho que todos podem me escutar. Ah, se a minha mãe pudesse me ouvir e me abraçar. Ah, se eu pudesse consertar as coisas. Sinto falta de Laurel, do meu pai contando histórias para nós duas, depois de ter trabalhado o dia inteiro. Eu não consigo entender como as coisas podem dar tão errado. Por que eu sou tão errada?

Sinto uma mão quente no meu ombro e não a afasto. Estou cansada demais de me esquivar. Não quero lutar mais. Deixo que Ricky coloque seu sobretudo nos meus ombros e permito que ele me abrace enquanto eu choro ainda mais. Não fui humilhada o suficiente, preciso me esvaziar até não sobrar nenhuma parte de mim. Não dá para saber quantos são os minutos quando eles passam

Ricky segura meu queixo delicadamente leva meu rosto até si, me fazendo levantar um pouco. Sigo em direção da sua respiração quente, meu corpo treme de frio. Eu não sei mais o que está acontecendo quando nossos lábios se chocam. Parece mais uma das musicas da Lana Del Rey.

“Ouvi dizer que você gosta de garotas más. Querido isso é verdade.?”

Apoio minha cabeça no seu peito me sentindo fraca e permito que seus braços me envolvam. Estou cansada demais para questionar; infeliz demais para fingir que não é isso que eu preciso.

Ficamos em silencio por algum tempo. Ele em pé na minha frente e eu encolhida no granito gelado, ainda abraçando os joelhos. A cadencia do coração dele me ajuda a relaxar e logo os soluços vão embora.

— Erin... — Ricky limpa a garganta e começa a falar em voz baixa — você tem que parar de vir ao cemitério de madrugada.

Eu quase rio. Jura? Não é como se eu me importasse o suficiente. Entretanto, não digo uma palavra. Não vale a pena discutir. Ouço-o engolir a seco. O silencio se instaura por mais algum tempo. Abraçar Ricky nunca foi desconfortável quanto abraçar outras pessoas. Eu me sinto segura, de certa forma. Isso está muito errado.

— Eles sabem sobre o arquivo, Erin... De alguma forma aquilo tudo era sigiloso e virou caso de polícia.

Sua voz continua calma, mas faz com que eu me afaste para encara-lo. De certa forma parece haver sofrimento, um incomodo. Me pergunto se ele está chapado de novo. Será? Não tem como ver muita coisa na penumbra, mas ele parece sério.

— Eles sabem que vocês estavam lá? — pergunto.

Ele faz que sim com a cabeça e eu me abraço mais apertado. Algo brilha no fundo da minha mente.

— Será se ela também apareceu nas câmeras? — pergunto, um pouco esperançosa.

— Não tem como saber. — Ele responde com um suspiro.

Sei que não é só a preocupação de que descubram que o arquivo foi parar na nossa mão. Sei do que ele tem medo. É bem mais que isso. Ser descoberto usando drogas dentro das dependências da escola não vai ter a menor das punições; e é muito pior quando isso acontece está fora do horário de aula. É isso que ele tem medo: ser pego por se drogar na escola e ser acusado de arrombamento. Nossa, o que é a ocultação de cadáver no meio disso tudo? Eu também fiz parte disso e ajudei a descartar aquele trambolho de metal. Vai sobrar para mim também. Tudo isso gira na minha cabeça, mas prefiro ficar calada. Não vale a pena brigar por isso. Não agora.

Quando Ricky sente que não precisa mais me abraçar — ele sabe que eu não vou correr — ele me solta e me ajuda a ficar em pé ao seu lado. Caminhamos em silencio pelas ruas desertas. É melhor não pensar muito no que aconteceu Ricky deixa que eu use seu casaco, mas não segura minha mão. Graças a deus. Isso só complicaria ainda mais as coisas.

Tento ensaiar uma forma de me desculpar com Gwen, porém não seria algo ruim só fingir que nada aconteceu. Não tenho dificuldades em fingir, afinal. E é a Gwen. Praticamente minha irmã, que apesar de estar sendo uma vaca escrota, ainda é minha família. Prometo a mim mesma que vou consertar tudo quando viramos a ultima esquina antes do quarteirão em que moramos. Espio Ricky pelo canto do olho e vejo uma expressão de perdido no seu rosto.

Me desculpa por não conseguir me salvar sozinha, é o que tenho que falar. Mas eu murmuro obrigada. Um obrigada que talvez não tenha sido escutado por cima dos nossos passos.

Do início da rua vejo as luzes da casa dos Whalen acesas. Meu coração quase sai pela boca quando vejo as luzes vermelho e azul refletindo no Honda Civic prateado. Um déjà vu fodido me paralisa e fico olhando Ricky correr até a casa enquanto fico para trás. Eles encontraram o corpo dela, não foi? Ela não vai mais voltar.

Me arrasto rumo a casa e ninguém parece me notar. Passo pela porta e vejo Alexandra sentada no sofá e o xerife segurar seu ombro enquanto ela chora. Ricky não está aqui embaixo. Seth está na cozinha, com a cabeça apoiada nas mãos, em cima do balcão. Subo as escadas, apesar dos meus pés parecerem chumbo; um degrau de cada vez, até que eu chegue lá em cima. Pela primeira vez em semanas eu sinto sono, não quero ouvir o que aconteceu.

No topo da escada encontro Gwen parada. Com os braços pendentes ao lado do corpo, os olhos cheios de tristeza — não mais de ódio — parecem ver através de mim. Subo o último degrau e congelo por um instante ao seu lado.

E esse é o momento em que eu sei. Quando seus braços repousam nos meus ombros e ela começa a chorar; não é sobre mim, não é sobre Joy DeBrassio estar desaparecida ou algo do tipo.

— Meu pai morreu, Erin — sua voz rouca é quase um sussurro no meu ouvido — ele explodiu com uma mina e morreu.

Parada no topo da escada, com as mãos nas costas de Gwen, eu vejo o mundo inteiro dos Whalen pegar fogo.


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Notas finais do capítulo

Beijos



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